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Proteção Internacional, Regional e Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência: Análise da adequação de Instrumentos Normativos com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
Proteção Internacional, Regional e Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência: Análise da adequação de Instrumentos Normativos com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
Proteção Internacional, Regional e Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência: Análise da adequação de Instrumentos Normativos com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
E-book370 páginas4 horas

Proteção Internacional, Regional e Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência: Análise da adequação de Instrumentos Normativos com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

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Sobre este e-book

A presente obra busca analisar a proteção jurídica dos direitos das pessoas com deficiência nos planos internacional, regional e interno. Especificamente, na primeira parte examinar-se-á a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, discorrendo-se sobre o seu processo de elaboração, os pontos em seu texto normativo que geraram controvérsias, suas principais novidades, bem como sobre as suas normas em geral. Logo após, serão analisadas as legislações de treze ordenamentos jurídicos espalhados pelos cinco continentes, relativos aos direitos de tais indivíduos. A partir daí, proceder-se-á a uma comparação destas legislações domésticas com dita Convenção, com o intuito de se estabelecer os pontos harmônicos e desarmônicos existentes, sugerindo-se modificações a serem feitas com vistas à plena harmonização. A segunda parte será dedicada ao Brasil, onde referido processo de estudo da legislação interna e posterior comparação com a Convenção também será realizado. Aqui, a pesquisa será mais pormenorizada, discorrendo-se, dentre outros temas, sobre as disposições constitucionais pátrias relativas à proteção dos direitos de tais indivíduos, o processo de incorporação da Convenção no Brasil, a possibilidade de exercício do Controle de Convencionalidade, bem como as modificações paradigmáticas operadas no ordenamento jurídico pátrio, advindas da adoção de dita Convenção. Ao final, realizar-se-á uma conclusão geral sobre o grau de harmonização apresentado pelos instrumentos normativos analisados em relação à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, determinando-se se os países vêm cumprindo com suas obrigações assumidas perante a comunidade internacional e perante as pessoas com deficiência.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de ago. de 2021
ISBN9786525205342
Proteção Internacional, Regional e Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência: Análise da adequação de Instrumentos Normativos com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

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Proteção Internacional, Regional e Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência - Filipe Augusto Silva

I. VISÃO GLOBAL DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

O presente tópico será dividido em duas partes principais. Na primeira, discorrer-se-á brevemente sobre a história dos direitos das pessoas com deficiência, bem como sobre os instrumentos jurídicos internacionais de proteção elaborados em prol de tais direitos.

Na segunda parte serão examinados alguns instrumentos normativos que tratam sobre os direitos das pessoas com deficiência nos planos regional e doméstico, presentes no âmbito dos cinco continentes.

A. DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E SUA PROTEÇÃO JURÍDICA NO PLANO INTERNACIONAL

O estudo dos instrumentos internacionais que tratam sobre os direitos das pessoas com deficiência demanda, primeiramente, uma análise do contexto histórico que envolve o tema. Referido exame histórico é de extrema importância para a compreensão de aspectos relevantes presentes em tais instrumentos e que serão analisados oportunamente.

1. Breve Histórico

A construção dos direitos das pessoas com deficiência engloba quatro fases distintas: a primeira foi marcada pela intolerância, na qual a deficiência representava impureza, pecado ou castigo divino; a segunda foi caracterizada pela invisibilidade das pessoas com deficiência; a terceira foi embasada numa visão assistencialista, na qual houve a preponderância de uma perspectiva médica e biológica de deficiência, sendo esta considerada uma doença a ser curada (PIOVESAN, 2013, p. 296); já a quarta fase foi:

[...] orientada pelo paradigma dos direitos humanos, em que emergem os direitos à inclusão social, com ênfase na relação da pessoa com deficiência e do meio em que ela se insere, bem como na necessidade de eliminar obstáculos e barreiras superáveis, sejam elas culturais, físicas ou sociais, que impeçam o pleno exercício de direitos humanos. Isto é, nessa quarta fase, o problema passa a ser a relação do indivíduo e do meio, este assumido como uma construção coletiva. Nesse sentido, esta mudança paradigmática aponta aos deveres do Estado para remover e eliminar os obstáculos que impeçam o pleno exercício de direitos das pessoas com deficiência, viabilizando o desenvolvimento de suas potencialidades, com autonomia e participação. De objeto de políticas assistencialistas e de tratamentos médicos, as pessoas com deficiência passam a ser concebidas como verdadeiros sujeitos, titulares de direitos. (PIOVESAN, 2013, p. 296).

Os dois eventos históricos que deflagraram a preocupação mundial com a proteção dos direitos das pessoas com deficiência foram as duas Guerras Mundiais, uma vez que, após a ocorrência destas, o número de pessoas com deficiências visuais, auditivas e locomotoras aumentou muito. Este aumento de casos exigiu uma postura protetiva dos Estados em relação a tais indivíduos (ARAÚJO, 2011, p. 8).

Alguns anos mais tarde, instrumentos normativos internacionais de proteção dos direitos das pessoas com deficiência começaram a surgir. Na sequência, discorrer-se-á sobre os mesmos.

2. Instrumentos Internacionais de Proteção dos Direitos das Pessoas com Deficiência

No âmbito da Organização das Nações Unidas, vários instrumentos jurídicos de proteção dos direitos das pessoas com deficiência passaram a ser elaborados. Em 11/12/1969, foi adotada a Declaração sobre o Desenvolvimento e Progresso Social (ONU, 1969a), onde se estabeleceu a proteção dos direitos e do bem-estar das pessoas com deficiência (Artigo 11), bem como determinou a adoção de medidas apropriadas para garantir a reabilitação de tais indivíduos (Artigo 19).

Referida resolução serviu como uma das bases para a criação da Declaração sobre os Direitos das Pessoas Deficientes Mentais (ONU, 1971), instrumento de proteção específico, celebrado em 20/12/1971. Nesta, são definidos vários direitos como, por exemplo, tratamento médico adequado, padrão decente de vida, bem como proteção contra abusos ou tratamento degradante.

Quatro anos mais tarde, em 09/12/1975, foi adotada a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (ONU, 1975). Em seu artigo 1º, é definido o conceito de pessoa deficiente como sendo qualquer indivíduo incapaz de assegurar, por si próprio, no todo ou em parte, as necessidades de uma vida individual e/ou social normais, por causa de alguma deficiência, seja ela congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais. Na resolução ainda é garantido o direito a não-discriminação e à dignidade humana, dentre outros.

Já em 17/12/1991, estabeleceu-se os Princípios para a Proteção das Pessoas com Doença Mental e para a Melhoria do Atendimento da Saúde Mental (ONU, 1991). Esta resolução trouxe em seu corpo normativo um total de vinte e cinco princípios concernentes ao tratamento, medicação, funcionamento das instituições de saúde mental, privacidade do paciente, dentre outros.

Apesar do visível esforço da ONU em proporcionar uma proteção jurídica às pessoas com deficiência, as três resoluções supracitadas foram duramente criticadas, uma vez que apresentavam um tom pejorativo e paternalista, além de não possuírem força vinculante, ou seja, tratavam-se de soft law. Ademais, não houve a participação de pessoas com deficiência na elaboração destes instrumentos normativos, constatando-se, portanto, que os mesmos foram concebidos com base na visão de indivíduos não-deficientes, o que acabou por acarretar a criação de um padrão inferior de direitos em relação às pessoas com deficiência (DHANDA, 2008, p. 45).

Por fim, em 20/12/1993, foram adotadas as Normas Uniformes sobre Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficiência (ONU, 1993). Nesta resolução, estabeleceu-se as condições prévias a serem preenchidas para possibilitar a participação equânime, as áreas que deveriam ser equalizadas, as medidas de implementação, assim como o mecanismo de monitoramento.

Na sequência, estudar-se-á em separado, de forma mais detida e detalhada, a Convenção sobre Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes, da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1983), o Tratado de Marraquexe para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas para Pessoas Cegas (OMPI, 2013) e a Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência da ONU (ONU, 2006), tendo em vista o relevante papel que desempenham no âmbito de proteção dos direitos das pessoas com deficiência.

2.1 Convenção sobre Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes

Primeiramente, é essencial compreender-se o conceito e a natureza jurídica das Convenções adotadas pela OIT. Tratam-se de tratados multilaterais abertos - ou seja, que não possuem destinatário certo, podendo os Estados-membros da OIT aderirem ao mesmo livremente - de natureza normativa, concebidos sob a égide da Conferência Internacional do Trabalho, com o intuito de regulamentar o trabalho em âmbito internacional. São fonte formal de direito, atribuindo aos cidadãos direitos subjetivos, imediatamente aplicáveis (contanto que não veicule normas de conteúdo meramente programático) (MAZZUOLI, 2013, p. 13/15).

A Convenção nº 159 da OIT (OIT, 1983), concluída em 01/06/1983, na cidade de Genebra, trata sobre a reabilitação profissional e o emprego de pessoas com deficiência. Em seu artigo 1º, define o conceito de pessoa deficiente, para fins de sua aplicação, como sendo todo aquele indivíduo, cujas possibilidades de conseguir e manter um emprego adequado, e de progredir no mesmo, sejam consideravelmente reduzidas devido a uma deficiência de ordem física ou mental, desde que devidamente comprovada.

Ainda nesse artigo, a Convenção estabelece que o objetivo da reabilitação profissional é a de possibilitar que a pessoa com deficiência consiga e mantenha um emprego, e progrida no mesmo, promovendo, desta forma, a integração ou reintegração deste indivíduo na sociedade.

Na segunda parte da Convenção (do artigo 2º ao 5º) são estipulados os Princípios da política de reabilitação profissional e emprego para as pessoas com deficiência. Estabelece-se nesta parte da Convenção, que tal política tem como escopo assegurar a existência de medidas adequadas de reabilitação, bem como fomentar oportunidades de emprego.

Além disso, define-se que a política de reabilitação e emprego será formulada, aplicada e revisada pelos países-membros, de acordo com as condições nacionais, experiências e possibilidades apresentadas por cada um deles.

Princípio de suma importância é expresso no artigo 4º da Convenção, a saber, o da Igualdade, que serve como uma das bases da política em comento. Tal artigo determina a aplicação deste princípio entre trabalhadores com e sem deficiência, visando o alcance da igualdade de tratamento e de oportunidades entre os mesmos. Ao final, ressalva que as medidas positivas especiais, adotadas em prol deste objetivo, não são consideradas discriminatórias.

Já o artigo 5º estabelece a necessidade em se consultar as organizações representativas de empregadores, de empregados e de pessoas com deficiência, sobre a aplicação da política de reabilitação profissional e emprego. Através desta estipulação normativa, a Convenção reconhece a importância do papel desempenhado por tais organizações no âmbito das relações de trabalho.

A terceira parte da Convenção (do artigo 6º ao 9º), traz as medidas que devem ser adotadas a nível nacional, para o desenvolvimento dos serviços de reabilitação profissional e emprego das pessoas com deficiência. Aqui há disposição específica, determinando que tais medidas também sejam tomadas no âmbito das comunidades rurais e distantes. Isso demonstra a preocupação da OIT em alcançar, com a adoção da Convenção nº 159, a totalidade das relações de trabalho, estendendo seus efeitos protetivos a todos os trabalhadores com deficiência.

A Convenção procura ainda, em seu artigo 9º, assegurar a formação e disponibilidade de assessores às pessoas com deficiência, por parte dos Estados, com o escopo de acompanhá-las em sua reabilitação. De igual modo, recomenda a disponibilização de pessoal qualificado para ajudar em sua orientação e formação profissionais, bem como na colocação e no emprego das mesmas.

Percebe-se que, a Convenção sobre Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes da OIT, constitui um marco histórico na proteção das pessoas com deficiência, uma vez que procura atribuir a estes indivíduos direitos específicos na esfera trabalhista, demonstrando a sua preocupação em promover a sua inclusão social, pautada na dignidade humana.

2.2 Tratado de Marraquexe para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas para Pessoas Cegas

O Tratado de Marraquexe para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas para Pessoas Cegas (OMPI, 2013), foi adotado em 27 de junho de 2013, pelos Estados-Membros da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), com o objetivo de lidar com o problema mundial da escassez de obras literárias adaptadas para pessoas com deficiência visual, uma vez que, a cada ano, dos milhões de livros publicados no mundo, somente de 1 a 7% destes são adaptados para tal grupo, que compreende cerca de 285 milhões de indivíduos, dos quais 90% vivem em países em desenvolvimento (OMPI, 2016, p. 2). A proposta do Tratado de Marraquexe partiu dos governos do Brasil, Argentina, Paraguai, Equador, e do México, com o apoio do Grupo de Países da América Latina e do Caribe (EBP, 2013). Sobre o conteúdo do tratado:

A matéria veiculada no tratado é claramente atinente a direitos humanos, recordando-se no seu primeiro considerando os princípios da não discriminação, de igualdade de oportunidades, de acessibilidade e de participação e inclusão plena e efetiva na sociedade, proclamados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

O instrumento representa o culminar das lutas empreendidas pelas pessoas cegas, com deficiência visual ou outras dificuldades de leitura (por exemplo, dislexia) para ter amplo acesso à cultura, para o que retira direitos autorais (limitando o sistema de copyright) em prol da garantia de leitura acessível a essa categoria de pessoas. (MAZZUOLI; XAVIER, 2016).

Trata-se do primeiro tratado de direitos autorais (copyright) a incluir uma perspectiva clara de Direitos Humanos em seu texto normativo, demonstrando que os sistemas de direitos autorais representam uma importante parte da solução ao desafio em se ampliar o acesso a livros, bem como a outros trabalhos impressos, para as pessoas com deficiência visual (OMPI, 2016, p. 2).

De maneira geral, o tratado em comento, com o intuito de alcançar seus principais objetivos, estabelece duas exceções aos direitos autorais, a saber:

[...] (a) a livre produção e distribuição de obras em formato acessível no território das Partes Contratantes e (b) o intercâmbio transfronteiriço desimpedido destes formatos. Este último dispositivo contribuirá para expandir, de forma significativa, sobretudo nos países em desenvolvimento, o acesso das pessoas com deficiência visual ao conhecimento, na medida em que permitirá o compartilhamento de formatos acessíveis produzidos em uma Parte Contratante com beneficiários residentes de quaisquer outras Partes. (SENADO FEDERAL, 2015).

Nesse sentido:

Para além do valor moral e político, o Tratado também possui aspectos juridicamente relevantes. O primeiro é que admite que leis de direitos autorais antiquadas podem ser usadas como barreiras para o acesso das pessoas com deficiência visual à informação impressa, dificultando que um número amplo de obras seja convertido e distribuído em formato mais acessível.

Ante isso, sem deixar de reconhecer que a proteção dos direitos autorais é uma forma de recompensa ao processo criativo dos autores e editores, pondera a necessidade de ampliar, de forma inclusiva, o contingente de leitores. O Tratado garante, no entanto, que a limitação de direitos autorais destina-se apenas à garantia de leitura dessa categoria de pessoas, não para terceiros que podem perfeitamente ler. (MAZZUOLI; XAVIER, 2016).

No seu artigo 3º, o Tratado de Marraquexe define quais as pessoas serão beneficiadas por suas disposições, a saber, aquelas que possuem deficiência visual ou outra deficiência de percepção ou de leitura, que não possa ser corrigida a fim de se obter visão substancial equivalente à de um indivíduo que não possua tal deficiência ou dificuldade, bem como aquelas que estejam impedidas, de qualquer outra maneira, devido a uma deficiência física, de manipular obra literária ou focar/mover os olhos de forma adequada à leitura, independentemente de quaisquer outras deficiências.

O Tratado de Marraquexe entrou em vigor internacional no dia 30 de setembro de 2016, três meses após o depósito do 20º instrumento de ratificação ou adesão, conforme preconizado por seu artigo 18º. Os primeiros vinte países são: Índia, El Salvador, Emirados Árabes Unidos, Mali, Uruguai, Paraguai, Singapura, Argentina, México, Mongólia, Coréia do Sul, Austrália, Brasil, Peru, Coréia do Norte, Israel, Chile, Equador, Guatemala e Canada (OMPI, 2016, p. 7).

A importância do Tratado de Marraquexe é imensa, no que tange à inclusão social, promoção da igualdade de oportunidades, e fomento à educação e cultura das pessoas com deficiência. Dos 117 países signatários, 79 já o ratificaram (OMPI, 2021), sendo que, a grande maioria que compõe este último grupo são considerados países em desenvolvimento, o que evidencia o sentido eminentemente econômico desta expressão, uma vez que, ao assumirem este relevante compromisso perante à comunidade internacional, consubstanciado no Tratado de Marraquexe, referidos países demonstraram que se encontram muito mais desenvolvidos no que tange à preocupação em se garantir direitos e liberdades fundamentais, não somente aos seus nacionais, mas a todos seres humanos, visando, assim, uma sociedade mais justa e inclusiva, fundada nos Direitos Humanos.

Cumpre-se ressaltar, que referido tratado foi aprovado no Brasil nos termos do artigo 5º, §3º da Constituição Federal (BRASIL, 1988), conforme evidenciado pelo Projeto de Decreto Legislativo nº 347/2015 do Senado Federal (SENADO FEDERAL, 2015). Isso significa que o Tratado de Marraquexe foi incorporado à ordem jurídica brasileira em condição de equivalência com as emendas constitucionais, podendo ser utilizado, portanto, como paradigma para o exercício do Controle concentrado de Convencionalidade das leis internas brasileiras, tema este que será aprofundado mais à frente no presente estudo.

Por fim, o Tratado de Marraquexe foi promulgado no Brasil pelo Decreto nº 9.522 de 8 de outubro de 2018 (BRASIL, 2018).

2.3 Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo

A elaboração de um instrumento internacional, integral e compreensivo, sobre os direitos das pessoas com deficiência, foi fomentada pela iniciativa de vários países. A instigação derradeira, para o início das negociações de referido instrumento normativo, foi realizada pelo México, na Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e outras formas de Intolerâncias, realizada no ano de 2001 em Durban. No mesmo ano, o então presidente mexicano, Vicente Fox, na 56ª Assembleia Geral da ONU, reiterou o pedido feito pela delegação mexicana, no sentido da elaboração de uma Convenção para a proteção das pessoas com deficiência, culminando tal pedido na adoção da Resolução nº 56/168 (SCHULZE, 2010, p. 18).

Referida Resolução estabeleceu um Comitê Ad Hoc, aberto à participação dos Estados-membros da ONU, com o objetivo de elaborar uma Convenção internacional compreensiva e integral para promover e proteger os direitos e a dignidade das pessoas com deficiências. Em seu artigo 1º, determinou que o Comitê deveria considerar propostas para a confecção da Convenção:

[...] baseadas na abordagem holística dos trabalhos realizados nos campos do desenvolvimento social, dos direitos humanos, e da não-discriminação e levando em conta as recomendações da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão de Desenvolvimento Social¹. (ONU, 2001, tradução livre).

A inclusão do direito humano ao desenvolvimento social pela Resolução, se deve ao fato de que a maior parte das pessoas com deficiência vivem em países em desenvolvimento, sendo que os avanços realizados nesta área, portanto, também têm o condão de contribuir para a ampliação dos direitos e da proteção das pessoas com deficiência (SCHULZE, 2010, p. 19).

Um dos pontos mais marcantes no processo de negociação de referido instrumento de proteção, foi a ampla participação, não somente dos Estados-Membros da ONU, mas também de Agências da ONU, Organizações Intergovernamentais - por exemplo, a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Banco Mundial, dentre outras - bem como de Instituições Nacionais de Direitos Humanos (INDH). Porém, a participação mais relevante foi a das pessoas com deficiência e suas organizações representantes, sendo que, referido processo de negociação, foi o primeiro a permitir, tão intensamente, a participação da sociedade civil, o que acabou revelando-se crucial para o sucesso do mesmo (GUERNSEY; NICOLI; NINIO, 2007, p. 3/4).

O trabalho do Comitê rendeu frutos, culminando na adoção, em 13/12/2006, da Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência (CDPD). Referido instrumento internacional de proteção foi aberto para assinatura em 30/03/2007, e entrou em vigor no dia 03/05/2008. É o primeiro tratado de Direitos Humanos do século XXI, e o mais rapidamente negociado até hoje. A sua criação é a resposta dada pela comunidade internacional, em relação ao longo período de discriminação e exclusão pelo qual as pessoas com deficiência foram submetidas (PIOVESAN, 2013, p. 297), sendo que, o seu propósito:

[...] é reafirmar os direitos das pessoas com deficiência como um ramo especializado dos direitos humanos, que faz parte do catálogo universal da Carta Internacional dos Direitos Humanos, consagrando-se, no preâmbulo da Convenção, o reconhecimento da questão dos direitos humanos das pessoas com deficiência na base dos princípios fundamentais do direito internacional dos direitos humanos, nomeadamente a universalidade, a indivisibilidade, a inalienabilidade e a interdependência, que se exercem no contexto adaptado para as pessoas com deficiência para evoluir o alcance e o significado dos direitos humanos e, sobretudo, significa que todos os direitos humanos e liberdades fundamentais serão tratados de forma igual para todos, independentemente da sua condição. (SOUSA, 2013, p. 185/186).

A CDPD é considerada atualmente, de forma inequívoca, o instrumento jurídico de proteção de direitos mais importante em relação às pessoas com deficiência. Obviamente que, uma convenção neste sentido, já deveria ter sido concebida há tempos, tendo em vista a importância da matéria que veicula. Porém, o fato de ter surgido apenas recentemente, muito após a entrada em vigor dos outros tratados de Direitos Humanos, possui uma vantagem, que Amita Dhanda (2008, p. 48) chama de sabedoria do atrasado. Isso significa que a Convenção ganha com os erros cometidos ou com os obstáculos descobertos no funcionamento das outras convenções sobre direitos humanos, possuindo a chance de se aprimorar e aperfeiçoar.

2.3.1 Principais Inovações presentes na CDPD

A entrada em vigor da CDPD (ONU, 2006), trouxe consigo inúmeras mudanças paradigmáticas ao cenário de proteção internacional dos direitos das pessoas com deficiência, existente até então.

A primeira inovação, para qual chama-se à atenção, é a que diz respeito sobre a força cogente da CDPD. Conforme já estudado, os outros instrumentos normativos concebidos no âmbito da ONU, tratavam-se de mera soft law. A Convenção mudou esta realidade, passando a deter força vinculante no plano internacional.

Há também uma mudança de visão sobre os programas de desenvolvimento especializados para as pessoas com deficiência, como, por exemplo, a reabilitação. Ao invés de enfatizar a criação de referidos programas, prioriza-se que os mesmos, sejam, primeiramente, inclusivos e acessíveis, às pessoas com deficiência (ONU, 2007, p. 7/8). Esta abordagem é conhecida como desenvolvimento inclusivo (GROCE, 2011, p. 10).

Partindo-se para o estudo das normas da Convenção, esta estabelece seu principal objetivo em seu artigo 1, qual seja, promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, por todas as pessoas com deficiência, e promover o respeito pela sua dignidade inerente.

Ainda no artigo 1, esclarece-se o conceito de pessoa com deficiência, como sendo todo aquele indivíduo que possui impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com diversas barreiras, pode obstruir a sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdades de condições com as demais pessoas. Frisa-se que, na alínea e do preâmbulo da Convenção, reconhece-se que a deficiência é um conceito em evolução, ou seja, é construído no dia a dia dessas pessoas, levando em consideração as suas experiências de interação com o meio onde vivem.

O conceito de deficiência evoluiu bastante em comparação àquele descrito no artigo 1º da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes da ONU (ONU, 1975), no qual enfatizava-se a incapacidade e a dependência das pessoas com deficiência, visão esta que não mais se coaduna com os

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