Reportagem Orientada Pelo Clique: O Critério de Audiência na Notícia On-Line
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Reportagem Orientada Pelo Clique - Ricardo Fotios
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
À memória de meu pai, Nikitas Hatzigeorgiou.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Caru Schwingel, por toda a dedicação no processo de construção dos alicerces conceituais deste livro.
Aos professores do Programa de Mestrado Profissional em Produção Jornalística e Mercado da ESPM-SP, pela contribuição para o aprimoramento teórico-conceitual desta obra em suas respectivas disciplinas: Prof.a Dr.a Maria Elisabete Antonioli, Prof. Dr. Enio Moraes Júnior, Prof. Dr. Renato Essenfelder, Prof.a Dr.a Egle Spinelli, Prof.a Dr.a Caru Schwingel, Prof. Dr. Edson Capoano, Prof. Ricardo Gandour e Prof.a Dr.a Magaly Prado.
Aos colegas da pioneira turma do MPPJM da ESPM-SP: Adrian Alexandri, Antonio Rocha Filho, Cleber Stevani, Jonas Gonçalves e, distintamente, aos meus ex-alunos, Clésio Oliveira e Mariana Benvenido, pela honra de se tornarem parceiros nesta jornada.
À Christianne González Visvanathan, pela gentil cessão do software da Brasil NewsCom.
Aos profissionais dos portais Globo e UOL, que contribuíram de forma decisiva para a execução dos objetivos desta pesquisa.
Às queridas Gabriela Metzker e Manoela Pereira, pelas ideias e reflexões luxuosas.
A Ulisses Lima, companheiro de todas as horas, pelo carinho, paciência e apoio.
PREFÁCIO
O outro, esse desconhecido
Sua Excelência, o leitor.
A expressão, atribuída ao publisher do jornal Folha de S.Paulo, Octavio Frias de Oliveira, falecido em 2007, caiu no gosto de redações de todo o Brasil e, nas últimas décadas, foi amplamente utilizada em editoriais, artigos de opinião e manuais de jornalismo para sublinhar a finalidade última desta atividade tão fascinante: o atendimento do direito do leitor à informação.
Nas faculdades de Jornalismo, ambiente em que tive o imenso prazer de conhecer o professor e jornalista Ricardo Fotios, a mensagem é igualmente reforçada. Trabalhamos para o leitor/ouvinte/telespectador/internauta. Ou: interator, coautor, codestinatário, receptor... As nomenclaturas variam conforme a perspectiva teórica adotada. Mas ele, em última instância, é nossa razão de ser.
À época de meu próprio mestrado, realizado no âmbito do programa de Língua Portuguesa da PUC-SP, dediquei-me a desvendar os mecanismos discursivos de inscrição/produção de um certo perfil de leitor a partir da análise de primeiras páginas de jornal. Eu também perseguia, pela via teórica, os contornos, à época abstratos, do sujeito que lê.
É claro que os grandes conglomerados de comunicação já aplicavam, àquela época, em meados dos anos 2000, metodologias consistentes de pesquisas de perfil de sua audiência. Na televisão, sobretudo, o Ibope prometia dados, em tempo real, sobre o comportamento dos telespectadores. Para tanto, contudo, recorria (e ainda recorre) a estudos de amostragem. A perspectiva de um estudo de audiência realizado em tempo efetivamente real
(simultâneo) e em termos absolutos (com toda a audiência) era distante.
Assim, apesar de repisarmos, em toda parte, elucubrações sobre Sua Excelência, o leitor
, a verdade é que o tom especulativo sempre dominou essas discussões. O leitor (digo, a audiência) sempre foi um mistério. Ou melhor, sempre teve algo de concreto, representado em cartas e mensagens, grupos focais, encontros presenciais, e algo de absolutamente misterioso e intangível, uma subjetividade inacessível.
Agora, isso mudou. Com a internet, tudo mudou.
Mas mudou mesmo? E como? Com que efeito?
É justamente sobre essas questões que se debruça o presente livro, fruto da extensa e rigorosa pesquisa realizada por Fotios no âmbito de sua dissertação de mestrado defendida no programa de Mestrado Profissional em Produção Jornalística e Mercado da ESPM-SP.
No estudo, Fotios investiga de que maneira a possibilidade de aferição, em tempo real, do comportamento da audiência de portais jornalísticos pode modificar o modo de atuação dos jornalistas. Ele estabelece como hipótese de investigação que a existência de um valor-notícia por ele denominado ROC (Reportagem Orientada pelo Clique) foi incorporado, nos últimos anos, ao grande conjunto dos critérios de noticiabilidade clássicos, que ele subsome sob quatro prismas fundamentais: 1) o impacto ou a denúncia social; 2) a novidade ou a temperatura do fato; 3) o envolvimento de (uma) personalidade(s) na notícia; 4) a presença de polêmica ou potencial de discussão. A esses acrescenta, então, a investigação de um quinto critério hipotético: o potencial de audiência ou alcance da história (o ROC propriamente dito).
A revisão de literatura realizada a respeito dos valores-notícia e das teorias do jornalismo que buscam sustentar essas percepções já é, em si, um trabalho digno de nota. A maior contribuição da obra, no entanto, reside no teste de suas hipóteses.
Na segunda fase do estudo, Fotios realizou entrevistas com jornalistas dos sites jornalísticos UOL Notícias e G1, e coletou uma significativa amostra de 200 manchetes publicadas nas homepages desses veículos para identificar os valores-notícia manifestos em cada uma delas e avaliar a preponderância do ROC como critério.
Um dos primeiros achados confirma justamente a percepção empírica do autor, ele mesmo jornalista habituado ao ambiente das redações de portais noticiosos. Trata-se da admissão, por 88% dos jornalistas entrevistados (todos diretamente ligados à seleção de notícias para Homepages), de que acompanham métricas de audiência em tempo real ou no mínimo três vezes ao dia – e que isso, portanto, influencia suas decisões.
Um olhar apressado para essa questão apontará no sentido de um empobrecimento dos valores do jornalismo, que estaria definitivamente se rendendo às sofisticadas métricas do sucesso
. Fotios, contudo, não envereda pelo caminho mais simples. Ao contrário, aponta explicitamente a complexidade desse fenômeno: será que ao atender a determinados interesses da audiência os jornalistas estão fazendo mais ou menos jornalismo? Jornalismo melhor ou pior?
Da amostra de 200 manchetes, foram observados apenas dois casos em que as notícias pautavam-se unicamente pelo critério ROC. Em todos os restantes, o ROC aparecia combinado aos critérios clássicos mencionados. Se é verdade que o estudo aponta 69% de incidência de ROC na amostra, é igualmente verdade que isso se combina a 70% de valores polêmica/tragédia
, 66% de novidade/temperatura
, 47% de personalidade
e 35% de impacto/denúncia
.
O ROC coordena-se, assim, de modo complexo, às lógicas de edição mais tradicionais. Como afirma o próprio Fotios, o critério, em seu estágio atual, aparece não apenas pautado pela perspectiva de alcançar mais
, mas também pela de alcançar melhor
.
O estudo abre amplas janelas sobre as quais podemos, agora, debruçar-nos para aprofundar questões mais específicas. Por exemplo: como o avanço das métricas afetará as redações? Como o jornalismo reagirá à provável popularização de sensores vestíveis
e outros aparatos de coleta de dados conectados à audiência? Como tecnologias de inteligência artificial podem ajudar – ou ameaçar – a prática de um jornalismo que depende da coleta e processamento de dados (inclusive sobre a audiência)? Qual o impacto disso nas rotinas dos profissionais, na avaliação do trabalho do jornalista? Qual o limite entre o ROC e o sensacionalismo, entre o clique legítimo e o clique de algum modo induzido? O que o leitor quer é que o leitor precisa? O jornalista mantém sua autoridade para decidir isso, na atualidade?
As questões são muitas, ainda. Como todo bom estudo, aliás, este abre mais interrogações do que encerra. Sua Excelência, o leitor
pode até ter seus hábitos de navegação e leitura mapeados em tempo real, de modo inimaginável até há poucos anos. Ainda assim, contudo, parece que uma certa dimensão de mistério persiste.
O jornalismo é, afinal, um encontro com o outro: com as fontes, com o público. E esse sujeito outro, tecnologias e sensores à parte, sempre será algo desconhecido, um território de surpresa, de espanto. E de muitos, necessários, estudos.
Renato Essenfelder
Jornalista, escritor, professor do Programa de
Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM-SP
APRESENTAÇÃO
Este livro foi concebido, principalmente, a partir do trabalho realizado para a titulação de Mestrado Profissional, da ESPM-SP, concluída em fevereiro de 2018. Além dos dados e descobertas da pesquisa propriamente dita, esta obra acrescenta outras reflexões sobre o tema do impacto das audiências sobre o jornalismo contemporâneo, conduzidas por mim a partir de 2015.
Como vou expor nos capítulos que se seguem, a inclusão da variável da interação do público no cenário da comunicação na internet, organizada em princípios conhecidos por Web 2.0, trouxe inquietação ao mercado do jornalismo. Habituado a critérios subjetivos de seleção de notícias aos olhos de leigos, como relevância social e potencial de polêmica, o mundo jornalístico global viu-se em um ambiente de produção e consumo totalmente distintos daquele controlado por empresas de mídia tradicionais.
Na produção, os atores cresceram em quantidade e em diversidade. Na prática, cada indivíduo com acesso à internet é um produtor de conteúdo em potencial. Quebra-se, portanto, a barreira da hegemonia do até então conhecido por quarto poder
nas democracias. O jornalismo profissional deixou o protagonismo na era da comunicação em rede. Defendo, inclusive, que o papel de protagonista na produção continua vago no novo ecossistema da informação fragmentada.
Da mesma forma, o consumo de notícias retirou-se do conforto do jornal impresso e encartado, da revista semanal com o apanhado das melhores histórias, segundo a avaliação do publisher. Mesmo com penetração ainda gigante na sociedade brasileira, o próprio telejornalismo reduziu-se do ponto de vista da exclusividade e do impacto. Em vez de um momento para se informar, o público hiperconectado recebe e demanda informações diversas nas 24 horas do dia, sem que seja necessariamente preciso haver um mediador, um curador.
Nesse cenário, conhecer mais exatamente o que o público de determinada publicação on-line pretende saber se tornou fundamento de manutenção do modelo de negócio das corporações. Tal tarefa só se faz possível com o auxílio imprescindível das tecnologias de informação e comunicação (TICs), do acúmulo de dados em bancos globais (big data), das ferramentas avançadas de mapeamento da audiência (métricas) e dos sistemas complexos de publicação de conteúdo (CMS).
O cruzamento dessas informações e o emprego da analítica necessária à correta interpretação dos dados é que permeiam todo este trabalho em busca de evidências de que a audiência evoluiu de uma força na cadeia de produção e consumo da notícia para um critério