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Castelo de Areia
Castelo de Areia
Castelo de Areia
E-book292 páginas3 horas

Castelo de Areia

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Sobre este e-book

Rebecca mantém um caso extraconjugal com um estranho misterioso e vive em conflito com a enteada, que nunca aceitou o casamento do pai e a quem responsabiliza pela morte da mãe. Essa relação familiar tumultuada vem à tona no aniversário da melhor amiga de Rebecca, Margot, uma balzaquiana tímida, que sofre de transtorno bipolar. Mas a amizade entre as duas sofre um revés quando Margot passa a suspeitar das reais intenções da amiga. Quem é esse homem misterioso, quais suas intenções e qual será o desdobramento nas relações entre as duas famílias diante das intrigas e traições?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de out. de 2021
ISBN9786525012841
Castelo de Areia

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    Castelo de Areia - Luiz Ivo

    Capítulo 1

    Sábado, 6 de junho de 2015.

    Margot, uma balzaquiana ruivinha e sardenta dos cabelos curtos, franja e olhos castanho-claros, acorda sonolenta e retira a viseira noturna. Senta-se na cama, confirma que o marido já se levantou, como de praxe, e espreguiça-se de olho no relógio sobre a mesinha de cabeceira: são 10h07.

    "Nossa, perdi a hora!", pensa e vai até a janela. Abre as persianas deixando a luz da manhã ensolarada invadir o quarto. Vê o marido, um homem alto, 35 anos, malhado, cabelos castanho-escuros, corte undercut, barba bem-aparada e baixinha, à beira da piscina, usando bermudão e sem camisa, exibindo o corpo sarado. Ele conversa com Sergio, um negro alto, quarentão, bem-apessoado, igualmente malhado, cabeça raspada e brilhosa, barba e bigodes cheios. O grandalhão usa bermudão, camiseta de malha preta e tênis, e sua esposa, Rebecca, outra balzaquiana loira dos olhos verdes, cabelos lisos e compridos até o meio das costas, alta e corpo escultural malhado, veste um conjuntinho de malha cinza com lista vermelha nas laterais e tênis. Por um tempo, observa o marido falando e gesticulando animadamente, o amigo e sócio apenas sorri e assente, braços cruzados e pernas semiabertas. Rebecca também sorri esbanjando charme, empertigada, fazendo caras e bocas, ajeitando a franja dos cabelos esvoaçantes, presos como rabo de cavalo.

    A loirinha levanta as vistas e alcança Margot atrás da vidraça da janela do quarto. As duas encaram-se ligeiramente, a loira acena, Marcelo e Sergio viram-se, a ruivinha sorri, retribui o aceno e se afasta.

    Ψ

    A empregada da casa dos Gomes, uma elegante mansão com dois pavimentos, cinco suítes, dois sanitários sociais, sala de estar íntima, sala de estar e jantar protegida por painéis de vidro com vistas para os jardins e para a piscina, copa, cozinha, varandão em L, uma edícula com área gourmet, área de serviço e uma extensa área gramada protegida por cerca viva formada por ixorias, palmeiras e árvores frutíferas, aproxima-se agitada.

    — Seu Marcelo, o rapaz chegou com a carne.

    O rapaz franze o cenho, olha ligeiramente para a janela da suíte, não vê a esposa, então, retruca:

    — Diz para ele deixar no balcão da cozinha, Dona Marta. Seu Antonio já deve estar chegando.

    — Sim, senhor. — retruca ela e sai apressada.

    — Rebecca, vamos andando. — diz Sergio e enlaça a esposa pela cintura.

    A jovem sorri e assente.

    — Estamos esperando vocês, hein! — diz Marcelo e pisca um olho para a loira.

    — Claro! — retruca ela. — Diga a Margot que daqui a pouquinho a gente vem.

    O casal afasta-se pelos fundos do casarão. Marcelo põe a mão na cintura e observa o jeitão sedutor da loira caminhando de mãos dadas com o marido. Antes de desaparecer atrás da cerca viva, ela olha para trás: os dois trocam olhares, ela sorri, ele retribui.

    — Pedaço de mau caminho! — murmura, meneia a cabeça e puxa os cabelos para trás; gira o corpo e segue para a suíte do casal.

    Sobe as escadas trotando, cruza a sala íntima e entra no quarto. Ouve o ruído da água do chuveiro e vai até a porta do banheiro. Contempla a silhueta da esposa atrás do vidro jateado e diz:

    — Margot, minha querida, que horas você pretende descer, hein?! Daqui a pouco o pessoal começa a chegar.

    — Já estou indo, amor!

    Pouco depois, a mulher aparece enrolada na toalha. O marido está encostado na janela lendo mensagens no celular.

    — Desculpe, amor, mas é que precisei tomar remédios outra vez pra conseguir dormir e acabei perdendo a hora. — justifica ela.

    O homem desliga o celular e franze a testa.

    — Por que você não faz uma terapia pra tentar superar essas insônias e suas fobias, hein, Tê?

    A ruivinha torce a boca em desagrado.

    — Não quero falar sobre isso agora, tá bom?

    Marcelo comprime os lábios e meneia a cabeça lentamente.

    — Pelo menos você devia começar a fazer exercícios. Vai te fazer bem e não vai atrapalhar em nada seu trabalho de escrita. Por que você não vem correr comigo, Sergio e Rebecca?

    — Não tenho vontade, nem disposição, amor. O que eu gosto mesmo é de escrever aqui no meu cantinho.

    — Bem, você é quem sabe. Vou tomar meu banho. — diz ele, desistindo da conversa e beija a testa da esposa.

    Margot posiciona-se em frente ao espelho do closet e distrai-se escovando os cabelos até ouvir o ruído do chuveiro. Vira-se em direção à porta do banheiro e observa o vulto do marido atrás do boxe de vidro jateado. Sorri e diz:

    — Tem uma primeira vez pra tudo, amor. Quem sabe, um dia desses, eu vá caminhar com vocês.

    — Eu vou adorar! — vozeia ele.

    A mulher dá meia-volta e concentra-se na escolha de uma roupa para vestir. Ouve-se apenas o ruído da água da ducha caindo no piso do banheiro.

    Marcelo ensaboa-se e fica parado, deixando a água quente rolar livremente sobre seu corpo. Sua mente revisita lembranças recentes…

    Está abraçado com a esposa, sentados na penumbra de um dos cantos da casa noturna lotada, som alto e muita agitação. Ao lado de Margot estão seu irmão, Júlio, a esposa, Maria Rita, e Rebecca. Júlio e a esposa vão para a pista de dança e Rebecca provoca Margot:

    — Por que você dois não vão dançar também, hein?!

    Recorda-se do jeitinho delicado da esposa encostando o rosto em seu ombro e dizendo:

    — Não quero dançar, estou bem aqui!

    A amiga dá de ombros, levanta-se e passa a dançar em frente à mesa, sozinha, mas sensualizando, agitando os longos cabelos loiros de um lado para o outro, remexendo o quadril e valorizando o corpo dentro de um vestidinho apertado e curto.

    Que mulherão!, pensa em meio às suas recordações.

    Diz para a esposa que vai ao sanitário e sai contornando a multidão pelo canto direito da casa noturna. Quando retorna, é surpreendido por Rebecca, que o abraça pelo pescoço e o beija ali mesmo, na porta da toalete. Sente uma excitação desmedida ao ser puxado para um dos cantos escuros, ao ser novamente beijado… Ao ter sua mão levada aos seios da moça… E do sussurro ao pé de ouvido:

    — Estou te esperando mais tarde, lá na minha cama. Sergio só volta amanhã à noite.

    A moça afasta-se um pouco. Recorda-se perfeitamente de ter ficado imóvel, sem saber o que dizer ou fazer. Ela mais uma vez se aproxima e diz ao pé do ouvido:

    — Volte à toalete e limpe essa boca.

    A moça afasta-se e desaparece na multidão.

    A simples lembrança deixa Marcelo excitado, mas também possuído por um súbito remorso.

    Lembra-se de voltar à mesa e encontrar Rebecca sentada ao lado da esposa, as duas abraçadas e sorrido.

    Passa xampu nos cabelos e os massageia. As lembranças retornam…

    Margot não demorou a dormir naquela noite, sob efeito de duas taças de vinho. Sai à surdina, corre pelo calçadão na penumbra até a residência de Rebecca e juntos protagonizam momentos de sexo tórrido sobre o tapete da sala de estar.

    Volta a ficar excitado ao lembrar-se do corpo escultural da loira dos olhos verdes, pernas grossas, levemente malhadas, bunda grande e seios pequenos e eriçados.

    — Amor! — soa a voz de Margot.

    O rapaz assusta-se e cobre o membro ereto com uma das mãos.

    — Já estou saindo! — vozeia ele. Espera um tempo até que a excitação passasse e sai do banho enrolado na toalha.

    No closet, observa a esposa vestida com um bermudão e uma blusa de renda branca. Ela encara-o com olhar interrogativo.

    — Você bem que podia vestir um daqueles vestidinhos, afinal está calor e você ficaria ainda mais linda.

    Margot torce a boca e se olha no espelho.

    — Eu tenho vergonha desses meus gambitos. — diz ela.

    — Nada de gambitos! Suas pernas são lindas e eu gosto de você do jeito que você é: magrinha e sensível.

    A esposa mostra-se indecisa e encara-se no espelho; o rapaz termina de vestir-se com bermudão e camiseta de malha; calça as sandálias de couro e empunha o celular.

    — Estou te esperando lá embaixo, amor. — diz ele e sai fechando a porta atrás de si.

    A ruivinha continua se olhando no espelho, hesitante. Está feliz, mas desanimada. Resiliente, volta a fuçar o guarda-roupa à procura de outro traje e perde alguns minutos sem encontrar nada que a agrade. Lembra-se dos vestidinhos que deixou dependurados junto com as camisas do marido e se volta para o outro lado do closet. Corre os olhos pelo cabideiro, examina os três vestidinhos dependurados na extrema direita e se decide por um deles. Ao puxar o cabide, traz junto uma das camisas do marido, que cai no carpete. Margot joga o vestido sobre a banqueta, abaixa-se e nota alguma coisa volumosa no bolso da camisa. A ruivinha franze a testa intrigada, abre o bolso e retira uma caixinha azul. Ainda ajoelhada no carpete, abre o estojo e arregala os olhos ao ver o anel de ouro cravejado de safiras azuis: o coração dispara.

    "Marcelo comprou uma joia pra mim?!", pensa e sente uma vontade imensa de gritar de felicidade, mas se contém.

    Eufórica, devolve a caixinha para o bolso da camisa e a dependura no cabideiro.

    Ψ

    Marcelo passa rapidamente no escritório, abre a segunda gaveta da mesa, coloca uma caixinha no bolso da bermuda, sai apressado e se acomoda no barzinho da edícula. O churrasqueiro aproxima-se e ele diz:

    — Capricha aí, Seu Antonio.

    — Pode deixar, Seu Marcelo.

    O rapaz serve-se com uma tulipa de cerveja, liga a Smart TV, seleciona um videoclipe musical e senta-se na bancada do barzinho. Corre os olhos pelo entorno da propriedade, observa o pessoal do buffet arrumando as mesas com os sombreiros e finalmente se distrai com o celular e a bebida. Lembra-se de Rebecca, de Sergio e meneia a cabeça lentamente.

    "Que mulherão!", pensa e envia uma mensagem pelo WhatsApp.

    Ψ

    Após percorrerem o espaço de 10 casas trotando pelo calçadão às margens do Rio Joanes sob o sol escaldante, Sergio e Rebecca entram na residência pelos fundos: uma mansão no mesmo estilo da residência dos Gomes. Suado e cansado, ele vai diretamente para a edícula da churrasqueira, serve-se com limonada, senta no banquinho e passa a manusear o celular. Aos poucos, recupera o fôlego.

    — Vou tomar uma ducha. — diz a esposa.

    Na suíte do casal, porta aberta, a loira anda lentamente de um lado ao outro para se recuperar da corrida. Entretém-se conferindo as mensagens no celular: uma delas arranca-lhe um sorriso.

    "Louco!", pensa e digita no WhatsApp:

    (Rebecca): Seu Louco. Fico com tesão só de pensar em você.

    A loira sorri cinicamente e se aproxima do janelão. Observa o marido sentado em uma das banquetas do barzinho da edícula, manuseando o celular. Dá de ombros e segue para o closet. Encosta-se na porta e continua lendo as mensagens do WhatsApp. Meneia a cabeça e sorri ao ler uma delas.

    — Posso saber por que a dondoquinha está tão feliz assim?!

    Rebecca gira o corpo, enfezada, e vozeia:

    — Me respeite está ouvindo, Tereza?!

    — Quer que eu te respeite? Então deixa eu ver essas suas mensagens aí.

    — Não tenho que dar satisfação da minha vida pra você, sua fedelha!

    Tereza franze a testa, entra no quarto de supetão e puxa o celular da mão da loira enfezada; ela reage agarrando-se aos cabelos da moça, puxando-os para trás. A negra deixa o celular rolar pelo carpete, gira o corpo e revida esticando os cabelos da madrasta aos gritos:

    — SUA VADIA!!! SUA PIRIGUETE DOS INFERNOS!!!

    As duas rolam pelo carpete, aos tapas.

    Dona Celé, a empregada da casa, aparece na porta do quarto, grita por socorro e tenta apartar a briga.

    Sergio aparece e vocifera:

    — PAREM COM ISSO! PAREM!!!

    Em seguida, segura a filha, Tereza, pela cintura e pelo braço e puxa-a para cima. Com os cabelos desgrenhados e a blusa rasgada, Rebecca põe-se a chorar.

    — O que foi isso, Tereza?! — exclama o pai, severamente.

    — Será que o senhor não vê que essa mulher não presta?!

    — Tereza!!! — retruca Sergio, irritado.

    — É isso mesmo! Peça pra essa piriguete te mostrar as mensagens do WhatsApp dela. — reafirma a filha, com voz rancorosa.

    Já de pé, Rebecca parte para cima da moça, mas Sergio se interpõe entre elas.

    — Vou te mostrar quem é a piriguete aqui, sua desgraçada! — vocifera a loira enfezada.

    — PAREM COM ISSO! — berra Sergio, mais uma vez. — Vá para seu quarto, Tereza!

    A filha desvencilha-se do pai, entra no quarto ao lado e bate a porta. Rebecca joga-se na cama aos prantos.

    — Pode ir cuidar das suas coisas, Celé. — diz o grandalhão e esfrega a careca lustrosa tentando se acalmar.

    — Misericórdia, senhor! — resmunga Dona Celé e desce as escadas apressada.

    Sergio fecha a porta da suíte e Rebecca pula da cama.

    — Essa sua filha é louca, Sergio, eu não tenho que aguentar isso, não!

    O homem enfezado anda de um lado ao outro.

    — Afinal, o que é que está acontecendo para Tereza te tratar assim, hein, Rebecca?!

    — Não está acontecendo nada. Nada, está ouvindo?! Sua filha é uma despeitada, problemática e neurótica, isso sim!

    — Merda, Rebecca… Você tem que se entender com Tereza!

    — Escute bem o que vou te dizer: não vou permitir que essa pivetinha transforme minha vida em um inferno. Ouviu bem?!

    — Não fale assim de Tereza.

    — Ah, não! E ela pode me chamar de vadia, piriguete e sei mais lá o quê! Vá cuidar da sua filha, que é melhor. Essa menina é doente e precisa de tratamento médico.

    — REBECCA! — berra.

    — Me deixa em paz, Sergio! Eu vou tomar um banho e vou pra casa da Margot. Se você quiser vir, venha, mas não enche meu saco! — retruca a loirinha furiosa; entra no banheiro e bate a porta.

    — Droga! — esbraveja o grandalhão e vai até a porta do quarto da filha.

    Bate duas vezes e vozeia:

    — Tereza… Tereza, abra essa porta!

    — Me deixa em paz, meu pai.

    — Abra essa porta, Tereza! — vocifera.

    A moça abre a porta e descarrega sua raiva no pai:

    — Pode fazer o que o senhor quiser, mas eu não vou pedir desculpas pra aquela lambisgoia de merda!

    Sergio adentra o quarto, fecha a porta e respira fundo tentando se acalmar.

    — Você não pode tratar Rebecca desse jeito! Ela é minha esposa… E ela não tem culpa pelo que aconteceu com sua mãe. Aliás, você sabe muito bem que nós nos conhecemos muito depois da morte de Sofia.

    — Não meta minha mãe nessa história! — retruca Tereza e fica de costas para o pai, com os braços cruzados.

    — Não sei porque você implica desse jeito com Rebecca.

    — Ah, não! Só o senhor não vê que essa sirigaita fica flertando com todo mundo. Olha o jeito dela… Como ela se veste.

    — É o jeito dela, Tereza!

    — Será que o senhor não vê que ela está fazendo o senhor de trouxa?!

    Sergio sente o sangue ferver.

    — Não fale assim comigo, Tereza! Me respeite e respeite Rebecca!

    — Nunca que vou respeitar aquela vadia!

    O pai ameaça esbofetear a filha, mas se contém a tempo. Contudo empurra a moça em direção à cama de forma agressiva.

    — O senhor deixou minha mãe morrer e agora quer se livrar de mim, é isso?!

    Sergio respira fundo e gesticula com os olhos marejados.

    — Você sabe que isso não é verdade, Tereza. O que aconteceu foi uma fatalidade e você não pode me punir pelo resto da vida! Chega! Chega de me chantagear com isso!

    Tereza põe-se a chorar. O celular toca, Sergio reconhece o número e diz:

    — Depois a gente termina essa conversa.

    Sai apressado tentando se recuperar emocionalmente. O celular tocando. Desce as escadas e aperta os passos para o varandão. O telefone para de tocar.

    "Merda!", pensa.

    Acomoda-se no barzinho da edícula e serve-se com uma tulipa de cerveja. Bebe um gole e apoia-se no balcão, reflexivo. Lembra-se das palavras da filha e do acidente…

    Era uma noite de verão com lua cheia, pista bem sinalizada. Acelerou forte para ultrapassar uma carreta, o pneu dianteiro estourou e não conseguiu concluir a ultrapassagem a tempo. Ato reflexo, força um desvio à esquerda e perde o controle do carro. O choque com outro caminhão é inevitável. Lembra-se da esposa ensanguentada, presa nas ferragens do veículo e que ele saiu praticamente ileso do acidente.

    Meneia a cabeça na tentativa de desvencilhar-se das lembranças e bebe mais um gole da cerveja.

    O telefone volta a tocar.

    — Alô!

    — Tudo bem.

    — Preciso de mais um tempo, Raul! Uma semana e liquido essas parcelas em atraso.

    — Eu sei… Eu sei!

    — Até sexta-feira resolvo isso.

    — Valeu! Um abraço… Droga! — esbraveja ao desligar o celular.

    Aborrecido e preocupado, volta para a suíte do casal; a esposa ainda está no banho. Torce a boca, separa uma muda de roupas no closet, pega uma toalha e vai para o sanitário social.

    Ψ

    Enfiada sob a ducha de água quente, cabelos enrolados e protegidos por uma touca plástica, a loirinha ensaboa-se com raiva. A cólera aos poucos vai se abrandando e a jovem relembra o dia em que conheceu o marido.

    Era sábado de carnaval, finalzinho de tarde, sol se pondo. Ela e mais três amigas estavam em frente ao Orixás Center quando avistou um Audi Cabriolet preto com a capota abaixada reduzir a velocidade e parar por alguns segundos antes de entrar no estacionamento. Lembra-se da sua reação:

    — Olha lá, gente, o carrão do homem!

    Recorda-se também de atravessar a rua correndo junto com as amigas e se aproximarem furtivas do estacionamento em meio ao vaivém de foliões.

    — O que você vai fazer, amiga?

    — Vou atrás do meu príncipe encantado, ora!

    — Você nem sabe quem é o cara!

    — Com aquele carrão, ele deve ter um castelo também. — brinca. — Um príncipe e um castelo é tudo o que preciso!

    — Você é louca, amiga!

    Rebecca sorri e volta a se ensaboar.

    O moreno alto sai do estacionamento cabisbaixo e segue em direção à Avenida Sete.

    — Vamos seguir o cara, gente!

    — Você vai fazer o quê, hein, Rebecca?!

    — Vocês vão ver.

    — Sua pivetinha do cão… Estou me lixando pra você! Se você pensa que vai me tirar desse castelo, está redondamente enganada. — murmura e sai do banho.

    Arruma-se com um shortinho curto, uma blusinha de malha, deixando parte da barriga trincada de fora, maquia-se, finalizando com um batom vermelho e, por fim, escova os longos cabelos loiros escorridos. Segura as sandálias altas na mão e desce as escadas apressada.

    Sergio está sentado no barzinho da sala de estar bebericando cerveja e sente-se incomodado ao ver a esposa toda produzida. Ainda mais quando calça as sandálias altas e empertiga o corpo para ajeitar os cabelos longos. Meneia a cabeça lentamente ao se lembrar da filha. Respira fundo e aborda a esposa:

    — Rebecca, esse short está muito curto.

    — E daí?!

    — E daí que Tereza vai continuar encrencando. Você sabe como ela é… Por que você não coloca uma roupa mais composta?

    — Estou me lixando pra sua filha e não vou trocar a merda dessa roupa! — retruca ela rispidamente.

    Com gestos bruscos, Rebecca retira um biquíni da bolsa de praia que deixou sobre o sofá e o transfere para a bolsa que vai usar no aniversário da amiga.

    — E esse biquíni aí?!

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