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Panorama jurídico do agronegócio
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E-book358 páginas4 horas

Panorama jurídico do agronegócio

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Sobre este e-book

O livro percorre temas do dia a dia de empresas do agronegócio, tais como: patrimônio rural em afetação, cláusula arbitral nos títulos de financiamento do agronegócio, proteção de dados, assinatura eletrônica, títulos do agronegócio e sua importância para no financiamento privado, Cédula Imobiliária Rural, aquisição de imóvel rural por estrangeiros e aspectos práticos das garantias em operações do agronegócio
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de out. de 2021
ISBN9786586352504
Panorama jurídico do agronegócio

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    Panorama jurídico do agronegócio - Antonio Carlos de Oliveira Freitas

    listra

    CAPÍTULO 1

    Considerações sobre o patrimônio rural em afetação

    Eliana Camilo

    Sumário: 1. Introdução 2. Regime de afetação no direito brasileiro 3. Conceito e regramento do patrimônio rural em afetação 3.1 Constituição do patrimônio em afetação 3.2 Cancelamento do patrimônio rural em afetação 3.3 Medidas para consolidação da propriedade pelo credor em caso de inadimplemento do devedor 3.3.1 CIR e CPR: títulos de crédito 3.3.2 Procedimento para execução da CIR e da CPR 4. Considerações a serem analisadas na concessão do credito e que podem impactar na aceitação do patrimônio rural como garantia 5. Conclusão.

    1. Introdução

    Uma das principais atividades econômicas do Brasil é, sem dúvida, a produção agrícola, responsável por mais de 20% do PIB nacional, com capacidade de produção para alimentar a população brasileira e produzir quantidade de grãos, carnes e derivados suficiente para movimentar o comércio e o cenário internacional.

    A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) publicou um panorama do agronegócio na atual conjuntura econômica, em que o mundo atravessa a pandemia da Covid-19. Mesmo num ano tão delicado, a CNA (2020) apontou:

    O agronegócio tem sido reconhecido como um vetor crucial do crescimento econômico brasileiro. Em 2019, a soma de bens e serviços gerados no agronegócio chegou a R$ 1,55 trilhão ou 21,4% do PIB brasileiro. Dentre os segmentos, a maior parcela é do ramo agrícola, que corresponde a 68% desse valor (R$ 1,06 trilhão), a pecuária corresponde a 32%, ou R$ 494,8 bilhões. O valor bruto da produção (VBP) agropecuária alcançou R$ 651,5 bilhões em 2019, dos quais R$ 400,7 bilhões na produção agrícola e R$ 250,8 [bilhões] no segmento pecuário. As estimativas e projeções mais recentes apontam que o VBP em 2020 deve alcançar R$ 728,68 bilhões – R$ 457,08 bilhões do ramo agrícola e R$ 271,6 [bilhões] do ramo pecuário –, um incremento de 11,8% frente a 2019.

    Além disso, de acordo com dados publicados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (O CRÉDITO RURAL..., 2021), os agentes financeiros (bancos públicos privados e cooperativas), de certa forma, não conseguem atender a toda a demanda de crédito da atividade agroindustrial brasileira, o que se verifica facilmente no gráfico abaixo, relativo aos recursos aplicados na safra 2019/2020:

    Imagem

    Analisando o tema, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (O CRÉDITO RURAL..., 2021), publicou ainda:

    Na distribuição dos financiamentos por região, o Sul se destaca com 34%, secundado pelo Centro-Oeste com 26%, sendo que a participação, por finalidade, nessas regiões foi, respectivamente, de 42% e 18% na comercialização e de 36% e 27% no custeio e industrialização. No investimento, ambas regiões tiveram igual participação de 28%. Em relação à participação dos agentes financeiros que operam com crédito rural, os bancos públicos e privados tiveram redução de um ponto percentual, se situando, respectivamente, em 54% e 26%, seguidos pelos bancos cooperativos, que ampliaram sua participação, de 17% para 18%. No ranking dessas instituições em termos de valor financiado, o Banco do Brasil manteve a 1ª posição, seguido pelo Sicredi, Bradesco e Bancoob. O Banco do Nordeste ocupou a 7ª posição, seguido pela Caixa Econômica Federal.

    Dessa perspectiva, não há dúvida de que as indústrias de insumos agrícolas, bem como as tradings, têm um papel importante na concessão de financiamento privado, ainda que indiretamente, no sentido de atuar como facilitadores da captação de recursos por meio de diversas operações financeiras de fornecimento de produtos indispensáveis à formação da lavoura, em contrapartida ao recebimento a prazo dos valores devidos pela aquisição ou, respectivamente, de produtos devidos pela compra antecipada da produção agrícola.

    Em tal cenário, a formalização de garantias é um instrumento imprescindível às operações estabelecidas entre produtores rurais e as diversas empresas do segmento, com mais possibilidade de receber os valores relativos à compra e venda de insumos e de produção agrícola, vencimentos geralmente ajustados para o semestre ou ano seguinte.

    Entre as garantias passíveis de oferta previstas no ordenamento jurídico brasileiro antes da edição das alterações discutidas aqui, estavam as garantias reais, sendo certo que – independentemente da modalidade, hipoteca ou alienação fiduciária – não era incomum que um produtor rural, quer possuísse uma ou diversas propriedades, se visse em dificuldades em tais contratações por não ter condições de oferecer, por exemplo, um imóvel em garantia de primeiro grau que fosse vinculado à emissão de uma Cédula de Produto Rural (CPR) ou a algum outro título de crédito representativo de operações de compra e venda de insumos agrícolas.

    Sensível a isso, o legislador fez constar na exposição das razões da Medida Provisória n. 897/2019 – que deu origem à Lei n. 13.986/2020, ou Lei do Agro – a preocupação com a melhora da qualidade das garantias prestadas por produtores rurais e, consequentemente, a maior segurança ao concedente do crédito, fatores considerados para a instituição de uma nova garantia denominada patrimônio rural em afetação. Nesse sentido:

    Na exposição de motivo da MP n. 897/2019 (EMI n. 00240/2019), elaborada pelo Banco Central em conjunto com os Ministérios da Economia e da Agricultura, sobressaía a proposição de um veículo normativo sobre mecanismos de garantias ao crédito rural. Quanto ao patrimônio de afetação, depois de defini-lo como segregação de bens para efeitos de garantia destinada à redução de custos operacionais e melhorar a qualidade das garantias oferecidas pelos produtores rurais enfatizava a atribuição de maior segurança à concedente do crédito, uma vez que esta passa a ter, em caso de inadimplência do produtor rural, autorização imediata e irretratável para se apropriar do imóvel dado em garantia para posterior alienação (VIEIRA; MOURÃO; MANICA, 2020, p. 1696 de 2725).

    Assim, com a edição da Lei n. 13.986/2020, instituiu-se, no que importa ao presente estudo, o patrimônio rural em afetação, figura jurídica que se distingue do patrimônio de afetação já existente no Direito Brasileiro por características peculiares discutidas a seguir, assim como pela intenção de fomentar ainda mais a atividade agrícola por meio de maior oferta de crédito e maior possibilidade de contratação de operações de financiamento e, em contrapartida, também oferecer maior segurança jurídica às empresas que fomentam a atividade agrícola com a consequente redução do custo operacional da atividade.

    Nas medidas instituídas pela Lei do Agro, o legislador vislumbrou ainda o potencial de simplificar e ampliar o acesso a recursos financeiros por parte dos proprietários de imóveis rurais, podendo inclusive melhorar as condições de negociação nos financiamentos rurais com a constituição dessa garantia.

    2. Regime de afetação no direito brasileiro

    A afetação é definida no Vocabulário jurídico como a oposição de encargo ou ônus a um prédio ou bem, e que se destina à segurança de alguma obrigação ou dívida, à utilidade pública ou ao uso público (SILVA, 2016, p. 211). Dessa forma, entende-se por afetação a separação patrimonial destinada a determinado fim.

    Entende-se por patrimônio o conjunto de relações ativas e passivas, e esse vínculo entre os direitos e obrigações do titular, constituído por força de lei, que infunde ao patrimônio o caráter de universalidade de direito (RODRIGUES, 2007, p. 111). A universalidade de direito, por sua vez, é definida pelo artigo 91 do Código Civil, que prevê o seguinte: constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas de uma pessoa dotadas de valor econômico.

    Nesse sentido, vem a definição de Melhim Namem Chalhub (2010, p. 82) de patrimônio de afetação: uma universalidade de direitos e obrigações destinada ao cumprimento de determinada função e integrada ao patrimônio geral do titular. Ou seja, pressupõe a criação de um patrimônio (conjunto dos bens, direitos e obrigações economicamente pertencentes a uma pessoa ou a uma empresa) autônomo que não se confunde e não se comunica com o patrimônio pessoal de seu instituidor de modo que apenas os credores relacionados a respectiva atividade fim se podem valer dos bens que o integram (OLIVA, 2018).

    Não se trata de uma novidade legislativa. O Código Civil de 19162 já previa a criação de um patrimônio separado para a constituição de uma Fundação, regra mantida pelo Código Civil de 2002.3 Em outra situação, ao editar a Lei n. 9.514/1997,4 que dispõe sobre o sistema financeiro imobiliário, o legislador determinou a possibilidade de afetação de créditos como lastro de emissão de títulos imobiliários. Assim como essas hipóteses, há inúmeras outras na legislação brasileira para o uso dessa técnica de afetação, sempre com o intuito de conferir maior segurança aos negócios jurídicos.

    A figura jurídica que, de certa forma, pode ser considerada inspiradora do novel instituto jurídico é o patrimônio de afetação constituído na incorporação imobiliária e que surgiu na Lei n. 10.931/2004, que acrescentou à Lei n. 4.591/1964 diversos artigos que tratam especialmente da forma de constituir afetação do patrimônio das incorporações e outras disposições atinentes ao tema.

    Tal instituto foi inserido na legislação imobiliária para dar maior segurança jurídica aos adquirentes de unidades de determinado empreendimento, especialmente depois do emblemático caso que envolveu a Construtora e Incorporadora Encol, uma das maiores do Brasil e que teve sua falência decretada em 1999, deixando os compradores das unidades sem o imóvel e sem nenhuma possibilidade de reembolso dos valores pagos até então, o que gerou, na época, prejuízo de grande monta ao setor.

    Assim, por meio da referida Lei n. 10.931/2004, criou-se um mecanismo jurídico que permite que, para cada novo empreendimento imobiliário, a empresa incorporadora crie uma pessoa jurídica específica, com separação de patrimônio, sem confusão com o da própria incorporadora ou de recursos necessários ou usados em outro empreendimento. Nesses casos, a afetação visa proteger as incorporações e, por consequência, os adquirentes desses imóveis de eventuais problemas financeiros enfrentados pelas incorporadoras. Nesse sentido, Brunelli (2012, p. 33) esclarece:

    O elemento central dessa alteração no panorama normativo aperfeiçoado pela nova lei se traduz no artigo 31-A, pelo qual fica estabelecida a destinação específica do acervo pertencente a cada incorporação imobiliária, ao permitir-se que tal acervo constitua um patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.

    Em outras palavras, a Lei n. 10.931/2004 estabeleceu um mecanismo jurídico que possibilita a formação de uma universalidade de direitos, destacados do patrimônio do respectivo titular, mas dele fazendo parte, destinados à consecução de determinada finalidade. A principal característica e essência do artigo 31-A dessa lei5 é que, uma vez constituído, o patrimônio de afetação passa a ser incomunicável, o que significa que está vinculado aos direitos e às obrigações relativas ao empreendimento.

    Contudo, o patrimônio rural em afetação instituído pela Nova Lei do Agro guarda poucas semelhanças, com o patrimônio de afetação criado pela Lei n. 10.931/2004, já que o proprietário do imóvel pode afetar seu bem ou parte dele para formar o patrimônio rural em afetação e depois oferecê-lo em garantia numa operação específica, vinculada a uma Cédula de Produto Rural (CPR)6 ou a uma Cédula Imobiliária Rural (CIR). Nesse sentido, a semelhança é que apenas quanto à vinculação do credor relacionado àquele instrumento e àquela operação (finalidade), que poderá, em eventual inadimplemento da obrigação e sem a concorrência de outros credores, se valer da execução do patrimônio em afetação.

    No mais, essa figura não é uma universalidade de direito, na medida que é constituído apenas e tão somente por um imóvel ou fração dele e pelas acessões e benfeitorias fixadas. Essa nova figura também não visa ao desenvolvimento de uma atividade ou de um empreendimento, mas, muito diferente disso, serve como garantia a uma operação de crédito. Nesse caso, a afetação representa verdadeira constituição de garantia real, segregando o imóvel do restante do patrimônio do proprietário e destinando-o exclusivamente como garantia na emissão de determinados e específicos títulos de crédito, que podem ser executados de forma mais rápida e satisfatória para o credor.

    Além disso, o patrimônio de afetação imobiliário não é atingido por nenhuma outra dívida de seu instituidor. Já quanto ao patrimônio rural em afetação, o legislador determinou que, apesar da afetação e da segregação, essa incomunicabilidade é parcial, pois eventuais dívidas trabalhistas, fiscais ou previdenciárias podem atingir esse patrimônio e, portanto, macular essa garantia.

    Assim, apesar da semelhança quanto à afetação, não estamos tratando da mesma figura jurídica e podemos entender que a Nova Lei do Agro de fato criou uma nova modalidade de afetação, que não está vinculada a uma universalidade de direito, mas a um bem especifico, que serve, não como garantia de um empreendimento, mas como uma garantia real vinculada a um negócio específico e, como uma afetação às avessas, pode ser atingida por dívidas anteriores, o que macularia essa garantia em seu objetivo maior, que é servir como uma supergarantia a credores e financiadores de crédito no agro.

    De todo o modo, é louvável a intenção do legislador na criação dessa nova garantia, pois enseja, como veremos, a maximização do aproveitamento econômico do bem, de forma que apenas parte dele seja oferecida em garantia, sem que o imóvel seja desmembrado por completo, além de não atrair o regime previsto na Lei n. 11.101/2005 relativamente à inclusão desse bem em eventual recuperação judicial daquele que ofereceu a garantia em tela.

    Passamos agora a tratar dos detalhes do patrimônio rural em afetação trazido pela Nova Lei do Agro e seus principais reflexos na atividade financiadora do crédito rural como garantia aos credores.

    3. Conceito e regramento do patrimônio rural em afetação

    Pela definição do artigo 7 da própria Lei do Agro,7 o patrimônio rural em afetação constitui-se na possibilidade de segregar uma parte do patrimônio para garantir um negócio jurídico específico, qual seja, a garantia de uma operação específica de crédito firmada, conforme se verá adiante.

    Esse patrimônio deve ser constituído autonomamente, por meio de registro no Cartório de Registro de Imóveis, e deve estar necessariamente vinculado a uma CPR ou a uma CIR, se usado para obtenção de crédito.

    O proprietário de imóvel rural, seja ele pessoa natural ou jurídica, pode submeter o próprio bem ou fração dele ao regime de afetação, o que significa que parte do patrimônio será separada para a obtenção de determinado crédito mediante o fornecimento de uma garantia específica para aquela operação, sem concorrência, em princípio, com outros possíveis credores, no caso de eventual inadimplemento.

    O patrimônio em afetação, a rigor do que dispõe a lei citada acima, estabelece que estão sujeitos ao regime de afetação o terreno, suas acessões e as benfeitorias nele fixadas, destinados à prestação de garantias por meio da emissão de CPR ou em operações financeiras contratadas pelo proprietário por meio de CIR.

    Como regra geral, a instituição do regime de afetação objetiva formar um patrimônio autônomo a partir de um conjunto de bens que não se misturam com o patrimônio geral de seu instituidor, ficando inteiramente destinado a determinada finalidade de modo que apenas os credores relacionados à respectiva operação de financiamento podem se valer dos bens que o integram.

    O legislador excetuou do regime do patrimônio de afetação as lavouras, os bens móveis e os semoventes, para proteger a continuidade da atividade do produtor rural e assegurar o cumprimento de outras obrigações por ele assumidas e desvinculadas do patrimônio destinado exclusivamente à garantia da operação de crédito. Assim, um proprietário de imóvel rural pode oferecer como garantia não apenas o imóvel afetado, mas também, em outra operação ou na mesma, outra garantia que pode consistir, por exemplo, no penhor ou na alienação fiduciária de grãos.

    Por outro lado, a maior segurança ao credor resta estabelecida no artigo 8º da Nova Lei do Agro, que veda a constituição de patrimônio rural em afetação que incida em:

    (a) imóvel que já esteja gravado por hipoteca, alienação fiduciária de coisa móvel ou outro ônus real, ou que tenha registrada ou averbada em sua matrícula qualquer uma das informações de que trata o art. 54 da Lei n. 13.097, de 19 de janeiro de 2015;

    (b) pequena propriedade rural de que trata a alínea a do inciso II do caput do art. 4º da Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993;

    (c) área inferior ao módulo rural ou à fração mínima de parcelamento, o que for menor, nos termos do art. 8º da Lei n. 5.868, de 12 de dezembro de 1972; ou

    (d) bem de família de que trata a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), exceto na situação prevista no §2º do art. 4º da Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990.

    As disposições desse artigo implicam mais segurança ao credor, uma vez que proíbem que se constitua patrimônio rural em afetação em imóveis que já estejam gravados por outro ônus real, por exemplo, ou que se caracterizem como bem de família, ou ainda que sejam menores que o módulo rural ou a fração mínima de parcelamento. Significa diminuir a chance de o credor ser surpreendido, em caso de inadimplemento, com a impossibilidade de consolidar a propriedade em seu nome, seja porque outro credor tem preferência, seja por vedação legal (bem de família ou módulo rural).

    Contudo, é forçoso apontar – conforme aduzimos abaixo – que, infelizmente, essa proteção não é integral, já que a lei determinou que o patrimônio em afetação pode ser atingido por obrigações trabalhistas, fiscais ou previdenciárias do proprietário rural.

    Por outro lado, é interessante para o credor que os bens e os direitos integrantes do patrimônio rural em afetação não se comuniquem com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do proprietário ou de outros patrimônios rurais em afetação por ele constituídos, desde que vinculados a uma CIR ou a uma CPR e na medida da garantia expressa nesses títulos de crédito.

    A lei em questão também vetou a constituição de garantia real sobre o patrimônio rural em afetação, com exceção da CIR e da CPR, ou seja, assim como não é possível constituir patrimônio rural em afetação de imóvel que já esteja onerado com outra garantia, tampouco é permitido o inverso: se determinado bem foi destacado para formar patrimônio rural em afetação, não se pode averbar uma hipoteca ou alienação fiduciária subsequente.

    Observa-se também que, enquanto o imóvel rural estiver sujeito ao regime de afetação de que trata a lei, ainda que parcialmente, não pode ser objeto de compra e venda, doação, parcelamento ou qualquer outro ato translativo de propriedade por iniciativa do proprietário, o que certamente concede maior segurança àquele que concedeu o crédito.

    Ademais, na medida da garantia que estiver vinculada a CIR ou a CPR, o patrimônio rural em afetação (ou a fração dele) não pode ser usado para realizar ou garantir o cumprimento de nenhuma outra obrigação assumida pelo proprietário, estranha àquela a qual esteja vinculado; igualmente, é considerado impenhorável, de modo que não pode ser objeto de constrição judicial.

    3.1 Constituição do patrimônio em afetação

    Evidentemente, a decisão acerca da constituição do patrimônio rural em afetação é do proprietário do imóvel rural. Havendo o desejo de destinar um bem ou parcela de seu patrimônio a tal fim, é de sua responsabilidade também adotar as medidas necessárias para tal.

    O procedimento previsto na nova Lei do Agro permite ao devedor aumentar o aproveitamento econômico da propriedade rural sem seu prévio desmembramento, ao contrário do que acontece, por exemplo, com a alienação fiduciária ou a hipoteca, em que as garantias recaem sobre a totalidade do imóvel, não sendo possível que uma fração seja objeto de garantia real sem que se proceda a seu prévio desmembramento.

    Assim, o proprietário do imóvel rural que desejar constituir patrimônio em afetação deve providenciar o protocolo da solicitação desse registro e os documentos a ela vinculados junto ao Oficial de Registro de Imóveis, conforme dispõe o artigo 11 da Lei n. 13.986/2020.

    A referida solicitação deve ser instruída com:

    (a) os documentos comprobatórios (i) da inscrição do imóvel no Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR), do domínio do requerente e da inexistência de ônus de qualquer espécie sobre o patrimônio do requerente e o imóvel rural, (ii) da inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR), nos termos da Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012, (iii) da regularidade fiscal, trabalhista e previdenciária do requerente e (iv) da certificação, perante o Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), do georreferenciamento do imóvel do qual a totalidade ou a fração está sendo constituída como patrimônio rural em afetação;

    (b) a prova de atos que modifiquem ou limitem a propriedade do imóvel;

    (c) o memorial de que constem o nome dos ocupantes e confrontantes, com a indicação da respectiva residência;

    (d) a planta do imóvel, obtida a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a Anotação de Responsabilidade Técnica, que deve conter as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional adotada pelo INCRA, para a certificação do imóvel perante o SIGEF/INCRA; e

    (e) as coordenadas dos vértices definidores dos limites do patrimônio afetado, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional adotada pelo INCRA, para certificação do imóvel perante o SIGEF/INCRA.

    Para comprovar a regularidade fiscal, trabalhista e previdenciária do requerente à constituição do patrimônio em afetação, devem ser apresentadas as certidões negativas de débitos fiscais perante as Fazendas Públicas, bem como de distribuição forense e de protestos do proprietário do imóvel, tanto no local de seu domicílio quanto no do imóvel.

    No parágrafo segundo do artigo 12, a lei ainda especifica que, no caso de constituição de patrimônio rural em afetação sobre parte do imóvel rural, a fração não afetada deve atender a todas as obrigações ambientais previstas em lei.

    Após o recebimento da solicitação do registro do patrimônio rural em afetação e dos documentos arrolados no artigo 12 da Lei n. 13.986/2020, se o oficial de registro de imóveis a considerar em desacordo com o disposto na legislação, concederá o prazo de 30 dias, contado da data da decisão, para que o interessado faça as correções necessárias, sob pena de indeferimento da solicitação, cabendo pedido de reconsideração.

    Uma vez deferida a constituição do patrimônio rural em afetação e efetivado o registro às margens da matrícula, enquanto vigorar essa constituição, são deveres do proprietário que a constitui:

    (a) promover os atos necessários à administração e à preservação do patrimônio rural em afetação, inclusive por meio de medidas judiciais; e

    (b) manter-se adimplente com as obrigações tributárias e os encargos fiscais, previdenciários e trabalhistas de sua responsabilidade, incluída a remuneração dos trabalhadores rurais.

    Nota-se que a formalidade exigida para a constituição do patrimônio em afetação pode se revelar um grande entrave para que essa garantia se torne efetivamente usual no mercado.

    Da parte do proprietário do imóvel rural, além de a constituição do patrimônio rural em afetação ter de ser efetivada antes da contratação de insumos agrícolas, por exemplo, o que não ocorre com outros tipos de garantia (que podem ser constituídas concomitantemente), o custo pode ser alto, se envolver desmembramento de áreas, abertura de novas matrículas etc.

    Da parte do credor (vendedor dos insumos agrícolas), também se apresentam questões importantes e que podem inviabilizar a aceitação dessa nova modalidade de garantia: a localização da área, se sujeita ou não a servidão de passagem, se composta apenas por área de reserva ou também por área agriculturável, entre outras que precisam ser consideradas e analisadas.

    3.2 Cancelamento do patrimônio rural em afetação

    Dispõe o artigo 15 da Lei n. 13.986/2020 que o cancelamento da afetação do imóvel rural ou de sua fração concretiza-se mediante sua averbação no cartório de registro de imóveis.

    Assim como o registro, o cancelamento é instruído com requerimento do proprietário, que deve comprovar a não existência de CIR e de

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