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Direito Público - análises e confluências teóricas: Volume 1
Direito Público - análises e confluências teóricas: Volume 1
Direito Público - análises e confluências teóricas: Volume 1
E-book468 páginas5 horas

Direito Público - análises e confluências teóricas: Volume 1

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Sobre este e-book

Desde o ano de 2020 o mundo convive com a pandemia da COVID-19, impactando a vida de milhões de pessoas, principalmente na seara da saúde, com milhões de mortes e famílias impactadas, mas também de ordem econômica tanto interna quanto externa. Uma questão que também foi atingida é a circulação de pessoas entre os continentes, que por muito tempo ficou quase interrompida, somente sendo liberada a entrada em casos bem específicos.
E é neste cenário de complexidade que esta obra se insere – um país com desafios e promessas constitucionais longe de serem cumpridas e em um contexto pandêmico, trazendo aos pesquisadores o desafio de interpretar a realidade em conjunto com o ordenamento jurídico. Os temas abordados nesta coletânea refletem isso, e os pesquisadores se propõem a analisar questões variadas e próprias com base no Direito Público e o conjunto destas converge e se entrelaça, por isso é importante que esta coletânea seja vista nesta perspectiva.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de mai. de 2022
ISBN9786525244006
Direito Público - análises e confluências teóricas: Volume 1

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    Direito Público - análises e confluências teóricas - Janaína Helena de Freitas

    A COMPENSAÇÃO AMBIENTAL DO SNUC E A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

    Evandro Régis Eckel

    Mestre e Doutorando em Direito, UNIVALI

    evandro@pge.sc.gov.br

    DOI 10.48021/978-65-252-4399-3-c1

    RESUMO: A criação e a adequada gestão de um sistema de áreas protegidas é considerada importante ferramenta de política pública de conservação a longo prazo da biodiversidade, dos serviços ecossistêmicos e dos valores socioculturais associados, porém sua consolidação depende de recursos financeiros não contemplados nos orçamentos dos entes federativos. Dentro da estratégia de sustentabilidade financeira das unidades de conservação brasileiras, a compensação ambiental prevista no art. 36 da Lei n. 9.985/2000, exigida no processo de licenciamento ambiental dos grandes empreendimentos causadores de significativo impacto ambiental e fundada no princípio do poluidor-pagador, constitui um dos mais importantes pilares, na medida em que a aplicação dos recursos oriundos deste instrumento econômico-jurídico deve respeitar, por expressa regulamentação, ordem de prioridade que prestigia a regularização fundiária e a elaboração dos planos de manejo das unidades de conservação, medidas fundamentais para implementação do sistema de áreas protegidas e efetivação do direito fundamental ao meio ambiente.

    PALAVRAS-CHAVE: compensação ambiental; unidades de conservação; regularização fundiária.

    1. INTRODUÇÃO

    A criação e o manejo de um sistema de áreas ambientalmente protegidas constituem uma das principais estratégias globais de conservação a longo prazo da diversidade biológica¹, dos múltiplos serviços ecossistêmicos², e dos valores socioculturais associados, assim como um dos instrumentos de mitigação das mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global. Daí o dever imposto pelo art. 225, § 1º, III, da Constituição da República (CRFB) e as obrigações assumidas pelo país no plano internacional, entre elas a Convenção da Diversidade Biológica (CDB).

    Para além da simples criação oficial desses espaços ambientais protegidos por ato do Poder Público, a efetiva implementação e manutenção das áreas protegidas demanda consideráveis recursos financeiros. Há um déficit de implementação das Unidades de Conservação (UCs), denominação dada pela Lei n. 9.985/2000, a qual instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), regulamentando o 225, § 1º, III, da CRFB.³ Inúmeros fatores associados concorrem para essa situação, entre eles o descaso político, as irrisórias dotações orçamentárias, a falta de pessoal e a ausência de regularização fundiária das UCs de proteção integral e domínio público, o que levou a falar-se em parques de papel (ECKEL, 2020, p. 200-215 e 265-267). Surge, então, a importância do tema da sustentabilidade financeira da UCs e dos instrumentos econômicos que podem ser utilizados para dar efetividade à tarefa de manter e gerir essas áreas protegidas.⁴

    Ao lado do cálculo das contribuições econômicas das UCs e da sensibilização da população e do setor empresarial sobre a importância ecológica e econômica da adequada gestão desses espaços naturais protegidos, a estratégia de sustentabilidade financeira das áreas protegidas demanda diagnosticar as lacunas e alternativas de investimento no SNUC, atuais ou potenciais. Em adição às fontes de renda previstas no SNUC, basicamente associadas às escassas verbas orçamentárias, à cooperação internacional e à cobrança de ingresso dos visitantes, é necessário buscar fontes adicionais e diversificadas de financiamento (GODOY, LEUZINGER, 2015).

    Nesse contexto, são destacados os recursos provenientes da compensação ambiental.⁵ Convém esclarecer que o termo compensação ambiental é empregado no Direito Ambiental para designar diversos institutos, com fundamentos distintos. O presente artigo vai tratar, especificamente, daquela medida compensatória que deve ser exigida nos processos de licenciamento de obras e atividades de significativo impacto ambiental negativo não mitigável, que demandam prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório, destinada pelo art. 36 da Lei do SNUC a apoiar e implantação das UCs, com aplicação prioritária, por expressa regulamentação legal, nas ações de regularização fundiária e elaboração dos planos de manejo dessas áreas protegidas.

    2. LICENCIAMENTO AMBIENTAL E COMPENSAÇÃO AMBIENTAL

    A Lei n. 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente no Brasil, definiu como dois de seus instrumentos a avaliação de impactos ambientais e o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras (art. 9º, III e VI). A exigência de licença ambiental para qualquer atividade potencialmente poluidora está prevista no seu art. 10, segundo o qual a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.

    A exigência do estudo prévio de impacto ambiental (EPIA) para licenciar a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, constitucionalizada pelo art. 255, § 1º, IV, da Carta de 1988, como um dos deveres fundamentais impostos ao Poder Público para assegurar a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida de todos, constitui-se no instrumento por excelência do princípio da prevenção ambiental. Leciona Martín Mateo que a estratégia preventiva é chave no campo ambiental, já que danos importantes irrogados ao meio ambiente podem ter sequelas graves e irreversíveis (MARTÍN MATEO, 2003, p. 48).

    Cabe explicitar que a avaliação de impacto ambiental (AIA) na esfera do licenciamento ambiental é gênero que abrange diferentes modalidades que ocorrem na gestão ambiental (MILARÉ, 2018, p. 982-983).⁶ Dentre elas, aqui se destaca o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA) e o resultante Relatório (RIMA), previsto na Lei n. 6.938/81 e cuja realização a Constituição de 1998 impôs como obrigatória, na forma da lei, em relação aos projetos de implantação de obra ou atividade potencialmente causadores de significativa degradação ambiental.

    As competências dos entes para promover o licenciamento ambiental são delimitadas pela Lei Complementar n. 140/2011 (arts. 7º, XIV e 8º, XIV e X).

    O EPIA obedece a diretrizes gerais, iniciando por contemplar as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-se com a hipótese de sua não execução. Muitas vezes, explica Milaré, a melhor opção será a não execução do projeto, em razão dos altos custos sociais e ecológicos dele decorrentes (MILARÉ, 2018, p. 1004). Acerca desse confronto com a hipótese de não execução, assevera Érika Bechara que se admite um impacto ambiental negativo, mas sempre tendo por fundamento, de um lado, os diversos impactos positivos, seja no próprio campo ambiental, seja no social ou econômico, e, de outro, a inevitabilidade de tais impactos. Por isso, entende não haver espaço para se confundir ou se equiparar a compensação ambiental com a venda do direito de poluir. Tanto é que, em casos de degradação grave ou nas hipóteses em que os benefícios propostos pelo projeto não sejam expressivos, se comparados aos seus impactos negativos, nem a compensação ambiental logrará justificar o empreendimento, o qual, por conseguinte, não será licenciado (BECHARA, 2007, p. 231).

    Há que se proceder à prévia identificação de todos os possíveis impactos de empreendimentos ou atividades ao meio ambiente, verificando a sua tolerabilidade. Ressalta Lyssandro Norton Siqueira, Procurador do Estado de Minas Gerais, que, não se obtendo segurança quanto aos efeitos do empreendimento a ser licenciado, o EIA autorizará a conclusão pela inviabilidade de seu licenciamento, o que implica na materialização do princípio da precaução (SIQUEIRA, 2012, p. 209).

    Em segundo lugar, deve-se identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade, a fim de definir as medidas corretivas e mitigadoras dos impactos negativos ao ambiente, para eventual responsabilização do autor do projeto. Acerca da noção de impacto, comenta Sílvia Helena Nogueira Nascimento, Procuradora do Estado de São Paulo, que, passados cinco anos da vigência da Lei n. 6.938/81, que contemplou a AIA como um dos instrumentos de caráter preventivo de maior relevância para a proteção e a conservação do meio ambiente, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) editou a Resolução n. 1/86, que teve o grande mérito de apresentar uma definição para impacto ambiental, por ela tratado como: qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais. Essa definição é, na verdade, um desdobramento das definições já cunhadas pela Lei n. 6.938/81 (NASCIMENTO, 2015, p. 76).

    O EPIA deve, ainda, definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza. E, por fim, considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade.

    Tanto o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA) quanto o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) têm um conteúdo mínimo. São requisitos mínimos do EPIA: I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto; II - Análise dos impactos ambientais; III - Definição de medidas mitigadoras; e IV - Programa de Acompanhamento e monitoramento dos impactos ambientais.

    As medidas mitigadoras, tendentes a minimizar os impactos adversos, deverão ser apresentadas e classificadas quanto à sua natureza preventiva ou corretiva, avaliando-se, inclusive, a eficiência dos equipamentos de controle de poluição em relação aos critérios de qualidade ambiental e aos padrões de disposição de efluentes líquidos, emissões atmosféricas e resíduos sólidos. É relevante salientar que o projeto só deve ser licenciado se considerar, na medida do possível, a melhor tecnologia disponível (MTD). Deverão também ser mencionados os impactos adversos que não podem ser evitados ou mitigados (MILARÉ, 2018, p. 1007).

    Havendo condições de eliminar os impactos do empreendimento, isso deverá ser exigido. Da mesma forma, existindo possibilidade de medidas de redução ou minimização dos impactos, elas também devem ser determinadas. Só então que, na hierarquia de mitigação, é que surge a medida compensatória, voltada justamente aos impactos não elimináveis e não mitigáveis.¹⁰ E não há qualquer distinção entre empreendimentos públicos ou privados, porque, independentemente da natureza do empreendedor, haverá a possibilidade de ocorrerem impactos não elimináveis (BECHARA, 2007, p. 253).

    Acerca do conteúdo do RIMA, o qual refletirá as conclusões do EPIA, interessa mencionar que ele deve ser apresentado de forma objetiva e adequada à sua compreensão, e as suas informações devem ser traduzidas em linguagem acessível, ilustradas por técnicas de comunicação visual, de modo que se possam entender as vantagens e desvantagens do projeto, bem como todas as consequências ambientais de sua implementação.¹¹

    Destaca-se, para os fins deste artigo, a obrigatoriedade da descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras previstas em relação aos impactos negativos, mencionando aqueles que não puderem ser evitados, e o grau de alteração esperado.¹²

    3. COMPENSAÇÃO AMBIENTAL DO ART. 36 DA LSNUC

    A Lei n. 9.985/2000 instituiu e fixou os objetivos e diretrizes do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), visando assegurar que estejam representadas amostras significativas e ecologicamente viáveis das diversas populações, hábitats e ecossistemas do território nacional e das águas jurisdicionais (art. 5º, I). O sistema é formado pelo conjunto de UCs¹³ criadas e geridas pelas três esferas de governo, sendo composto por 12 (doze) categorias de manejo divididas em dois grupos: UCs de Proteção Integral, cujo objetivo básico é a preservação, sendo admitido apenas o uso indireto dos recursos naturais, a exemplo dos parques e reservas biológicas; e UCs de Uso Sustentável, como as Reservas Extrativistas (RESEX) e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), cujo objetivo básico é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.¹⁴ A LSNUC estabeleceu critérios para a criação e gestão das UCs, constituindo norma geral sobre a qual devem se orientar as normas individualizadas de criação de UCs.

    O art. 36 da Lei n. 9.985/2000 (LSNUC) estabeleceu a obrigação do empreendedor de apoiar a implantação e manutenção de UCs de proteção integral¹⁵, nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão competente, com fundamento em prévio estudo e relatório de impacto ambiental (EPIA/RIMA).

    E a Lei n. 13.668/2018 incluiu o § 4º ao art. 36, autorizando que, em virtude do interesse público, a obrigação possa ser cumprida em UCs de posse e domínio públicos do grupo de Uso Sustentável, especialmente as localizadas na Amazônia Legal.

    É a chamada compensação ambiental, que consubstancia um dos principais instrumentos de financiamento para a implementação e manutenção das UCs de proteção integral e domínio público no país, como os parques e as reservas biológicas (REBIO), e, agora também as UCs de posse e domínio públicos do grupo de Uso Sustentável, como as Reservas Extrativistas (RESEX).

    O instituto da compensação ambiental foi idealizado, como observa a Procuradora Federal Jordana Morais Azevedo, de acordo com a lógica de garantia da preservação, em longo prazo, de amostras do ecossistema afetado, por meio do custeio de áreas protegidas (criação ou implementação), em virtude das perdas de recursos naturais afetados por empreendimentos e consequente restrição de hábitats para o desenvolvimento pleno de espécies da fauna e da flora (AZEVEDO, 2020, p. 27). Bechara acentua que a compensação ambiental só faz é reduzir as perdas ambientais provocadas por tais empreendimentos, exigindo-lhes uma contrapartida de melhoria ambiental.¹⁶

    Para Larissa Ribeiro da Cruz Godoy, a compensação ambiental é fruto da convergência de dois instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81): o licenciamento ambiental e a criação de espaços protegidos (GODOY, 2015, p. 276).

    A concretização da exigência dessa medida compensatória ambiental ocorre na fase de juízo de viabilidade das atividades ou de empreendimento capaz de causar significativos impactos negativos e não mitigáveis ao meio ambiente (MILARÉ, 2018, p. 114).

    Leme Machado assevera que as condicionantes do licenciamento ambiental abrangem três espécies de medidas que se inter-relacionam, limitando ou direcionando uma licença ambiental, quais sejam, as medidas preventivas (que evitam os impactos ambientais negativos), as mitigatórias (que, caso não seja possível prevenir, visam a diminuir ou a minimizar os impactos), e as medidas compensatórias (na impossibilidade de prevenir ou mitigar). Estas têm natureza jurídica absolutamente distinta das demais, pois não guardam relação direta com os aspectos técnicos do empreendimento, mas visam que algo se dê em retribuição à diminuição quantitativa ou qualitativa dos componentes e atributos dos ecossistemas, cuja funcionalidade consiste em permitir internalizar o mais possível os custos derivados da utilização dos recursos naturais (MACHADO, 2018, p. 1098-1102).

    Ao órgão ambiental licenciador, compete definir as UCs a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no EPIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo inclusive ser contemplada a criação de novas unidades (§ 2º do art. 36).

    No julgamento da ADI 3378¹⁷, histórico para o direito ambiental, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade da compensação ambiental prevista no art. 36 da Lei n. 9.985/2000. Por essa regra legal, o órgão ambiental define o montante dos recursos a serem destinados e as UCs de proteção integral a serem beneficiadas. A Corte assentou que não há que se falar em indevida delegação legislativa a órgão do Poder Executivo, porque os parâmetros estão fixados na lei, não havendo como o legislador antever todas as situações fáticas, cabendo ao Poder Judiciário coibir, no caso concreto, eventual excesso do Administrador Público quando da fixação do respectivo valor.

    Reconheceu-se apenas a inconstitucionalidade do percentual (art. 36, § 1º), haja vista que o valor da compensação-compartilhamento deve ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa, sendo prescindível, assim, a fixação de percentual de 0,5% (meio por cento) sobre os custos do empreendimento. Para a ampla maioria formada, a compensação deve ser proporcional ao impacto ambiental e não ao empreendimento, o que reflete a preocupação dos Ministros com a instituição de uma espécie de comissão para poluir, caso fosse mantida compensação conforme o percentual do empreendimento. Isto é, pagando-se, poder-se-ia degradar o meio ambiente. Outro ponto levantado foi que esse meio por cento, se atrelado ao custo do empreendimento, poderia eventualmente incluir também os custos destinados ao combate à poluição.

    A lei, ao instituir o SNUC, criou uma forma de compartilhamento das despesas com as medidas oficiais de específica prevenção ante empreendimentos de significativo impacto ambiental. Essa compensação era anteriormente prevista na Resolução n. 10/1987, do CONAMA. Para o relator, Ministro Ayres Britto, a compensação ambiental densifica o princípio do usuário-pagador, que contém o princípio do poluidor-pagador, a significar um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica.

    Foi salientado, com apoio na doutrina de Leme Machado, que o princípio não traduz punição por ato ilícito nem indenização por dano verificado. É, sim, compensação por impacto ambiental, o que é diverso do dano ambiental, que também poderá ocorrer e sujeitará às responsabilizações devidas. Mesmo não existindo qualquer ilicitude no comportamento do pagador, ele pode ser implementado. A inexistência de efetivo dano ambiental não significa isenção de partilha de despesas. Assim, para tornar obrigatório o pagamento pelo uso do recurso ou pela sua degradação, não há necessidade de ser provado que o usuário e o poluidor estão cometendo faltas ou infrações.

    Já o Ministro Celso de Mello ressaltou a necessidade da garantia do devido processo legal, mediante o asseguramento do pleno direito à defesa e ao contraditório por ocasião da fixação do valor, lembrando que várias declarações internacionais proclamam o princípio do poluidor-pagador, e que o pagamento não significa o reconhecimento ao poluidor de que ele tem, mediante o pagamento dessa compensação, o direito de poluir. O investimento efetuado não visa reparar dano, daí a canalização de recursos para propósito específico. Não isenta o exame de responsabilidade residual para reparar o dano, caso venha efetivamente a se consumar.

    Na mesma linha, entendeu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar o Recurso Especial n. 896.863 que o montante da compensação deve ater-se àqueles ‘danos’ [leia-se impactos] inevitáveis e imprescindíveis ao empreendimento previsto no EIA/RIMA, não se incluindo aqueles que possam ser objeto de medidas mitigadoras ou preventivas, enquanto a indenização por dano ambiental, por seu turno, tem assento no artigo 225, § 3º, da Carta da República, que cuida de hipótese de dano já ocorrido em que o autor terá obrigação de repará-lo ou indenizar a coletividade, de modo que os dois institutos têm natureza distinta, "não havendo bis in idem na cobrança de indenização, desde que nela não se inclua a compensação anteriormente realizada ainda na fase de implantação do projeto".¹⁸

    Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer asseveram que o princípio do poluidor-pagador objetiva a internalização nas práticas produtivas (em última instância, no preço dos produtos e serviços) dos custos ecológicos externos, evitando que os mesmos sejam suportados de modo indiscriminado por toda a sociedade. Isto porque a utilização de recursos naturais durante o processo gera externalidades negativas, notadamente em termos de poluição e degradação ambiental (SARLET; FENSTERSEIFER, 2017, p. 113).¹⁹

    Segundo Cristiane Derani, são chamadas externalidades porque, embora resultantes da produção, são recebidas pela coletividade, ao contrário do lucro, que é percebido pelo produtor privado. Daí a expressão ‘privatização de lucros e socialização de perdas’, quando identificadas as externalidades negativas. Por isso, o princípio do poluidor-pagador visa à internalização pelo sujeito econômico (produtor, consumidor, transportador) dos custos relativos externos de deterioração ambiental (DERANI, 2008, p. 142-143).

    A origem é atribuída à legislação ambiental alemã da década de 1970 (SARLET, FENSTENSEIFER, 2017, p. 113-114) e, no plano internacional, foi consagrado como princípio 16 da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), de acordo com o qual as autoridades nacionais devem procurar promover a internalição dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição.

    Para Derani, a objetivação deste princípio, herdado da teoria econômica pelo Direito, ocorre ao dispor ele de normas definidoras do que se pode e do que não se deve fazer, bem como de regras flexíveis tratando de compensações pela deterioração ambiental, citando Klöpfer, que procura identificar outros desdobramentos do princípio para além da ideia de cálculo de custos, de modo que o sujeito econômico carrega, em regra, a responsabilidade objetiva e financeira pela proteção ambiental, o que teria de cumprir mediante parcial diminuição, eliminação do dano ou por uma compensação financeira (DERANI, 2008, p. 143-144, grifo nosso).

    A compensação ambiental, segundo Marcela Albuquerque Maciel, caracteriza-se especialmente como instrumento econômico decorrente da aplicação do princípio do poluidor-pagador, ainda que se trate, também, de medida compensatória a impactos não mitigáveis à biodiversidade, previstos no EPIA (MACIEL, 2012, p. 173 e 213).

    Como se verifica, o instrumento da compensação ambiental constante da LSNUC é uma das formas de se concretizar o princípio do poluidor-pagador. Anota Leme Machado que a compensação não é um presente que se dá a alguém, pois se compensa algo que representa um desequilíbrio, tentando-se restabelecê-lo, contrabalançando um inconveniente atual ou futuro (MACHADO, 2018, p. 92).²⁰

    Cabe mencionar que, no plano doutrinário, em sentido diverso, Bechara sustenta que essa compensação possui a natureza de reparação de danos, embora ex ante, antecipada, é verdade, visto que ela se dá antes mesmo da ocorrência dos danos que se quer reparar, derivada da responsabilidade civil do empreendedor que lhe impõe o dever de arcar com todo prejuízo ambiental decorrente de sua atividade, equivale dizer, reparação por danos ambientais ainda não ocorridos porém antevistos no licenciamento ambiental, com segurança suficiente para se reputá-los certos.²¹

    Para a Procuradora do Estado do Paraná Márcia Dieguez Leuzinger, a compensação ambiental possui natureza jurídica reparatória, não decorrendo da responsabilidade civil. Esta, prevista no art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81 (PNMA), impõe que o dano já tenha ocorrido para que surja o dever de reparar/indenizar. Para que haja responsabilidade civil, o dano deve ter acontecido de fato, não sendo suficiente a certeza de sua ocorrência no futuro, ainda que prevista no EIA/RIMA. Também não possui a compensação a natureza tributária, na medida em que não se enquadra em nenhuma das categorias de tributo previstas na CF/88. Tampouco constitui preço público, porque não se está a remunerar um serviço, tampouco o montante devido deriva de contratação privada. A compensação ambiental possuiria, assim, natureza reparatória, porém diferente da responsabilidade civil. Seria uma compensação ecológica preestabelecida, na classificação de Morato Leite (LEUZINGER, 2009, p. 167-172).

    Priscila Santos Artigas propõe avançar-se na compreensão e aplicação do instituto, sustentando que as medidas compensatórias não se equiparam a uma forma de reparação por dano futuro, tampouco se enquadram necessariamente em uma espécie tributária, defendendo que a compensação ambiental prevista no art. 36 constitui espécie do gênero medidas compensatórias, que podem, como quis o STF, ser chamadas de compartilhamento de despesas entre o Poder Público e os empreendedores pelos custos da utilização dos recursos naturais no processo produtivo. Em razão de serem dotadas das características da transversalidade e da interdisciplinaridade, que permeiam a norma jurídica ambiental, podem as medidas compensatórias apresentar-se com diversas facetas, aplicando-se ora como mecanismos de comando e controle (a exemplo da compensação por supressão de vegetação de Mata Atlântica), ora como instrumentos econômicos, tratando-se, por isso, de instituto híbrido, não enquadrável em uma categoria estanque. Aqui Economia e Direito se conciliam para enfrentar a crise ecológica e o estágio atual de escassez de recursos naturais. Fundamenta-se no princípio do poluidor-pagador, como significativo instrumento capaz de equacionar - ainda que parcialmente - as falhas de mercado do sistema econômico vigente, conhecidas como externalidades negativas, a fim de internalizar os custos dos recursos naturais, desestimulando seu uso no processo produtivo e de consumo (ARTIGAS, 2017, p. 263-269).

    A autora reforça a importante diferenciação entre os conceitos de dano ambiental e de impacto negativo ao meio ambiente, porque, embora ambos causem modificações no ambiente e todo dano é impacto, nem todo impacto pode ser considerado danoso. As medidas compensatórias destinam-se a compensar pelos impactos negativos, como perdas aceitas, previsíveis, toleráveis e gerenciáveis, ocasionadas pela implantação e/ou operação de um empreendimento considerado necessário para o desenvolvimento socioeconômico, exigindo um sistema de comando e controle consubstanciado no processo administrativo de licenciamento. Já o dano ambiental é algo intolerável, jamais desejado ou esperado, e, por isso, objeto de (reação da) reparação civil ambiental objetiva, de responsabilidade administrativa e criminal (ARTIGAS, 2017, p. 10, 42, 107-9 e 264).²²

    Realça Lyssandro Norton Siqueira, na mesma linha, que os princípios do usuário-pagador e do poluidor-pagador têm um eixo comum: aplicam-se ao impacto ambiental, atividade poluente lícita em conformidade com o ordenamento jurídico, para os quais será determinada, pelos órgãos licenciadores, a adoção pelo empreendedor de medidas mitigatórias e compensatórias, diferentemente do dano ambiental, atividade ilícita e contrária ao direito, que vai atrair a aplicação do terceiro, e distinto, princípio da responsabilidade civil ambiental objetiva. Assevera que, não fosse assim, não faria qualquer sentido o seu desenvolvimento, no âmbito do Direito Ambiental, para a solução de questões já encampadas pela teoria geral da responsabilidade civil. Os princípios do usuário-pagador e do poluidor-pagador ocupam-se, justamente, da poluição não contemplada pela responsabilidade, ou seja, a poluição lícita. Tanto o usuário dos recursos naturais quanto o poluidor, exercendo atividades regulares, deverão compensar os impactos ambientais. Esses dois princípios têm na compensação ambiental o seu paradigma por excelência. Arremata o autor que, mesmo com a adoção de medidas visando a redução e mitigação dos impactos, subsistem, no curso do licenciamento ambiental, impactos negativos residuais. São esses impactos (e não danos) que deverão ser objeto de prévia compensação ambiental do SNUC (SIQUEIRA, 2012, p. 204-8).

    Compartilha-se, nesse artigo, a compreensão doutrinária de que a compensação ambiental não possui natureza reparatória ex ante de dano futuro, tampouco tributária, mas de medida compensatória de impactos ambientais negativos não elimináveis no processo de licenciamento ambiental, fundada no princípio do poluidor-pagador, em linha com o entendimento sufragado pelo STF.

    4. METODOLOGIA DE CÁLCULO

    Diante do julgamento da ADI 3378 pelo STF, o Decreto n. 6.848/2009 alterou os arts. 31 e 32 e acrescentou os art. 31-A e 31-B ao Decreto n. 4.320/2002, regulamentador da LSNUC. Os arts. 31 e 31-A disciplinaram nova metodologia de cálculo do valor da compensação em fórmula baseada no grau de impacto ambiental, com limite de 0,5% sobre os investimentos necessários para implantação do empreendimento, deduzidos os valores relativos às medidas mitigatórias bem como os encargos e custos incidentes sobre o financiamento do empreendimento. Por sua vez, o art. 31-B previu que caberá recurso contra a decisão do IBAMA sobre o cálculo da compensação ambiental.

    Como observa Larissa Godoy, a nova regulamentação acabou por redefinir o percentual em 0,5%, mas como porcentagem máxima e não mínima, e dos custos totais passaram a ser excluídas outras formas de mitigação de impacto exigidas no licenciamento ambiental. Assim, na nova metodologia de cálculo, a autonomia que se dá ao órgão licenciador ficou definida por critérios mais ou menos determinados no aferimento do grau de impacto (GODOY, 2015, p. 267).

    Para Talden Farias e Pedro Ataíde, a normatização transcrita resultou negativa para o financiamento das UCs, não pela consideração exclusiva dos impactos ambientais negativos, nem pela exclusão dos investimentos ambientais, encargos e custos incidentes sobre o financiamento, mas pela fixação do percentual máximo. O piso mínimo de 0,5% se tornou, agora, o patamar máximo, o que pode comprometer a correspondência e a proporcionalidade entre a compensação e o significativo impacto no caso concreto, o que se mostraria inconstitucional (FARIAS; ATAÍDE, 2021).

    Edis Milaré anota que contra essa nova regulamentação foram ajuizadas as Reclamações n. 8.465, pelo Instituto SocioAmbiental (ISA), e n. 17.364, pela Procuradoria-Geral da República, tendo o STF, na prática, considerado válido o Decreto n. 6.848/2009, sobretudo em razão de não estar aperfeiçoado o julgado relativo à ADI 3378 diante da oposição de embargos de declaração ainda não julgados, devendo a metodologia de cálculo ser aplicada MILARÉ, 2018, p. 1116-1117).

    5. DESTINAÇÃO E APLICAÇÃO DOS RECURSOS

    É preciso distinguir a hipótese do caput do art. 36 daquela contemplada no seu § 3º. Na primeira, os efeitos dos empreendimentos não afetam diretamente uma UC ou sua zona de amortecimento, caso em que as beneficiárias da compensação serão definidas pelo órgão licenciador competente, discricionariamente, dentre as UCs de proteção integral ou as de uso sustentável enquadráveis no § 4º.

    Nos termos do art. 33 do Decreto n. 4.340/2002, que regulamenta a Lei n. 9.985/2000, a aplicação dos recursos da compensação ambiental de que trata o art. 36, nas UCs existentes ou a serem criadas, deve obedecer à seguinte ordem de prioridade de atividades: I – regularização fundiária e demarcação das terras; II – elaboração, revisão ou implantação de plano de manejo; III – aquisição de bens e serviços necessários à implantação, gestão, monitoramento e proteção da unidade, compreendendo sua área de amortecimento; IV – desenvolvimento de estudos necessários à criação de nova unidade de conservação; e V – desenvolvimento de pesquisas necessárias para o manejo da UC e área de amortecimento.

    A ordem de prioridade de atividades estabelecida pelo caput observou as necessidades mais prementes da manutenção/implementação das UCs, comentando Farias e Ataíde que a adoção desse critério de ordem de importância significa que não existe discricionariedade no que diz respeito à aplicação dos recursos, cabendo ao órgão ambiental justificar a sua opção entre as possibilidades legais oferecidas, e revelando-se incabível a aplicação dos recursos no aparelhamento da Administração Pública (FARIAS; ATAÍDE, 2021). José Eduardo Ramos Rodrigues também enfatiza que o decreto regulamentador buscou

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