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O Sacerdote Ateu: Coleção Heresies, #1
O Sacerdote Ateu: Coleção Heresies, #1
O Sacerdote Ateu: Coleção Heresies, #1
E-book310 páginas4 horas

O Sacerdote Ateu: Coleção Heresies, #1

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Sobre este e-book

O sacerdote ateu propõe uma viagem rumo à humanização, esta situação é possível no homem que vai se construindo: o questionável do saber dogmático, que impede o acesso a outras formas de ver o mundo. O ateísmo se apresenta como reação imediata a uma Igreja Católica que anuncia conceitos de amor e compreensão sob uma estrutura rígida, que suspende toda a capacidade de diálogo em função da tirania do significado único sustentado pela fé; daí sua incompreensão do próximo, sua incapacidade de amar a quem não se ajusta a essa estrutura: um homossexual que deseja ter um filho, o pai de família que cometeu uma traição, o sacerdote alcoolista que tem uma amante e até a suspeita de um possível pedófilo dentro da congregação, amigo e protetor de um coroinha.
Como guiar os fiéis rumo a uma salvação na qual não se acredita? É a pergunta constante de um sacerdote católico que, depois de uma viagem à Roma, germina em sua mente a possibilidade que Deus não exista. Esta ideia - fio condutor do romance - vai ganhando espaço em sua mente, enquanto luta com suas mais enraizadas crenças. Dessa circunstâncias, surgem autênticos diálogos consigo mesmo e com os demais, que levarão Eusébio a compreender seu entorno e pensar na possibilidade de abandonar sua vocação. Porém, seu processo o levará a situações imprevistas, como o assassinato de um homem - crime que guardará em sigilo de confissão, com uma pitada de loucura.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento18 de nov. de 2021
ISBN9781667417882
O Sacerdote Ateu: Coleção Heresies, #1

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    O Sacerdote Ateu - Joe Barcala

    Joe Barcala

    El sacerdote ateo

    COLECCIÓN HEREJÍAS

    El sacerdote ateo

    Lujuria en la sotana

    Confesiones sacrílegas

    PRIMERA EDICIÓN

    Design do interior do livro: Javier Rosas Sánchez

    Design das capas: Vianney Hernández

    Agência: Página en Blanco

    Web: www.paginaenblanco.net/

    Nihil Obstat Quominus Imprimatur

    Com a autorização de Federico Flores Pérez, que apenas representa a ele mesmo e não aos bispos em geral.

    Direitos reservador Copyright 2014 ©. Não é permitida a reprodução total ou parcial deste livro nem seu uso de qualquer forma e em qualquer modo – eletrônico ou analógico – inclusas fotocopias, gravações ou qualquer outro sistema de guardar ou extrair informação, sem a previa autorização escrita do autor e da editora.

    Qualquer pregunta debe ser enviada a:

    Ediciones Koller Scrite

    Cerrada Tepecuitlapa 1106, Col. Coyotepec, San Andrés Cholula, Pue. C.P. 72500

    Direitos reservados em 2014 por José Luis García Barcala.

    Registrado na Biblioteca del Congreso

    ISBN 978-0-690-33714-1

    É proibida a reprodução parcial ou total deste livro sem a autorização escrita do autor e da editora.

    www.JoeBarcala.com

    O que hoje é uma heresia costuma

    se tornar a ortodoxia de amanhã

    -José Luís López Aranguren

    O sacerdote ateu é um romande e pertenece ao gênero ficção. As semelhanças com a realidade são meramente intencionais.

    Agradecimentos:

    Federico Flores Pérez

    Sergio García Flores

    Sandra González Merino

    Vianey Hernández

    Beto Herrera

    Simón Muñiz Merino

    Rafael Carranza

    Jonathan Kassanova

    José León

    Javier Jiménez

    Charles E. Cofield

    Javier Rosas Sánchez

    Helí Douglas San Román

    Mariano Muñoz, Junglo

    Leoncio Rugerio Trujillo

    Alejandro García Limón

    José Edgar Alcántara

    Gloria Mejía, Escritora

    Maurilio Izúcar

    Familiares e amigos...

    Eusébio celebrava um batizado naquela manhã de sábado e sentiu, como nunca antes, um enorme vazio espiritual no momento em que derramava sobre o pequeno, acompanhado de seus pais e padrinhos, a água benzida na pia batismal. Sua batina lhe pesava como nunca, sintoma dessa heresia, sinal de uma abnegação que terminava. O que o levou a sair do juramento sagrado? Como deixou a crença? Tantos anos de tradição e conservadorismo, dogmas, rituais e obediência, convertiam aquele desgarrador momento em símbolo de sua incredulidade. Enquanto os pais daquele pequeno menino sorriam impacientes ao verem se converter seu anjinho em filho de Deus, aquele templo barroco, retumbou em sua abóbada um grito descomunalmente silencioso como mostra do desgosto celestial. Eusebio olhava sua congregação com a mesma altivez que o caracterizava, sem mostrar seu lodo interior, acostumado ao cumprimento irrestrito de sua obrigação moral, a um comportamento socialmente esperado, fingiu como muitas outras vezes, inclusive quando ainda cria, um sermão amoroso e sensível aos ouvidos de seus paroquianos. A gola de sua batina o enforcava, lhe fazia suar. O púlpito dessa bela e dourada capela saturada de adornos e ornamentos derretia a cera do Círio Pascal, condensava os odores florais e Eusebio se repugnava com o perfume das pessoas. O fervor religioso caduco do Pároco, encharcado pelos raios de luz filtrados pelos vitrais, louvaram a Deus em boca de um impetuoso ateu a pregação obrigada.

    - E há quem se pergunte: onde está Deus? Não se dão conta que cada vez que um desses pequenos meninos, belos e serenos como Daniel, são batizados em nome de Cristo, junto com a festa celestial, a Trindade sorri ao mundo. Homens de pouca fé, percebam como florescem os campos e as famílias no seio da Igreja.

    Uma voz interior lhe dizia: «estou farto de tanta solenidade» e outra voz lhe fazia eco: «e de tanta solidão». Finalmente, uma ressonância remota argumentou: «tenho muito medo de que um dia apareça um anjo e mostre a ira de Deus», ainda que ao parecer de sua consciência e ao resto de suas vozes interiores não lhes importou esta última reflexão. O esgotamento, a autoflagelação desértica de Eusébio, a soma de compromissos e seu recém adquirido ateísmo, quem sabe definitivo, lhe afogavam, lhe levavam a suportar com dor, com desengano, o vir a ser de seus dias, com a contínua reflexão de buscar alguma saída a seus problemas que não lhe representasse maior complicação.

    Esse sábado, o ateísmo de Eusébio pôs sua vida de cabeça para baixo de formas insuspeitadas e que ele jamais haveria imaginado. Muitos anos antes, depois de ter alcançado os hábitos, ele se aferrou a sua igreja como um homem responsável. Chegou a amar seu trabalho de conduzir ao rebanho sagrado do Senhor por anos. Mas esse dia culminou no processo de perda da fé. Esse dia deixou de crer em Deus definitivamente. Como suportaria seu ministério? A quem praticar seu novo credo? Fundido em uma nostalgia, a solidão como companhia, a agoniante farsa de ser quem não se é mais.

    Ao terminar a cerimônia estava encarregado de meia hora de confissões que, apesar de seu sólido ateísmo, ainda lhe causavam certa curiosidade, entre tanto tédio. Não porque sempre fossem os mesmos pecados, não interessava mais a ele a contemplação de cada crente a seus próprios problemas. As histórias em geral eram diferentes, os matizes variavam como cada cérebro com seus abismais contrastes.

    Um adolescente se confessou, pesaroso, de ter desejado mais do que deveria a sua namorada; um homem cínico se acusou de adúltero pela quinta vez, dizia, que não podia evitar; o diretor de uma escola secundária se acusava de odiar a uma professora que trabalhava para ele, deu a entender, justificando-se, que ela sempre estava lhe desafiando; um jovem foi vencido pela tentação de uma droga, levava alguns meses lutando sem vitórias; outro garoto mostrava arrependimento porque com ira chegou a ameaçar sua própria mão com uma navalha.

    Naquela tarde uma senhora a ponto de um evento transcendental, isso quer dizer, a um passo da morte, se acusou de blasfêmia, renegando sua fé; explicou que todo corpo lhe doía muito, principalmente pelas manhãs e nenhuma oração lhe tirava as noites acordadas levantando-se ao banheiro sem poder esvaziar sua bexiga. Deus, disse, tinha se esquecido de levá-la e até o maldisse.

    Enquanto isso, na mente de Eusébio eram vislumbradas as possibilidades de uma mudança de vida ou de resolver de alguma forma sua estada na Igreja.

    Também se confessou um homem de idade mediana; se acusou de ter violado a uma garota; especificou que era de classe média e muito bonita. Também justificou seu ato, ainda que ao terminar mencionou algo que a Eusébio lhe chamou muita atenção:

    - Se dê conta, Padre, que apesar de ter estuprado ela, contei com seu apoio, ou seja, a mulher me abraçou, me beijou e até senti que ela que violou a mim.

    Eusébio esteve a ponto de dizer «não seja sem vergonha, filho», mas a fé de sua alma já era tão pouca que na realidade não desejava discutir. Teve curiosidade, isso sim, porque a voz lhe pareceu bastante familiar. Depois da absolvição e da penitência, se foi e Eusébio abriu a porta para tentar vê-lo. Só alcançou ver suas costas e a nuca, mas essas não lhe permitiram distinguir quem era esse homem, poderia ser qualquer um. Se sentiu tentado a segui-lo, mas uma mulher especialmente enfeitada se colocou no encosto e ele teve que escutá-la.

    Aquela mulher já era conhecida. Se tratava da esposa do governador, Dona Edelmira Santos, e sua confissão nem sequer valia a pena escutar, pois Eusébio estava seguro de que aquela mulher sempre inventava seus pecados para evitar um escândalo social de qualquer índole, mesmo que sua privacidade estivesse garantida com o segredo da confissão. Se ela dizia que não gostava de fofocas, na verdade poderia estar confessando que fofoqueira era ela. Se dizia que não escutava a seu marido, é possível que significasse que seu marido não lhe fazia caso. Eusébio, com tantos anos de experiência, tinha a facilidade de descobrir quem falava com verdade e quem preferia mentir, seja por vergonha ou por vaidade, por medo ou porque chegavam a pensar que esse era apenas um requisito para que Deus lhes perdoasse - embora não acreditassem muito no método de falar com outro ser humano, igualmente pecador.

    Eusébio encerrou o confessionário, assim como encerrou sua fé, e se dirigiu a seu aposento; para chegar necessitava subir sessenta e cinco degraus no interior de uma das torres do templo. Em cada canto da construção quadrangular havia um descanso da escada, no total eram quatro descansos; os degraus eram antigos, desiguais e a subida bastante íngreme. Os cômodos dos sacerdotes, de recente construção, ao menos mais modernas que o restante da igreja, ficavam na cobertura da ala esquerda do santuário. Para chegar ali, havia dois caminhos, muito embora subir pelo lado do mercado era certamente desagradável em função do cheiro das verduras depois do calor do dia, e, também, pelas insistentes saudações de um grande número de fiéis que lhes viam desfilar pela varanda que os conduzia até a cobertura. Por isso, os quatro sacerdotes da comunidade dominicana do templo mariano da Imaculada Conceição, designados por um decreto canônico desde que Eusébio chegou ali, à fração diocesana da Arquidiocese, preferiam subir pela antiga escada da torre esquerda da paróquia.

    Eusébio, disposto a descansar, se sentou ao pé da cama e tirou os sapatos de couro que recentemente havia consertado em um humilde posto do mercado vizinho. Notou que sua palmilha estava sangrando e, ao retirá-la, viu uma ferida maior no peito de seu pé direito, de apenas meio centímetro. Notou também que sua palmilha, da cor bege, tinha um corte de meia polegada; mas em seu sapato, que luzia como novo em função da restauração, sofreu um corte de quase uma polegada no lado externo. «Quando isso aconteceu? », se perguntava o Pároco, mais que angustiado, com curiosidade espasmódica. No processo de repassar em sua mente as distintas possibilidades, entrou no banheiro para lavar seu pé e, de sua exígua caixa de primeiros socorros, pegou uma fita adesiva e a colocou com uma gaze esterilizada sobre o peito de seu pé. Caminhou em chinelas de novo até as escadas, buscando a causa de sua ferida no pé e só quatro degraus abaixo, ainda sobre o batente de entrada ao coro da igreja, notou uma vareta carcomida que estava apenas sobre o degrau; se notava que o material unificador, de uma argamassa antiga, deixava uma poeira de calcário ao lado de onde a vareta se venceu e ficou perigosamente elevada para machucar a qualquer. O pároco se atemorizou, essa vareta indicava um desgaste perigoso da escada e um perigo iminente para ele e sua comunidade de sacerdotes.

    Com seu mal-estar, Eusébio solicitou com sinais a um garotinho que trabalhava como coroinha, sineiro e mensageiro, de nome Pablo, mas que todos conheciam melhor como Pablito, e a quem justo viu passar por dentro da torre na planta baixa, que lhe trouxera um martelo da cozinha. Esperou sentado no degrau estropiado por mais de cinco minutos; finalmente Pablito apareceu no primeiro piso com a ferramenta em mãos. Sua lerdice era surpreendente, mas Eusébio não teve ânimo de repreendê-lo. Esperou pacientemente. Enquanto o observava subir, notou que o último trecho da grade do corrimão onde ele se encontrava tinha uma solda solta e assegurou sua resistência manejando cuidadosamente a ferragem. Achou conveniente destinar recursos para a reparação da escadaria. Com o martelo bateu na vareta que lhe feriu o pé e agradeceu o favor a seu coroinha. Finalmente subiu ao seu aposento para descansar.

    Passado um tempo, a porta soava insistentemente. Por fora da habitação estava dona Gilda, responsável pelo serviço de cozinha e da limpeza da igreja. Ela contava, para realizar a manutenção do espaço, com diferentes ajudantes, mas, nesta ocasião, como era sábado, muitos dos empregados se encontravam apoiando os serviços da igreja como a armação de arranjos de flores, passar as caixinhas do dízimo e demais ofícios necessários.

    —  Padre Eusébio! Desperte padre Eusébio! — ainda

    com a batida constante, dona Gilda não conseguia retirar o clérigo de sua letargia. — Já são sete horas, o casamento lhe aguarda lá embaixo.

    Finalmente acordou, pois a mulher era desesperadora, tanto como comer um mosquito. O padre Eusébio respondeu e se apressou para a cerimônia religiosa. Mesmo que desejasse permanecer na cama até o domingo, não teve outro jeito senão molhar a cara, pentear-se, vestir a sobrepeliz e baixar, tendo especial cuidado com o corrimão da escada. Entrou cinco minuto mais tarde na sacristia para terminar de vestir-se, colocando o cíngulo, a casula e a estola, cumprindo com o compromisso da boda. «Até quando poderia aguentar?», se perguntava Eusébio; às vezes se dava conta que nesse ritmo teria que renunciar logo, a menos que a morte o surpreendesse antes.

    Pablito entrou, já vestido de coroinha, e o padre Eusébio lhe indicou a água benta e ele tomou cargo da liturgia. Finalmente estava dando a benção aos noivos e cumprindo com seu trabalho como fazem os profissionais: mesmo que não desejem, são disciplinados ante as obrigações. Certas vezes, como foi nesse casamento, acontecia que não tinha preparado alguma ideia que estonteasse aos fiéis, então decidia repetir um sermão de seu amplo repertório. Especialmente nas vinculações matrimoniais contava com a ajuda da carta de São Paulo típica dessa cerimônia: [O amor] tudo cobre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta... e sobre ela já tinha estruturadas muitas ideias apaixonantes, dignas de um público tão indiferente como o que assiste a maioria das bodas, que estão mais interessados em que chegue o baile e beijar seus seres queridos que vêm de fora. Gente que escuta às belas palavras da travessia em torno dos noivos, talvez amigos, talvez irmãos, filhos ou sobrinhos dos convidados. Na mente e nos sentimentos de Eusébio, ao contrário, estava mais consciente que nunca das lições moralizantes da mencionada passagem bíblica, repudiava cada palavra, por sua nova ideologia cética, sentindo e questionando seu conteúdo; debatia que o amor perdurasse por cima da ciência, dada sua incredulidade ante termos como profecia ou dom de línguas. Definitivamente, apesar do estremecimento que lhe provocou o atrapalhado chamado de dona Gilda batendo em sua porta, Eusébio teve pouca motivação interna para celebrar a missa; os assistentes ainda assim estavam cativados porque, em retórica, Eusébio costumava ser exitoso, era um homem carismático, um profeta moderno; mesmo que o termo profeta não lhe iludisse mais. Os participantes costumavam estar mais interessados na decoração barroca da igreja, na recarga da bateria de suas câmeras fotográficas, no flerte com as lindíssimas e jovens damas de companhia, com seus indiscretos decotes e as pernas descobertas acima do joelho; buscavam algum espelho no bolso para arrumar os cílios ou algum cabelo rebelde. Os garotos lustravam seus sapatos raspando-os nas panturrilhas, com a cabeça em uma dança com a moça que lhes dá paz com um beijo ardente na banca de logo adiante, animados por um par de bebidas alcóolicas no salão de festas, pensando nas zombarias que fariam ao noivo dentro do baile tradicional com a marcha fúnebre. Estavam em tudo, menos nos rituais aeróbicos da eucaristia: levantar, sentar, ajoelhar, levantar de novo. Transpiravam os perfumes e loções dos convidados ao lado e faziam cumprimentos a seus amigos do outro lado do corredor, tomando pétalas das flores até convertê-las em pó, da forma menos milagrosa possível. Mas, durante o sermão de Eusébio, a mãe do noivo mudou sua cara de indignação, provocada certamente pela correria de duas horas antes, o penteado, a fotografia, os outros filhos, os problemas comuns dessas cerimônias, e mostrou umas lágrimas de comoção dessas que provocam os juramentos, os signos, o cheiro das flores, os familiares que vêm de longe, as melodias dramáticas ou as olhadelas do filho, o noivo da boda, como que dizendo para ela que não sabe no que está metida.

    Depois da benção das arras esponsálicas, Pablito tropeçou e derramou água benta por todo o altar. O padre Eusébio não pode fazer mais que compreendê-lo, pois sua idade adolescente lhe provocava descontrole em seu corpo. Quando pode, como sinal de caridade e misericórdia, lhe ofereceu uma toalha para secar o líquido; enquanto durou a cerimônia, ambos contornaram o resto de espaço molhado com cuidado para não resvalar, pois que mais produzia água benta em um sítio bendito?

    Ao finalizar o ritual, Eusébio se encontrava na sacristia colocando sua casula no cabide quando apareceu sua mãe.

    - Oi filho! Como estás?

    - Bem, mamãe. Que te traz por aqui a esta hora? – A Eusébio lhe alegrava ver a sua mãe depois de uns dias e depois também de tantas cotidianas tarefas.

    - Hoje notei que sua irmã estava esquisita, chegou tarde em casa à noite e disse que adoeceu.

    Ana Gabriela é a única irmã de Eusébio – e menor que ele -, acaba sendo o braço forte de sua mãe. Costuma acompanhá-la em todos os afazeres e cooperar com ela na maior parte do tempo. Entre as duas compartilham a responsabilidade de atender o negócio da joalheria refinada com a qual se mantém e que, por acaso, se encontra muito perto da paróquia da Imaculada Conceição buscando Eusébio. A casa em que vivem fica mais afastada, a uns quinze quilômetros. Se movem em dois automóveis de modelos não muito recentes, mas em bom estado.

    - Em oito anos não faltou na joalheria, mas hoje amanheceu indisposta e faz um tempo que falei com ela por telefone e senti uma mudança estranha nela, como se algo estivesse doendo.

    - Chamaram ao médico? – Inquiriu Eusébio preocupado, pegando no braço como mostra de apoio à sua mãe.

    - Ela já esteve no hospital à noite ao sair da joalheria, disse que se sentia mal e foi. Hoje não se levantou durante todo o dia, mas insistiu que estava bem.

    - Devia levá-la ao doutor Felipe, para que fiques mais tranquila. Enfim, amanhã diga que venha à missa e conversarei com ela.

    - Obrigada, filho. Te agradeço muito.

    - Não se preocupe, tudo vai ficar bem.

    Ana Gabriela passou a ser uma nova preocupação para seu irmão, o Pároco; e pensava, como ela queria, que a causa era o estresse. Estaria doente de algo grave? Eusébio, depois de Deus, sempre teve em segundo lugar de sua escala de valores sua irmã menor, até que deixou de crer.

    Ana Gabriela caminhava pela rua na noite anterior. Saiu da joalheria e se dirigiu ao seu carro. Sua mãe ficou até o último minuto assegurando-se de deixar bem postos todos os cadeados e de dar as duas voltas em cada chave. Um homem seguiu Ana Gabriela, que chegou de carro e a apressou com voracidade obrigando-a a subir; conduziu o auto por diversos lugares da cidade. Finalmente, o sequestrador, de nome Frank, que tinha intenções claras de estuprá-la, decidiu levá-la à sua casa, onde podia transgredi-la sem riscos para ele. Colocou uma camiseta improvisada como pano em seus olhos e dirigiu até lá. Ela estava assustada e aterrorizada, milhões de pensamentos de pânico passaram por sua cabeça. Tinha as mãos amarradas com uma corda de varal desde que ele a obrigou a subir em seu carro. Não sabia se o homem lhe faria mal, se perguntava se voltaria a ver a luz do dia. Devido a cegueira que lhe causava a camiseta, Ana Gabriela não teve remédio; decidiu se render ao agressor, para não acabar machucada, deixando-se guiar por ele através dos cômodos e escadas pelos quais era conduzida. Finalmente chegaram ao quarto de Frank onde ele lhe descobriu os olhos; a única luz que ele decidiu manter acesa foi a de uma lâmpada minúscula colocada no escritório perto da janela. Com isso, pouco podia ver o rosto de seu agressor, mas, de certa forma, não parecia representar um perigo de vida.

    As mãos de Ana Gabriela não ficaram marcadas pela corda, graças à sua vontade de evitar confrontações com seu abusador; finalmente ele optou por liberá-la. Sua estratégia inicial foi seduzi-la, apresentando-se frente a ela com ternura, delicadeza, suavidade. Começou por acariciar as mãos justo quando as livrou. Pouco a pouco, tocando cada dedo sutilmente, desfrutando a cor das unhas, olhando-a nos olhos com intensidade e paixão. Essa sedução deu bons resultados a Frank. Ana Gabriela, depois de uma larga virgindade indesejada, não fez resistência, principalmente porque o criminoso se comportou como um cavalheiro, mesmo a tendo forçado inicialmente em sua abrupta possessão sobre ela. A não ser pelo fato de estar executando um ato hediondo, Frank não parecia um tipo doente; ao contrário, emanava ser uma pessoa educada, refinada, com certos trejeitos talvez pouco masculinos, certamente delicados. Seu comportamento tampouco era o de um maníaco sexual típico, ainda que tivesse certas fixações desenfreadas; e, para seu benefício, seu aspecto e suas feições poderiam ser julgados como as de um cinquentão interessante.

    Se encontravam no vértice do quadrado que formava a habitação de uns vinte metros quadrados, similar ao salão principal de uma mansão antiga. Desde a porta do banheiro, eles dois se viam o mais longe deste vértice, justo ao outro lado da figura geométrica perfeita.

    Lento, quase judiciosamente, Frank se apoderou da vontade de Ana Gabriela, quem depois de um tempo se mostrou disposta a colaborar com o violador, especialmente ante às carícias e ternuras que ele lhe ofereceu, e porque seu físico, até onde conseguia notar, lhe atraía muito também. Ela conservava involuntariamente até esse dia sua virgindade. Ele a beijou primeiro nas bochechas, logo no pescoço, e aproximou seu corpo passando suas mãos pelas costas e explorando os sutiãs do vestido verde azulado, que uns minutos depois se desmaiando no chão.

    Ele, em uma atitude aparentemente responsável, levantou a vestimenta do chão e, tomando a mão de sua prisioneira, aproximou-a da cama onde a sentou e terminou por desnudá-la completamente; por suposto, com o mesmo cuidado e devoção que lhe permitia apoderar-se da atitude colaborativa de Ana Gabriela. Ela olhou aos olhos de Frank pela primeira vez, na beirada da cama, frente a ele. Descobriu com surpresa uma cor azul profundo, sedutor e terrivelmente carinhoso que provocou um total domínio de sua já frágil castidade, pronta acabar de vez.

    Frank Galicia levava meses a desejando. A observava e não se atrevia, porque dentro dele havia muitos preconceitos, medos e apareceram outras oportunidades que distraíam seu objetivo primário com nome de Ana Gabriela. Essa noite, como se tivesse sido planejado, se encontraram como dois apaixonados depois de anos de noivado assexuado. Em um ato de fusão, seus corpos falaram substituindo a suas palavras e terminaram beijando-se com mais paixão que o mar ao marinheiro.

    O choque com uma família conservadora, com um irmão sacerdote e Pároco seria tremendo. Desfrutar uma violação não era de Deus. Enquanto isso em sua casa, com lágrima nos olhos, Carolina, a mãe de Ana Gabriela, discava desesperadamente para o telefone de Don Eusébio, o pai de seus filhos, para transmitir seu desespero pela desaparição, fuga ou sequestro de Ana Gabriela. Era mais de meia noite, ela não atendia o celular porque tinha ficado no carro, enquanto Ana Gabriela deixava Frank agir. Carolina não quis falar com seu filho, o sacerdote, porque conhecia suas reações arrebatadas, normalmente bruscas. Durante um par de minutos depois de desligar a chamada telefônica com seu ex-esposo, recebeu a esperada ligação de Ana Gabriela que contava a sua mãe que logo voltaria a casa, sem maiores contratempos. Poucos minutos antes, Frank lhe ajudou a vestir-se, a beijou muitas vezes e a guiou de regresso a seu automóvel. Ele teve medo de deixá-la livre, pensando na denúncia ou na vingança. Ana Gabriela lhe deixou claro, com sua muda resposta, que desejava voltar a vê-lo e essa atitude lhe permitiu confiar nela. Depois explicou à mãe sobre a enxaqueca muito forte que teve e decidiu visitar o hospital mais próximo, porque se sentiu prestes a desmaiar; não ligou antes porque não queria perturbar sua mãe e, além disso, se sentia mal. Inventou que o médico lhe fez um par de análises urgentes e solucionou o problema com certa medicação específica. Dona Carolina, depois de um tempo, deixou

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