A Serpente Adormecida
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A Serpente Adormecida - Marluce Maria da Costa
CAPÍTULO I
O bilhete passa de mão em mão. Risos baixinhos, Quando chega a vez de cada um, disfarçadamente, os alunos deitam a cabeça sobre um braço, em cima da carteira escolar, e com a outra mão por baixo da mesma, seguram o bilhetinho. No bilhete está escrito: Quando terá sido o último banho do padre? Ah! Ah! Ah!... – Quando Lucinha termina de ler, sente a presença de alguém ao seu lado. Assustada, ergue a cabeça e vê o padre em pé junto a ela.
Batina preta, ventre saliente, cabeça erguida dando-lhe postura de autoritarismo. Ele se posiciona à sua frente e fala:
- Entregue-me! Também estou curioso para saber o que significa isso.
Lucinha se levanta da carteira e encara o padre com ar de desafio. Ruborizada, morde o lábio inferior e responde-lhe:
– Desculpe-me padre, mas não devo mostrar-lhe. Com certeza, o senhor vai ficar chateado quando ler.
Num gesto impensado, Lucinha coloca o bilhete dentro da blusa, entre os seios.
Irritado por essa atitude, ele esbraveja:
– Você está me desafiando? Pegue suas coisas e, por favor, retire-se da minha aula.
Fitando-o nos olhos, Lucinha pega seu material, mencionando sair.
– Espere um momento, ainda não terminei. Aguarde-me na coordenação.
– Mais alguma coisa? – Ela pergunta batendo o pé.
– Sim. Você só voltará às minhas aulas quando eu falar com seus pais. Hoje à noite, sentirei prazer em visitá-los.
– Estou liberada? - Ela pergunta com a voz embargada.
– Ainda não. Antes quero ver o bilhete.
– Recuso-me a entregar.
– Desafiando-me assim será pior para você. Pense nas consequências menina!
– Pouco me importa.
– Sendo assim, fora! Vamos, fora! – Aos gritos, gesticula com o braço em direção à porta da sala de aula.
Com a cabeça erguida, Lucinha se retira da sala.
O padre e professor, fundador do colégio, sentindo-se impotente diante de tal situação, fecha os olhos refletindo. Por frações de minutos, lembra-se de que já estivera com a maioria daqueles alunos na pia batismal. Participara dos seus crescimentos, tanto na vida religiosa, quanto na educacional. Inspira e expira profundamente, e, um pouco mais calmo, segue em direção à sua mesa, abre a caderneta e pausadamente fala:
– Como não estou aqui para servir de chacota, tenho meus direitos de tomar uma decisão cabível e irrevogável.
Apreensivos alguns alunos perguntam:
– Que tipo de decisão?
– Menos um ponto. E a prova será segunda-feira.
– Mas não era no final do mês?
– Sim. Mas resolvi que será após o fim de semana.
Pega a pasta e menciona sair da sala. Vinícius o aborda na porta encarando-o diz:
– Um momento professor! Sou o representante da sala e, em nome da turma, peço desculpas.
– Minha decisão é irrevogável. E a mocinha receberá a lição de acordo com seu comportamento.
– Mas não sabemos quem é o autor do bilhete. Como pode alguém pagar por algo que não praticou?
– Isso servirá de lição pela falta de respeito para com o professor.
– Respeito seu ponto de vista. Mas analise melhor!
– Não! Está decidido. Não voltarei atrás.
Alguns segundos depois, o padre olha em volta da sala e fala:
– Tudo bem. Retiro a diminuição do ponto, mas a antecipação da prova não.
– Menos mal. - Todos respondem em coro.
– E quanto à minha conversa com os pais da aluna, permanecerei. Ainda hoje à noite irei a casa dela.
Nesse momento a campainha anuncia o término das aulas.
Ao saírem do colégio, Vinícius, chamado pela turma de Viny, Sabrina, Eric, Luana e Lucas ficam aguardando Lucinha que, em pouco tempo, chega da coordenação. Emudecida, aproxima-se dos colegas. Vinícius coloca o braço no ombro dela e, em seguida, todos os outros a abraçam e seguem em direção à igreja que fica próximo a suas casas.
O colégio é no estilo barroco. Construído numa pequena elevação, com a fachada para o leste. A entrada principal fica ao sul onde o acesso é por meio de uma escadaria em forma semicircular. Um engradado circunda toda a fachada e suas laterais, dando-lhe fineza e bom gosto.
Na fachada, uma porta de madeira e vidraças entre quatro janelas altas. Nas laterais e no fundo, várias janelões do mesmo estilo. As paredes pintadas na cor rosa-suave e o engradado na cor branco-gelo. O piso é conservado com as mesmas pedras da época.
A partir da entrada do colégio, há uma bifurcação em y
, em cujo lado esquerdo se inicia uma rua estreita, ligeiramente elevada, que dá acesso à igreja. Numa outra elevação mais acentuada, acompanhando essa rua, encontra-se um belo jardim.
Essa subida é separada da rua principal por um muro, terminando numa grande escadaria, com uma plataforma seguida de outra escadaria, dando acesso à calçada da igreja.
Abaixo e à frente da igreja e dessas escadarias, fica a praça principal. Segundo historiadores, foi nessa plataforma que Domingos Fernandes Calabar foi enforcado.
A igreja caracteriza-se em estilo barroco e foi construída pelos portugueses. O inicio de sua construção se deu no ano de 1597 e terminou em 1610.
Os alunos seguem esse percurso diariamente. Nesse dia, decidem sentar nos degraus em frente à igreja, antes de irem para suas casas.
Nesse momento, as primeiras estrelas estão surgindo, começando uma noite de abril.
Lucinha é a primeira a falar:
– Se o Padre for à minha casa, sei que vou receber um belo castigo. E, caso isso aconteça, se vocês concordarem comigo, tenho um plano para me vingar dele.
– Qual é o plano? Todos perguntam ao mesmo tempo.
– Já que estamos próximos da páscoa, entraremos na igreja na manhã da sexta-feira-santa e roubaremos o vinho e as hóstias.
– Mas qual o objetivo dessa façanha?