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Enterro dos ossos:  histórias
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Enterro dos ossos:  histórias
E-book239 páginas3 horas

Enterro dos ossos: histórias

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Sobre este e-book

'Enterro dos ossos reúne histórias recentes, antigas, inesperadas, engraçadas, todas inesquecíveis. Este é o segundo livro de contos de Roberto Castro Neves. O primeiro, Baleia Branca, recebeu entusiasmados elogios de Otto Lara Rezende, Fernando Sabino e Rubem Braga. O autor tem uma temática constante: protagonista masculino às voltas com questionamentos profissionais, perturbações familiares e relacionamentos amorosos, a tríade que preenche a vida de todos nós. Mas ao contrário do que possa parecer, esse cotidiano se transforma, pelas hábeis mãos do autor, num delicioso mergulho na imaginação e na memória de Roberto. '
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de mar. de 2022
ISBN9788588642799
Enterro dos ossos:  histórias
Autor

Roberto de Castro Neves

Roberto de Castro Neves é casado, tem três filhos, dois enteados e 11 netos. Trabalhou durante 30 anos como executivo em uma multinacional e é um especialistana área de comunicação e imagemempresarial, com quatro livros publicados sobre o tema. Além de sete livros de contos, Robertopublicou também dois romances, umlivro sobre Cinema e um sobre Viagens

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    Pré-visualização do livro

    Enterro dos ossos - Roberto de Castro Neves

    nome_do_livro

    Folha de Rosto

    ROBERTO DE CASTRO NEVES

    enterro dos ossos

    HISTÓRIAS

    Logo_editora.jpg

    RIO DE JANEIRO

    Dedicatória

    Aos meus pertences,

    aos quais pertenço

    nota do autor

    Enterro dos ossos é uma expressão da língua portuguesa usada para designar, entre outros, o aproveitamento de sobras. Geralmente, sobra de comida ou bebida do dia anterior. O exemplo mais comum é aquele almoço de domingo feito com o excesso da festança de sábado.

    O título deste livro, entretanto, não tem exatamente a mesma conotação. Ele não reúne sobras de trabalhos anteriores, tampouco restos de festas passadas. Aqui, o enterro é literal. Em sua maioria, os ossos são trabalhos – contos ou esboços de romances – que desenvolvi nos últimos anos e que permaneciam insepultos nas gavetas ou em minha memória. Alguns poucos se encaixam na metáfora: textos que não foram aproveitados em outros livros. Sobras, enfim, que acabaram se tornando mais saborosas no decorrer do tempo.

    sumário

    Capa

    Folha de Rosto

    Dedicatória

    Nota do autor

    O ateneu

    Amarcord

    Os inspetores

    Assim comecei no jornalismo

    Testemunha ocular

    Os bandalhos

    Enterro dos ossos

    Amor à tarde

    Os olhos oblíquos de Elizabeth Taylor

    Duelos

    Bandido

    Teorema de Pasolini

    Tudo sobre a mãe de Samuca

    Na estrada

    A terapia

    O filho de Alain Delon

    Tempos de galinhagem

    Greta Garbo

    Marina, morena

    O ocaso de um caso

    Emeagá

    Créditos

    img01.jpg

    AMARCORD

    Nós, os alunos adolescentes internos do colégio Pedro II, tínhamos dois objetivos na vida, conscientes ou não. Um objeitvo de longo prazo: passar de ano. Outro, no curto: passar os dias, as horas. O que seria um objetivo nobre que justificasse a internação isolando-nos da família, aprender, para ser alguém na vida, para tornar-se um homem ilustre – a exemplo daqueles que, segundo meu pai, por ali passaram –, para ser independente, para constituir família e toda aquela lengalenga que os adultos usam para convencer as crianças de que "estudar é bom, é necessário,

    é compensador", etc. Imagino que poucos, mas muito poucos, pensassem assim. Nem mesmo os melhores alunos tinham um horizonte tão distante. Para esses, o estudo era um misto de passatempo, de escape, de autoengano e de necessidade neurótica. Mais para doença do que para virtude.

    Enfim, estudava-se para passar de ano tanto pela conquista que a aprovação representava como porque o não passar de ano, repetir ano, levar bomba, levar pau, tinha duas consequências, ambas terríveis. A primeira, porque significava prolongar nossa vida no internato. A segunda, porque o repetente era um aluno estigmatizado, olhado com desprezo disfarçado pelos professores e, declarado, pelos colegas. O repetente jamais se livrava da pecha. Da marca de Caim. Se, no ano seguinte, tirava boas notas, essa performance não lhe dava méritos: tinha mais é que ter boas notas, afinal, era repetente! E se continuasse batendo roupa, isto é, tirando notas baixas, ficando na rabeira da turma, aí era considerado um ser realmente desprezível, cidadãozinho de segunda classe, um pária. Perambulava pelo colégio quase sempre só, porque perdia a convivência dos amigos da turma anterior e tinha dificuldades em ser aceito na nova. Portanto, uma das forças que nos empurrava para estudar minimamente para passar de ano, ainda que fosse raspando, era escapar dessa suprema humilhação. Melhor uma boa morte.

    Nesse contexto, aqueles que detinham o poder de aprovar e de reprovar mereciam toda a nossa atenção. Eles, os professores.

    No início do ginásio, uma novidade confundia os debutantes. Enquanto na escola primária tinha-se apenas uma única professora (que geralmente acompanhava uma turma por vários anos), no ginásio chegava-se a ter uma dúzia de professores diferentes que se sucediam, diante dos alunos, a cada semana, de hora em hora. Na escola primária, a professora sabia tudo a nosso respeito: características, pontos fortes e fracos, manhas. E vice-versa: também conhecíamos bastante da professora. Outro aspecto dessa fase era o trato quase maternal. A professora se constituía numa espécie de segunda mãe, com a vantagem de que se apaixonar por ela não implicava o ônus de culpas edipianas. No ginásio, o relacionamento aluno-professor era totalmente diferente. Pra começar, eram raros os professores que nos conheciam pelo nome. Apenas um ou outro aluno conseguia ser mais do que um simples nome na lista de chamada. Esse reconhecimento poderia ser por bons motivos – alguém que se destacava nas notas – ou por coisas ruins – indisciplina ou insuficiência. Outra característica: em sua maioria, os professores eram homens. O tratamento então era outro. Áspero. Bruto. Se chorasse porque levou um zero, não comoveria ninguém. Problema seu. Nada de mamãezadas, de vem cá, meu filho, de passar a mão na cabeça. Era lei do cão. Por fim, se os professores não sabiam nada a respeito dos alunos individualmente, a recíproca não era verdadeira. Nós, alunos, sabíamos muito sobre eles, suas características, personalidades, fraquezas, idiossincrasias, neuras, manhas, truques. E o conhecimento desse perfil não era apenas construído no relacionamento diário, na convivência em sala de aula. Um pacote de informações sobre cada professor era herdado de turmas anteriores, passado no boca a boca. Quando o ano letivo começava, recebíamos oficialmente o horário das aulas e o nome dos professores por matéria. E oficiosamente, nos corredores, a ficha completa de cada um. Nem o diretor do colégio sabia tanto do professor ou da professora como nós. Nem seus cônjuges.

    Para ser bem-sucedido na realização do objetivo de passar de ano, além de estudar minimamente, esse conhecimento era muito importante porque a partir desse dossiê nós, alunos, construíamos nossa estratégia de conquista de boa vontade. Por exemplo, se o homem era vaidoso por excelência, poderíamos controlá-lo pela exploração dessa fraqueza. Noutras palavras, pela bajulação explícita.

    – Professor, como são interessantes suas aulas!

    Isso, dito ao pé do ouvido, como quem não quer nada, no fim aula. Bem dosada para não levantar suspeitas, essa estratégia poderia ter bom retorno em uma prova oral no fim de ano, além de protegê-lo daquelas aleatórias chamadas ao quadro-negro, valendo nota. E – claro! – boa vontade na correção das provas mensais. Assim controlávamos os pavões que, como em qualquer ambiente, eram muitos.

    Com professores obsessivos, o bom truque era demonstrar interesse pela matéria. Fazer perguntas óbvias, anotar – ou fingir – o que estava sendo dito. Enchia-se cadernos de garatujas dando a impressão ao mestre que estávamos sorvendo seus ensinamentos e protegendo toda aquela sabedoria da força dos ventos.

    Verba volant, scripta manent.

    Enfim, era assim que nós – meninos de 12 anos – passávamos a controlar nossos professores, muitos deles homens ilustres, catedráticos com livros didáticos adotados em todo o Brasil, habituais patronos ou paraninfos de turmas que se formavam, alguns sempre candidatos ao cargo de diretor do colégio e até mesmo ao de ministro da Educação.

    Em busca do tempo a ser perdido

    O outro objetivo que tínhamos na vida era mais imediato: vencer os dias, as horas. Arranjar o que fazer – sem ser, claro, estudar – para que a semana passasse depressa, para que o sábado chegasse logo, para que não se sentisse o tempo se arrastar.

    Passar o tempo. Criar o tempo pra ser perdido, desperdiçado.

    Como a vadiagem objetivamente praticada – isto é, matar aula – era impossível no internato, procurava-se formas alternativas para ajudar a matar o tempo. O máximo de gazeta que se podia fazer, era, depois da chamada em sala de aula, simular uma dor de barriga e passar uns tempos no banheiro lendo um gibi. Além de ser um recurso do qual não se podia abusar, não era uma alternativa agradável ficar trancado no banheiro por tanto tempo. Outro artifício era reclamar de dor no corpo e dizer-se febril e, dessa forma, ganhar autorização para visitar a enfermaria. Lá, o enfermeiro tomava a temperatura.

    – Febre, não tem – dizia ele, coisa mais do que sabida pelo falso enfermo.

    – E a dor no corpo? E esse mal-estar?

    Sem ter como objetivamente contestar a queixa, e precisando de ocorrências para registrar e valorizar seu trabalho, o enfermeiro participava da encenação. Do me engana que eu gosto. Ministrava vinte gotas de Atroveran em meio copo d’água. Às vezes, permitia que o aluno repousasse em uma das camas da enfermaria. Ótimo! Ajudava a passar o tempo. Mesmo que fosse para ficar olhando para o teto. Não era lá um programão, mas, pelo menos, protegia-se de uma arguição em sala para a qual não se estava preparado. Quando a campainha anunciando o recreio tocava, a dor no corpo e o mal-estar desapareciam como num passe de mágica. Estávamos prontos para o futebol.

    Entretanto, muitas aulas eram interessantes e prestar atenção nelas acabava sendo a melhor forma de passar o tempo. Havia ainda vadiagem subjetiva, isto é, estar pensando noutra coisa enquanto o mestre falava. O tempo parecia andar mais rápido do que naquelas horas dedicadas exclusivamente ao estudo.

    Era também comum recorrer às antologias. Nenhum impedimento. E eram fáceis de ler, tinham coisas estimulantes: contos, fragmentos de romances, poesias. Só que, depois de alguns meses, já eram conhecidas de cor e salteado, de cabo a rabo.

    Quando o aluno estava realmente com febre – qualquer que fosse o motivo – era mandado para casa. Aos primeiros sintomas, ia-se à enfermaria. O enfermeiro colocava o termômetro sob o braço. Constatada a febre, o médico de plantão era avisado e imediatamente autorizava a saída do aluno. Nem examinava o doente.

    Estar com febre, então, era a chave da liberdade temporária. Já no primeiro ano aprendemos alguns macetes que poderiam provocar o chamado estado febril. O mais recomendado era colocar um mata-borrão molhado na sola do pé, dentro do sapato. Tiro e queda, diziam os que já tinham se utilizado do método. O problema é que, por esse método, a febre era real. O sujeito ficava mesmo doente. Então, qual era a graça? Do que adiantava a liberdade nessas condições? Melhor do que a febre induzida era a falsa febre. Isto é, aquela que só existiria no termômetro do enfermeiro. Aí, o cardápio de alternativas era variado. Dependia da ousadia do aluno. Um método eficiente e barato consistia em passar alho debaixo do braço, nas axilas. Mas tinha que saber fazer a coisa. Uma dose exagerada podia jogar a febre a 40 graus, o que logo despertaria suspeita. E para conseguir a permissão de saída, não precisava tanto. Bastava 37,5. E pior! Em casos de febre muito alta, o médico era convocado para examinar o paciente. Não podia simplesmente mandar para casa um menino com 40 graus de febre. Seria uma irresponsabilidade. E a primeira coisa que fazia era confirmar a temperatura tomando-a no lugar mais confiável: pelo ânus. Conclusão: constatado que a febre era falsa, o aluno que não ia para casa tinha que esconder dos colegas a vergonha de ter levado um termômetro no cu. Ter qualquer coisa enfiada na bunda era um preço muito alto por uns dias de liberdade. E ainda ficava fedendo a alho até o próximo banho. Portanto, a técnica requeria conhecimento. E nem todo mundo sabia aplicá-la adequadamente. Havia um sistema em que a temperatura era conseguida sob controle. Friccionava-se a ponta do termômetro numa superfície qualquer – podia ser no próprio corpo – até que ele chegasse a registrar a temperatura ideal – entre 37 e 38 graus. Mas para fazer isso, era necessário que o enfermeiro se distraísse depois de colocar o termômetro. Então, operava-se em dupla. Dois alunos chegavam juntos à enfermaria com a mesma queixa. Enquanto um estava com termômetro, o outro procurava distrair o enfermeiro. Às vezes, funcionava. Um deles, pelo menos, conseguia enganar o enfermeiro.

    Para vencer a monotonia da rotina, descobrimos, já nos primeiros dias, que o melhor é buscar emoções. Fazer coisas que injetem alguma adrenalina no sistema. Algo como esportes radicais. E para tanto, nada melhor do que desafiar o sistema. Havia muitas modalidades. Aí, dependia da ousadia de cada um.

    Um outro front importante na estratégia de sobrevivência era a comunidade de alunos em si. Como conseguir a simpatia dos colegas. Como ser aceito e respeitado por eles. Como, de alguma forma, sobressair-se. Vantagem disso? Ter melhor qualidade de vida. Ganhar espaços. Poder. Carregar a autoestima.

    Também ninguém nos ensinava nada sobre isso. Não estava nos livros, nem nos manuais. Chegávamos às formas por nós mesmos. Na escola da vida. Ralando. Na tentativa e erro. Logo, percebíamos que desafiar o sistema, além da adrenalina, trazia prestígio entre os colegas. Valia a pena correr riscos. Essa confrontação com o sistema poderia ser feita de várias maneiras. A mais comum era merecer o título de esporrento, que se auferia desde atitudes leves, tais como, dizer piadas – gracinhas – em sala de aula, até desafiar a autoridade dos inspetores na frente da turma. Mas ser esporrento não dependia da vontade. Requeria talento. Um bom piadista, por exemplo, precisava ser criativo, ter senso de humor e de oportunidade e até uma certa elegância. A boa piada dita durante a aula tinha que ser tão desconcertante e sutil que até o professor, ainda que viesse a punir o autor, reconhecesse seus méritos. Interromper o mestre com uma dúvida cínica, com um deboche embalado em ingenuidade, a dissimulação sem deixar vestígios, o uso da gozação enrustida eram atitudes apreciadas como se fossem obras de arte. Grosseria, pois, não qualificava ninguém. Podia-se optar por atos mais corajosos como, à noite, pular o muro no fundo do colégio que dava para rua Fonseca Teles e ir vagabundear nos bares de São Cristóvão. Adrenalina, nada mais. Não se tinha nada para fazer nesses bares a não ser ver os adultos jogando sinuca e bêbados enchendo a cara. Uma variante mais emocionante desse programa era pegar um bonde e ir até a zona de meretrício, no Mangue. Só para olhar, claro. Mas era arriscado demais. De uniforme, menor de idade... Outra ousadia: desligar a luz do prédio, deixando-o às escuras por horas. Reconhecida a autoria, o prestígio do terrorista ia às alturas. Enfim, qualquer molecagem assinada dava fama para seu autor e o fazia ser respeitado por seus pares. Cada ação bem-sucedida fortalecia a grife.

    Ser bom em alguma coisa também comprava admiração. Bom no futebol, no pingue-pongue, no xadrez, saber desenhar, brigar, pegar ou saltar de bonde andando. Apreciava-se também quem tivesse conhecimentos específicos, extracurriculares: futebol, política, cinema, jazz, etc. Quem sabia contar anedotas, poesia de cor, melhor ainda se fossem declamadas nas sessões literárias do Grêmio. Os criativos gozavam de boa fama. Lembro-me de um colega que vivia inventando coisas: relógios com caixa de fósforos, telefone sem fio, engenhos certamente aprendidos em Cousas que podemos fazer, do Tesouro da Juventude. Kiko, o pequeno Trotsky, meu colega de escola primária que garantia que havia vulcões no Brasil, teria se dado bem no internato. Mas um requisito básico para ter a admiração da comunidade e o respeito de seus pares – qualquer que fosse sua especialidade – era ser leal.

    Se ser bom aluno rendia prestígio? Depende. Quem tirava boas notas sem ser estudioso ao extremo tinha muito prestígio. Sem dúvida, a inteligência, associada à esperteza, era mais admirada e valorizada do que a dedicação. Essa última era lida como uma forma de subserviência, de alinhamento ao sistema, nunca como virtude. Empenhar-se a fundo para conseguir boas notas era violar a lei do menor esforço. Não era mérito nenhum tirar boa nota porque estudou muito.

    Havia também como angariar antipatia. Em primeiro lugar, sendo alcaguete. Esta era a pior das reputações que um aluno poderia ter no internato. Execravam-se os dedos-duros. Esses eram isolados como leprosos. Denunciar alguém, em qualquer circunstância, era crime hediondo em nossa lei. Também se repelia os bajuladores, isto é, puxa-sacos por natureza, não por estratégia. Esses entravam na categoria dos espertos. Em contraponto, rejeitavam-se os peles. Ser pele era ser degradado. Pele de pica. Prepúcio. Pele era um genérico que englobava os inocentes demais, os bobos, os otários, os pamonhas, os sem senso de humor, os desajeitados, os trapalhões. Os cus de ferro, além de não se socializarem, carregavam a pecha de lacaios do sistema. Não eram dos nossos. Tirando boas notas, aliviavam a culpa dos professores por terem dado uma prova puxada. Não se poderia argumentar que a matéria não fora bem dada, que as questões não foram bem formuladas. Sendo assim, a boa nota era entendida desde como falta de solidariedade até como uma traição dissimulada, uma apunhalada pelas costas nos colegas. Por fim, não se gostava dos chatos de qualquer natureza, dos filhinhos de mamãe, dos encrenqueiros, dos egoístas, dos exibidos, dos metidos à besta, dos que queriam parecer melhores do que os outros, superiores, que achavam que cagavam cheiroso – ou que cagavam um quilo certinho –, dos que tinham comportamento estranho.

    Dos que tinha tendências homossexuais? Você quer saber dos veados? Ah, esses eram até bem populares...

    Não havia quase ninguém no internato que não tivesse um apelido, incluindo inspetores e alguns professores. Até mesmo o temido diretor tinha o seu. Os apelidos eram extraídos de defeitos físicos, de traços extravagantes da pessoa ou de características que a diferenciavam dos demais. Caricaturas, enfim. Nomes de animais eram

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