Saudade à queima- roupa
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Pré-visualização do livro
Saudade à queima- roupa - Fabbio Cortez
Folha de Rosto
Fabbio Cortez
Saudade
à queima-roupa
logo.jpgCréditos
Copyright © by Fabbio Cortez
Capa
Pedro Costa
Imagem da capa
Stockphoto
Diagramação
Alexandre Brum
Revisão
Graça Ramos
CIP-Brasil. Catalogação na fonte
Sindicato Nacional das Editoras de Livros, RJ
C858s
Cortez, Fabbio, 1969
Saudade à queima-roupa: Fabbio Cortez. – Rio de Janeiro: Outras Letras, 2011. – 100p.
ISBN 978-85-88642-34-8
1. Conto brasileiro. I. Título.
[2011]
Todos os direitos desta edição estão reservados à
Outras Letras Editora Ltda.
Rio de Janeiro, RJ
Tel./Fax: (21) 2267-6627
outrasletras@outrasletras.com.br
www.outrasletras.com.br
Para minha mulher e filhos,
Valéria,
Marianna e Fabbio Gabriel
E para minha mãe e amiga,
Shirley
Agradecimentos literários a
Leila Míccolis,
Mônica Banderas
e Delmo Fonseca
O tamanho de Deus
De dentro de seus francos cinco anos, uma menina perguntou ao pai se Deus era maior do que o mar.
– Sim, é claro que é – respondeu calmamente o homem, mas sem desgrudar os olhos do jornal que degustava à poltrona da sala.
– É maior do que a Terra, papai?
O cidadão, não podendo mais dividir o cérebro entre a economia do país e o amor pelo rebento, girou as lentes à criança:
– É, meu amor, é sim, é maior do que todo o nosso planeta.
– Sei... E do Universo, é maior do que o Universo?
– Também, filhinha.
– Então, afinal de contas, papai, que tamanho tem Deus?
O pai largou a gazeta sobre a mesa de centro e, abrindo o mais que pôde seus braços, demonstrou:
– Deus, minha boneca... É grande assim ó!
– Ué! Só isso? – obtemperou a criança – mas o Universo é maior do que seus braços, papai... E Deus...
A menina calou-se de súbito, pois acabara por notar a expressão frustrada do pai, sentira o tanto de amor que tinha por ela e a incapacidade dele em explicar-lhe o mistério.
Aí, ela pensou, pensou. Depois, amando recíproca, decidiu desistir de desaprender:
– Ah! Já entendi, papai: Deus... É maior do que o tamanho!
Incompatibilidade
Davam-se bem sob os lençóis da noite, mas, no cotidiano, as diferenças filosóficas do casal desencadeavam-lhes rixas terríveis:
– Quer dizer que você realmente pensa ser tudo, é isso mesmo?
– ela indagou.
E daí?
Não é muita presunção sua não, amigo?
– Ora, pelo contrário. Tudo é só, e somente só, uma ilusão de nada, minha querida.
– Como assim?
– Note: o que é o nada de tudo?
– Nada.
– E o tudo de nada?
– Tá... Também nada. E daí?
– Viu? Dizer ser tudo é pensar-se modesto, humilde.
– Mas, pelo que sei – acendeu palavra a mulher, a fim de corroborar ao oponente doméstico sua sapiência adquirida à custa de revistas científicas compradas em sebo –, pelo que sei, meu caro, tudo
corresponde a todas as pessoas, animais, plantas, estrelas e planetas próximos e distantes, o que há nesses planetas, todas as atmosferas, todos os infinitos e todos os além-infinitos.
Parou dois segundos a fim de reorganizar a respiração e – sabe como é mulher – deu sequência:
– Já o nada, queridinho, nem espaço é, quer dizer, não é coisa nenhuma. Nem lugar vazio tem lá pra caber troço algum. Nada é a inexistência das leis físicas, e nenhuma coisa que existe no mundo a obedece, nem energia, nem mesmo o tempo. Nada pode estar no nada: o nada na verdade é um não lugar!
– Tá certo... Você é cientista ou algo assim? – provocou o sujeito.
– Não, filhinho – respondeu com um misto de orgulho e ironia –, não sou nada; mas, você sabe, leio muito.
– Viu? Você mesma disse que é nada. E eu acho que sou tudo, ué! No fim é a mesma coisa.
– O quê? Você é que na realidade é um baita de um nada, isso sim.
– Como você é burra, hein? Confundiu tudo.
– Ah, vá pra casa do caramba, canalha, você é que não sabe nada!
– Vá você, se lá for bom me diga, ô palhaça!
Quase saíram no tapa, partindo para o tudo ou nada.
Tudo por causa de nada.
Proposta de paz
"Caro Emanuel,
Embora nossa caminhada como amigos tenha perdido a força com o tempo, quero de coração parabenizá-lo por mais um ano de vida.
Estive pensando com um mais apurado juízo, deixando de lado as falhas cometidas por mim (ou por você, não importa) e o endurecimento de meu espírito no que tange a sua pessoa. Definitivamente, odiaria que você celebrasse seu aniversário tendo inimizade contra mim.
Emanuel, nosso contato sempre se balizou em cordialidade, peito aberto, da minha parte, acredite, e da sua, tenho certeza. Mas as coisas desandaram. Você sabe, tenho um chamado para ser um cara correto, e tento a todo custo limpar-me de pensamentos malévolos. Mas sou falho, e talvez tenha me deixado levar mais pelo lado humano do que pelo espiritual. Quiçá também tenha confundido sua maneira de ser, ou não me tenha sentido disposto a abarcar suas idiossincrasias; nem sei, a questão é: faltou em nós, como sujeitos-homens, um pouco mais de compreensão mútua.
Mas bem sei, você é um sujeito bacana (pude enxergar como você é interiormente algumas vezes). E conheço-me também: não sou mau sujeito; ao menos tenho vontade de acertar, de ajudar, de manter certa dignidade. Há momentos, entretanto, em que a coisa complica e nos perdemos. É a vida.
Não estou