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Palinódia Filosófica ao Niilismo: Uma coletânea de aforismos extemporâneos e textos autorais
Palinódia Filosófica ao Niilismo: Uma coletânea de aforismos extemporâneos e textos autorais
Palinódia Filosófica ao Niilismo: Uma coletânea de aforismos extemporâneos e textos autorais
E-book477 páginas7 horas

Palinódia Filosófica ao Niilismo: Uma coletânea de aforismos extemporâneos e textos autorais

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Sobre este e-book

Para usar as belas palavras de um grande autor que tomo na mais alta estima, este é um livro para todos e para ninguém. Seus leitores se veem diante de forças e intensidades de fluxos de pensamentos pouco comuns, estarão diante de sensações tão variadas e transfiguradas entre si que talvez possa se sentir em um labirinto. Aos neofascistas e niilistas, ouso dizer, não há nada que fere mais fundo essas crenças e certezas como as perspectivas e mundos trazidos entre essas páginas. Uma psicagogia tal que pode ter resultados quase sanadores a quem dificilmente consegue respeitar pensamentos opositores, para quem tenda a falar por outros. Assim cabe o aviso a quem apenas inicia seu caminho no despertar da consciência intelectual ou, por outro lado, que já passaram demais do tempo certo, que esse livro certamente deve ser considerado altamente contra indicado e se ainda houver vontade de prosseguir, as esperanças abandonadas antes de folheá-lo. Especialmente a niilistas de coração fraco e disposição frágil, aconselho que jamais o tomem na mão, seus pensamentos serão devidamente revirados ao avesso. Caso haja interesse em vislumbrar os mundos que se espraiam por essas páginas, ouçam-nas de terceiros. Mesmo a um filósofo acostumado ao desconcertante, esse será um território ainda demasiado hostil e espinhoso. Uma resposta a esses desafios quase desumanos? Ou ainda, aos mais hegelianos, uma tentativa digna de síntese ante a tão terrível antítese? Daqui a no mínimo três ou quatro séculos. Mas, acima de qualquer outra coisa, no pior dos cenários o objetivo último desse livro é que haja ao menos algum registro ao por vir, constando cristalino como a humanidade ao mesmo tempo que pode ser completamente deprimente, também pôde se permitir um voto vencido, de quem ousa um conhecer diferente do reconhecimento. Que ousou adentrar caminhos outros em direção não a alguma descoberta ou de ser alguma espécie de descobridor, mas a transformação, como sempre há
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de mar. de 2023
ISBN9781526030726
Palinódia Filosófica ao Niilismo: Uma coletânea de aforismos extemporâneos e textos autorais

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    Pré-visualização do livro

    Palinódia Filosófica ao Niilismo - Heyson Mello

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    Prólogo

    A primeira coisa a ser dita antes de qualquer outra num livro como esses é que não havia imaginado executar uma tarefa hercúlea como essas até que ela mesma já vinha se moldando e tornara-se, então, absolutamente necessária. Este livro consiste na coletânea de hipóteses autorais e pensamentos desenvolvidos apenas após longo período de reflexões e investigações multitemáticas, até de certa reclusão. Hipóteses, raciocínios, construções argumentativas e dialéticas exclusivamente desenvolvidos e escritos e não apenas, mas também sob um método analítico original. Cada aforismo é uma expressão íntima e, ao mesmo tempo, resultado de construções dialéticas tecida durante esses anos e que, dado momento, impôs-se serem postos no papel e publicados, tão originais quanto a escrita filosófica poderia ser. As referências teóricas majoritárias são Nietzsche e Marx, desse modo, todas as hipóteses não formuladas por esses*¹, foram exclusivamente desenvolvidas pelo autor que vos fala durante uma pesquisa de filosofia, no período em que fui bolsista. À exceção desses predecessores os quais, não por acaso, tomo por referência, poucos diagnósticos filosóficos, políticos, artísticos e culturais do contemporâneo chegaram a um grau tão profundo.

    Rara a filosofia que tenha fundido de maneira tão orgânica princípios teóricos e registros do saber à espiritualidade, mas também à arte e à vida. Poucas foram as obras nos últimos séculos tão abissais em sua analítica filosófico-política, especialmente, no que se refere à literatura brasileira, poucas considerações filosófico-científicas, tão frias sob seu aspecto lógico estrutural e, simultaneamente, tão atravessadas existencialmente de calor poético e ética. Qualquer um que partilhe da vontade de verdade encontrará um mar de riquezas. Impossível não lembrar do quanto de mim ou no quanto de sangue há no texto. De escritos de um período, apesar de sombrio, o mais irradiante e extático, pelo qual o um e o múltiplo se fundiram e o princípio de identidade se viu atingido pelos golpes mais devastadores. Se ser capaz de conhecer é se permitir a multidimensionalidade expressiva dos territórios simbólicos, o lado bom de se estar num labirinto de fuga irrealizável é que, em meio à desintegração do ego, sem esforço, também são destroçadas máscaras assumidas como parte de nossa natureza. A redução ao nada se permite um conhecimento inteiramente indesejável, ainda que não menos necessário a quem ouse o saber.

    Priorizei que o modo de apresentação dessa filosofia, frequentemente, tomasse como suporte contextual e tópicos temáticos acontecimentos explicitamente cotidianos e de conhecimento público, que qualquer um com acesso a meios de comunicação ou à internet poderia dispor em detalhes. E a escolha estilística e textual se deu em razão de ao menos dois motivos. Primeiro, para não haver desvinculação possível entre o que pode ser encontrado diariamente na vida e investigações ou considerações filosóficas. Portanto, para que a filosofia possa ser vista como é, transdisciplinar e, assim, intimamente atravessada mesmo aos micro-fenômenos aparentemente mais efêmeros e erráticos da vida social. Em segundo lugar, tomo como base acontecimentos sociais comuns para contribuir com descrições precisas de como ocorrem e a partir do que se sustentam. E contribuições não à análise estritamente daqueles eventos em particular datados e contingentes, mas toda a cadeia de acontecimentos semelhantes e de mecanismos que resguardam gramáticas, lógicas e caminhos de produção de sentido, grosso modo, semelhantes. A análise sincrônica é apenas um meio à percepção diacrônica, o acontecimento mesmo é mero tópico, mera metonímia a cadeias muito mais largas dos circuitos de reconhecimentos e padrões de pensamento, os quais implicam não apenas aqueles eventos particulares, mas diversos outros que se repetem escala muito maior, esses, sim, constituem o tema central.

    O πάθος dessas considerações se condensa num exaustivo exercício de se percorrer condições e implicações entre os principais caminhos do sentido manifestos na vida social, estejam onde estiverem e apontem para onde apontem. Nesse aspecto descritivo muito pouco é dito a respeito de pessoas empíricas, ações pessoais direta ou indiretamente mencionadas são tomados como nada além de lentes de aumento, as quais permitem alguma expressão e percepções mais nítidas de traços característicos. Por outro lado, muito do é dito sobre estruturas lógicas, sociais, econômicas, antipolíticas que imperam sobre o pensamento humano, sobre estados de espírito e modelos arquetípicos que orientam fluxos gerais de pensamento. Assim como valores e lógicas que ainda não conquistaram território e que muito nos auxiliariam na construção de um mundo mais humano, se não a tempo de nós mesmos vivê-lo, ao menos, para que outros possam. Me atenho especialmente ao não-sentido na maioria das lógicas e valores apresentados devido ao fato que, enquanto o sentido deles poderia ser facilmente encontrado em meio aos inúmeros que os defendem, não há nada mais raro de encontrar que esse antagonismo.

    Com esse espírito apresento uma breve coletânea de aforismos (e artigos) nada conformistas, nada isentões e em nada hipócritas. O niilismo é a temática transversal que perpassa cada uma de suas seções, e o livro pode ser chamado de um contracanto (ou uma palinódia), sendo a expressão máxima de um movimento contrário a ele. Uma coletânea de aforismos tão direta quanto poderia, entretanto, sutil sob muitos aspectos, romântica, surrealista e, ao mesmo tempo, de registros analíticos céticos em larga escala. Assim, essa filosofia é a expressão de uma vitória plena sobre o ressentimento e revolver de rancor contra a vida, do ódio, da intolerância, da dormência e seletividade empática, sendo uma ação sob o grau mais intenso. Graças ao destino e ao prolongado período de quarentena me foi permitido passar a limpo velhas anotações, cuja época de composição e decorrer imediato, não estava em condições mínimas de lidar com suas irônicas, sarcásticas, contundentes e debochadas proposições, quanto menos de oferecê-las um trato sério, processá-las e levá-las ao computador. Por outro lado, nada melhor que ter algum real tão próximo para estarmos aptos a lidar com seus desdobramentos.

    Acerca do período de escrita a maior parte dos aforismos data do início de 2016 (alguns de 2015) a meados de 2019. Não fosse o estado de espírito à época, sem dúvidas, bem poderia ter publicado a obra ao final de 2019, após a apresentação de um TCC contendo alguns resultados de pesquisas realizadas durante anos anteriores. Em grande parte, os escritos da primeira edição foram o excesso do que foi produzido da pesquisa ao TCC, tudo aquilo que seja por estilo, tema ou por páginas a mais, não caberia ao documento*² ou poderia ser apresentado por via formal. No decorrer do tempo, naturalmente, outros aforismos foram sendo escritos e adicionados, acrescentados ao final de alguns capítulos em sua segunda edição. No entanto, é incrível e assustador como alguns aforismos mais antigos sobre política e direitos fundamentais, de tão certeiros, pareciam quase pressagiar problemas de 2020.Em seu aspecto descritivo essas considerações foram tão precisas e diretas que muitos eventos atuais, quer envolvendo questões de saúde pública, acontecimentos estritamente políticos, que nem haviam ocorrido (e que ainda podem ocorrer) seriam perfeitamente previsíveis e compreensíveis tomando-as por base.

    *¹ E outros autores, como veremos ao longo do livro.

    *² Que já possuía cerca de 200 páginas.

    Primeira edição publicada em 22/10/20

    Segunda edição publicada em 07/06/21

         Aquilo que se faz por amor sempre se faz além dos limites do bem e do mal. (Friedrich W. Nietzsche)

    Índice geral

    Capítulo 1 - Teses, hipóteses e considerações sobre Filosofia Política

    Capítulo 2 - Acerca da linguagem do sentido e das figuras de linguagem

    Capítulo 3 - Acerca do conhecimento

    Capítulo 4 - Acerca da educação e psicologia da educação

    Capítulo 5 - Acerca da ética e da valoração moral

    Capítulo 6 - Breves considerações extemporâneas sobre Filosofia do Direito

    Capítulo 7 - A questão do método no materialismo mecanicista alemão: materialismo dialético e histórico

    Capítulo 8 - Aforismos críticos sobre antropologia filosófica e cultura


    CAPÍTULO 1 - CONSIDERAÇÕES SOBRE FILOSOFIA POLÍTICA

    Introdução

    A noção vulgar da política, seu engodo parte de uma série de pressupostos bastante frágeis e que não se sustentam, estabelece-se sobre um pensamento quase anímico e mágico. Essa concepção é praticamente o senso comum, isto é, uma concepção não filosófica do que é. Ainda que distante de rigorosamente defendida ou assegurada a objetividade mínima de elementos e fatores que a constituem, a sociedade civil a imagina existindo como processo mais ou menos orgânico, automático e irrefreável à vida em sociedade. Nessa concepção, portanto, bastando que membros que representem a sociedade juntem-se na decisão sobre questões da vida pública, magicamente, sem muitas complicações e complexidades estaria em curso, quase que independente das condições do que almeja apresentar-se como política. Não por acidente, o voto e a torcida para que o populismo vingue é geralmente um comportamento comum, tão frequente que confunde-se com o que normalmente se considera ser o exercício de direitos políticos e da cidadania. Tão frequente quanto agradável devido a ser extremamente improvável de se estar só. Mais além, junto ao senso de coletividade soma-se a segurança proporcionada pelo reconhecimento intersubjetivo mútuo e pela sensação de pertencimento em relação ao que se pensa. Tarefa complicada como poucas, árdua e ingrata mesmo é aquela de fazer com que a política chegue a existir, que passe para além da condição de mera fantasia irrefletida e ganhe qualquer materialidade ou objetividade na vida pública.

    Levando em consideração fatores como esses, no que se refere ao regime eleitoral seria enganoso conceber que o problema de um voto pouco pensado ou rigoroso é se um governo ou outro conseguirá uma melhora social (ou se não), mas que através do voto concedemos, pressupõe-se deliberadamente, a oportunidade a um modo de apresentação da vida social, uma dentre suas perspectivas legitimar-se politicamente. Entretanto, como venho alertando ao menos desde 2015, não importa quantos bilhões de votos qualquer regime eleitoral esteja disposto a oferecer, o celebritismo eleitoral que ganha vida através da tradição da economia-política não será política. Pois não é não há magia nem voto no mundo que torne a antipolítica em política. Por meio do voto, por outro lado, pode-se conceder espaço ao celebritismo eleitoral e à antipolítica, pode-se oferecer um território valiosíssimo, da política por direito, ou em nosso caso para ser mais preciso, pode-se fazer com que mantenha-se uma conquista histórica. Pois a qualidade política não pode ser medida pela quantidade de votos, mas, acima de qualquer outra coisa, é aferida pela relação social com suas bases teóricas atreladas (no pior dos casos, destreladas) à chapa de escolha. Devido à dependência de que o espírito daquela ideologia esteja presente na vida social e não que a ideologia tenha ganho qualquer concurso de popularidade. Esse é um daqueles problemas da vida social que qualquer pensador, ao que parece, terá de lidar durante a vida inteira e de mãos atadas, pois não se mostra uma verdade à força, especialmente, alguma tão dura que um outro não esteja disposto a ver.

    12/07/2018

    Índice

    1. Em busca da brasilidade (06/17)

    2. Distinção governabilidade e governo: a pré-política brasileira (03/19)

    3. Poderes separados: dispersão e concentração de poder (09/19)

    4. Democracia (05/17)

    5. O problema da compreensão do que é público (03/18)

    6. A fuga dos pacifistas (07/17)

    7. O condicionamento moral da política brasileira (01/19)

    8. Antipolítica contemporânea (08/18)

    9. A Educação como investimento (07/16)

    10. Movimentos acríticos da modernidade e contemporaneidade (09/16)

    11. Patriarcado e tradição epistêmica (03/18)

    12. Tecnologia e natureza (03/18)

    13. Capitalismo e extorsão (05/19)

    14. Mais uma entre muitas contradições (07/16)

    15. Considerações sobre a duplicidade: forças e poderes (02/18)

    16. Mariele Franco (06/19)

    17. Poder em escala indireta (02/17)

    18. Um novo fascismo (04/16)

    19. História e utopia (01/18)

    20. Condições de conformismo e revolução (09/17)

    21. Espírito tirânico (05/16)

    22. Mecanismos conservadores ou antirevolucionários (04/18)

    23. O fantasma do livre mercado (02/18)

    24. Arte da guerra (01/16)

    25. Confusões do niilismo político (09/18)

    Adicionais

    26. A crise na CEDAE (02/20)

    27. . Crise pandêmica de corona vírus (03/20)

    28. Corona Habilis (02/20)

    29. Prioridades nas políticas públicas (03/20)

    30. Hipóteses do evento (03/20)

    31. Enganos (04/20)

    32. Bolsonaro sobre a legalização do garimpo em terras indígenas (03/20)

    33. A raposa cuidando do galinheiro (03/20)

    34. Unificação e violência (06/20)

    35. Racismo e luta de classes (02/20)

    36. Black Lives Matter – A relevância diferente do negro ao lado (06/20)

    37. O transporte no Brasil (09/20)

    38. Propriedade privada (11/20)

    39. Democracias dos Estados liberais (06/20)

    40. Eleições indiretas e o pior destino (08/20)

    41. O apelo conservador, um paradoxo político (11/20)

    42. Contra a antipolítica (01/21)

    43. A dialética dos intrépidos (02/21)

    44. As origens do centrão, uma breve genealogia (02/21)

    45. Limite político (01/21)

    46. O favor da exploração (01/21)

    47. Empreendedorismo e auto-sabotagem em escala social (02/21)

    48. Sectarismo e escravidão (02/21)

    49. Iluminismo e bases do pensamento científico moderno (02/21)

    50. Privatizar para diminuir o tamanho do Estado (02/21)

    51. Agronegócio em tempos de pandemia (05/21)


    1. Em busca da brasilidade.

    Bem como ocorreu a qualquer nacionalidade, o Brasil não era uma realidade pairando no ar e precisou, portanto, ser inventado. Assim fica cristalino a quem se aventure pelos labirintos da história. No caso desse gigante continental como era de se esperar, essa invenção se deu num processo gradual o qual envolveu muitas batalhas sangrentas hoje apaziguadas sob algum dos sentidos mais perversos e deturpados que a terminologia poderia chegar a assumir. Um espírito pacifista que fuja da guerra a todo custo, por exemplo, poderia esquecer facilmente como e o quanto se há atualmente alguma chance ao marasmo e sua narcísica vontade de paz existirem onde houve tantas batalhas é porque um eixo de interesses as ganhou, é porque seus espólios de guerra hoje somos nós enquanto sua força produtiva. Primeiro se deu uma invasão voltada à colonização por parte de portugueses, holandeses e franceses que chegaram a entrar em conflito entre si, inclusive, com apoio de etnias indígenas que cada grupo conseguiu cooptar em algum grau, para que fosse conquistado o papel de quem seria o imperialista colonizador oficial, ao menos, daquele espaço conhecido até então, o litoral. Em determinado momento na disputa o território se torna em todo caso colônia de exploração destes povos europeus e, séculos depois, já como espaço geográfico colonial europeu com habitantes de pensamento igualmente colonizado no qual se misturavam índios, negros e europeus de diferentes impérios, assume a forma então da farsa de uma tentativa contraditória de autonomia nacional seguindo absolutamente à risca, em linhas gerais (salvo raras exceções), em linhas gerais a mesma ideologia de seus invasores. Terminando, assim, por incorporar muito pouco se comparado ao que poderia da cultura dos habitantes originários, aqueles os quais pela ligação com sua terra seriam, talvez, os mais dignos de serem propriamente chamados de brasileiros originais não alienados.

    Como se não bastasse a série de eventos mencionados, não é nada menos que o filho imperador da coroa dos colonizadores portugueses quem realiza uma declaração de suposta independência daqueles que colonizou que implicou, obviamente, não apenas no embargo ou na impossibilidade de autonomia cultural-simbólica desses colonizados, mas na continuação de uma submissão política-material. Mesmo o brasileiro sendo um povo totalmente heterogêneo em suas etnias a que essa famosa síndrome de vira-lata sempre recorreu e até hoje recorre em sua religiosidade mimética? As religiões dominantes nos impérios europeus, sem dúvidas. E isso também dificilmente teria nos ocorrido à toa, no entanto, em boa parte por ter sido imposto cultural e politicamente desde o período em que portugueses disputavam com os franceses pelo território. Qualquer um que resistisse, aqueles índios considerados pagãos foram durante um longo período sistematicamente perseguidos como traidores da coroa portuguesa. Resumindo o processo complexíssimo de um encontro civilizacional em poucas palavras minimalistas, europeus invadem e exploram recursos naturais do território que pouco depois viria a se chamar Brasil através do genocídio indígena, traficando escravos negros contra sua vontade que também morriam ao se negarem a dominação imposta, mas, por fim, quem é o dito cidadão brasileiro que surge em meio a essa junção? Quem além de não ter meramente ignorado o processo, percebendo-o, vivenciando-o em alguns casos diretamente na pele, que não o rejeitou, mas o assimilou como parte de si. Que se identificou não com o índio, cuja situação seria um pouco mais semelhante, como já mencionado a do habitante de um lugar constantemente invadido e dominado por outros impérios, aos quais, inclusive, pagávamos tributos constantes. E tampouco com o negro trazido refém, mas com seus invasores numa espécie prévia simbolicamente coletivizada da síndrome de Estocolmo, pegando o bastão de onde o último parou e dando continuidade seja ao processo exploratório dessa natureza ambiental ou no encurralar seus habitantes originários em territórios cada vez menores e mais depredados.

    O processo de colonização brasileira em muitos livros de história posto como civilizatório (dado que contribuiu na construção de nossa noção de civilidade) foi, sem dúvidas, de tamanha brutalidade simbólica e material que até hoje, mais de 500 anos após o ponto zero de contato, a noção absolutamente inquestionável de progresso imperando irrestrita para a farsa nacional consiste precisa e necessariamente na mera cópia sul-americana do que em linhas gerais seus próprios algozes consideravam progresso (não obstante, ainda hoje estampado na bandeira nacional) e civilização, em oposição à barbárie, ou seja, civilizações não industriais e entre elas, os brasileiros originários indígenas. Tais concepções somadas implicariam nesse imaginário num suposto progresso civilizacional para o europeu e, por tabela, ao brasileiro. E se resumem a técnicas cada vez mais eficazes e apuradas a se realizar exatamente o que os primeiros o fizeram com o território nacional e seus habitantes originários; a exploração de recursos e a dominação imperativa e irrestrita da natureza seja ela viva ou morta. Um projeto político civilizacional que exibe seu portentoso corolário regente no domínio irrestrito do racionalismo instrumental e da ideologia científica moderna da compreensão para dominação de forças da natureza. É essa a grande e terrível piada de mau gosto que o brasileiro auto-alienado considera ser hoje sua identidade cultural. Essa é a brasilidade fantasmagórica a qual, uma vez entendida e realmente problematizada às últimas consequências, talvez nem mesmo seu nome continue a fazer algum sentido, dada a origem datar do mesmo processo. O resultado é que há muito mais uma identidade artística cultural e não tanto uma identidade política nacional brasileira.

    O Brasil compõe um território geográfico cuja multiplicidade étnica de seus habitantes nunca se auto administrou, pois nunca lhe foi permitida a autoavaliação e problematização político-coletiva de dois fatores de absoluta relevância. Primeiro o fator que remete aos limites entre o que pode ser uma imposição direta de um modelo de raiz europeia-patriarcal, capitalista, industrial, colonizadora e imperialista da vida social e, por outro lado, o que poderia ser algum tipo de brasilidade no sentido mais ingenuamente interessante que poderia chegar a manifestar. Em segundo lugar e mais distante ainda de se tornar realidade, nunca nos foi permitido uma problematização ampla da organização social do trabalho, acerca de limites das funções sociais, do que exatamente precisamos e desejamos, do quão ético ou antiético pode ser um modelo de distribuição de funções sociais e consequente valorização e desvalorização de algumas delas. Um país que ainda guarda formas de distribuição de terras e estruturas sociais de classe a serem exercidas por seus cidadãos provenientes de sua época de colônia portuguesa. Portanto, o que hoje se apresenta como uma realidade social a ser aceita é, na verdade, um tipo de conformação, um frankenstein moldado a partir da sobreposição desses domínios externos, de uma reatividade local e sua servidão voluntária, assim como das consequências diretas implicadas por esses fatores sobre a qualidade de vida geral. Um aglomerado de equívocos imperialistas e burgueses bastante antigo que ocupou nossa territorialidade física e simbólica outrora e nunca chegou a ser desfeito ou reorganizado. Moldado sobre a fé quase absoluta de que mais vale uma medida reformista imediatista, que não afeta em quase nada a estrutura geral da desigualdade distributiva de qualidade de vida que, de fato, ousar reestruturar, reconstruir algo de suas bases mínimas e pensar a longo prazo. Até onde me é permitido compreender o tema, a chance de mudança que temos ainda hoje, a invasão portuguesa ocorreu há apenas 500 anos atrás, apenas há sete vidas humanas atrás. É incrível o que tão pouco tempo pôde fazer na construção da segurança ontológica de um modelo político a um povo colonizado imerso numa dimensão cultural metafísica.

    Não obstante, a falha da mencionada estratégia eternamente imediatista da construção de um modelo de vida coletiva politizado é uma constante desde de seu momento mais inicial até hoje. Hoje apenas mostrando-se mais explicitamente desigual, estruturalmente antiética, antipolítica e previsivelmente propensa a todo tipo de crises que decorreram da hipotrofia generalizada da política e da ética. No que se refere à postura reformista, imediatista-tópica, somada à segurança ontológica quase inexplicável, sem dúvidas, o mais grandioso problema do Brasil foi precisamente o marasmo que pôde ser atingido na junção de tais elementos. Essa mesquinhez existencial aparentemente irrestrita, simultaneamente despreocupada com o futuro e parasita dele. Essa pobreza espiritual imposta à maior parte do Brasil devido ao problema da educação, além da falha mesmo do modelo imperialista-colonizador humanístico assumida por alguns segmentos de agentes políticos ativos. Um dos problemas histórico-culturais brasileiros foi apenas a confusão entre a reatividade da adaptação a um modelo imposto e, dada uma deturpação indescritível da figura histórica, ironicamente, um ser guerreiro.

    Essa confusão entre um processo meramente adaptativo e um legado a ser defendido política e existencialmente com unhas e dentes. Por outro lado, não que não haja, obviamente, um valor inominável em qualquer esforço produtivo, a questão se volta toda a seu direcionamento. No entanto, além dos danos materiais e simbólicos que a situação traz consigo, há também o mal-estar pandêmico provocado pelo fato de que uma parte da população percebe com alguma consciência o impasse político e, no melhor dos casos, percebe-se também incapaz de provocar qualquer tipo de mudança efetiva ao problema. Esse passado vai se tornando cada vez mais um portentoso columbário inquestionável sobre a realidade, em outras palavras, vai se tornando a própria realidade política fatídica, inexorável na medida em que se consolida no tempo e permanece nas entrelinhas como um por si. A máquina pública não foi, desde então, nada mais que um centro de comando na exploração de corpos e capacidades artísticas humanas, de inventividade, criação, produção (etc.) bem como, principalmente do restante da natureza. Porém entenda-se por máquina pública o que forças estritamente econômicas e golpes promovidos pela classe burguesa fizeram dos Estados modernos, suprimindo a política lato sensu de se desenvolver ou, num sentido mais rigoroso, sequer ter aparecido.

    *Se os EUA ainda não pensaram invadir seu país, em intervir em sua política ou plano cultural é porque, provavelmente, nem precisariam e você deve estar fazendo algo muito errado, ou seja, comum e perfeitamente correto a eles. Caso não se preocupam com ele é no que não apresenta nenhum grau de ameaça ao modelo imposto e, provavelmente, há algum tempo já invadiram seu território (seja simbólica ou fisicamente com seus exércitos) e tomaram o controle ao ponto que sua política, economia e até cultura parece de diversas maneiras uma reprodução cega e escrava de seu modelo consumista-niilista. Se não os vê na sua frente é porque, talvez, já estejam por sobre.

    2. Distinção governabilidade e governo: a pré-política brasileira.

    Desde a fundação do mundo moderno uma das formas mais comuns de se perder politicamente tem sido através da confusão constante entre governabilidade e de governo. Graças em boa parte, embora não distante de certa ironia, ao autor que pela primeira vez traçou alguma distinção cabal entre um e outro, Nicolau Maquiavel. No período que precedia o colapso de poder monárquico surge com ele a distinção que ajudou a orientar e transfigurar um desejo de governabilidade que já havia, na forma de poderes laicos e separados num golpe de poder promovido pela classe burguesa. A classe que estava em segundo plano ante uma máquina governamental propositalmente descolada* da sociedade representada por ela, de suas necessidades mínimas e de uma formação cidadã em sentido amplo e satisfatório. Essas foram a máquina republicana e a base teórica que, de fato, dominaram irrestritas até hoje. O pensador italiano distinguiu entre o ímpeto dos governantes de manutenção de seu poder e o de governar, o qual poderia implicar em apostas políticas que colocam em risco a própria manutenção desse poder. A confusão nos direcionou e nos ateve a um dos lados sem nos permitir conhecer exatamente o outro, seus limites, relevâncias.

    A partir do advento do pensamento moderno e da modernidade, surge junto a ela um aglomerado de forças organizacionais estritamente econômicas que se voltou a um poder de influência direta sobre a política o qual até então não possuía. Portanto, sua consolidação significou a dissolução do modelo monárquico elitista-hereditário de linhagens reais que ocupava o trono da política, no qual seria possível o exercer da função de governo (inativa enquanto tal), de guia formal a partir de uma zona de arranjos, deliberações e negociações populares. Especialmente em se tratando de questões como a repartição de riquezas, a divisão social do trabalho, apenas uma vez que o debate aberto atingiu toda a população poderíamos pensar em algo como um governo político e não um poder de governabilidade. No entanto, para que uma tal dialética como esse alcance toda sua amplitude numa esfera democrática pregnante, (debate que é condição básica para que qualquer determinação legal ou modelo surjam genuinamente), seria necessário que já tivesse tornado acessível à população sua formação cidadã plena. Se formamos pessoas para serem excluídas da esfera pública, o próprio debate jamais poderá alcançar a profundidade necessária a que não aconteça apenas enquanto a fachada legitimadora populista de uma governabilidade pseudo-democrática.

    Na esteira de um horizonte pseudo-revolucionário restrito a golpes entre classes, no que a escravidão foi abolida não houve exatamente uma inversão do modelo escravista anterior, uma revolução entre um modelo elitista-sectário feudal e um modelo propriamente opositor humanista e democrático, mas a mera passagem para as formalidades de um Brasil República. Não ocorreu em qualquer parte do país algum nivelamento social e político entre aquela condição do escravo e a do senhor de escravos ou qualquer coisa mesmo que distantemente semelhante a um processo como esses. Embora não explícita e diretamente escravizado, o escravo e descendentes continuaram em larga escala excluídos da atividade política. Bem como nunca houve, de fato, qualquer nivelamento sistêmico entre segmentos proletários e/ou camponeses da sociedade e aqueles que os dominavam (e ainda o fazem), devido ao processo ter apenas substituído a classe burguesa, antes intermediária*¹, pelo poder dos monarcas, o primeiro escalão do antigo regimento. Pelo contrário, o papel reservado a maior parte da população, em alguns casos, inclusive, a condição de extrema vulnerabilidade social permaneceu quase intocada, embora tecnologias e formas de produção tenham barateado e consequentemente permitido uma melhoria geral de vida em diferentes níveis. Diante de todas as estruturas sociais antiéticas de espoliação produtiva mantidas, reformadas e renomeadas ao duro custo de conflitos armados, perseguições e genocídios podemos ver com total clareza que o que tivemos até agora foram mil e uma formas de governabilidade que, talvez, jamais almejaram nesse processo a construção e valorização completa do público, a constituição de um verdadeiro governo, salvo raríssimas tendencias políticas de exceção.

    Como nunca houve a condição mínima para que houvesse um governo (em contraposição a mera dominação social unilateral de classes que foram capazes de um golpe buscando a governabilidade) e nesse mesmo sentido também à democracia, não pudemos conhecer também alguma apropriação popular totalmente consciente do que é ou pode ser público. Especialmente nos países que viveram o neoliberalismo após terem sido colônias de exploração. Assim, não houve ainda uma demarcação clara popularmente conquistada entre o público (o que desejamos como público, ainda que não esteja sendo administrado para ele) e o privado, por isso podemos dizer sem qualquer exagero que o público mesmo que constantemente usado nunca existiu. Como prova viva e constante dessa condição basta notar a maneira que um carioca (ou o brasileiro) lida com os monumentos de suas praças, alguns deles patrimônios históricos de nosso Estado ou com as próprias praças públicas e parques estaduais, BRT’s, ruas, transporte público, praias, rios, baías e mares. Outra prova em carne e osso que não formamos democraticamente cidadãos plenos em escala de atuação política são pedidos de fechamento do STF somados aos de intervenção militar em manifestações públicas, nenhum cidadão plenamente formado em uma democracia desejaria que fosse dominado através de uma estrutura monocrática unilateral.

    É evidente como o brasileiro não se vê no que é público em seu próprio país, o público é apenas exógeno ou estranho, o público é apenas algo que não é o privado, o que é dele. O lixo pode ser jogado na rua sem muita (ou qualquer) preocupação, o bem público pode ser até depredado, em outra escala, estruturas governamentais que podem ser facilmente substituídas por regimes semi-absolutistas. Ao que parece ficamos presos nesse impasse inicial, em um momento ou estágio pré-político até hoje, dominados pelo vírus econômico que reorganizou a política assujeitando-a aos interesses da burguesia e impedindo seja sua autodeterminação, seja sua heteronomia polifônica potencial tomarem corpo. Embora a esfera política-pública nunca tenha sido exatamente inaugurada, talvez nunca tenha sequer existido de fato, a esfera pública-comum, isto é, o que há de público como o que se tornou comum, familiar ou naturalizado é, talvez, o que de tanto existir chegou a sufocar muitas outras formas possíveis de auto-organização política e ser. A política em sentido democrático (e talvez até utópico) no Brasil, por exemplo, é algo que parece ter sido nutrido em muitos de seus aspectos básicos durante anos por espíritos de coragem, mas que talvez seja abortada antes mesmo de ter sido parida.

    Sobretudo no Brasil a ideologia liberal-burguesa (futuramente neoliberal) caracterizada pelo apego ao privado, sistematicamente mitiga e tende a engolir o que há de direcionamento ao interesse público nas estruturas de administração pública, de modo que em alguns casos teríamos sérias dificuldades de reconhecê-lo mesmo no que já é público. Pelo contrário, o público não é aquilo de todos para todos, mas uma espécie de zona de anomia. Ainda que nada disso seria exatamente uma surpresa se lembrarmos de pensadores que, assim como Aristóteles, atentaram para o problema estrutural dos limites entre o público e o privado. Segundo Louis Althusser, por exemplo, igrejas, partidos, sindicatos, famílias, escolas e jornais constituem aparelhos ideológicos do Estado, já segundo Antonio Gramsci, a indiferenciação entre aparelhos ideológicos do Estado e sociedade civil acusada por Althusser, só poderia ocorrer em um regime fascista. Concluindo, talvez, os dois estejam corretos cada um de onde partiu e nessa reatividade morosa, que varia em maior ou menor grau de animosidade, talvez, nunca tenhamos nos afastado de uma zona de inevitável semelhança com o fascismo e, a rigor, mesmo de sua materialização institucional ainda que sob diferentes gradações em sua identificação e reconhecimento. No Brasil, mesmo hoje, não há exatamente uma contraposição entre fascismo de grupos extremistas e antifascismo em defesa de instituições (supostamente) democráticas. Não é apenas porque uma instituição foi inspirada em modelos democráticos que funcione na prática democraticamente ou mesmo que a junção de algumas delas necessariamente comporia um Estado democrático de direito. Apenas apresentam uma forma menos direta, mais conservadora, cotidiana, por isso, tenra e moderada de fascismo.

    *Além de todas outras formas geográficas e simbólicas de descolar a máquina pública da sociedade civil que serão devidamente tratadas nesses aforismos, temos também a criação de uma linguagem hermética, o famoso jurisdiquês. Linguagem que aparece como mais um empecilho à compreensão da população em geral para que se aproprie, critique, avalie direitos e deveres.

    *¹ Entre os camponeses abaixo, clero e nobreza acima.

    3. Poderes separados: dispersão e concentração de poder.

    O modelo republicano brasileiro permite a concentração estrutural de poder bem como na maioria dos países que aderiram a regras do mercado e do Banco Mundial, especialmente, à medida em que o interesse sectário-elitista é mantido. Ao mesmo tempo em que há dispersão deliberada na separação, disputa e polifonia constantes, cada poder é um composto heterogêneo. Dentro do poder legislativo há diferentes bancadas antagônicas e o próprio poder legislativo entra constantemente em atrito com o executivo o qual, por sua vez, entra em conflitos com o judiciário. Dessa forma, atestar que, apesar de um domínio claro de um tipo de interesses não há separação e até antagonismo entre poderes seria um erro. E parece muito clara a importância de que os poderes sejam mantidos separados para que não se concentre nas mãos de um único agente ou grupo auto-organizado da sociedade e se permita uma apropriação abusiva*.

    Ainda que a concentração aconteça independente da divisão formal e institucionalizada da máquina administrativa do Estado, devido as condições políticas e tendencia de interesses do alto empresariado de constantemente dominá-la. No entanto, se o poder está dividido e disperso, seria apenas compreensível uma disputa constante de diferentes interesses dirigidos a ele, em potencial, alguma porção maior de sua operacionalidade. O problema de habitação do Rio de Janeiro das enchentes parece um caso particularmente exemplar hoje para entendermos esse tipo de embargo e entrave de interesses. Nenhuma reforma agraria completa envolvendo um planejamento habitacional urbano e/ou tentativa de controle demográfico (Estatal, aplicado a ricos e pobres) jamais chegou a serem realizados no Brasil, salvas exceções quanto a organização prévia da habitação urbana, como Brasília. Mesmo para que a população não crescesse de forma desordenada e o próprio Estado permitisse a melhor acomodação e distribuição de habitantes, com isso, evitando, por exemplo, que comunidades se formem próximas a rios que abastecem os reservatórios de água agravando problemas como a poluição das nascentes que chegam a estações de tratamento dentre outros. A maioria dos problemas ambientais que enfrentamos atualmente derivam-se direta ou indiretamente desse tipo de cenário.

    No caso das enchentes que ocorrem em 2019, há muitos registros jornalísticos e não jornalísticos de que a parte mais afetada da população, a que perdeu tudo no RJ, cobrou e imaginou que o governo seria aquele que deveria ter feito algo a respeito de sua situação, porém nunca fez. Crivella, por outro lado, o chefe do poder executivo local, que detém tanto o erário quanto dispõe de uma gama de opções a que realize sua função, alegou que a população poderia contribuir para a resolução do problema não morando em zonas de risco, não jogando lixo nas encostas etc. Enquanto, por fim, um repórter o interpela atestando, por sua vez, que ninguém mora nesses lugares porque quer. Levando em consideração todos os discursos e de onde partiram, algum deles estaria errado? Conhecido como efeito rashômon, todos têm razão e não obstante também poderiam ser pensados em algum nível como responsáveis, enquanto agentes políticos em potencial, por terem se rendido a esse marasmo político. Com o problema da educação pública, dada a regência da ideologia burguesa e a clivagem simbólica imposta por essa hierarquia, seu interesse termina por se passar facilmente pelo interesse coletivo, quem vota e dependeu da modalidade pública de ensino escolar dificilmente terá erudição o suficiente para sequer começar a distinguir entre interesse público e privado. Consequentemente, os legisladores do congresso e das câmaras que poderiam em suas ações sob ocasião mais feliz ser expressão de um desejo genuinamente popular dificilmente estariam em condições de lutar pelo interesse público, no que o próprio desejo e identificação coletiva envolvida na mobilização que os coloca em sua função não parte exatamente da aptidão à distinção, mas de uma identificação idiossincrática de grupos em aparente oposição ideológica. No decorrer do processo bancadas explicitamente sectárias aos poucos foram compondo o congresso. Por exemplo, bancada cristã, ruralista, bancada da bala, dos isentões etc.

    Entretanto, se não há concentração de poder político, pouco de mudanças estruturais, radicalmente necessárias, inclusive, apresentam grandes chances de serem realizadas (salvas exceções como o projeto educacional de Leonel Brizola). Por outro lado, se concentrado, há uma aposta e o risco enorme ao se abrir a porta para mudanças com poderes apropriados à mudança. Como seria o caso desse tipo de poder cair nas mãos erradas. Enquanto na democracia representativa, o poder institucionalizado de cargos é mais disperso pelas

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