O Patriota
De Brendo Urie
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Sobre este e-book
Brendo Urie
Apenas alguém que quer expressar seus pensamentos através da dança das palavras.
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O Patriota - Brendo Urie
Joaquim Quaresma de Lima nasceu no dia 7 de setembro, na cidade do Rio de Janeiro. Filho de pai militar, Joaquim teve uma infância rica e cheia de privilégios, frequentou escolas militares e sempre dispôs de tudo que há de melhor para um cidadão brasileiro.
Enquanto crescia, sua admiração por seu pai também aumentava e o garoto ouvira com muito entusiasmo as histórias do regime militar contadas pelo patriarca, Eusébio, tais como uma vez em que houve a matança dezenas de comunistas durante combates mirabolantes nos quais ele saltou de prédios atirando contra inimigos e logo em seguida tinha que tomar um tanque de guerra e ir para a Amazônia buscar os rebeldes que estavam escondidos.
Os olhos inocentes do pequeno Joaquim brilhavam diante de tantos feitos maravilhosamente mentirosos de seu pai que nada mais era do que um capacho de Castelo Branco e só conseguiu chegar a altos postos graças ao puxa-saquismo. Sendo assim, Eusébio nunca precisou segurar um fuzil (a menos que fosse para posar nas fotografias) e muito menos foi para alguma luta armada por ser o frouxo que era e mijar nas calças só de pensar em ter que ir para o quebra-pau.
A infância e adolescência de Joaquim foram debaixo de muita disciplina e respeito pelo seu pai, que impunha os ideais de ordem, respeito e amor à pátria para garantir que o garoto continuasse seu legado.
Não deu outra, Joaquim se tornou fascinado pelo mundo militar e por tudo relacionado ao Brasil: suas riquezas naturais, a colonização, a monarquia, o advento da república e o auge
da nação durante o regime militar.
Mas se a ditatura foi tão boa para o país, por que acabou? A pergunta feita pelo pequeno Joaquim poderia colocar seu pai em xeque, mas eis então que Eusébio, muito malandramente, usou a história reversa para responder essa dúvida pertinente do filho: afirmou que um golpe destituiu os militares do poder e os líderes sofreram lavagem cerebral dos comunistas, instalando assim o regime vigente até os dias de hoje. E mais do que do que isso, o pai de Joaquim tratou de alertar o garoto sobre o perigo dos comunistas ainda em sua infância. Um dia, tratou de chama-lo para perto de si e dizer com seriedade as seguintes palavras, enquanto o garoto brincava de caça-comuna
:
- Meu filho, nunca se esqueça, esse país só irá prosperar novamente quando os militares reassumirem o poder. Portanto se prepare para no futuro assumir o lugar que um dia foi meu. Terá que lutar, terá que sofrer, terá que ir até a Amazônia e comer sucuris, terá que passar dias com a mesma roupa fedorenta e muito certamente terá que beber seu próprio mijo. Mas tudo isso será recompensando com a nossa vitória - nesse instante, o patriarca levantou a cabeça num tom soberano - precisamos tirar esses sanguessugas comunas do poder, porque tudo o que eles fazem é roubar e prejudicar o povo brasileiro. São parasitas! Uma doença! Nunca se esqueça, meu filho, essa guerra será sua.
Joaquim sentiu a pressão da responsabilidade que tinha ao ouvir essas palavras e, claro, seguiu a carreira militar também. Ingressou nas forças armadas e permaneceu até chegar ao posto de capitão. O capitão Joaquim Quaresma de Lima foi um dos melhores militares que já passou pelas Forças Armadas Brasileiras. Todos se admiravam de sua capacidade, seu foco e seu comprometimento.
Por tudo isso, avançou rapidamente de cargos, subindo na hierarquia, e cada nova conquista lhe dava ainda mais disposição para continuar fazendo o seu melhor pela pátria. Em sua mente, o que fazia era seguir os passos gloriosos que seu pai deixara num passado tão maravilhoso que foi o regime militar.
Apesar de amar a vida militar, Joaquim a deixou de lado para ingressar em outra carreira que ele acreditava ser tão crucial quanto a da hierarquia das forças armadas: promotoria. Após ler sobre direito e leis, Joaquim também ficou fascinado pelo mundo da justiça e fez uma graduação de direito. Joaquim definia assim o trabalho de um promotor:
- É dever do promotor levar o mal do pensamento comunista a julgamento. É um trabalho fundamental que deve ser realizado por pessoas de bem desta nação.
Essas palavras tão eloquentes foram ditas em seu discurso na Ordem dos Advogados quando recebeu a certificação, deixando todos que assistiam um tanto perplexos, justamente por ele não aparentar ser o tipo de pessoa que diz essas coisas.
Falando em aparência, Joaquim era baixo (um metro e setenta centímetros de altura mais ou menos), mas com um porte físico avantajado que intimidava qualquer um que pensasse em fazer brincadeiras com sua estatura. Capitão Anão
era seu apelido secreto entre os cadetes e recrutas no tempo de serviço militar, mas ele nunca chegou a descobrir. Ainda sobre a aparência do baixinho, Joaquim andava sempre muito bem arrumado, sapatos sociais, barba bem-feita e cabelo muito bem aparado, como manda o figurino.
Após concluir seus estudos, conseguiu um cargo no Ministério Público do Rio de Janeiro. Com a conquista de um bom emprego veio uma estabilidade e uma rotina que lhe agradava bastante. Rotina essa que era do escritório para casa, de casa para o escritório de segunda a sexta; academia às terças e quintas de noite e missa aos domingos pela manhã, como bom católico que só sabe repetir o pai nosso e o ave-maria.
Assim vivia Joaquim, com a pertinente lembrança da revolução militar proposta por seu pai quando era criança. Mas a democracia não era tão ruim assim, era? Só precisava manter os comunistas na linha (ele considerava matar alguns) e o resto dava para levar. Portanto, ele ponderou e percebeu que não seria ruim as coisas continuarem do jeito que estão, seu trabalho como promotor permitia que nada saísse do controle
e o Brasil ainda respirava
.
A vida de Joaquim seguia-se do mesmo jeito havia já alguns anos, a mesma rotina, tão metódica que se torna quase obsessiva.
Nesse momento alguém há de perguntar onde estaria sua família e seus amigos. Bem, Joaquim não acreditava em amigos, mas sim em aliados, e seu maior aliado era Marcelo Ventura, assistente da promotoria, o cara que organizava tudo dentro do escritório. Ele era um faz tudo
de Joaquim. Se precisasse de um serviço como comprar café em meio a horas de transcrição de documentos, ou pagar uma conta ou qualquer coisa do tipo, era só pedir ao Marcelo. A relação dos dois era assim, como no exército, o capitão e o soldado, um manda e outro obedece.
Marcelo não via Joaquim como seu amigo, mas sabia que ele era respeitado e, se fizesse um bom trabalho, poderia ser indicado para cargos mais altos no futuro, por isso não poupava esforços diante dos pedidos do Capitão Anão, ainda que fosse algo como segura fulano na linha porque vou dar uma cagada
.
Haviam dias nos quais, visto que algo havia deixado Joaquim enfurecido, como a notícia de um novo escândalo de corrupção, Marcelo tinha que lidar com o temperamento do chefe que não era fácil todo o tempo:
- Bom dia, sr. Lima.
- Bom dia, desgraça. - respondia Joaquim ríspido.
Essa saudação matinal certamente deixou claro meu ponto.
Quando chegava o final da sexta-feira e todo mundo ia para o happy hour
no barzinho da esquina, Marcelo chamava Joaquim também para ser cortês e simpático, e este sempre recusava dizendo que a cerveja era a arma do sistema comunista para entorpecer a população com álcool e desviar o foco das falcatruas que eles armavam. Chegando em casa, Joaquim enchia a cara com vinho tinto e cachaça produzida nas entranhas da Amazônia.
Marcelo também tinha que lidar com a concorrência, pois havia um jovem que estava de olho em seu cargo, um estagiário. Esse sujeito era um aluno de direito que fazia questão de lamber o saco de Joaquim até não poder mais, e implorava por aquelas histórias toscas das aventuras de Eusébio exterminando comunistas. José Vicente Macedo (ou apenas Vicente, como todos o chamavam) é o nome dele, um cara de pau que só queria subir na vida da maneira mais fácil. Marcelo sabia de suas reais intenções desde que viu o rapaz puxando conversa com seu chefe e fingindo simpatia com os ideais de Joaquim, e tinha essa certeza pois nos bastidores, entre uma vinda e outra, ouviu Vicente falando com a recepcionista:
- É osso ficar ouvindo as besteiras do sr. Lima. Cada merda que eu nem te conto.
Entretanto, Marcelo não poderia fazer nada para impedir a amizade
cada vez mais forte entre seu chefe e o estagiário vendo a alegria nos olhos de Joaquim ao contar aquelas histórias. Logo, Vicente também tomou ódio
pelos comunistas, mas em sua mente só queria saber de grana, Maria Joana
(maconha) e prostitutas.
Certo dia, Marcelo veio para a sala de Joaquim entregar-lhe os jornais como de costume, e lá estava Vicente puxando o saco do chefe. Já era rotina. Estampado na capa do Jornal do Brasil estava a manchete: Polícia Federal investiga esquema de corrupção envolvendo deputados de São Paulo que aponta desvio de dois bilhões de verba pública destinada à saúde
.
- Meu pai já sabia! Era disso que ele tava falando! - exclamou Joaquim irritado.
- Malditos comunas ladrões de dinheiro público! - dizia Vicente quase imitando o jeito do chefe falar.
Marcelo cerrou os olhos e os fixou em Vicente como para atestar seu ceticismo diante das palavras proferidas pelo estagiário. Realmente não haviam verdades em nada que Vicente dizia, era pior do que amigo da onça, era amigo de pelo menos dez onças. Marcelo se retirou para seus afazeres, mas espiando na saída o diálogo entre seu chefe e seu inimigo:
- Se eu for trocado por esse puxa-saco miserável, eu me mato
- pensou.
Joaquim morava na Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio de Janeiro. Apartamento de frente para o mar, carro importado, tudo o que alguém poderia querer, certo? Errado, ele queria mais, queria consertar esse país, porque o povo sofria a anos com um governo comunista que assolava a nação, por isso era promotor, para impor justiça aos que merecem. Ou pelo menos era assim que ele pensava.
Certa vez Joaquim estava dirigindo rumo ao escritório, e o sinal fechou, nisso passou um garoto (de no máximo quinze anos) vendendo água entre os carros, quando se aproximou do carro de Joaquim, este lhe disse:
- Garoto, venha cá!
- É dois conto a água, doutor - respondeu o menino.
- Meu filho - disse o promotor estendendo a mão - pegue essa nota de vinte e compre um caderno e vá pra escola. Você tem que estudar e ter uma infância saudável. Tudo isso vai mudar em breve e você não vai ter que sacrificar sua juventude, eu prometo isso pra você.
- Obrigado, doutor - respondeu o garoto sem entender direito - Mas minha mãe diz que mudar num muda não. Isso aqui é Brasil.
O garoto então pegou a nota e saiu correndo, pois, o sinal havia ficado verde. Joaquim então refletiu nas palavras dele.
- Aqui é Brasil
Até que ponto essa afirmação era verdadeira? O país não mudaria? Ora essa, mudaria sim! Para isso Joaquim trabalhava tanto, pegava mais e mais casos, e logo que viesse uma oportunidade ele viraria Procurador Geral da República e limparia a nação de todos os políticos comunistas que apodrecem o Brasil, então viria um novo governo, chefiado por pessoas com disciplina militar e amor à pátria e então, e só então, o país se tornaria a maior potência mundial.
Exagero? Não para Joaquim, seu propósito era firme e ele se agarrava com todas as forças àquele ideal. Era a única saída e ele provaria para todos que os ideais ensinados por seu pai e propagados por todos os militares deveriam ser as diretrizes seguidas pelos