Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

A perda de uma chance: um dano específico a ser reparado na visão luso-brasileira
A perda de uma chance: um dano específico a ser reparado na visão luso-brasileira
A perda de uma chance: um dano específico a ser reparado na visão luso-brasileira
E-book215 páginas2 horas

A perda de uma chance: um dano específico a ser reparado na visão luso-brasileira

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

A presente pesquisa visa abordar uma interessante vertente acerca da responsabilidade civil: a perda de uma chance, que surgiu na França (perte d'une chance), nos idos de 1889.
O tema é intrigante e pouco abordado pelos nossos doutrinadores e vários tribunais ainda relutam em aplicá-lo de forma correta por não entendê-lo como sendo dano autônomo e perfeitamente ressarcível como os demais danos, desde que preenchidos os requisitos.
A perda de uma chance se justifica quando o sujeito lesado sofre um prejuízo e que em razão da perda de uma possibilidade ou chance de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo, não a mais possui por ser irreversível.
O estudo aborda uma visão doutrinária e jurisprudencial dos ordenamentos jurídicos luso-brasileiros a respeito do tema, por vezes objeto de muitas dúvidas em razão da falta de um dispositivo legal que a discipline, o que impede a sua correta aplicação, seja nos casos clássicos ou médicos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de nov. de 2021
ISBN9786525215464
A perda de uma chance: um dano específico a ser reparado na visão luso-brasileira

Relacionado a A perda de uma chance

Ebooks relacionados

Direito para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de A perda de uma chance

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    A perda de uma chance - Arrhenius Rocha

    1. TEORIA GERAL DA RESPOnSABILIDADE CIVIL

    1.1 EVOLUÇÃO E CONCEITO

    Para o estudo da responsabilidade civil pela perda de uma chance e sua perspectiva na atualidade, deve-se, inicialmente, ater-se à evolução, conceitos e respectivos elementos que compõe o quadro da responsabilidade civil.

    A responsabilidade civil é percebida na vida moderna de forma cada vez mais presente. Com a evolução social, as relações humanas se multiplicaram e se tornaram mais complexas, exigindo uma resposta jurídica para a solução de problemas novos decorrentes das novas relações entre os indivíduos.

    A possibilidade de ocorrência de dano causado por ação de outrem e as soluções apontadas pelo direito, na tentativa de retornar ao status quo ante, trazem o desafio da conceituação atual da responsabilidade civil. Contudo, para entender o ponto que encontramos a responsabilidade civil atualmente deve entender como se deu a evolução.

    Tudo o que temos e o que somos, de forma inarredável, deu-se em razão da necessidade e da busca pela sobrevivência. A construção do homem, de forma sucinta, fez-se pelo trabalho, pela busca do desenvolvimento físico e psicológico, pela busca do conhecimento. O hominídeo usava as mãos, assim, como os macacos para se moverem, eram por assim dizer quadrúpedes. Centenas de anos depois perceberam que tinham que usá-las para outras finalidades, como o fabrico de arma para caçar e pescar. Tornaram-se bípedes e evoluídos.

    Fácil perceber nos dias atuais as nossas necessidades e busca dos incrementos para nos suprir. Ao sentimos frio, usamos aquecedores, cobertores de lã, retiradas dos pêlos dos animais ou de fios de algodão retirados das plantas. Se há fome, não precisamos plantar ou criar animais em cativeiro ou caçar, e assim esperar, compramos a proteína e o carboidrato no supermercado. Para ver o mundo, basta clicar em nossos televisores, smartphones e interagirmos por meio de mídias sociais. Mas para aqueles homens, as eras passadas não eram tão módicas como vemos hoje. A lança, um artefato pré-histórico, passou a ser um bem e uma arma valiosos tendo em vista que se passara a usar as mãos e com isso a inteligência para matar os animais e alimentar-se, podendo, nesse momento, sobreviver em um mundo hostil, onde as relações interpessoais eram um nada, não havia, por assim dizer, uma sociedade formada, mas em evolução.

    O homem por ser o único animal que fala, tem a necessidade de se expressar. A linguagem passa a ser instrumento poderoso de comunicação. A sociedade começa de fato a evoluir, a se comunicar em várias linguagens, línguas e sinais. Em face das técnicas de produção, passamos não só a conhecer a natureza, mas a dominá-la, a controlar as pragas, o curso dos rios, a produzir alimentos necessários à fixação do homem na terra, tornando-o sedentário. Não havia mais a necessidade de percorrer quilômetros para encontrar uma fonte de alimento. Passamos a plantar e a cercar os animais em nossas propriedades. As relações interpessoais tornaram-se efervescentes e consequentemente cheia de conflitos, que a priori eram resolvidos entre os grupos tribais e a posteriori passou para tutela do Estado.

    O Direito, nesse contexto evolutivo, surge não somente como uma criação humana, mas como uma necessidade de sobrevivência e paz social e a noção de responsabilidade adveio do dever de cumprimento de uma obrigação principal. Contudo, o instituto é mais antigo do que imaginamos, pois na verdade nasce e tem o seu arcabouço nos conflitos interpessoais, dos relacionamentos humanos, as disputas tribais ou até mesmo familiares e a nível mundial podem se dar em razão do descumprimento de um tratado.

    Segundo Tatucce¹, a responsabilidade civil remonta à lei de Talião² em que o castigo servia como punição pela violência praticada contra outrem, pois segundo a máxima Olho por olho, dente por dente subscrito no Código de Hamurabi, a vingança privada deixou de ser privada e passou a ser regida pelo Estado judicializando as contendas que variava desde uma simples discussão a respeito da propriedade da terra até mesmo ao julgamento de um crime de homicídio.

    Segundo suas palavras, ele afirmou que Código de Manu, de origem Indiana, traz como elemento moderno o instituto da multa ou indenização a favor do prejudicado. A lex Poetelia Papiria, Século IV, a.C proibiu definitivamente a execução pessoal. A pena corporal foi substituída pela multa pecuniária. Passamos gradativamente do estado de barbárie, cujo homem pagava com o próprio corpo e sangue, para o estado do homem racional, da preservação da vida e privação de bens materiais, atribuindo a esses bens a sua perda por meio da execução judicial. É nessa percepção que o homem sentiu a necessidade de não mais fazer sentido violentar o corpo humano e a escravizar os seus pares, pois ele passou a ser detentor não somente de deveres, mas de direitos(humanos), entre eles a vida e a liberdade. A responsabilidade civil conquistou o seu espaço no Direito Moderno e por que não dizer mundial.

    No campo do Direito das obrigações contratuais, as infrações clausulares puderam decidir desde a rescisão contratual até aplicação de multa e responsabilização por eventuais danos. A base da responsabilidade civil no direito português encontra-se inserida no art. 483º do Código Civil. O dever de reparação integral vem estampado ao longo dos arts. 562º a 572º, pelos quais a indenização deve ter carácter geral e atual, e abarcar todos os danos, patrimoniais (os danos materiais), e não patrimoniais (os danos morais). Quanto a estes, são cabíveis apenas os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (art. 496º) e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros, só os previsíveis (art. 564 º, n. 2).

    Também em Portugal "a indemnização por danos não patrimoniais deve determinar-se, tendo em conta a gravidade da culpa do autor do facto ilícito, a situação económica do lesante e do lesado, a equidade e as circunstâncias do caso.".³

    Percebe-se que a legislação civil trabalha no sentido de não aceitar que o cidadão fique desprotegido, seja em que norma for, pois se trata de direito fundamental a devida reparabilidade e o combate ao dano.

    Em Portugal, cumpre-nos ressaltar que pode, nos casos específicos em lei, até mesmo haver indenização independentemente de comprovação de culpa, assim como no Brasil são os casos de responsabilidade civil objetiva, normalmente perpetrada por situações de risco, como as questões que envolvem vazamentos dos hidrocarbonetos, agravando a sobrevivência do meio ambiente e do homem. A esse direito, alçado à direito meta individual e universal teve que ser protegido para garantir um mundo melhor às novas gerações. Assim, a título ilustrativo, no Brasil, em 1987, houve um acidente bastante grave, de vultosa proporção que decorreu em razão de um vazamento do elemento radioativo Césio 137 que ao ser deixando em um terreno abandonado, na cidade de Goiânia, capital do Estado de Goiás, Brasil - de material vistoso e brilhante, conhecido como o Brilho da Morte, foi recolhido por dois catadores de lixo e que afetou profunda e dramaticamente toda uma cidade, matando centenas de pessoas com cânceres e alguns com cânceres e queimaduras de alto grau⁴ e outros não tiveram reação alguma.

    As questões espaciais não deixaram de ser desapercebidas. O lixo espacial é um perigo iminente, pois satélites espaciais circulam ao redor da órbita terrestre, estando uns monitorados, outros desgovernados, e por que não dizer descartados por não serem mais utilizados, por estarem obsoletos e que podem sem dúvida, causar sérios danos ao cair em terra sem a devida programação tempo e espaço.

    Devem ser observadas normas de Direito Internacional tais como a Convenção sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares (Viena, 1963)⁵, a Declaração de Princípios Legais concernentes às atividades do Estado na exploração e uso do espaço exterior (Assembleia Geral da ONU, 1963), tratado sobre a exploração do espaço (ONU,1967) ⁶, entre outras legislações importantes.

    A Carta Magna portuguesa, em seu artigo 22º, trata da responsabilidade do Estado atribuindo a responsabilidade solidária o que inclui os seus entes e entidades e a sua responsabilização objetiva, buscando reparar o dano causado pelos seus agentes que agiram de forma dolosa ou culposa em seu mister. Ao Estado, por determinação constitucional, cabe indenizar e procurar os responsáveis pelos prejuízos causados utilizando-se de ação de regresso para reaver o que dispendeu em vultosas indenizações pagando por danos cometidos pelos seus funcionários e gestores.

    Repise-se que a responsabilidade objetiva a qual falamos encontra-se inserta na Constituição Portuguesa em perfeita sintonia, nos tempos atuais, com o Estado Democrático de Direito, visto que o cidadão não se vê mais desamparado, pois há uma norma que o protege. A única ressalva a se fazer é com relação ao quantum indenizatório, que deve ser aferido de forma a enquadrar de modo que não seja pouco o suficiente para que o Estado infrator não respeite, devendo, por outro lado ser revestido de ares de caráter pedagógico, de forma a educar e disciplinar, podendo até mesmo por via reflexa desestimular a indústria do dano moral. Contudo, para que o Estado seja responsabilizado em termos objetivos, faz-se necessário preencher certos requisitos que direcionam a responsabilização e reparação.

    A regra para responsabilizar o Estado objetivamente, ele deve apresentar, por meio dos seus agentes uma conduta antijurídica, causar um dano e haver um nexo de causalidade. A conduta é determinada pelo agente público que faz às vezes de elemento figurativo do Estado, o representa, podendo agir ou deixar de agir em nome deste. Ele detém a vontade em nome do mesmo. A conduta do agente deve ser por ação, ou seja, o agente faz, age, transforma o meio naturalístico em meio jurídico. Deve haver em razão da transformação do meio um dano com repercussão jurídica que se resume em dano material ou moral, em nada impedindo na legislação nacional ou internacional que seja contemplado em ambos os níveis. Por fim, tem-se o nexo de causalidade.

    Em nível global, a questão da responsabilidade do Estado ganha um relevo ainda mais denso face à sua soberania e o seu equilíbrio entre as nações e o ato ilícito que porventura venha a ser cometido, pois dá-se em razão de algum preceito consuetudinário ou normas de jus cogens⁷ de observação obrigatória que foi descumprida. Assim, ferir gravemente os direitos do homem e do cidadão, desequilibrar a paz e a segurança mundiais podem dar ensejo à responsabilização do Estado, podendo o devedor, no caso o Estado, ter que reparar um sujeito pessoa física ou o próprio Estado, pessoa jurídica de direito público a depender do caso concreto.

    Dentre os elementos já explicitados e que serão mais detalhados para caracterização da responsabilidade, outras características podem e devem ser atribuídas como a imputabilidade. Chamemos a atenção, nesse particular, para o ato internacionalmente ilícito que vem a ser uma ação ou omissão perpetrada pelo Estado de forma que se dá em razão do ferimento de norma ou de preceito internacional de observação global.

    A imputabilidade é o nexo de causalidade que liga o ilícito ao ente responsável por ele. Ressalve-se, por oportuno que não podemos confundir imputabilidade com autoria. O autor do ilícito, sempre das vezes é agente público que faz a representação do Estado. A imputabilidade é a indicação de qual Estado cometeu o ilícito, portanto é em nível de pessoa jurídica de direito público externo.

    Por fim, tem-se o prejuízo ou dano sob a forma material, em que podemos medir, quantificar com mais certeza ou o dano moral ou psicológico, de difícil mensuração, pois a carga sentimental não é mensurável de forma tranquila. As duas formas podem ser cumuladas sem maiores problemas.

    A responsabilidade pode ainda ser direta, indireta, comissiva e omissiva, convencional e delituosa.⁸ Portanto, a responsabilidade civil nada mais é do que o dever de indenizar um dano cometido por outrem por suas ações. Nenhuma norma jurídica pode existir sem atribuir aos seus sujeitos deveres ao lado de direitos. No âmbito do Direito Internacional, ela surge quando o Estado viola uma norma internacional, isto é, quando viola um dever jurídico o qual foi imposta e que deve ser respeitada. Não de outro modo, podemos concluir também que ao Estado é imputado um ato ilícito assim como são as pessoas jurídicas privadas ou pessoas naturais, porém as normas que regem devem ser de Direito Internacional e julgadas por Tribunais Internacionais.

    O Estado é soberano e independente, mas não fica imune à responsabilidade quando comete ato internacionalmente ilícito, pois são normas imperativas jus cogens e erga omnes que se encontram anuentes por todas as Nações e caso desrespeitadas deve o ente ser imediatamente chamado a atenção ou quando mais grave ser condenado.

    Atualmente, o Brasil vive em uma democracia jovem, um verdadeiro Estado Democrático de Direito cujas instituições e as leis funcionam, em sua grande maioria, mas às vezes não têm a efetividade esperada. A justiça, apesar de haver o acesso de forma indiscriminada a todos os cidadãos, os casos são resolvidos após longos anos, perdendo, por vezes, o objeto por várias razões, entre elas a prescrição intercorrente, ou seja, o Estado não poderá mais punir pela perda do direito em face do tempo que já passou para julgar, penalizando ainda mais àqueles que procuram por justiça.

    Responsabilizar internamente um Estado não é uma tarefa fácil, mas em nível internacional parece não ser impossível, mesmo que não seja qualquer crime a ser analisado. Assim, entende-se que as leis internas dos países se anulam em face das leis imperativas do ordenamento mundial. Os institutos da prescrição, excludentes de responsabilidade ou leis de anistias não valem nada, mesmo que Estado alegue que aderiu a convenção A ou B há uns dez, vinte ou trinta anos atrás. Analisa-se a convencionalidade e não a constitucionalidade contemporânea do país responsável.

    A Declaração Universal dos Direitos do Homem⁹, a Convenção Americana de Direitos Humanos¹⁰, a Convenção interamericana Para Prevenir e Punir a Tortura (CIPST)¹¹ bem como o Projeto da Comissão de Direito Internacional das Nações sobre Responsabilidade Internacional dos Estados¹² são apenas alguns dos diplomas utilizados pelas Cortes Internacionais para solucionar a questão da responsabilização do Estado face aos atos ilícitos perpetrados aos seus concidadãos.

    A título de ilustração trazemos, dentre vários casos internacionalmente julgados pelas Cortes Internacionais, o julgamento da República Federativa do Brasil que assassinou o jornalista Vladimir Herzog, na época da ditadura militar brasileira em

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1