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Linha do tempo
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E-book292 páginas1 hora

Linha do tempo

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Sobre este e-book

Este é o segundo livro de uma trilogia de Gisele Gama, que se inicia com Preto no Branco e termina com Falando de Amor. No primeiro livro, Gisele faz um mergulho em si mesma, em suas emoções e sombras. Mas não só: ela fala de coisas de seu cotidiano e homenageia seus amigos, como também se vê nas duas outras obras. O foco de Linha do Tempo, entretanto, é a gratidão. Nele, Gisele visita as memórias das pessoas e lugares que a compõem. É uma agradável viagem, para a qual ela convida o leitor a lhe fazer companhia. Um momento único, em que um se ganha asas, ao sair de seu casulo. Com textos curtos e de uma impressionante profundidade, conecta-se com a essência do(a) leitor(a) de modo definitivo e arrebatador. Uma leitura viciante!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de nov. de 2021
ISBN9786500301212
Linha do tempo

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    Linha do tempo - Gisele Gama

    Crianças e eu. Em um dia de encontros, como gosto que sejam meus dias. Propus um abraço coletivo. Algumas aceitaram imediatamente. Outras relutaram. Perguntei o porquê. Havia motivos que elas não sabiam bem dizer. Eu expliquei como era bom abraçar. E elas acreditaram em mim. Tentamos de novo. E deu certo. Celebramos o amor. Que sejam sempre garantidos os abraços coletivos. E que se tentem quantas vezes forem necessárias, até que sejam possíveis.

    Ontem, em um dos vários encontros que tive com amigos - almoço, café, chopp, karaokê -, conversava com Dadau sobre meu momento pessoal. Brincamos sobre isso. Ando totalmente com preguiça. Alcancei um estágio em que prezo demais a minha individualidade. Eu me amo. Meus gostos, quereres. Meu espaço. Silêncio. Meus amigos. Tenho muita vontade do amor. Claro. E que poeta não teria? Mas de que amor estamos falando? Daquele que vem com as mazelas de um espelho retorcido? Do que se apossa do outro? Do que controla e tira satisfações? Do amor que molda? Do que briga por tudo e rouba a felicidade? Do que confude? Do que faz querer agradar e se esquecer de você? Daquele que cobra? Do que te distancia de você? De que amor? Eu quero amar o amor próprio. Do outro. Que ame o meu também. E nos apaixonemos por isso.

    Quando hoje me salvo,

    morro.

    Não há quem não tenha morrido agora, a cada renascer.

    Açoitada pelo escárnio,

    por mentiras repetidas à exaustão,

    pela covardia travestida de poder.

    Pela fome. Pela dor. Pela morte.

    Morro eu, enquanto vivo

    nas famílias que choram.

    Na incapacidade de ver.

    Na teimosia.

    No desamor.

    Morro. E respiro.

    Mas agradeço: prefiro estar deste lado da história.

    Não quero ser o açoitador.

    Pouca gente sabe de minha condição visual. Enxergo muito, muito pouco. Cada vez menos. Tenho desenvolvido outros mecanismos pra ver o mundo, já que os olhos não me ajudam. Procuro ver com os ouvidos. Com o tato. Olfato. Mas vejo mais com o coração. Esse inexplicável sentimento que explica tudo. Com os olhos, cada vez menos. Cada vez menos…

    Eu me lembro das visitas à sua casa. Que tinha aquelas lindas bonecas antigas de minhas primas. Com as quais eu podia brincar a tarde inteira. Da casa, eu me lembro do rio que passava ao fundo. Motivo de preocupação, quando chovia. Eu não prestava muita atenção em mais nada. Só nela. Na risada alta e contagiante. Ainda posso ouvir. Eu me lembro bem dos seios fartos. Das pequenas verrugas no pescoço. Do abraço sincero. Ela se mudou pra um pequeno apartamento no Rio. E depois pra outro, um pouco maior. Que parecia pequeno, porque estava sempre cheio. Não porque ela vendesse Avon. Mas porque todo mundo queria ficar ali com ela. Era irmã do meu pai, mas eu a adotei como avó. E ela a mim como neta. Era na casa dela que eu ia buscar conselhos. Força. Esperança. Quando Raphael esteve muito doente e eu, muito cansada, era ela quem o embalava enquanto me embalava também. Foi minha conselheira. Amiga. Minha mãe. Tia Alda. Era ministra da eucaristia. Ia todas as quintas-feiras ao cemitério. Passava a tarde lá. Porque havia quem não pudesse pagar a missa de corpo presente. Ela ia pra rezar. Pra quem precisasse. Voltava triste. Cansada. Tomava banho e pegava o terço pra rezar pelas famílias. No dia de seu velório, uma fila virava a esquina. Todo mundo foi lá. Por causa das quintas-feiras. Por causa da porta aberta. Por causa daquele abraço. Por causa dela. Desconfio que era anjo. Foi pra mim. Ainda é. É com ela que converso quando peço proteção pro meu anjo da guarda. Que ela é. Como foi quando era viva. Eu sinto que ela ainda está lá. Me guiando. Dando aquela risada alta. Me embalando. Torcendo por mim.

    Cuide de todos, tia. E de mim também.

    Tenho o hábito de escrever textos que homenageiam meus amigos. É uma forma de dizer o quanto os amo. Penso que eles já sabem. Mas não gosto de acreditar que devamos viver de suposições. Gosto da precisão das palavras. E da precisão dos silêncios. Há alguns amigos que me provocam sorrisos nos silêncios. E gargalhadas, quando estamos juntos. Viram lendas. Alice é uma dessas lendas. Ela chega chegando. Poderosa. Ela e a própria pessoa, como sempre diz. Quando alguém começa a reclamar, avisa: pára de palhaçada. Suas histórias viram folclores. Contadas muitas vezes, todas regadas a encenações e choros de rir. Ninguém conta um caso como ela. Certa vez, levantou de sua cadeira na praia e foi ter com um banhista resgatado de um afogamento, estirado na areia, cercado de curiosos. Falou ao pé do seu ouvido, e ele imediatamente se levantou. Suponho que tenha sido o famoso pára de palhaçada, mas, ao voltar para sua cadeira, quando perguntada sobre o que disse, não pestanejou: eu falei levanta-te e anda. Nunca mais fui triste na presença de Alice. E agora, sem cerimônia, ela mora nos meus silêncios risonhos também.

    Roda de samba. Música alta. Eu bebendo água de coco. Amiga da vez. Nada que me faça menos alegre. Gosto de ser amiga. Da vez. Das vezes. E quantos amigos ali. Se amando. Celebrando a vida. Da Ana. A minha. A deles. Bolo. Cerveja. Samba. Amizade legítima. Uma vontade louca de felicidade. De cada um de nós. Eu, na água de coco. Feliz também. Porque posso admirar o que nos une. Tantas histórias ali… Poderiam ser julgamentos. Fofocas. Distâncias. Mas são abraços. Risadas. Samba no pé. A gente se ama. De verdade. Na cumplicidade da conta dividida. Na música que cantamos. Água de coco. Música alta. Samba. Obrigada, meu Deus, por me deixar ser a amiga da vez.

    Pé na areia, caipirinha, água de coco, cervejinha…

    Sou amiga de todo mundo. Sempre fui assim, desde criança. E eu nem sabia disso até bem pouco tempo, quando meus amigos começaram a me dizer: Ah, você era amiga daquele grupinho, mas eu, não… Eu circulava mesmo em todas as tribos. E faço isso até hoje. Viver bem é uma arte, aprendi com minha mãe. É. Mas não sou de insistir nas amizades. Porque amizade boa acontece sem que se precise forçar nada. Quando você vê, já não vive mais sem aquela pessoa. E nem sabe como chegou até ali sem ela. E ela, também não. Amigo bom é assim: imprescindível. E é só chegar.

    Deus testa todos os dias o meu conceito de amor. Porque amar o que nos agrada é fácil. Difícil é entender que todos somos nossa imagem e semelhança, até das sombras. Difícil é amar o que nos tira o chão. O que nos exaure. O que quebra o paradigma. Difícil é amar quem aparenta não ter amor pra dar. É continuar emanando o que de melhor temos, apesar de. E é aí que mora o verdadeiro amor. Eu amo. Cada dia mais. Gratidão a todxs que me tiram da zona de conforto, me mostrando que posso dar o que nem sempre recebi.

    Tenho uma amiga muito querida, a quem aprendi a amar de forma urgente e precisa. Ana. Ela sabe ser amiga. É daquelas pessoas que não têm a menor preocupação em agradar ninguém. Fala o que pensa. É verdadeira. E isso me

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