Parentalidade: Diferentes Perspectivas, Evidências e Experiências
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Parentalidade - Luciana Fontes Pessôa
organizadoras
SUMÁRIO
1
PARENTALIDADE E TRAJETÓRIAS DE DESENVOLVIMENTO:
UMA ANÁLISE INTRACULTURAL NO BRASIL
Maria Lucia Seidl-de-Moura; Rafael Vera Cruz de Carvalho; Mauro Luís Vieira
2
REFLEXÕES SOBRE A PARENTALIDADE NO CONTEXTO DE VULNERABILIDADE SOCIAL NO BRASIL
Patrícia Alvarenga; João Marcos de Oliveira; Taiane Costa de Souza Lins
3
IMPACTOS DA COOPERAÇÃO FAMILIAR NO DESENVOLVIMENTO
DA PRÓ-SOCIABILIDADE DA CRIANÇA
Mauro Luís Vieira; Carolina Duarte de Souza; Gabriela Mello Sabbag; Larissa Paraventi, Monica Barreto; Maria Aparecida Crepaldi
4
SOCIALIZAÇÃO DA EMOÇÃO NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Deise Maria Leal Fernandes Mendes
5
REFLEXÕES SOBRE A PARENTALIDADE E AS TRANSFORMAÇÕES
NAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES
Luciana Fontes Pessôa; Jéssica Moraes Rosa
6
PARENTALIDADE MASCULINA: DO CUIDADO À
HOMOPARENTALIDADE
Jéssica Moraes Rosa; Luciana Fontes Pessôa
7
FAMÍLIAS CARIOCAS E OS CUIDADOS INFANTIS
Leila Sanches de Almeida; Vera Maria Ramos de Vasconcellos
8
REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS CRENÇAS PARENTAIS E PRÁTICAS
DE CUIDADOS
Angela Donato Oliva; Rossana Pugliese; Érica Cindra
9
INTERAÇÃO MÃE-BEBÊ E SUA REPERCUSSÃO NA SINTOMATOLOGIA SOMÁTICA FUNCIONAL INFANTIL: UMA CONTRIBUIÇÃO METODOLÓGICA E ALGUMAS EVIDÊNCIAS
Tagma Marina Schneider Donelli; Angela Helena Marin; Giana Bitencourt Frizzo; Daniela Centenaro Levandowski
10
A PARENTALIDADE NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: CONTRIBUIÇÕES PSICANALÍTICAS
Silvia Pereira da Cruz Benetti; Luciane Both; Luan Paris Feijó
SOBRE OS AUTORES
1
ESTUDANDO PARENTALIDADE INTERCULTURALMENTE
PARENTALIDADE E TRAJETÓRIAS DE DESENVOLVIMENTO:
UMA ANÁLISE INTRACULTURAL NO BRASIL
Maria Lucia Seidl-de-Moura
Rafael Vera Cruz de Carvalho
Mauro Luís Vieira
A parentalidade tem sido alvo de estudos transculturais, e a literatura é extensa nessa área. Assim sendo, optamos, em nossa linha de investigações, por contemplar um pouco da diversidade de contextos de desenvolvimento no Brasil, uma vez que acreditamos que é importante estudar a parentalidade em nosso país e que esse pode ser um bom cenário para investigar trajetórias de socialização, dada a extensão e a diversidade nacional.
O Brasil tem uma população de 204.860.101 habitantes distribuídos em uma área de 8.514.877 km². A maioria da população vive em centros urbanos (84,72%) (Brasil, 2015). Na década de 1960 o Brasil tinha um índice de urbanização de sua população de 44,7%. Observa-se, assim, um rápido processo de urbanização.
O país tem alto desenvolvimento humano (longevidade, conhecimento e qualidade de vida), ocupando a 79ª posição mundial. O IDH brasileiro (0,754), que vinha crescendo, estagnou a partir do ano de 2014 (PNUD, 2015). A expectativa de vida ao nascimento é de 74,7 anos, e a média de anos na escola é de 7,8. A satisfação com a vida é geralmente boa, com um índice de 7,0 (em uma escala de 0 a 10), considerando que o escore mais alto observado é de 7,6 (na Noruega). Entretanto, embora tenha havido programas sociais federais visando à diminuição da desigualdade, o Brasil continua tendo que lidar com esse problema. Quando o IDH é ajustado à desigualdade, o escore diminui para 0,561 (PNUD, 2015).
Além dessas características demográficas da população, para entender o contexto em que a parentalidade tem lugar, precisamos levar em conta também aspectos históricos e culturais. Esses incluem as três influências importantes que formam o povo brasileiro: os colonizadores portugueses; os povos indígenas, de diferentes grupos étnicos; e africanos, de diferentes origens, trazidos como escravos até o final do século XIX (Ribeiro, 1997; Torres & Dessen, 2006). A esses três grupos, juntaram-se vários grupos de imigrantes de todos os continentes, que interagiram uns com os outros, formando uma sociedade complexa e diversificada.
Essa complexidade se expressa de diferentes formas nas cinco regiões geográficas (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul), as quais possuem características ecológicas diversas e uma variedade de perfis culturais, econômicos e sociais. A população da região Norte, localizada principalmente na Bacia Amazônica, inclui muitas tribos indígenas, que, embora diversificadas, representam estilos de vida tradicionais e contextos coletivistas. Os centros urbanos dessa região, como Belém, são influenciados por esses estilos de vida, mas também por europeus. Em contraste, na região Sul, a maior influência vem de imigrantes europeus, principalmente italianos e alemães. A região Sudeste, que inclui as duas maiores cidades do país, as capitais dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, tem recebido várias ondas de imigrantes brasileiros e estrangeiros por sua influência econômica e histórica. Por fim, um dos estados do Nordeste, Bahia, onde estudamos dois contextos, apresenta forte influência cultural e religiosa africana.
Fica evidente a diversidade social entre as realidades regionais, entre as populações urbanas e rurais, assim como entre classes sociais. Apesar disso, desde o final do século passado, devido principalmente à urbanização e outras influências, como da mídia televisiva e, mais recentemente, das redes sociais, pode-se constatar certa homogeneidade nos estilos de vida, com a predominância de um sistema simbólico ‘moderno’ e urbano, o qual tende a minimizar as diferenças culturais.
A forma predominante de organização familiar é de família nuclear (Biasoli-Alves, 1997). As mães são geralmente as cuidadoras principais, ganhando progressivamente mais autonomia por causa do aumento da participação da mulher no mercado de trabalho. Em 2004 havia 12,5 milhões de trabalhadoras com carteira assinada, número que quase dobrou em 2014, quando chegou a 21,4 milhões, 43,25% do total (Brasil, 2016). O cuidado das crianças pequenas, que antes era exclusivo ou, principalmente, das mães, passou a ser compartilhado com as avós, babás (classes média e alta) e creches.
As características da família quanto a estrutura e distribuição de papéis são importantes na compreensão da parentalidade, já que ela é a mediadora entre o indivíduo e a sociedade. É também uma configuração privilegiada na construção social da realidade, além de um grupo crítico e específico no que diz respeito ao seu papel na diferenciação psicológica (Georgas, 2006).
Vieira, Lacerda e Seidl-de-Moura (2011) discutiram mudanças na organização e nos valores das famílias brasileiras nas últimas décadas do século XX. Na década de 1930 havia um predomínio do modelo familiar tradicional, com ênfase nos valores morais e no controle do comportamento. Nas duas décadas subsequentes houve maior influência da educação formal e de um modelo educacional que atribuía importância à estimulação e à satisfação das necessidades dos(as) filhos(as). Nas décadas de 1970 e 1980, o discurso das mães revelava preocupações em dar carinho e com a compreensão dos(s) filhos(as). As metas de socialização nos últimos anos – não muito diferentes para meninos e meninas – são direcionadas ao desenvolvimento de um(a) adulto(a) independente, autônomo(a) e competitivo(a), que é capaz de ser bem-sucedido(a) profissionalmente. A preocupação com o bem-estar subjetivo dos(as) filhos(as) é observado. As mães permitem que os(as) filhos(as) tenham a iniciativa e mantenham uma estrutura flexível na vida diária da família. As regras para a criação dos(as) filhos(as) se tornam menos rígidas, embora as crianças não tenham mais tempo livre para brincar, uma vez que diversas atividades extracurriculares ocupam sua rotina diária. Essas atividades planejadas são valorizadas e consideradas um sinal de bom cuidado com a criança, com a intenção de prepará-las para o mundo competitivo. As famílias mudaram gradualmente, e o modelo patriarcal tem sido substituído por modelos mais igualitários.
Aizpurúa, Jablonski e Féres-Carneiro (2007) estudaram as transformações nas famílias brasileiras e argentinas e identificaram novas organizações familiares influenciadas pela aceitação do divórcio e do aumento da inserção da mulher no mercado de trabalho. Na mesma direção, Dessen e Torres (2002) argumentam que alguns fatores macrossociais e históricos, tais como a globalização e a modernização, novos padrões de consumo e flexibilidade no trabalho, têm provavelmente modificado as dinâmicas das famílias brasileiras e, consequentemente, as ideias sobre a criação de filhos e filhas, que afetam o desenvolvimento infantil.
Nesse cenário, as trajetórias de socialização de crianças brasileiras, orientadas pelos pais, são construídas. Um dos importantes aspectos a se considerar é o de como essas trajetórias valorizam a autonomia e a relação com os outros. A psicologia tem tratado dessas características de diversas maneiras ao longo das décadas. Até a metade do último século, a separação e a individualização eram consideradas pelos teóricos do desenvolvimento como algo natural e desejado na trajetória do desenvolvimento socioemocional humano. Era considerado que as crianças nascem sem um senso de self e sem a capacidade de se distinguirem dos corpos de suas mães e que elas se desenvolvem desse estado inicial de não diferenciação para se tornarem separadas e autônomas.
A primeira ideia tem em parte origem em autores do século XIX, como William James (1890), que entendia que os bebês nasciam em um estado de confusão, incapazes de diferenciar uma estimulação direcionada aos seus próprios corpos de outro tipo de estimulação. Mas a literatura acerca do desenvolvimento infantil (Rochat, 2001; Seidl-de-Moura, & Ribas, 2004) tem mostrado evidências que falseiam essa suposição. Sabemos que os bebês humanos nascem com a capacidade de perceber os seus próprios corpos e os dos outros e, dessa maneira, possuem um sentido básico de self. Eles apresentam competências para percepção e para ações que os capacitam a ter um senso de que seus próprios corpos estão separados dos outros e do ambiente, como também a ser responsivos aos eventos sociais desde o nascimento.
Os estudos na área de psicologia do desenvolvimento têm privilegiado uma trajetória específica ocidental e urbana, que, na verdade, representa a minoria dos seres humanos e que reflete uma tendência etnocêntrica. De acordo com Tomlinson e Swartz (2004), aproximadamente 135 milhões de bebês nascem todo ano no mundo e 90% deles não são de contextos europeus, norte-americanos, australianos ou neozelandeses. Eles constituem parte do que Kağitçibaşi (1996; 2007) chama de a maioria do mundo
. No entanto, no período de 1996 a 2004, 95% da pesquisa sobre a infância foi realizada por autores desses países e sobre pessoas nesses respectivos contextos. A mesma tendência é discutida por Henrich, Heine e Norenzayan (2010). Eles afirmam que os estudos na ciência do comportamento se concentram em um grupo muito específico que eles chamam de Weird (sigla em inglês para Western, Educated, Industrialized, Rich and Democratic, que pode ser traduzido como Ocidentais, escolarizados, industrializados, ricos e democráticos
, com o trocadilho de significado de estranho
, no sentido de minoria
), formado principalmente de estudantes universitários e de cursos de psicologia. Em uma revisão dos estudos de 2003-2007, 96% das amostras dos estudos psicológicos foram de países com apenas 12% da população mundial. Eles revisaram principalmente estudos com adultos, mas um dos comentários relacionados ao artigo central (Lancy, 2010) critica especificamente os estudos do desenvolvimento, que tratam das brincadeiras, das interações pais-filhos(as), dos estilos parentais e das evidências de apego, como também das generalizações indevidas feitas.
A partir de uma visão evolucionista aplicada ao desenvolvimento, é necessário considerarmos que somos membros de uma espécie com uma organização social complexa, e a relação com nossos coespecíficos é essencial para nossa sobrevivência, tanto física como psicológica (Kline, 2008). O desenvolvimento humano é baseado nas características submetidas à evolução de nossa espécie, que ocorre em contextos socioculturais, por meio dos processos epigenéticos, ou seja, de interação de predisposições genéticas com o meio em que ocorre (Seidl-de-Moura, Oliva, & Vieira, 2009). Assim, pode seguir diversos caminhos, dependendo de condições ecológicas e circunstâncias socioculturais. Desse modo, podemos questionar se o movimento em direção à separação e à autonomia é uma trajetória natural e universal do desenvolvimento.
Tanto a autonomia como a relação são aspectos fundamentais do desenvolvimento humano, parte da bagagem inata de nossa mente adaptada ao contexto sociocultural que a envolve (Kağitçibaşi, 2007; 2012; Kline, 2008). Essa é a proposta feita por Kağitçibaşi (1996; 2007; 2012) em sua teoria da mudança da família, que defende que a autonomia e a interdependência não são polos extremos em um contínuo. Duas dimensões básicas são hipotetizadas: agência (variando dos polos da autonomia para a heteronomia) e distância interpessoal (variando da separação para a conexão). As duas dimensões articulam-se, conduzindo ao possível desenvolvimento de quatro tipos de self: autônomo separado; autônomo relacionado; heterônomo separado e heterônomo relacionado. Estudos transculturais têm sido conduzidos com o objetivo de comparar o desenvolvimento das trajetórias do self (por ex., Keller et al., 2006; Keller, 2007), utilizando amostras de mães de contextos prototípicos, como a cidade de Berlim, Alemanha; da comunidade rural Nso, da República Africana dos Camarões; de San Jose, Costa Rica, entre outros.
Neste capítulo, revisamos alguns dos estudos conduzidos no Brasil por uma rede nacional de pesquisadores. Nosso objetivo é de contribuir para a literatura sobre as dinâmicas da autonomia e relação nos contextos de desenvolvimento. Compreendemos que é bastante relevante a investigação de uma variedade intracultural valorizando as dimensões da autonomia e relação, em um país grande como o Brasil. Além disso, representa uma contribuição relevante para a compreensão das características dos contextos de desenvolvimento do país, e também um enriquecimento da literatura internacional, testando as hipóteses derivadas do modelo de Kağitçibaşi (2007).
Considerando a importância do estudo dos contextos da maioria do mundo pouco representados na literatura, este capítulo tem o objetivo de oferecer uma contribuição para este livro sobre a parentalidade no Brasil, fornecendo dados acerca dos modelos culturais de grupos diversos de mães brasileiras. Compreendemos que o país, em função da sua diversidade social e cultural, pode funcionar como um bom modelo para se analisar como ocorre a teoria da mudança familiar. Por um lado, o Brasil tem uma influência católica que pode favorecer uma cultura da relação. Por outro, existe uma trajetória crescente de urbanização, que pode promover certas mudanças, em que passamos a compartilhar os valores de outras sociedades urbanas ocidentais, como a importância da autonomia.
Sabemos que as mães são apenas um dos atores na parentalidade, a qual envolve mães e pais, e, por isso, apresentamos alguns estudos que não se restringiram ao estudo de mães. Apresentaremos evidências de estudos conduzidos em diversos contextos brasileiros, usando diferentes metodologias. Os resultados encontrados indicam características de uma trajetória de desenvolvimento da autonomia relacionada, e serão discutidos a partir da teoria de Kağitçibaşi. Os estudos se concentram em 16 contextos brasileiros distintos. A Tabela 1 apresenta os dados sociodemográficos sobre eles. Como podemos observar, estão distribuídos nas cinco regiões geográficas do país e incluem as capitais dos estados, como também as cidades menores com populações de tamanhos diferentes.
Tabela 1
Contextos estudados, população total e distribuição urbana e rural¹
Fonte: Seidl-de-Moura, Carvalho e Vieira (2013).
Os estudos destacam vários aspectos do contexto de desenvolvimento, principalmente os relacionados a crenças e valores maternos. Um deles se concentrou no desenvolvimento das crianças pré-escolares, compreendendo que isso refletirá na trajetória prevalente de socialização naquele contexto específico.
Foram investigados: o que as mães desejam para os(as) filhos(as) no futuro; que tipo de pessoa desejam que se tornem quando adultos (metas de socialização); o que acham importante no cuidado deles(delas) (crenças acerca das práticas); o que destacam em suas descrições sobre eles(elas) [ideias sobre os(as) filhos(as)]; o que falam com eles(elas) (envelope narrativo). Compreendemos que os dados sobre as mães refletem de alguma forma a trajetória que elas favorecem na orientação do desenvolvimento do self dos(as) filhos(as).
Metas de socialização
As metas de socialização, ou como as mães desejam que seus filhos sejam no futuro, refletem os modelos culturais dos pais e são parte importante do contexto sociocultural do desenvolvimento das crianças. Três estudos se concentram nessas metas (Seidl-de-Moura et al., 2008, 2009; Vieira, Seidl-de-Moura, Macarini et al., 2010). Neles participaram, respectivamente, mães de sete cidades e cinco regiões geográficas (N=349); do Rio de Janeiro (N=200), e de 12 localidades, capitais estaduais e cidades pequenas (N=600).
As metas de socialização foram investigadas usando dois tipos diferentes de instrumentos. Um instrumento foi a entrevista de metas de socialização (Socialization Goals Interview, ou SGI), desenvolvida por Harwood (1992), que consiste em perguntas abertas feitas às mães sobre as qualidades que elas esperam que os(as) filhos(as) tenham no futuro. Ela foi usada no estudo de Seidl-de-Moura et al. (2008; 2009). A pergunta aberta feita a todos os participantes foi: Quais qualidades você gostaria que seu(sua) filho(a) possuísse como adulto(a)?
. As respostas das mães foram codificadas em termos de palavras individuais e frases descritoras de acordo com diferentes categorias descritas nos trabalhos publicados: automaximização; autocontrole; amorosidade; (4) bom comportamento; decência. As categorias foram submetidas a jurados independentes e apresentaram escores com consistência adequada. As duas primeiras categorias (automaximização e autocontrole) foram consideradas como características de metas de autonomia e desenvolvimento individual, enquanto que bom comportamento e decência refletiam metas sociocêntricas de interdependência (Harwood, 1992). O escore em cada categoria foi determinado pela divisão do número de descritores por cada categoria pelo número total de descritores (Leyendecker et al., 2002).
As distribuições dos escores na categoria de autocontrole apresentaram vários resultados isolados e que apresentam curvas não normais. Dessa maneira, essa variável não foi incluída nas próximas análises.
A escala de metas de socialização (Keller et al., 2006), adaptada para a utilização em um contexto brasileiro, foi o instrumento aplicado em Vieira, Seidl-de-Moura, Macarini et al. (2010). Ela inclui uma lista de dez itens indicando as opiniões sobre as metas dos pais para o futuro dos(das) filhos(as) durante os três primeiros anos de vida. Para cada item as mães fazem a marcação em uma escala Likert de cinco pontos, variando de não é importante
até muito importante
. No instrumento original (Keller et al., 2006), foi realizada uma análise fatorial dos componentes principais que produziu duas dimensões: autonomia (com cinco itens) e metas relacionais (com cinco itens). Um exemplo da primeira dimensão é desenvolver a competitividade
, enquanto que um exemplo da dimensão relacional é aprender a obedecer aos mais velhos
. Os autores reportam um bom alfa de Cronbach (α) em ambas as dimensões (autonomia = 0,93 e relação = 0,88).
Dois estudos indicaram que as mães estudadas têm as metas para os(as) filhos(as) orientadas tanto para o desenvolvimento da autonomia quanto para a relação. Seidl-de-Moura et al. (2008) observaram que mães das capitais dos estados apresentaram um perfil autônomo-relacionado. Considerando as metas de socialização, elas querem que seus(suas) filhos(as) sejam felizes, saudáveis, autoconfiantes, bem-sucedidos(as), adaptáveis, tomem boas decisões, sejam assertivos(as), sejam instruídos(as) e se defendam (automaximização). Elas valorizam igualmente as qualidades de um comportamento apropriado ao pertencer e se relacionar com um grupo maior, tanto em termos de ser respeitoso(a) e bem educado(a) como o de cumprir as obrigações de seu papel dentro da família (conduta apropriada). As mães desse estudo mostraram perspectivas distintas, ou mais orientadas para metas de interdependência ou para a autonomia, dependendo se elas viviam em cidades médias, grandes ou muito grandes. O nível de escolaridade da mãe foi um fator significativo em suas metas de socialização. Mães com níveis de escolaridade maior tendem a dar mais importância a metas voltadas para a autonomia do que as mães com menores níveis de instrução.
O estudo das mulheres do Rio de Janeiro (Seidl-de-Moura et al., 2009) confirmou algumas tendências do estudo mencionado anteriormente. As respostas ao SGI (entrevista de metas de socialização) foram codificadas em cinco categorias e em subcategorias: automaximização, autocontrole, amorosidade, bom comportamento e decência, e em cada um deles o escore foi calculado. As mães no estudo anteriormente citado indicaram uma valorização da autonomia como um produto final dos seus esforços de socialização. Os escores da automaximização foram de fato os mais altos. A autonomia, no entanto, não é valorizada nesse grupo sem referências a preocupações sociocêntricas. A segunda média de escore mais alta foi a decência, que se refere aos padrões pessoais de comportamento, a preocupação de que o(a) filho(a) se comporte respeitosamente, relacione-se bem com os outros e cumpra obrigações recíprocas. A análise não indicou uma diferença significativa entre os escores médios da automaximização e a decência. No entanto a variação nos escores pode indicar que as mães dessa cidade apresentam perfis distintos com relação ao que elas esperam que os(as) filhos(as) se tornem quando crescerem.
Após uma investigação mais aprofundada das subcategorias que foram usadas, padrões específicos de crenças foram identificados. A média mais alta na categoria de automaximização está na subcategoria relacionada ao desenvolvimento dos talentos e potenciais do(a) filho(a) (incluindo econômico). Nessa