Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Ciência Política e Direito: Neofascismo e Neoliberalismo: A construção da Maldade. A Saúde como um Direito Fundamental Social Global. A Pandemia pelo Covid-19 e os Serviços Públicos de Saúde. Autonomia da Vontade e Prescrição Médica.
Ciência Política e Direito: Neofascismo e Neoliberalismo: A construção da Maldade. A Saúde como um Direito Fundamental Social Global. A Pandemia pelo Covid-19 e os Serviços Públicos de Saúde. Autonomia da Vontade e Prescrição Médica.
Ciência Política e Direito: Neofascismo e Neoliberalismo: A construção da Maldade. A Saúde como um Direito Fundamental Social Global. A Pandemia pelo Covid-19 e os Serviços Públicos de Saúde. Autonomia da Vontade e Prescrição Médica.
E-book374 páginas4 horas

Ciência Política e Direito: Neofascismo e Neoliberalismo: A construção da Maldade. A Saúde como um Direito Fundamental Social Global. A Pandemia pelo Covid-19 e os Serviços Públicos de Saúde. Autonomia da Vontade e Prescrição Médica.

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Dividido em cinco capítulos, este livro aborda temas contemporâneos que estão em alta no nosso país, e até mesmo no mundo.
O capítulo I diz respeito mais à Ciência Política, ao trazer para discussão o neofascismo e o neoliberalismo como ideologias construtoras de maldades. A partir daí, o texto aborda a personalidade do líder fascista, quando este é um psicopata (psicopata político), e os riscos que isso representa para a nação e o mundo. O texto continua investigando a mentira como verdade e a verdade como inimiga. Finalmente, o texto apresenta o neoliberalismo (e a globalização) como a dimensão econômica do neofascismo.
O capítulo II aborda a pandemia pelo Covid-19 e os Princípios que regem os serviços públicos no Brasil.
O capítulo III traz uma novidade, ao propor a saúde como um direito fundamental social global, sob uma perspectiva da saúde sem fronteiras, a partir do reconhecimento de uma cidadania planetária global, com fundamento na dignidade da pessoa humana e tendo como fonte os diversos tratados internacionais sobre direitos humanos.
O capítulo IV discute a questão da autonomia da vontade e prescrição médica, sob o olhar do Código de ética Médica e dos Princípios que norteiam o Biodireito e a Bioética.
O capítulo V afirma a Constituição Cidadã de 1988 como um projeto de nação definido como um Estado Democrático e Social de Direito.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de fev. de 2022
ISBN9786525220772
Ciência Política e Direito: Neofascismo e Neoliberalismo: A construção da Maldade. A Saúde como um Direito Fundamental Social Global. A Pandemia pelo Covid-19 e os Serviços Públicos de Saúde. Autonomia da Vontade e Prescrição Médica.

Leia mais títulos de Wladimir Tadeu Baptista Soares

Relacionado a Ciência Política e Direito

Ebooks relacionados

Direito para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Ciência Política e Direito

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Ciência Política e Direito - Wladimir Tadeu Baptista Soares

    I. IDEOLOGIAS: NEOFASCISMO E NEOLIBERALISMO - A MALDADE EM CONSTRUÇÃO

    O fascismo teve origem na Itália em 1922 liderado por Benito Mussolini (líder do Partido Nacional Fascista), que, posteriormente, veio a assumir o poder daquele país, implantando um regime totalitário, onde o governo controlava e vigiava os passos do seu povo, além de estabelecerem práticas arbitrárias e violentas de punição a quem emitisse opiniões contrárias aos seus ideais, não admitindo nenhuma forma de oposição.

    Segundo Henrique Carneiro,

    Hoje em dia, vivemos em escala mundial os efeitos da última crise econômica e financeira de 2008, que aumentaram a desigualdade mundial e se agravaram pelas guerras do Iraque e da Síria, que causaram uma crise social de imigração. O fracasso dos partidos socialdemocratas na Europa, que executaram os mesmos planos de austeridade da direita e a fraqueza das propostas socialistas mais radicais de solidariedade internacionalista, ajudaram a compreender o crescimento de uma onda neofascista europeia que reabilita parte do legado da época da segunda guerra. É reciclado o programa de racismo, xenofobia, militarismo e repressão aos movimentos sociais com novos partidos que obtém maior influência na Hungria, Polônia, Itália, Rússia, Ucrânia e até mesmo na Suécia. A eleição de Trump, nos EUA, também aumenta a conexão da chamada direita alternativa que ganha um enorme papel em seu governo. No Brasil, os movimentos verde-amarelos que fizeram demonstrações de massa pelo impeachment de Dilma Roussef conviveram com pequenos grupos de militância neofascista, fundamentalista religiosa e até de velhos integralistas ou mesmo monarquistas. Nas eleições de 2018, pequenos partidos inexpressivos até então, como o PSL, elegeram grandes bancadas e ganharam governos de Estado. O seu maior representante, Jair Bolsonaro, ganhou o primeiro lugar nas eleições presidenciais [...]. O neofascismo contemporâneo dependerá para sua disputa pelo poder não apenas da credulidade das massas e da violência de suas ações, mas das respostas que os movimentos sociais darão ao seu crescimento, sobretudo quando ele chega a governar ganhando maiorias eleitorais (in: TROTSKY, 2018, p. 14-15).

    As principais características do fascismo são bem conhecidas: ultranacionalismo, perseguição aos opositores, figura de um líder (herói), estado totalitário, culto à violência, ultraconservadorismo, e discurso de ódio e intolerância.

    Ao longo da história, o fascismo recebeu várias denominações, dependendo do país em que ele se desenvolveu. Assim, por exemplo, na Itália, Fascismo foi o regime implantado por seu líder, Mussolini. Na Alemanha, de Adolf Hitler, foi o Nazismo. No Brasil, foi o Integralismo. Na Argentina, foi o Nacionalismo. No Peru, foram os Camisas Pretas. No Egito e na China, foram os Camisas Azuis. Na Colômbia, foram os Leopardos.

    Segundo Enzo Traverso,

    O surgimento da direita radical é uma das mais evidentes características de nosso momento histórico. [...] O conceito de fascismo parece ser inapropriado e indispensável para compreender essa nova realidade. Portanto, chamarei o momento atual de um período de pós-fascismo. Esse conceito enfatiza sua peculiaridade cronológica e o localiza em uma sequência histórica marcada tanto pela continuidade quanto pela transformação; certamente ele não responde a todas as questões que foram abertas, mas enfatiza a realidade da mudança. [...] Quando falamos de fascismo, não há ambiguidade sobre o que falamos, mas as novas forças de direita radical são um fenômeno heterogêneo e composto. Elas não têm as mesmas características em todos os países. [...] O pós-fascismo pertence a um regime particular de historicidade – começo do século XXI -, o que explica seu conteúdo ideológico errático, instável e contraditório, no qual se misturam filosofias políticas antinômicas. (TRAVERSO, 2021, p. 13-18).

    Neofascismo é uma ideologia de extrema direita surgida logo após a Segunda Grande Guerra Mundial, caracterizado por elementos significativos do fascismo, incluindo nacionalismo, nativismo, anticomunismo e oposição ao sistema parlamentarista e à própria democracia. Além disso, o neofascismo é uma ideologia que estimula a perseguição contra imigrantes (xenofobia) e políticos de esquerda ou de extrema esquerda, agregando políticas neoliberais. Nesse sentido, consideramos o neoliberalismo a dimensão econômica do neofascismo. Além do mais, misoginia, manifestações homofóbicas e racistas são comportamentos comuns dos neofascistas.

    Nos últimos anos, em vários países mundo afora, o neofascismo vem ganhando força política e econômica, constituindo uma grave ameaça real à Democracia e ao Estado de Direito. Mais do que isso, representa um duro ataque ao Estado Social e, consequentemente, aos direitos sociais e, em particular, a todos os direitos humanos elencados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU.

    Nesse sentido, o neofascismo se revela como um risco para todos os avanços civilizatórios conquistados a duras penas, ao longo da história da humanidade. E o neoliberalismo faz parte disso. Por isso, a relevância do tema. Por isso, a importância de uma educação para os direitos humanos e a paz.

    1 – SOBRE A IDEOLOGIA, O FASCISMO, O POPULISMO E O TOTALITARISMO

    Ideologia está sempre associada à ideia de poder: um poder ideológico, que, no caso do fascismo, brota da boca do líder fascista – aquele que cria uma realidade paralela, inexistente no mundo real, mas que ganha seguidores como verdade absoluta, imutável e inquestionável, em um ambiente de delírio coletivo, capaz de levar a atos de brutal violência contra aqueles que não perderam o senso de realidade e que, portanto, não se rendem às mentiras contadas por um líder delirante e mau. Nas palavras de Terry Eagleton: "o termo ideologia, em outras palavras, parece fazer referência não somente a sistemas de crença, mas a questões de poder. [...] A ideologia tem a ver com legitimar o poder de uma classe ou grupo social dominante" (EAGLETON, 2019, p. 21).

    Sobre a questão do poder, recorremos aos ensinamentos de Hannah Arendt:

    O poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas também para agir em concerto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas enquanto o grupo se conserva unido. Quando dizemos que alguém está no poder, na realidade nos referimos ao fato de que ele foi empossado por um certo número de pessoas para agir em seu nome. A partir do momento em que o grupo do qual se originara o poder desde o começo [...] desaparece, seu poder também se esvanece (ARENDT, 2018, p. 60-61).

    Não existe uma definição única para o que se pretende conceituar como ideologia. Segundo Alvin Gouldner, ideologia pode ser descrita como o reino da exaltação de espírito, onde habitam o doutrinário, o dogmático, o apaixonado, o desumanizante, o falso, o irracional e, é claro, a consciência extremista (GOULDNER, 1976, p. 4). Para Martin Seliger, ideologia pode ser definida como conjunto de ideias pelas quais os homens postulam, explicam e justificam os fins e os meios da ação social organizada, e especialmente da ação política, qualquer que seja o objetivo dessa ação, se preservar, corrigir, extirpar ou reconstruir uma certa ordem social (SELIGER, 1976, p. 11).

    Segundo Marilena Chauí,

    A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros de uma sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes a partir das divisões na esfera da produção econômica. Pelo contrário, a função da ideologia é ocultar a divisão social das classes, a exploração econômica, a dominação política e a exclusão cultural, oferecendo aos membros da sociedade o sentimento da identidade social, fundada em referenciais identificadores, como a Humanidade, a Liberdade, a Justiça, a Igualdade, a Nação. Como salienta Marx, o primeiro a analisar o fenômeno ideológico, a ideologia é a difusão para o todo da sociedade das ideias e dos valores da classe dominante como se tais ideias e valores fossem universais e aceitos como tais por todas as classes (CHAUÍ, 2016, p. 53).

    Segundo, ainda, Marilena Chauí, ideologia é um mascaramento da realidade social que permite a legitimação da exploração e da dominação (CHAUÍ, 2001, p. 154).

    Terry Eagleton acrescenta:

    É possível definir a ideologia de seis maneiras diferentes. Em primeiro lugar, podemos nos referir a ela como o processo material geral de produção de ideias, crenças e valores na vida social. [...] Um segundo significado de ideologia, um pouco menos geral, diz respeito a ideias e crenças (verdadeiras ou falsas) que simbolizam as condições e experiências de vida de um grupo ou classe específico, socialmente significativo. [...] Ideologia aproxima-se aqui da ideia de uma visão de mundo. [...] Uma terceira definição trata da promoção e legitimação dos interesses de tais grupos sociais em face de interesses opostos. [...] A ideologia pode ser vista aqui como um campo discursivo no qual os poderes sociais que se autopromovem conflitam e colidem acerca de questões centrais para a reprodução do poder social como um todo. Essa definição pode implicar a suposição de que a ideologia é um discurso especialmente orientado para a ação, em que a cognição contemplativa subordina-se, de modo geral, ao favorecimento de interesses e desejos a-racionais. A ideologia apresenta-se aqui não como um discurso verídico, mas como um tipo de fala retórico ou persuasivo, mais preocupado com a produção de certos efeitos eficazes a propósitos políticos do que com a situação como ela é. [...] Um quarto significado de ideologia conservaria a ênfase na promoção e legitimação de interesses setoriais, restringindo-a, porém, às atividades de um poder social dominante. Isso talvez envolva a suposição de que tais ideologias dominantes contribuam para unificar uma formação social de maneira que sejam convenientes para seus governantes; não se trata apenas da imposição de ideias pelos que estão acima, mas de garantir a cumplicidade das classes e grupos subordinados, e assim por diante. [...] Uma quinta definição, na qual ideologia significa as ideias e crenças que ajudam a legitimar os interesses de um grupo ou classe dominante, mediante sobretudo a distorção e a dissimulação. [...] Há, finalmente, a possibilidade de um sexto significado de ideologia, cuja ênfase recai sobre as crenças falsas ou ilusórias, considerando-as, porém, oriundas não dos interesses de uma classe dominante, mas da estrutura material do conjunto da sociedade como um todo" (EAGLETON, 2019, p. 45-47).

    Sobre Ideologia, assim ensina Zygmunt Bauman:

    A ideia de ideologia é inseparável da ideia de poder e dominação. É uma parte não destacável do conceito de que qualquer ideologia é do interesse de alguém; são os governantes (a classe governante, as elites) que fazem sua dominação segura por meio da hegemonia ideológica. Mas para alcançar esse efeito precisamos de um aparato que, em algumas ocasiões abertamente, mas na maioria das vezes sub-repticiamente, conduzirá cruzadas culturais que levarão à hegemonia do tipo de cultura que promete diluir a rebelião e manter os dominados obedientes. Uma ideologia sem uma cruzada cultural seria o mesmo que um vento que não sopra, um rio que não flui (BAUMAN, 2009, p. 19).

    Terry Eagleton, aprofundando-se mais no conceito de ideologia, acrescenta:

    As ideologias são sistemas de crenças característicos de certos grupos ou classes sociais, compostas por elementos tanto discursivos como não discursivos. [...] Em seu sentido pejorativo, a ideologia é um conjunto de valores, significados e crenças que, por qualquer uma das razões seguintes, deve ser considerado criticamente ou negativamente. Verdadeiras ou falsas, essas crenças são sustentadas pela motivação (consciente ou inconsciente) de escorar uma forma de poder opressiva. Se a motivação for inconsciente, então isso envolverá certo grau de autoilusão por parte daqueles que aderem às crenças. A ideologia, nessa acepção, consiste em ideias contaminadas na raiz, portadoras de uma deficiência genética. [...] De modo alternativo, a ideologia pode ser examinada criticamente porque as ideias e crenças em questão – sejam elas verdadeiras ou não, motivadas ou não de maneira indigna ou fraudulenta – produzem efeitos que ajudam a legitimar uma forma injusta de poder. Finalmente, a ideologia pode ser considerada objetável porque gera ideias que, por causa de sua motivação ou de sua função, ou de ambas, são na verdade falsas, no sentido de distorcer e dissimular a realidade social. Isso é objetável não apenas porque contribui para estear um poder dominante, mas porque viver em um permanente estado de ilusão é algo que contraria a dignidade de criaturas até certo ponto racionais. Nesse sentido negativo, a ideologia é objetivável ou porque engendra a ilusão social em massa, ou porque mobiliza ideias verdadeiras para fins repulsivos, ou porque tem origem em alguma motivação desprezível. Esse fato genético é tido às vezes como suficiente para tornar epistemicamente falsas as crenças em questão: uma vez que as crenças têm raiz na experiência da vida de uma classe ou grupo particular, a parcialidade dessa experiência irá desviá-los da verdade. Eles irão nos persuadir a ver o mundo da maneira como o veem nossos governantes, e não da maneira como é. [...] No entanto, o que às vezes se percebe como ideológico em uma forma de consciência não é o modo como ela ocorre, ou se é verdadeira ou não, mas o fato de ser funcional para legitimar uma ordem social injusta. Desse ponto de vista, não é a origem das ideias que as faz ideológicas. Nem todas as ideias que se originam na classe dominante são necessariamente ideológicas; inversamente, uma classe dominante pode apoderar-se de ideias que germinaram em outro lugar e utilizá-las para seus propósitos. [...] As ideias em questão podem ser verdadeiras ou falsas; se são falsas, podem ser consideradas contingentemente falsas, ou sua falsidade pode ser vista como a consequência da tarefa funcional que têm de realizar em promover interesses duvidosos, ou como uma espécie de deformação que sofrem em seu esforço de racionalizar motivos sociais ignóbeis. Mas as ideologias também podem ser vistas sob uma luz mais positiva, como quando marxistas como Lênin falam aprobativamente em ideologia socialista. Ideologia significa aqui um conjunto de crenças que reúne e inspira um grupo ou classe específico a perseguir interesses políticos considerados desejáveis. É então, com frequência, sinônimo da acepção positiva de consciência de classe [...] (EAGLETON, 2019, p. 59-60).

    No fascismo, não há Estado de Direito, sendo a democracia destruída por dentro, vítima de um golpe institucional. O que se pretende é um Estado totalitário, autoritário, que silencia a sociedade civil, promove uma confusão entre aquilo que é público e aquilo que é privado, e a imprensa passa a ser controlada, devendo estar a serviço das ideias fascistas. Quem se contrapõe às suas ideias é considerado inimigo da nação e do povo, e, por isso, deve ser eliminado.

    Segundo Federico Finchelstein,

    O fascismo defendia a forma divina, messiânica e carismática de liderança que concebia o líder como organicamente ligado ao povo e à nação. Ele considerava a soberania popular totalmente conferida ao ditador, que agia em nome da comunidade de indivíduos e sabia melhor do que eles o que eles realmente queriam. Os fascistas substituíram a história e as noções com bases empíricas da verdade pelo mítico político. Eles tinham uma concepção extrema do inimigo, considerando-o como uma ameaça existencial à nação e a seu povo, que deveria, de início, ser perseguido e, então, deportado e eliminado. O fascismo visava criar uma nova ordem mundial histórica através do incremento contínuo de uma política extrema de violência e guerra. Enquanto ideologia global, o fascismo se reformulou constantemente em diferentes contextos nacionais e se submeteu a constantes permutações nacionais. [...] O fascismo foi formulado com base numa ideia moderna de soberania popular, mas uma na qual a representação política havia sido eliminada e o poder era delegado inteiramente ao ditador, que agia em nome do povo. Ideias míticas legitimaram essa ordem das coisas e foram consideradas verdades transcendentais. No fascismo, o poder adquiriu um status inteiramente transcendental. Tudo o que era poderoso, violento e contundente era verdadeiro e legítimo porque era expressão das tendências trans-históricas e míticas relacionadas ao povo e à nação. Como um mito vivo que abrangesse ambos, o líder representava a efetivação dessas tendências no poder. O poder derivado da afirmação do mito através da violência, da destruição e da conquista. Consequentemente, a política fascista era mitologia (FINCHELSTEIN, 2020, p. 40-45).

    Incorporando a figura do mito, mais do que mentir, o fascista se autoilude, acreditando nessa ilusão. Todavia, o mito é algo ou alguém cuja existência não é real ou não pode ser comprovada. Portanto, o líder chamado de mito é, na verdade, uma alegoria perigosa. Nas palavras de István Mészáros,

    Deve-se enfatizar que o poder da ideologia dominante é indubitavelmente enorme, não só pelo esmagador poder material e por um equivalente arsenal político-cultural à disposição das classes dominantes, mas também porque esse poder ideológico só pode prevalecer graças à preponderância da mistificação, por meio da qual os receptores potenciais podem ser induzidos a endossar, consensualmente, valores e diretrizes práticas que são, na realidade, totalmente adversos a seus interesses vitais (MÉSZÁROS, 2008, p. 8).

    Especificamente com relação ao fascismo, os fascistas, identificando-se com o Exército, se utilizam desse Exército transformando-o em um Exército fascista. Do mesmo modo, identificando-se com o Estado, os fascistas querem um Estado igualmente fascista (ARENDT, 2012, p. 358).

    Segundo Leandro Konder,

    O fascismo é uma tendência que surge na fase imperialista do capitalismo, que procura se fortalecer nas condições de implantação do capitalismo monopolista de Estado, exprimindo-se através de uma política favorável à crescente concentração do capital; é um movimento político de conteúdo social conservador, que se disfarça sob uma máscara modernizadora, guiado pela ideologia de um pragmatismo radical, servindo-se de mitos irracionalistas e conciliando-os com procedimentos racionalistas-formais de tipo manipulatório. O fascismo é um movimento chauvinista, antiliberal, antidemocrático, antissocialista, antioperário. Seu crescimento num país pressupõe condições históricas especiais, pressupõe uma preparação reacionária que tenha sido capaz de minar as bases das forças potencialmente antifascistas (enfraquecendo-lhes a influência junto às massas); e pressupõe também as condições da chamada sociedade de massas de consumo dirigido, bem como a existência nele de um certo nível de fusão do capital bancário com o capital industrial, isto é, a existência do capital financeiro (KONDER, 2009, p. 53).

    Chauvinismo é o termo dado a todo tipo de opinião exacerbada, tendenciosa ou agressiva em favor de um país, grupo ou ideia.

    Em brilhante síntese, Robert Paxton assim define o fascismo:

    [...] Uma forma de comportamento político marcado por uma preocupação obsessiva com o declínio, humilhação ou vitimização da comunidade e por cultos compensatórios à unidade, energia e pureza, nos quais um grupo de militantes nacionalistas comprometidos, trabalhando em colaboração incômoda, mas eficaz com as elites tradicionais, abandona as liberdades democráticas e persegue com violência redentora, sem restrições éticas ou legais, suas metas de limpeza interna e expansão externa (PAXTON, 2008, p. 218).

    Para os fascistas, é justo aquilo que o líder fascista diz que é, de modo que a justiça não se realiza através da lei, mas através da palavra e da vontade do seu líder, que detém uma verdade sagrada que não admite questionamento e, muito menos, negação. Desse modo, como a plena personificação do povo e da identidade nacional, o ditador fascista era o receptáculo e também o criador do certo (FINCHELSTEIN, 2020, p. 71).

    Importante assinalar que nem todo movimento reacionário é fascista. Nem toda repressão – por mais feroz que seja – exercida em nome da conservação de privilégios de classe ou casta é fascista. O conceito de fascismo não se deixa reduzir, por outro lado, aos conceitos de ditadura ou de autoritarismo (KONDER, 2009, p. 25).

    Sobre o totalitarismo, assim leciona Francisco Razzo:

    Uma ideologia pode ser definida como um conjunto coerente de ideias enunciadas. Não necessariamente ideias verdadeiras, mas vividas como se fossem verdadeiras. Tais ideias políticas têm um objetivo fundamentalmente prático: modelar a sociedade conforme a experiência de veracidade desse conjunto de ideias. O problema do totalitarismo está no modo como esse conjunto de ideias tende a ser inspirado. A inspiração totalitária seria aquela que se refere à destruição ou reconstrução total, envolvendo caracteristicamente uma aceitação ideológica da violência como único meio prático para tal destruição. Essa violência está determinada pela tendência universal ou total daquilo que existe de errado em uma sociedade. O paradigma da universalidade da verdade ideológica transfigura todo caráter de reforma ou reconstrução política à luz da utopia, ou seja, por esse ponto de vista, as ideologias totalitariamente inspiradas "são uma forma radical de manifestação do otimismo moderno (RAZZO, 2016, p. 244

    Tzvetan Todorov acrescenta que

    O regime totalitário é aquele em que o chefe do Estado não se sente obrigado nem pelas leis nem por suas próprias promessas, o que importa é unicamente sua vontade, tal como se manifesta no momento presente. Se a barbárie é definida como a recusa a considerar que os outros são seres humanos semelhantes a nós, pode-se ver nesse mundo regido somente pelo poder uma encarnação bastante perfeita da barbárie (TODOROV, 2012, p. 123).

    Todas essas questões sobre ideologia, fascismo e totalitarismo devem servir para nos fazer refletir sobre as escolhas e os passos que a humanidade tem realizado: às vezes, construindo belas obras; outras vezes, destruindo os valores da civilização. São fenômenos políticos e históricos que não podemos desconhecer e que não devemos esquecer.

    Como bem assinala Timothy Snyder,

    A história tem o poder de familiarizar e também de advertir. [...] A maior parte do poder do autoritarismo é concedida voluntariamente. Em tempos como estes, as pessoas calculam com antecedência o que um governo mais repressivo pode querer, e muitas vezes oferecem sua adesão sem que sejam solicitadas. Um cidadão que procede dessa maneira está ensinando ao poder

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1