Ação, Processo e Jurisdição: uma compreensão do devido processo legal a partir de Franz Kafka
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Sobre este e-book
Na obra, a partir de um estudo do contexto histórico em que Franz Kafka escrevera "O Processo", perfilhamos o caminho evolutivo do conceito de Processo, desde sua origem - a "actio" romana -, para compreendermos qual é o conteúdo jurídico dos princípios do devido processo legal e do contraditório relacionando-os com o discurso de Kafka.
O objetivo da obra consiste em analisar as premissas fundamentais do Positivismo Jurídico no âmbito do Direito Processual. É a partir desta análise que o leitor poderá compreender os motivos e razões pelas quais postulamos uma releitura do Positivismo Contemporâneo atrelada à ideia de força normativa da Constituição, e, além disso, os motivos e razões pelas quais não compreendemos o Positivismo Jurídico como convencionalismo, o que nos permite sustentar que o Direito é um fenômeno jurídico histórico e Cultural, em que se construíram os princípios do devido processo legal e do contraditório, ambos positivados na Constituição de 1988.
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Ação, Processo e Jurisdição - Bruno Alberto Maia
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
ESTUDO PRÉVIO DA OBRA E DO CONTEXTO HISTÓRICO
1 A GÊNESE DO CONCEITO DE PROCESSO: A ACTIO ROMANA
1.1 A AÇÃO COMO DIREITO À JURISDIÇÃO
1.2 A AÇÃO COMO DIREITO DE PETIÇÃO
2. O CARÁTER DIALÉTICO DO PROCESSO E A RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL: O PARADOXO DE PIERO CALAMANDREI
3. JURISDIÇÃO, PROCESSO E ANÁLISE DO MÉRITO EM ENRICO TULIO LIEBMAN
4. O PROCESSO COMO PROCEDIMENTO EM CONTRADITÓRIO: A RELAÇÃO DIALÉTICA ENTRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL E O PRINCÍPIO DA IGUALDADE
5. O POSITIVISMO JURÍDICO E A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS: A RÉPLICA DE NEIL MACCORMICK A RONALD DWORKIN
5.1 DIREITOS E RESPOSTAS CERTAS: A PERSPECTIVA DO DIREITO COMO EXPRESSÃO DE POSSIBILIDADES
6. O RESGATE DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO COMO VIABILIZADORA DA INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO E DA COMPREENSÃO DA AÇÃO, DA JURISDIÇÃO E DO PROCESSO NO CONTEXTO DO POSITIVISMO JURÍDICO: A CONCATENAÇÃO DOS POSTULADOS DE KONRAD HESSE, PETER HÄBERLE E FRIEDRICH MÜLLER
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
ESTUDO PRÉVIO DA OBRA E DO CONTEXTO HISTÓRICO
Vejamos o seguinte trecho em que se desenvolve um diálogo entre o sacerdote e o protagonista do romance Josef K. em O processo de Franz Kafka, redigido nos seguintes termos:
– Você tem um pouco de tempo para mim? – perguntou K.
– O tempo que precisar – disse o sacerdote, passando a K. a lamparina, para que ele a carregasse.
Mesmo de perto, o sacerdote não perdia uma certa solenidade, que vinha do seu ser.
– Você é muito amável comigo – disse K., enquanto andavam de lá para cá, um ao lado do outro, na escura nave lateral. – Você é uma exceção entre todos os que pertencem ao tribunal. Tenho mais confiança em você do que em qualquer um dos outros tantos que já conheço. Com você posso falar abertamente.
– Não se engane – disse o sacerdote.
– Em relação a que deveria me enganar? – perguntou K.
– Em relação ao tribunal você se engana - disse o sacerdote.
Nos textos introdutórios à lei consta o seguinte a respeito deste engano: diante da lei está um porteiro. Um homem do campo dirige-se a esse porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e depois pergunta se então não pode entrar mais tarde. ‘É possível’, diz o porteiro, ‘mas agora não’. Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta, e o porteiro se põe de lado, o homem se inclina para olhar o interior através da porta. Quando nota isso, o porteiro ri e diz: ‘se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala, porém, existem porteiros, cada um mais poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a visão do terceiro’. O homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com seu casaco de pele, o grande nariz pontudo e a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada. O porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta. Ali fica sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido, e cansa o porteiro com os seus pedidos. Muitas vezes o porteiro submete o homem a pequenos interrogatórios, pergunta-lhe a respeito da sua terra e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que costumam fazer os grandes senhores, e no final repete-lhe sempre que, ainda não pode deixá-lo entrar. O homem, que havia se equipado para a viagem com muitas coisas, lança mão de tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Este aceita tudo, mas sempre dizendo: ‘Eu só aceito para você não achar que deixou de fazer alguma coisa’. Durante todos esses anos, o homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei. Nos primeiros anos, amaldiçoa em voz alta o acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. (KAFKA, 1997, p. 261-262).
Agora que o leitor dedicou sua atenção à leitura do diálogo estabelecido entre os interlocutores do texto, chegou o momento de compreender o contexto histórico em que Kafka o escrevera.
Franz Kafka nasceu em Praga, capital da República Theca em 3 de julho de 1883, àquela época, pertencente ao Império Austro-Húngaro. Filho primogênito de Hermann Kafka, um comerciante judeu, e de sua esposa Julie, que nascera em Löwy. Kafka iniciou seus estudos em Praga no ginásio alemão, e, posteriormente, na velha universidade, onde se graduara em 1906 (CARONE, 1997).
Kafka atuou como advogado na Companhia Particular Ascurazioni Generali, e posteriormente, no semiestatal Seguro Contra Acidentes do Trabalho. Noivo por duas vezes da mesma mulher, nunca se casou. Aos 34 anos foi acometido de tuberculose, que o levaria ao falecimento sete anos mais tarde. Kafka nunca deixou de escrever, mesmo alternando temporadas em que permanecera internado em sanatórios. Escreveu pouco, e pediu ao amigo Max Brod que queimasse todos os seus escritos, o que efetivamente, não ocorreu. Viveu a maior parte de sua vida em Praga, exceto no período compreendido entre novembro de 1923 e março de 1924, que passara em Berlim, onde permaneceu afastado da presença esmagadora de seu pai, que nunca reconheceu a legitimidade da sua carreira de escritor. A maioria das obras de Kafka foi escrita em alemão, e foi postumamente publicada (CARONE, 1997).
Kafka faleceu no sanatório de Kierling, nas proximidades de Viena, Áustria, aos 03 de julho de 1924, um mês antes de completar 41 anos de idade. O corpo de Kafka está sepultado no Cemitério Judaico de Praga. Em vida, Kafka quase não foi conhecido, mas é, sem dúvida, ao lado de Proust e Joyce, um dos maiores escritores do século XX (CARONE, 1997).
Kafka iniciou os escritos de O processo em 1914, precisamente, na segunda semana de agosto. É notório que Kafka escrevia em cadernos visando a separar os capítulos por meio de espaços em branco, ou de linhas divisórias – um procedimento que também, fora adotado pelo autor em O processo, evidenciado o realismo da práxis jurídica, e as lacunas da lei, mas não do Direito. Diante das dificuldades de elaborar um capítulo, Kafka interrompia sua redação, e deixava uma lacuna na folha a fim de tentar iniciar o capítulo seguinte. Este era um costume que implicava uma manutenção precária da continuidade da história (CARONE, 1997).
Vale ressaltar que, embora o capítulo sexto da obra (O Tio Leni
) não estivesse finalizado, Kafka iniciou a elaboração do apêndice, intitulado A Casa de Elza
. Entretanto, diante da impossibilidade de finalizá-lo, iniciou o sétimo capítulo (O Advogado
). Os fragmentos dos capítulos ou das unidades narrativas, compendiados no apêndice consistem em começos de capítulos ou unidades componentes da narrativa que foram inseridos em capítulos já iniciados (CARONE, 1997).
Um dos tópicos recorrentes aos quais recorrem os pesquisadores em torno da obra de Kafka, e aqui, nos referimos, ao Processo, abarca a gênese das suas fontes literárias imediatas. Há neste sentido, aqueles que consideram matrizes temáticas da obra, tanto as peças do Teatro Lídiche, assistidas por Kafka no inverno compreendido entre os anos de 1911 e 1912, assim como alguns romances de Dostoievsky. Josef K, o protagonista é um herói, e a cena de sua detenção corresponde a uma breve sequência, mas que realiza uma analogia com a pessoa do Vice-Rei de Fayman, notadamente, a prisão de Don Sebastián (CARONE, 1997).
Isto significa dizer que embora na peça teatral o episódio seja marcado por profunda seriedade, ele aparece, simultaneamente, permeado por elementos cômicos, que se manifestam nos insultos, que Pedrillo, o criado de Don Sebastián leva a efeito contra os agentes da detenção. Segundo especialistas, a detenção de Don Sebastián teria sido realizada por dois servos mascarados a serviço da Inquisição, que prendem o personagem por suspeita de sua origem judaica (CARONE, 1997).
Em razão da comicidade que marca a obra de Kafka, podemos perceber o acúmulo de minúcias com que as cenas são descritas, e realmente produzidas para os destinatários da obra, nós, os leitores, o que inclui o autor desta monografia.
O contato de Kafka com Dostoievsky, segundo o que entendemos, uma deglutição cultural,