Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Distúrbio
Distúrbio
Distúrbio
E-book224 páginas3 horas

Distúrbio

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Rossana, 13 anos, tem tudo para ser uma menina feliz: pais ricos, três irmãos que a amam e uma beleza fora do comum. Contudo, Rossana não quer ser bonita. A beleza atrai coisas que não deseja a ninguém. A mãe, frustrada por uma carreira de pouco sucesso, coloca na filha todas as suas ambições e desejos.Procura na figura do pai, um aliado, mas acaba encontrando sofrimento, a menina ingênua se vê transformada em mulher... a mulher daquele que deveria protegê-la.Sofre uma infância terrível. Submetida aos abusos físicos do pai e às exigências quase sobre-humanas da mãe, conhece, demasiado cedo, mundos que nem os adultos têm capacidade para enfrentar: o sexo sem amor, as drogas, a falta de proteção...O mundo da moda lhe fora imposto a duras penas e tudo que ela quer é ser criança.Esta é a história intensa, cruel, real... de Distúrbio.
IdiomaPortuguês
EditoraEstronho
Data de lançamento16 de mar. de 2022
ISBN9788564590427
Distúrbio

Relacionado a Distúrbio

Ebooks relacionados

Romance contemporâneo para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Distúrbio

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Distúrbio - Valetina Silva Ferreira

    Apresentação

    Quando estava iniciando o processo de seleção das primeiras antologias da Editora Estronho, me deparei com dezenas de novos autores. Alguns se destacaram em mais de uma antologia, mostrando versatilidade e criatividade suficientes para que pudessem encarar novos desafios. Desde a simples tarefa de escrever sobre um tema específico, até seguir à risca as diretrizes malucas traçadas pela Editora, com cenários já determinados e personagens chave tendo que ser inseridos nos contos como obrigatoriedade de regulamento.

    E um desses novos talentos veio de longe. Seus contos atravessaram o Atlântico. Claro que chegaram através da internet, de forma rápida e por meio de um formulário sem vida e sem graça. No entanto, prefiro acreditar que suas escritas sempre muito elegantes, embarcaram em uma grande nau cheirando a madeira molhada, com velas ao vento e lutando contra todas as dificuldades encontradas em alto-mar. Seus contos, escritos em páginas já um pouco amareladas, envoltas por um belo acabamento em couro vermelho adornados por finos arabescos dourados, repousando nas mãos de uma escritora com sorriso de menina...

    Ah, peço que me desculpem por esse pequeno devaneio, mas é que Valentina Silva Ferreira, essa portuguesinha de talento notável, me faz viajar em suas frases tão lindamente desenhadas sobre a tela fria do computador.

    É certo que a língua falada e escrita em Portugal é de longe muito mais bonita e elegante que a nossa, aqui no Brasil – me apedrejem o quanto quiserem os mais chatos e falsos patriotas, mas é o que penso. Porém, não é só isso que nos faz gostar de ler Valentina. É o seu jeitinho particular de contar suas histórias. Não importa o tema ou o gênero. Ela nos presenteia com uma leitura sempre muito agradável e prazerosa.

    E quando decidi que gostaria de publicar romances de alguns dos novos autores que se revelaram muito bons em nossas antologias, um dos primeiros nomes – senão o primeiro – que surgiu em minha mente foi o de Valentina. Imediatamente abri a gaveta da escrivaninha e peguei papel, pena e tinta. Escrevi uma carta, perguntando se a jovem escritora não teria por acaso, um romance pronto ou sendo desenvolvido e... – tudo bem... eu mandei um e-mail rapidinho e muito mal escrito, por sinal. Mas o que importa é que ela me enviou inicialmente as trinta primeiras páginas de Distúrbio para que eu pudesse analisar. Em pouco tempo de leitura já pensava em escrever novamente para Valentina pedindo o original inteiro.

    E agora você tem em mãos uma história dramática, carregada de realismo, que por vezes pode fazer com que sinta ódio... ou pena... ou ainda vontade de arrancar do livro a personagem principal, para cuidar dela e não permitir que ninguém mais a faça sofrer.

    Senhoras e senhores... jovens...

    Deixo vocês com o talento de Valentina Silva Ferreira e toda a elegância da escrita portuguesa.

    Marcelo Amado

    Editor e escritor, autor dos livros Aos olhos da Morte, Crônicas dos meus pés descalços ou de quando visitei o Inferno e Ele tem o sopro do Diabo nos pulmões, dentre outras obras de literatura fantástica.

    Tenho 12 anos e sou a filha mais velha de uma família de quatro irmãos. Sou exageradamente bonita. Nasci num seio muito rico e moro numa deslumbrante casa de três andares, pintada de branco casca de ovo. A minha mãe tem bom gosto; foi ela quem delineou todas as características da nossa casa, desde um bibelô ao grande jardim. O jardim! É o meu local favorito.

    Chamo-me Rossana e sou uma criança infeliz.

    O disfarce

    – Rossana, estás pronta?

    – Já vou, mamã.

    – Despacha-te! As tuas irmãs estão à tua espera.

    Rossana desceu as escadas tentando não tropeçar pelo caminho.

    – Deixa-me ver como estás.

    A menina apareceu no hall de entrada vestindo uma minissaia e um top exageradamente decotado. Os saltos altos demasiado senhoriais davam-lhe um ar desajeitado e o rosto maquiado tornava-a mais velha.

    – Oh, bravo, bravo! – disse a mãe em gritinhos histéricos. – Estás muito bonita!

    Rossana agradeceu o elogio da mãe com um sorriso tímido e seus olhos deixaram passar um brilho triste, um pedido de socorro, como se outra pessoa estivesse presa dentro daquele corpo. Ao olhar para as irmãs que brincavam no jardim, sua mágoa cresceu. A mãe pouco se importava se elas sujavam a roupa e Rossana desejou mais uma vez não ter nascido tão bonita. Queria ser normal e brincar lá fora.

    – Vá, vá, rápido! Ainda chegam atrasadas à escola.

    A voz aguda da mãe afastou seus pensamentos e, pegando nas chaves de casa, fechou a porta e foi para a escola.

    A escola de S. Tiago era um edifício imponente e os professores eram, na sua maioria, pessoas acessíveis. Rossana gostava de lá estar; era o único local onde era ela mesma. Não a mulher fatal em que a mãe a transformava, mas a outra – aquela que estava presa dentro do corpo, a que sentia uma ânsia de ser criança. Mal chegava, trancava-se na velha casa de banho e abria sua sacola, tirando um par de jeans, uma camisola e umas sapatilhas. A velocidade feroz com que se despia contrastava com a calma feliz em que vestia a roupa de criança. Guardava a roupa ridícula e saía do cubículo. Agora sim podia olhar-se ao espelho.

    E sorria, sorria tanto que quem visse era capaz de jurar que a miúda era doida. Abria a torneira e esfregava freneticamente a cara até o último vestígio de pintura desaparecer com a água. Finalmente, a sua máscara insuportável desaparecia.

    Ninguém entendia o porquê da rapariga chegar à escola envergando uma toilette pouco própria para sua idade e muito menos se atreviam a perguntar a razão pela qual resolvia mudar de vestuário. Nas aulas, Rossana era uma menina vivaz, sempre pronta a participar nos temas e era muito acarinhada pelos colegas e professores. Suas excelentes notas e seu comportamento exemplar eram razão suficiente para que achassem que não havia necessidade de questionar sobre aquela estranha atitude. Provavelmente tinha um namorado mais velho que visitava antes de ir para a escola e vestia-se assim com o intuito de surpreendê-lo.

    O Colégio de São Tiago

    Rossana frequentava aquele local de ensino há dois anos e ali ficaria outros seis para completar seu ensino secundário. Era a melhor escola da cidade e o fato de ser um colégio privado abrilhantava essa condição. As mensalidades altas de cada aluno serviam perfeitamente para cobrir os luxos que o diretor achasse necessários para o estabelecimento. O diretor Norberto Velosa era esbanjador, mas só o era em virtude dos seus alunos. Queria que cada um deles tivesse o melhor que lhes pudesse proporcionar. Era um bom sujeito, apesar de ter um aspecto de cientista louco e as crianças adoravam-no. Uma coisa era certa, quem frequentasse aquela escola, saía dali com uma hipótese redobrada de entrar nas melhores faculdades do país. Um aluno de S. Tiago era visto como um Menino Jesus nascido em berço de ouro. E era isso mesmo que aquela escola representava – um ninho de crianças ricas, inteligentes e com grandes oportunidades de um futuro surpreendente.

    O colégio tinha, sensivelmente, 50 anos, mas continuava em ótimo estado de conservação. Passara por um frágil momento na década de 70, devido à má organização de um político que resolvera comprar a escola. Durante alguns anos, o tipo viu-se no direito de transferir as propinas para uma conta pessoal na Suíça, fugindo quando viu os seus cofres recheados. A bonita escola, nesse período de tempo, viu-se completamente abandonada. Os professores queixavam-se de salários em atraso e os alunos da falta de compromisso destes em dar a matéria necessária para a realização dos exames nacionais. Como seria de esperar, o sujeito nunca fora apanhado. Provavelmente, a Polícia Municipal recebera uns trocados por trás para abster-se do assunto e, incrivelmente, o caso nunca fora levado ao Ministério Público, apesar dos enormes pedidos dos pais que viram seus dinheiros desviados e seus filhos muito mal preparados. Entretanto, o Dr. Norberto Velosa, licenciado em Gestão, tomou o comando da instituição, conseguindo torná-la numa respeitável escola.

    Perpétua vivera esse conturbado período, contava. Lembrava várias vezes aos filhos que assistira às maiores greves estudantis, tendo participado em grande parte delas. Em três anos, raramente teve aulas. Foi a chamada Época das Férias Eternas. No início, todos os alunos acharam piada, mas depois se viram confrontados com a falta de preparação escolar e assustaram-se. Perpétua gabava-se de ter estudado sozinha, sem qualquer ajuda de professores, para os testes e, portanto, considerava-se superior a todos. Fazia questão de jogar à cara de Rossana que ela era uma felizarda em ter tão boas condições e que, no lugar dela, chegaria à casa com melhores notas. Mal sabia ela que a filha era a melhor aluna do colégio. Rossana, pelo contrário, achava que a falta de ética e bom senso da mãe devia-se mesmo a isso. A falta de aulas tirou-lhe a educação, transformando-a num bichinho. Um bichinho bonito e apresentável, é certo, mas verdadeiramente arrogante. É claro que Rossana guardava estes pensamentos para si.

    A história de Perpétua e Carlos

    O nome de Perpétua adequava-se perfeitamente àquela mulher de traços vulgares. Seus olhos eram mortiços com um esgar de maldade e o nariz um tanto ou quanto grande para seu rosto. O cabelo não tinha uma cor específica tantas foram as vezes que pintara e, apesar de não ser bonita, era elegante e, no conjunto, uma mulher atrativa. Em jovem quis ser modelo e lutou pelo seu sonho com todas as forças, nunca obtendo sucesso. Seus pais, ambos professores de música, eram sujeitos amáveis que fizeram de tudo para educar a filha malcriada. Mas não havia jeito, Perpétua nascera com um feijãozinho de maldade dentro de si. Era assim que Joaquim, seu pai, tentava desculpar-se perante os pais das meninas a quem Perpétua roubava as bonecas e, maldosamente, cortava os cabelos. Celeste, a mãe, chorava de quando em quando pelo seu comportamento. Como qualquer moça, sonhara com uma filha obediente e carinhosa, mas, ao invés, tivera aquela peste. O casal tentou, com muito esforço, tirar aquela ideia de ser modelo da cabeça da filha, mas parecia que quanto mais o faziam mais vontade ela tinha de o ser. Talvez não fosse um sonho, aquilo se tornara uma obsessão. Era o jogo do quanto mais dizes para não fazer, eu faço, e via-se nos olhos da rapariga que havia um verdadeiro prazer em seguir caminhos diferentes aos propostos pelos pais. Atirava-lhes à cara que se eles eram músicos, ela também poderia seguir uma carreira artística. Era incapaz de compreender que os pais tinham um talento natural para a música enquanto ela não transmitia qualquer graciosidade, apenas veneno e intriga. Às vezes, na brincadeira, as suas (poucas) amigas incentivavam-na a concorrer a pequenos papéis de vilãs, mas nem aí ela conseguia. Quando vinha de um casting mal sucedido, agredia verbalmente a mãe, culpando-a por todos os seus fracassos.

    – Se eu não passei é por tua causa. És feia e gorda. Oxalá o pai tivesse casado com uma mulher bonita. Mas não, aquele tolo foi casar contigo. Agora, tenho a minha vida arruinada. Maldita hora que fui herdar essa tua cara de girafa – e metia-se no quarto durante horas a exercitar o corpo ao som das mais pesadas baladas de rock.

    Celeste, ferida pelas palavras da filha, deixara de amá-la muito cedo. Via nela um fardo em sua existência e em seu casamento. Muitas vezes, Joaquim açoitara a filha na esperança de que a maldade saísse toda em suas lágrimas de dor. Mas enganava-se sempre. A rapariga tinha mesmo sangue de barata: nada a fazia derrubar. Apresentava sempre uma arrogância surpreendente e nem quando estava deitada nos joelhos do pai, com o rabo descoberto e mais vermelho que um pimento¹, a sua boca abria-se num grito ou seus olhos deitavam uma única gota. Joaquim sofria mais ao batê-la do que ela própria. Por fim, acabou por desistir. O feijãozinho tornara-se numa verdadeira bola de futebol e era impossível chutá-la dali para fora.

    Aos 23 anos conheceu Carlos, um sujeito sinistro muito mais velho que ela. Com 45 anos, era um empresário rico que outrora tornara raparigas comuns em grandes estrelas. Porém, seu mau humor afastou-lhe a clientela, retirando-o da ribalta. Era dono de uma grande empresa de marketing e, como tal, a esposa não precisava trabalhar. Isso, para Perpétua, era o sonho de uma vida. Tinha um marido bem-sucedido que, apesar de não ser bonito, conseguia atrair o mais variado tipo de mulher. Carlos tinha aquele je ne sais quoi, talvez aquele ar de mau rapaz que fascinava o sexo oposto.

    Conheceram-se num clube de dança, uma espécie de discoteca com mulheres em roupa interior² a desfilar pelo local, falando e entretendo os convivas. Perpétua soubera da existência desse local no jornal diário e quis tentar sua sorte. Não se importava em andar seminua por um lugar cheio de homens maliciosos. Ela queria que a admirassem e se fosse preciso trabalhar naquele lugar fazia-o com muito agrado. Nessa manhã, ao pequeno-almoço, leu o anúncio em voz alta.

    Clube de alta categoria procura raparigas de classe, bonitas e inteligentes para Relações Públicas. Apareça na Rua das Margens, nº 12 e traga sua melhor roupa interior.

    Celeste, que bebia um chá preto, engasgou-se com o líquido e Joaquim olhou para a filha com uma profunda tristeza. Ela deu uma gargalhada ao ver a expressão de horror dos pais. Era sempre assim. Fazia tudo aquilo que lhes provocasse tristeza, dor e asco. Nunca na vida lhes dera uma alegria. Joaquim sabia o que aconteceria a seguir. Ela iria para o quarto vestir sua melhor (ou será mais ordinária?) roupa e sairia em busca desse emprego. E assim o foi. Celeste manteve-se muda o resto do dia, engolindo a vergonha dentro de si. À noite, quando a filha voltou, viu em sua cara que tinha conseguido e, com o marido, subiu para o quarto. Nessa noite, o que ainda pudesse restar de carinho no coração daqueles pais enevoou-se; o amor de pai, esse que dizem que nunca acaba, ficaria congelado para sempre.

    No dia de abertura, para não variar, brigara com os pais. Com 23 anos, já deveria estar a terminar a faculdade, mas como seria de esperar, nunca se importou com isso. Esbanjava o dinheiro dos pais em roupa e maquiagem na esperança de encontrar um milionário que a tornasse famosa e agora, para piorar, era Relações Públicas daquele lugar. A dita discoteca chamava-se Canto das Coelhinhas. O nome, por si só, embaraçava os pais.

    – Onde trabalha sua filha? – perguntava um amigo qualquer.

    E com a voz tremida e os olhos baixos respondiam.

    – No Canto das Coelhinhas.

    O dono era um velho sebento, divorciado pela quarta vez e sem filhos (graças a Deus). Esteve, desde sempre, ligado ao negócio do sexo, tendo sido produtor de filmes eróticos e, mais recentemente, dono de um bar de strip-tease. O Sr. Pedrão, como gostava de ser tratado, fez parte do júri de seleção de suas empregadas e sua opinião era a que contava mais. Engraçou-se logo por Perpétua. Seu ar arrogante e altivo, com certeza, atrairia muitos homens: aqueles que gostavam de mulheres difíceis.

    Nessa noite, ele era a figura mais importante. Todas as atenções estavam viradas sobre si e, em smoking, pavoneava-se por entre a multidão com duas de suas favoritas – Perpétua e Tita, uma ruiva de seios cheios. A discoteca estava repleta de amigos e conhecidos seus. Pessoas importantes, ligadas ao cinema e à música davam glamour ao local. Uns quantos empresários tentavam comprar pequenas ações da discoteca, parecendo autênticos lambe botas.

    Em certo momento,

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1