Sobre Lima Barreto: Três ensaios
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Sobre Lima Barreto - Beatriz Resende
Sumário
Apresentação
O Lima Barreto que nos olha
Lima Barreto e seus estrangeiros
Lima Barreto: cronista de mágoas e sonhos e de um povo
Sobre a autora
Créditos
Apresentação
Nos três ensaios dedicados a Lima Barreto, Beatriz Resende se mostra à vontade nas várias possibilidades de análise que esse escritor tão singular permite. Indo do prontuário médico às crônicas engajadas, analisando fotografias e fazendo alguns apontamentos sobre crítica literária, para mostrar como demorou para que ele finalmente fosse reconhecido, a reflexão aqui é compreendida quase como um mergulho em algo muito maior que o texto: a própria sociedade que muitas vezes deixa, inclusive, de acolhê-lo.
Em Lima Barreto, cronista de mágoas e de sonhos
, a crônica do nosso autor é observada a partir de seu constante choque com o poder. Nenhum tipo de violência deixa de passar pelo crivo do escritor, não apenas desconfiado, mas ciente na própria pele da brutalidade que os mecanismos de dominação sempre nos impõem. Alcoólatra e, desculpando-me pelo anacronismo, diagnosticado com problemas psicológicos, Lima Barreto não fala com nenhuma distância sobre hospitais, camisas de força e preconceitos. Ele acabou envolvido e paralisado por esse tipo de aparelho repressivo com a mesma intensidade com que foi, por muito tempo, afastado do conjunto de autores dignos de serem estudados.
Há algo de constrangedor aqui, e os ensaios de Beatriz Resende não fogem da constatação: os donos das chaves que abrem as portas do cânone literário têm a mão tão pesada quanto o poder que encarcera o louco, a voz que humilha os negros ou os governos que reprimem as greves, assunto aliás muito presente em suas crônicas.
O título O Lima Barreto que nos olha
resume as intenções da ensaísta ousada: identificar nos movimentos de análise que se afastaram e aproximaram do escritor um diagnóstico não dele, mas que ele nos oferece da própria história da crítica literária. O processo de reconhecimento de Lima Barreto representa, na verdade, o longo caminho que o establishment teve que percorrer para aceitá-lo.
Beatriz Resende demonstra, com rara força, que o fato de Lima Barreto ter se recusado a abraçar o modernismo paulista como único norte estético acabou afastando nosso autor do olhar da crítica por algumas décadas. No número 4 de Klaxon, Lima Barreto é descrito como um portador de navalha, imagem estereotipada do malandro carioca. Não dá para dizer que os paulistas tenham sido elegantes na forma com que responderam à crítica do autor de Clara dos Anjos, que eles aliás haviam cortejado.
De fato a elite paulistana nunca se deu muito bem com o que foge da ordem. Basta ver como custou para reconhecer algo tão evidente, singelo e que na verdade não representa problema nenhum, como a homossexualidade de Mário de Andrade. Alguém tão afastado do figurino do status quo, e dado a ser recolhido ao hospício, não iria mesmo agradar o pessoal aqui às margens do Tietê.
Enfim, agora Lima Barreto será olhado com a profundidade que merece e esses três ensaios vão contribuir para isso. Beatriz Resende esclarece como o caminho deve ser percorrido. Quanto a mim, quero enfatizar que o declínio de São Paulo como centro irradiador de poder tornou em grande parte essa abertura possível. Se o Brasil, nesse ano de 2017, é um vexame, um país desgovernado, em que um grupo de homens brancos acusados de crimes gravíssimos retirou uma presidenta eleita legitimamente para colocar o pior tipo de masculinidade no palácio do planalto, isso se dá muito por culpa de São Paulo, da arrogância da Fiesp e de sua mania de dizer como as coisas devem ser. A elite paulistana acha que pode levar no bolso, no grito, ou no suborno qualquer pessoa.
Agudo e sensível, o método de Beatriz Resende oculta ainda uma sutileza: a de compor o ser humano por trás do grande artista. Lima Barreto e os estrangeiros
mostra o homem interessado no diálogo, nesse caso com o diferente que veio de longe, para dividir o espaço, as ideias e o universo político conosco. Vemos um escritor interessado em ouvir e compreender, inclusive enriquecer-se com a experiência do outro. Trata-se de uma espécie de antropofagia historicamente precoce e politizada. A análise de suas crônicas retrata o cidadão empenhado aqui mais do que em ouvir, interessado agora em mergulhar nas questões do seu tempo, participando dos principais debates e mostrando que, da periferia onde vive saem ideias bastante ousadas para a época, como a discussão da violência de gênero. O terceiro ensaio, O Lima Barreto que nos olha
analisa o homem a partir do ponto de vista dos que o cercam, cuidando dele, oprimindo-o ou por fim lendo suas obras, refletindo sobre elas e reconhecendo a enorme importância. Juntos, os três ensaios compõem um ser humano.
Resta, assim, perguntar por que um século depois da publicação da grande obra de Lima Barreto, ela merecidamente acaba recebendo uma atenção muito superior à da maioria de seus contemporâneos. Se dá para enxergar com imensa alegria um conjunto de três ensaios como esse, que formam um homem por inteiro,