A voz do empregado brasileiro: uma análise da intenção de vozear em empresas privadas de grande porte
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Pré-visualização do livro
A voz do empregado brasileiro - Michele Ruzon Kassem
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I – A HISTÓRIA E O CONCEITO DE VOZ
COMO A PRÁTICA DA VOZ SE DESENVOLVEU
O surgimento das relações de emprego
Regulamentando as relações
Indo além do feijão com arroz
A busca por flexibilidade
O paradigma individual
A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO ACADÊMICO DE VOZ
Tipos de voz
Voz, autonomia e participação
CAPÍTULO II – FATORES DE INFLUÊNCIA SOBRE A DECISÃO DE VOZEAR
A TEORIA DO COMPORTAMENTO PLANEJADO
Atitude sobre a voz
Normas subjetivas: abertura para vozear
Percepção de controle: oportunidades para vozear
FATORES DEMOGRÁFICOS
CAPÍTULO III – VOZ NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO BRASILEIRAS
PERFIL DEMOGRÁFICO
ANTECEDENTES DA INTENÇÃO DE VOZEAR
Comprometidos, não importa os mecanismos de voz
A relevância do perfil do gestor
O impacto positiva da política de portas-abertas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
LIMITAÇÕES DO ESTUDO
AGRADECIMENTOS
APÊNDICE – DETALHAMENTO DA METODOLOGIA DE PESQUISA
PROCEDIMENTOS DE VALIDADE E CONFIABILIDADE
REFERÊNCIAS
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
INTRODUÇÃO
O conceito de voz é um antigo conhecido do senso comum brasileiro, como demonstram os ditos populares. Há tempos, afirma-se que a voz do povo é a voz de Deus
, que "quem tem boca vai à Roma" e que quem não chora, não mama
. Sem questionar suas origens ou possíveis variações ao longo do tempo, é possível reconhecer nesses ditos uma concepção favorável ao ato de um sujeito expressar suas vontades e opiniões, sendo uma forma de buscar o atendimento das necessidades de um grupo (povo
) ou um instrumento para alcançar objetivos individuais (ir à Roma
). Todavia, a cultura popular brasileira também alerta dos perigos associados à voz, afinal, quem diz verdades, perde amizades
e a palavra é de prata, mas o silêncio é de ouro
.
Pesquisas acadêmicas internacionais sobre a voz do trabalhador adotam uma concepção semelhante à do senso comum brasileiro: a voz é vista como uma ação que permite alcançar resultados positivos, tanto para o trabalhador quanto para a organização em que trabalha; mas que se apresenta inerentemente arriscada, isto é, que pode acarretar consequências negativas para quem vozeia. Sobre os resultados positivos, há uma lista extensa incluindo desde melhor desempenho de seus empregados, maior percepção de justiça organizacional, maior nível de criatividade e inovação do grupo, maior qualidade das decisões organizacionais, menor rotatividade organizacional, maior aprendizagem organizacional e melhores resultados organizacionais, entre outros¹. Por outro lado, a lista também é extensa para as consequências individuais negativas², visto que trabalhadores que vozeiam podem, por exemplo, ter suas avaliações formais de desempenho reduzidas³ e suas oportunidades de carreira limitadas⁴ quando não houver abertura ou aceitação do comportamento. Essa dualidade torna a voz em um fenômeno intrigante: será ela de fato desejada (e respeitada) pelas organizações? Como encorajar os empregados a vozear quando isso está associado a tantos riscos à carreira dos indivíduos?
Este tema tem mobilizado diversos pesquisadores ao redor do globo, porém, ainda tem sido pouco explorado no Brasil. O florescimento deste campo pode ser observado na evolução do número de artigos publicados no portal Web of Science, considerado uma das bases mais vastas de revistas avaliadas por pares na área das ciências sociais⁵. A Figura 1 apresenta o histórico de publicações, considerando o resultado da pesquisa utilizando-se do termo de pesquisa "voice" em tópico (título, resumo ou palavra-chave), na categoria Management, e após análise dos resumos disponíveis para verificação do conteúdo dos artigos (apenas voz do trabalhador, desconsiderando artigos sobre voz de consumidores e demais atores organizacionais). Além do volume de publicações, pode-se destacar a relevância do campo de estudo sobre a voz dos trabalhadores com o surgimento de edições especiais de revistas internacionais, como na revista Journal of Management Studies (fator de impacto 3,962) em 2003, na International Journal of Human Resource Management (fator de impacto 1,650) em 2007 e na Human Resource Management (fator de impacto 1,817) em 2011; além da presença de artigos sobre voz dos trabalhadores entre os mais citados no campo de Business and Economics, segundo a classificação de Highly Cited Papers do portal Web of Science.
Figura 1 – Evolução histórica dos artigos publicados sobre voz do trabalhador
*2018: considera apenas os meses de janeiro e fevereiro
Enquanto isso, no Brasil, temos apenas cinco artigos publicados, e nenhum deles relacionado à voz do trabalhador no que tange à exposição de ideias e opiniões no ambiente de trabalho⁶. Essa lacuna não pode ser transposta simplesmente com a aplicação de resultados de pesquisas de outros países, pois aspectos institucionais (regulatórios, normativos e culturais) limitam a generalização das análises – é necessário o desenvolvimento de pesquisas sobre voz no contexto brasileiro.
Deve-se começar reconhecendo que o Brasil é caracterizado por uma economia de mercado distinta dos países do hemisfério norte, onde se concentram atualmente os estudos sobre voz. Enquanto os Estados Unidos da América e a Inglaterra são referências da economia de mercado liberal (EML), e Alemanha e França exemplificam a economia de mercado coordenado (EMC)⁷, os países latino-americanos demonstram uma economia de mercado hierárquico (EMH), marcada pela concentração do controle de empresas em grupos familiares com negócios diversos, a forte presença de multinacionais e as relações de emprego atomísticas, com alta rotatividade, baixa qualificação profissional e baixa representação sindical⁸.
As EML têm baixa rigidez nas relações de emprego, o que significa maior facilidade na adoção de contratos de trabalho alternativos, como temporário ou de escala parcial, menores custos de hora extra e de demissão, e menor complexidade dos procedimentos de demissão. Essas economias também têm um baixo índice de relevância das relações coletivas, que mede o poder atribuído legalmente aos sindicatos e a extensão das disputas coletivas⁹. Nelas, observa-se a predominância do exercício individual de voz¹⁰. Por outro lado, nas EMC, a rigidez nas relações de emprego e a relevância das relações coletivas são maiores, o que tende a incentivar métodos de trabalho mais tradicionais e impor restrições ao exercício da voz individual¹⁰. Isto significa que existe uma relação inversamente proporcional entre o interesse das organizações sobre a voz individual e o índice de relevância das relações coletivas, que retrata a força da voz coletiva, além de observar-se nessas economias uma relação positiva entre rigidez nas relações de emprego e a relevância das relações coletivas. Nas EMH encontramos um contexto bem distinto. Aqui, temos uma significativa rigidez nas relações de emprego, tal qual Bélgica, Holanda e França, e uma baixa relevância das relações coletivas, aproximando-se de EUA e Inglaterra⁹. Então, como será o exercício da voz individual do trabalhador brasileiro? Precisamos investigar.
Neste contexto, encontra-se esta pesquisa. Buscou-se analisar a voz dos empregados brasileiros a partir da perspectiva individual, considerando a intenção de vozear, e verificar fatores antecedentes já identificados na literatura internacional (características pessoais e fatores organizacionais), identificando particularidades do cenário brasileiro. Para tal, recorreu-se à Teoria do Comportamento Planejado¹¹ e avaliou-se a percepção de 36.695 trabalhadores empregados formalmente em empresas privadas de grande porte no Brasil no ano de 2014. Antes de apresentar os resultados, faz-se um caminho teórico, narrando a evolução da prática e do conceito de voz (Capítulo I). Na sequência, explora-se as pesquisas de voz relacionadas à Teoria do Comportamento Planejado, levantando-se hipóteses sobre sua aplicação na realidade brasileira (Capítulo II). No Capítulo III, constam os dados e as análises decorrentes. Por fim, aspectos metodológicos são apresentados no apêndice desta obra.
CAPÍTULO I – A HISTÓRIA E O CONCEITO DE VOZ
COMO A PRÁTICA DA VOZ SE DESENVOLVEU
Compreender o que é voz do trabalhador está cada vez mais difícil, pois o contexto das relações de trabalho no mundo vem passando por grandes mudanças. Por exemplo, os avanços tecnológicos permitiram o surgimento dos modelos de negócio baseados em plataformas, como os aplicativos de transporte e de entrega de refeições, que têm por objetivo conectar dois ou mais grupos de pessoas. Nestes modelos, os conceitos de fornecedor, trabalhador e consumidor se misturam e se intercambiam com frequência. Sem uma clara definição das fronteiras organizacionais, perdem-se as referências de quem é o empregador e de quem é o empregado, e torna-se um grande desafio identificar e exercitar a voz¹. Mesmo nos contextos mais tradicionais, onde o trabalho ainda é realizado em um ambiente físico delimitado e sob orientações de um gerente formal, as mudanças das relações de trabalho criam expectativas contraditórias sobre a voz dos trabalhadores: enquanto mecanismos coletivos estão perdendo espaço (o declínio da densidade sindical em diversos países ilustra essa situação²); existe um crescente interesse organizacional sobre a voz individual de seus trabalhadores, atualmente percebida como uma ferramenta potente para obter agilidade organizacional³ e maiores níveis de inovação⁴.
Desta forma, é preciso recuperar a história da voz dos trabalhadores e descrever as condições em que ela ocorre, ou seja, os sistemas de relação de emprego, para começar a iluminar o cenário atual e debater tendências. Seguindo o exercício realizado por Kaufman⁵ de narrar a evolução institucional da voz no Reino Unido e nos Estados Unidos da América, este capítulo apresenta uma análise histórica e internacional, de modo a permitir