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Administradores de Sociedades Anônimas
Administradores de Sociedades Anônimas
Administradores de Sociedades Anônimas
E-book401 páginas5 horas

Administradores de Sociedades Anônimas

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Sobre este e-book

A proeminência econômico-social do poder dos administradores nas sociedades anônimas tem provocado não raros conflitos entre o próprio administrador e a companhia. Controvérsias como vício na aceitação das funções, suspensão do contrato de trabalho durante a gestão, remuneração do administrador para o exercício do cargo, exceptio non adimpleti contractus, responsabilidade frente à companhia, interesses perseguidos pelo gestor e a possibilidade de destituição do administrador eleito por quórum especial repercutem diretamente no desempenho das funções do administrador e afetam o desenvolvimento da atividade social. Essas questões fundamentais, embora ainda não definitivamente solucionadas, possuem mesmo ponto de partida: a natureza jurídica da relação entre o administrador e a sociedade anônima.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento13 de mai. de 2019
ISBN9788584930371
Administradores de Sociedades Anônimas

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    Administradores de Sociedades Anônimas - Marcelo Barbosa Sacramone

    Administradores de

    Sociedades Anônimas

    RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE O ADMINISTRADOR E A SOCIEDADE

    2015

    Marcelo Barbosa Sacramone

    logoalmedina

    ADMINISTRADORES DE SOCIEDADES ANÔNIMAS

    RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE O ADMINISTRADOR E A SOCIEDADE

    © Almedina,2015

    AUTOR: Marcelo Barbosa Sacramone

    DIAGRAMAÇÃO: Edições Almedina, S.A.

    DESIGN DE CAPA: FBA.

    ISBN: 978-858-49-3037-1

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)


    Sacramone, Marcelo Barbosa

    Administradores de sociedades anônimas:

    relação jurídica entre o administrador e a sociedade / Marcelo Barbosa Sacramone. -

    São Paulo : Almedina, 2014.

    ISBN 978-858-49-3037-1

    1. Responsabilidade (Direito) 2. Sociedades

    anônimas - Administração 3. Sociedades anônimas -

    Leis e legislação – Brasil I. Título.

    14-12702                               CDU-347.725:347.51(81)


    Índices para catálogo sistemático:

    1. Brasil : Sociedades anônimas :

    Administradores : Responsabilidade civil : Direito 347.725:347.51(81)

    Este livro segue as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro, protegido por copyright, pode ser reproduzida, armazenada ou transmitida de alguma forma ou por algum meio, seja eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópia, gravação ou qualquer sistema de armazenagem de informações, sem a permissão expressa e por escrito da editora.

    Janeiro,2015

    Editora: Almedina Brasil

    Rua José Maria Lisboa, 860, Conj.131 e 132, Jardim Paulista | 01423-001 São Paulo | Brasil

    editora@almedina.com.br

    www.almedina.com.br

    AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais, exemplos de retidão pessoal e profissional, pela força nos momentos de angústia e pela compreensão nos de dificuldade.

    Ao Professor Doutor Marcos Paulo de Almeida Salles, pelo entusiasmo contagiante no desempenho da docência e pelos incentivos, confiança e contribuições durante todos esses anos de orientação.

    A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a realização desta tese.

    NOTA DO AUTOR

    A presente obra foi apresentada, em 2012, como tese ao Departamento de Direito Comercial da Universidade de São Paulo.

    Como requisito para a obtenção do título de Doutor em Direito Comercial, a tese era intitulada, originariamente, como ato de preenchimento de órgão de administração e tinha como subtítulo natureza jurídica da relação entre o administrador e a sociedade anônima.

    A busca pela conceituação da natureza jurídica da relação entre o administrador e a sociedade, entretanto, exigiu que os diversos elementos característicos tanto do contrato de administração de sociedade como propriamente da função desempenhada pelo administrador fossem perscrutados.

    A profundidade desse seu objeto permitiu à obra não se restringir aos bancos acadêmicos, mas a se apresentar como possível alternativa à persecução das soluções aos problemas práticos vivenciados pelos diversos profissionais frente à dinâmica da atividade administrativa de uma companhia.

    A despeito da alteração do título, mais condizente com o enfoque mais pragmático buscado nessa nova fase, procurou-se manter a obra o mais próxima da versão submetida à banca composta pelos Drs. Marcos Paulo de Almeida Salles, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, Jairo Saddi, Renan Lotufo e José Alexandre Tavares Guerreiro e que permitiu a concessão do título ao autor. Incorporaram-se apenas as sugestões realizadas pelos eminentes juristas para o aprimoramento da obra, a qual submeto às críticas dos leitores.

    INTRODUÇÃO

    Após a Segunda Grande Guerra Mundial, o papel da Grande Empresa passou a ser crescente na vida econômica moderna.

    A evolução da tecnologia acompanhou a revolução dos meios de produção. A exigência de produção em série para conquistar um mercado já não mais limitado pelas fronteiras nacionais, de ganhos de escala frente à concorrência, de grande necessidade de pesquisa e inovação científica alteraram os meios de produção até então vigentes e alçaram a Grande Empresa como protagonista de um novo contexto econômico que se revelava.

    Mas não somente no campo econômico. A internacionalização do capital e a dispersão dos meios de produção aumentaram a influência da Grande Empresa no campo político-social, já que o bem estar da população, quer em razão da disposição de insumos e produtos, quer pelos empregos gerados, passou a ser cada vez mais condicionado ao desenvolvimento da atividade da companhia¹.

    A Grande Empresa encontrou na Sociedade Anônima sua forma ideal. A limitação de responsabilidade dos sócios e a liquidez proporcionada pela livre cessão da participação social, nessa forma societária, permitiam a mobilização dos recursos vultosos necessários ao desenvolvimento da empresa.

    A ampla dispersão acionária e a alteração do perfil do acionista, este muito mais interessado na obtenção de dividendos que na condução da atividade social, geraram a separação da propriedade e do poder dentro da companhia². O fenômeno foi acentuado com a crescente demanda por informações especializadas e a exigência de decisões cada vez mais céleres na condução da atividade da sociedade, que provocaram o predomínio da tecnoestrutura³ sobre o conjunto dos fatores de produção e ascenderam os administradores ao cume do poder⁴.

    A proeminência econômico-social do poder dos administradores nas sociedades anônimas tem motivado numerosos estudos jurídicos para a sua devida compreensão, notadamente diante dos conflitos não raros entre o próprio administrador e a companhia. O ponto de partida de todas essas análises, a natureza jurídica da relação entre o administrador e a sociedade anônima, todavia, não tem merecido igual destaque pela doutrina, o que contrasta com sua relevância teórica e prática.

    No âmbito doutrinário, sobre o tema, têm sido sustentadas correntes contrapostas. A diversidade de concepções não se restringe sequer às diferenças entre eventuais tipos contratuais, em que os contratos de mandato, de trabalho e de prestação de serviço são exemplos, mas versa sobre a própria existência do negócio jurídico bilateral, com a defesa de uma natureza unilateral, bilateral, plurilateral ou dúplice do ato de preenchimento da função de administrador.

    A controvérsia doutrinária pátria, que já seria suficiente a exigir um tratamento sistematizado do tema, alcança maior importância, ainda, diante de posições da doutrina estrangeira, que, embora consolidadas, como na França e na Alemanha, são totalmente divergentes entre si. Enquanto na França predomina a teoria do mandato, na Alemanha vigora a teoria dúplice da nomeação e do contrato de emprego.

    No campo prático, a compreensão da natureza jurídica da relação entre o administrador e a sociedade é relevante para a solução de diversos problemas. Dentre esses, podem ser apontados os efeitos de um vício na declaração de aceitação sobre a nomeação do administrador, à suspensão do contrato de trabalho durante a gestão, à remuneração dos administradores, à possibilidade de alegação da exceptio non adimpleti contractus, a responsabilidade frente à companhia, os interesses perseguidos pelo administrador eleito e a possibilidade de destituição do administrador eleito por quórum especial.

    A importância do ato de preenchimento de órgão na sociedade anônima exige, assim, uma abordagem pormenorizada, com a compreensão das diversas teorias e a relevância de cada qual na legislação dos países que influenciaram a criação da estrutura administrativa das sociedades anônimas brasileiras.

    Embora o estudo das posições estrangeiras seja primordial, as particularidades do ordenamento nacional exigem a análise sistemática da legislação, com o cotejamento dos diversos institutos para a busca de uma definição que se pretende precisa.

    Neste particular, procurar-se-á evitar a alteração do objeto de estudo na tentativa de, ainda que deformado, enquadrá-lo em uma das estruturas doutrinárias tradicionais. Não se olvidarão esforços, tampouco, para evitar a pretensão de criar um novo instituto, cujo amparo nos modelos até então vigentes seria plenamente possível, o que acarretaria elaboração de definição insignificante e o comprometimento da própria ideia de sistema.

    -

    ¹ A Grande Empresa apresentou-se como novo centro de poder e alterou drasticamente o próprio conceito de Estado, cuja soberania absoluta é comprometida diante da impossibilidade de organização dos fatores de produção e de discricionariedade de tomada de decisões frente aos imperativos de um capital não limitado mais às fronteiras do país (O. IANNI, Teorias da globalização, 8a ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000, p. 59).

    ² A. A. BERLE e G. C. MEANS, A moderna sociedade anônima e a propriedade privada (trad. Dinah de Abreu Azevedo), 1ª ed., São Paulo, Editor Victor Civita, 1984.

    ³ J. K. GALBRAITH. O novo estado industrial , Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, p. 96.

    ⁴ A nova importância alcançada pelos administradores dentro da companhia foi denominada por J. BURNHAM de managerial revolution e provocou a ruptura do binômio poder-risco, na medida em que a dispersão acionária diluiu o controle societário e permitiu o governo da companhia a gestores não proprietários (J. BURNHAM, The managerial revolution, New York, Penguin, 1941). Conforme ressalta L. MENGONI, il potere economico collegato alla grande impresa moderna tende a configurarsi come prerogativa di un ufficio, cioè a burocratizzarsi, contribuendo così a determinare quell’aspetto dell’evoluzione sociale in atto, per cui all’antica struttura di classe viene sostituendosi una nuova gerarchia autoritaria di natura burocratica (L. MENGONI, Recenti mutamenti nella struttura e nella gerarchia dell’impresa, in Rivista delle Società, Milano, Giuffrè, 1958, p. 692). Cf. G. FERRI, Potere e responsabilità nell’evoluzione della società per azioni, in Rivista delle Società, Milano, Giuffrè, 1956.

    Capítulo I

    Administradores de Sociedades Anônimas

    1. A incompletude do contrato social

    Para se tentar apreender a natureza jurídica da relação entre a administração e a sociedade, imprescindível delimitar o conceito utilizado de administração pela legislação pátria⁵.

    Historicamente, o surgimento da sociedade foi motivado como meio de suprir a deficiência de um indivíduo, impossibilitado de realizar somente com os seus próprios recursos todas as atividades necessárias para alcançar um determinado objetivo.

    Nestes termos, as sociedades medievais italianas eram baseadas no vínculo sangüíneo e no domus, "entre os membros da mesma família, in domo sua, entre os que sentavam ao redor da mesma mesa e comiam do mesmo pão, homines in una domo qui comedunt eundem panem, de onde a companhia"⁶. Diante da indivisibilidade dos bens hereditários, a sociedade era o modo dos herdeiros prosseguirem com a exploração em comum dos negócios do de cujus⁷.

    A partir do ano 1000, com o fim das invasões bárbaras, o vínculo volitivo sucedeu, historicamente, o sanguíneo. A formação das societates, conjurationes ou fraternitates deixou de ser fundamentada na indivisibilidade do patrimônio familiar e passou a ser decorrente da persecução de uma utilidade comum nos atos dos diversos membros⁸. A comunhão de esforços e recursos entre os diversos agentes permitir-lhes-ia obter a satisfação de uma necessidade que, isoladamente, não conseguiriam alcançar.

    Essa concepção histórica da sociedade, baseada na carência do indivíduo, alijado dos recursos a satisfazer suas necessidades, foi aprimorada pela teoria econômica. Para esta, a sociedade surgiria como modo de os diversos agentes organizarem uma atividade para reduzir ‘custos de transação’, como tais o esforço ou despesa para realizar uma determinada operação sob o mecanismo de preço no mercado. Em ordem a realizar uma transação de mercado, é necessário descobrir com quem se deseja contratar, informar pessoas que se deseja contratar e em que termos, conduzir negociações dirigidas a obter uma barganha, redigir o contrato, executar a inspeção necessária para certificar que os termos do contrato estão sendo observados⁹, o que gera uma redução do valor total do benefício auferido com a contratação.

    Para R. COASE, a sociedade surgiria da situação em que contratos de termos muito curtos seriam insatisfatórios, pois a empresa prolongada exigiria diversas contratações ao longo de todo o seu desenvolvimento e, em consequência destas, maiores custos seriam gerados diante das incertezas dos futuros contratos¹⁰. A sociedade seria uma forma de reduzir tais custos de transação; maximizaria a utilidade individual de cada agente pela internalização do fator de produção na sociedade e pela submissão deste às direções e ao poder autoritário e organizador do empregador¹¹.

    O ato que internaliza esse fator de produção e forma a sociedade é caracterizado como contrato de organização¹². Este é o celebrado por duas ou mais partes, as quais assumem obrigações em favor de uma organização.

    Embora contrato, a contração de direitos e obrigações entre as partes não se faz como tipicamente num contrato de troca. No contrato de organização, o efeito principal produzido não é a relação direito subjetivo/obrigação, em que os contratantes reciprocamente transfeririam direitos e obrigações, de modo que a utilidade perseguida deva ser realizada por um das partes em benefício da outra. Nesse, os direitos subjetivos e as obrigações atribuídas são dependentes da organização criada, cuja preponderância caracteriza referido contrato e o distingue dos demais¹³.

    Procura-se, com o contrato de organização, a coordenação da influência recíproca entre diversos fatos, de modo que se organize o desenvolvimento de uma atividade para a persecução de um escopo comum. Esta característica foi denominada como função instrumental do contrato plurilateral de organização por T. ASCARELLI e foi, ainda que ao afastar a aplicação da teoria do contrato plurilateral, enfatizada por P. FERRO-LUZZI em sua definição de contrato associativo¹⁴.

    Para T. ASCARELLI, esse contrato não se satisfaz com a prestação das partes, como ocorre tipicamente nos contratos de permuta, porém exige o desenvolvimento de uma atividade ulterior para a persecução do interesse dos contratantes¹⁵. Para P. FERRO-LUZZI, é justamente a criação da organização, entendida como forma iuris na qual o contrato modela e regulamenta a atividade, a essência do contrato de associação¹⁶.

    Como contrato de execução continuada e de longa duração, é custoso prever todas as situações futuras que interferirão na atividade ulterior a ser desenvolvida e poderão influenciar na distribuição de direitos e obrigações entre os diversos contratantes. Isso porque entre partes contratantes há assimetria informacional. Embora as partes sejam formalmente iguais, detêm maior ou menor informação sobre a atividade contratada, o que garante uma posição privilegiada ao mais informado, em detrimento do menos informado. Como consequência, a necessidade de garantir-se exige maior esforço e custo, os quais são, ainda, potencializados conforme a maior duração do contrato e de sua execução¹⁷.

    De modo a reduzir tais custos, os contratantes podem deixar propositadamente vagos determinados eventos, sem a previsão exaustiva de todas as situações futuras que poderão alterar os direitos e obrigações decorrentes do contrato, quando tais custos foram extremamente elevados.

    Notadamente nas sociedades, cujo mercado de disponibilização de produtos ou serviços é cada vez mais célere e dinâmico, é custosa aos sócios, no momento da contratação, a previsão de todas as contingências futuras ou sua precificação. O ato constitutivo da sociedade, nesse ponto, deliberadamente não prevê todas e quaisquer mudanças no ‘estado da natureza’, como eventos futuros que possam afetar as prestações das partes contratantes¹⁸. É um contrato tipicamente incompleto e que necessita ser integrado diante de eventos posteriores.

    Para que as lacunas sejam preenchidas e seja permitido o regular desenvolvimento da sociedade, a Lei e o contrato plurilateral prevêem regras que organizam a posição das pessoas no grupo e estabelecem funções a serem por elas desempenhadas para possibilitar tanto as ulteriores especificações contratuais quanto suas efetivações no caso concreto.

    Para tanto, independentemente da aquisição posterior da personalidade jurídica, o contrato de organização e a Lei estabelecem modos de integração do contrato e regulam a atribuição de poderes a sócio membro ou ao grupo de sócios para vincularem o patrimônio social, inclusive mediante deliberações por maioria¹⁹.

    1.1 A integração do contrato social e a personalidade jurídica

    A integração do contrato de sociedade é diversa conforme a sociedade tenha adquirido ou não a personalidade jurídica.

    Na sociedade com personalidade jurídica, a integração do contrato é feita por centros institucionais de poder. A pessoa jurídica seria incapaz, por si só, de satisfazer o interesse para o qual foi criada e incapaz de avaliar o comportamento necessário à satisfação de uma necessidade não especificada no ato constitutivo diante de uma contingência fática surgida²⁰.

    O ente coletivo precisa de centros institucionalizados de poder para formar sua vontade e manifestá-la perante terceiros²¹; centros institucionalizados de poder que completam o contrato de organização diante do surgimento da contingência futura impossível, ou demasiadamente custosa, para os sócios contratantes a terem previsto.

    Para SANTI ROMANO, também nas sociedades sem personalidade jurídica a integração do contrato de organização seria realizada mediante a constituição de verdadeiros órgãos. Segundo o autor, ainda que não sejam pessoas, alguns entes são constituídos de modo a possuírem uma vontade própria, formada e manifestada por órgãos próprios ²².

    Nessa concepção, a unidade do ente resultaria não da personalidade jurídica, que lhe faltaria, mas da organização concebida pelos atos constitutivos. Diante dessa organização, seria possível que entes destituídos da capacidade de serem titulares de direitos e sujeitos de obrigações possuíssem vontade própria. Nessa hipótese, a vontade manifestada não seria a dos membros integrantes, mas do próprio ente, que agiria e manifestaria sua vontade por meio de órgãos sociais²³.

    Esta posição defendida por S. ROMANO e que sustenta a existência de órgãos, ainda que em entes sem personalidade jurídica, não pode ser aceita sem críticas.

    Como analisaremos no segundo capítulo, o ordenamento jurídico pátrio não adotou a teoria da realidade objetiva da pessoa jurídica. A celebração do contrato entre os sócios para o desenvolvimento de uma atividade para a persecução de um fim comum não é suficiente à caracterização de um organismo social, a que o direito deve simplesmente reconhecer a personalidade jurídica.

    Conforme art. 45, do Código Civil, a sociedade cujos atos constitutivos não estiverem inscritos no registro competente não se personifica. Ainda que seus membros estejam organizados para o desenvolvimento da atividade, a sociedade não adquire personalidade e não se caracteriza como centro autônomo de imputação das relações jurídicas.

    A personalidade jurídica é justamente essa aptidão para o ente ser sujeito de direitos²⁴. À míngua da personalidade jurídica, a sociedade em comum não pode ser titular de direitos ou sujeita de obrigações²⁵.

    A inexistência de um novo sujeito de direitos não significa que a sociedade despersonificada não gere efeitos. O contrato social produz efeitos em relação aos sócios, que podem ser obrigados pela atividade desenvolvida, bem como são titulares dos direitos dela decorrentes. Produz efeitos também em relação a eventuais terceiros, os quais podem executar os bens dos sócios vinculados à atividade para a satisfação de seus créditos, além de, subsidiariamente, poderem executar os demais bens dos sócios contratantes.

    Por meio do contrato de organização, forma-se um patrimônio especial, apartado do patrimônio geral dos contratantes, e vinculado à atividade a ser desenvolvida. Referido patrimônio concentra, em si, o ativo e o passivo emergentes do complexo de relações jurídicas necessárias à satisfação desse fim²⁶. É o que resulta da redação do art. 988, do Código Civil, que estabelece que os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial, a ponto de os credores sociais somente poderem executar os demais bens particulares dos sócios após executados os bens sociais.

    Embora exista patrimônio especial vinculado à atividade social, é apenas com a aquisição da personalidade jurídica que os patrimônios individuais separados dos sócios se desprendem da titularidade destes e passam a constituir um patrimônio autônomo sob a titularidade de um novo ente. Antes da aquisição da personalidade, a titularidade dos direitos e a sujeição às obrigações componentes deste patrimônio são da pluralidade dos sócios membros e não de um ente coletivo diverso. É o grupo de contratantes que se obriga perante terceiros, assim como é a pluralidade a titular dos bens vinculados à atividade a ser desenvolvida²⁷.

    O sócio que, conforme o contrato de organização, vincular os bens sociais e contrair obrigações ou direitos não age como órgão de um ente coletivo. Embora qualquer dos sócios possa vincular os bens sociais por atos de gestão, ou seja, pela prática de atos a desenvolverem a atividade pretendida para alcançar um objetivo comum, conforme artigo 989, do Código Civil, este sócio não age na qualidade de administrador de um sujeito coletivo, não o faz presente, mas representa a pluralidade dos sócios contratantes.

    Não obsta o raciocínio acima o art. 12, do Código de Processo Civil, que, em seu inciso VII, determina que serão representados em juízo, ativa e passivamente, as sociedades sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração de seus bens. Tampouco seu parágrafo segundo, ao prever que as sociedades sem personalidade jurídica, quando demandadas, não poderão opor irregularidade de sua constituição.

    A despeito de não possuírem personalidade jurídica, as sociedades em comum possuem personalidade judiciária ou capacidade de ser parte. O Código de Processo Civil atribuiu capacidade para os entes despersonalizados figurarem como parte ativa ou passiva em um processo ²⁸. A justificativa é a conveniência de unificação de interesses em um único sujeito processual para a postulação e defesa em Juízo.

    Como parte processual, as sociedades sem personalidade jurídica serão representadas pela pessoa a quem couber a administração dos seus bens (art. 12, VII, do Código de Processo Civil). Em análise conjunta dos artigos 986 e 1.013, do Código Civil, a representação competirá a qualquer dos sócios, desde que não disponha em contrário o contrato social.

    Ainda que represente a sociedade em Juízo, referido sócio não poderá ser considerado órgão social. Esse administrador não exprime uma vontade imputável a um ente coletivo, pois este ente apenas é unificado processualmente para facilitar a defesa dos interesses de seus integrantes. Ao atuar, o administrador age em nome e por conta dos titulares de direitos, sócios contratantes da sociedade despersonalizada, os quais são por este representados. No processo, apenas, essa pluralidade será unificada.

    Logo, ao contrário das sociedades personificadas, não há a criação de um órgão que administre ou delibere pela sociedade sem personalidade jurídica. A integração do contrato de sociedade é realizada pelos próprios contratantes, quer mediante a outorga de poderes de representação a determinada pessoa para que aja no interesse e por conta dos contratantes, quer através da estipulação de regras para a vinculação de todos à deliberação da maioria.

    2. Os centros institucionalizados de poder

    Nas pessoas jurídicas, a estrutura dos inúmeros agrupamentos de poder não foi criada de modo uníssono pelos diversos ordenamentos jurídicos, mas foi condicionada historicamente pelo interesse dominante a ser protegido e pela busca de especialização de funções.

    2.1 Evolução histórica

    Com a sucessão do vínculo sanguíneo pelo volitivo, a sociedade foi estruturada nos mesmos princípios consuetudinários vigentes até então²⁹, embora a responsabilização dos membros não mais fosse decorrente da indivisibilidade do patrimônio familiar e sim da utilidade comum a que eram endereçados os atos dos diversos membros³⁰.

    Nesse contexto histórico, o vínculo associativo era integrado por deliberação de todos os sócios membros que dividiam o mesmo teto ou freqüentavam a mesma oficina, e cada qual tinha poderes para dirigir e obrigar o patrimônio comum, poiché tutti hanno um diritto reale sul patrimônio comune e s’arricchiscono direttamente delle prestazioni rese a vantaggio dell’ente³¹.

    A distribuição de poderes de administração entre todos os integrantes, concebida nas sociedades antigas italianas, foi consagrada pelo ordenamento jurídico a alguns tipos societários. O Código Comercial de 1850, ao regular a sociedade em nome coletivo, atribuiu o poder de governar a atividade da companhia aos sócios-gerentes, os quais eram nomeados pelo contrato social ou, na omissão deste, atribuía-se a todos os sócios igual direito de usar da firma social (art. 316).

    A disposição de função administrativa a todos os sócios era também assegurada pelo artigo 13, do Decreto 3.708/19. Nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada, a utilização da firma cabia ao sócio gerente. Na omissão do contrato social sobre a sua nomeação, os poderes de representação eram atribuídos a todos os sócios.

    Atualmente, o Código Civil garante, no art. 1.013, caput, em disposição referente às sociedades simples e, portanto, norma geral aplicável às demais sociedades, que a administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios. O regulamento, todavia, não se aplica à sociedade limitada, cuja disposição específica, artigo 1.060, determina que a sociedade será administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado e, na hipótese de o contrato estabelecer que a administração é atribuída a todos os sócios, esta não se estende aos que ingressarem posteriormente na sociedade.

    Não obstante, a evolução da estrutura administrativa para compreender todos os membros não se fez da mesma forma nas sociedades anônimas.

    De origem bem mais recente, os precedentes das sociedades anônimas podem ser encontrados em empresas moageiras francesas do fim do século XII, nas associações mineiras germânicas e italianas do século XIII, e nas sociedades de armadores tanto do Mediterrâneo quanto dos Mares do Norte da Europa³². O instituto mais antigo, em que todos os doutrinadores são de acordo em encontrar a estrutura da sociedade anônima, é o Banco de San Giorgio, constituído em Gênova em 1407 ³³.

    Na Renascença, os portadores de títulos da dívida pública, facilmente circuláveis, freqüentemente se reuniam para obter a administração ou a propriedade de bens destinados a garantir seus créditos. Os títulos continuavam, formalmente, a ser títulos obrigacionais, mas, em substância, passavam a representar títulos de participação da gestão dos bens que, administrados pelos próprios credores, os garantiam. Eram, por isso, substancialmente, títulos de participação numa gestão comercial e industrial, mas com responsabilidade limitada dos participantes³⁴. O Banco de San Giorgio é um dos exemplos dessa associação formada.

    A estrutura administrativa do referido Banco foi criada pelos próprios credores, os quais estabeleceram núcleos de poder e de administração. Para tanto, os poderes de controle e de regulamentação foram atribuídos a um conselho, cujos membros eram renovados todo ano, metade por sorteio e metade por eleição pelos sorteados. O conselho era composto por somente 480 acionistas, os quais deveriam possuir ao menos 10 ações, constituindo o germe de uma assembleia geral. A administração era atribuída a oito ‘protetores’, que deveriam possuir ao menos 100 ações cada, e que eram eleitos anualmente pelos acionistas³⁵.

    A disseminação das sociedades anônimas, todavia, somente realizou-se após a consagração do instituto com as Companhias coloniais dos séculos XVII e XVIII, notadamente com a Companhia Holandesa das Índias Orientais, fundada em 1602, e com a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, fundada em 1621.

    O Estado, enfraquecido no período, necessitava socorrer-se dos recursos da pungente classe burguesa para obter os vultosos capitais necessários para empreender a exploração de novas terras. As companhias fundamentavam-se, assim, num ato soberano do governo, que concedia privilégios e monopólios, não somente de aspectos comerciais, mas também políticos³⁶. Seu capital era fixo e dividido em parcelas de iguais valores, as ações, livremente circuláveis, e que garantiam a partilha dos lucros e dos riscos nas mesmas condições. De modo a assegurar os participantes e facilitar a captação, foi garantida a responsabilidade limitada ao montante das ações subscritas.

    No âmbito administrativo, as companhias holandesas foram estruturadas com a criação de uma assembleia geral, com competência para tratar de todos os negócios da companhia, e de diretores, com mandatos fixos³⁷. Segundo W. M. FERREIRA, na Companhia das Índias Ocidentais, "dotou-se a sociedade de organismo específico, acomodado, de resto, com as contingências políticas locais dos diversos Estados Unidos dos Países Baixos, pela criação de seis Câmaras, entre eles distribuídas sob a égide da de Amsterdã, tendo como órgão superior o conselho dos Dezessete Senhores (Heeren Seventien), órgão coletivo que superintendia e dirigia os negócios da companhia"³⁸. Fora estabelecido nesta, ainda, o conselho fiscal para a apuração das contas prestadas pelos diretores.

    A assembleia geral, nesse contexto, tinha diminuta importância e influência e, inicialmente, era composta exclusivamente por grandes acionistas, os quais não possuíam poderes de decisão. Somente ao longo do século seus poderes se alargaram e os acionistas passaram a influenciar a composição da administração e a alteração dos estatutos.

    As companhias coloniais, todavia, não estavam submetidas a uma disciplina geral, mas própria de cada qual. As companhias surgiram com individualidade e características próprias, fundamentadas, cada qual, em uma carta da autoridade pública, que as criava e determinava os direitos e obrigações³⁹.

    Disciplina geral somente foi estabelecida em 1807, pelo Código Comercial Francês. Embora pelo Código Napoleônico fosse ainda necessária a autorização governamental para a criação das sociedades, a autorização tinha caráter apenas administrativo, passando-se do sistema do privilégio para o sistema da concessão ou autorização, apesar de o Estado ainda possuir a faculdade de fiscalizar a atividade social⁴⁰ ⁴¹. Estabeleceu-se um regulamento geral para as sociedades anônimas, em que se assegurou que a sociedade seria gerida por mandatário com prazo fixo, com mandato revogável, acionista ou não, o qual não seria responsável senão pela execução do mandato recebido⁴².

    A Lei francesa de 1807, assim, foi a precursora de uma disciplina geral na criação de núcleos de poder nas sociedades anônimas. Por esta, foram atribuídos poderes a diretores, os quais não seriam todos os acionistas, na falta de estipulação contratual, como exposto para as

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