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Gestão de Documentos em Minas Gerais: experiências e perspectivas
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Gestão de Documentos em Minas Gerais: experiências e perspectivas
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Gestão de Documentos em Minas Gerais: experiências e perspectivas

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Sobre este e-book

Em 2021 faz 30 anos que a Lei de Arquivos foi promulgada. Suas normas instituíram a autoridade arquivística nacional, prevendo a criação do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), órgão que tem a função de formular a política nacional de arquivos, no âmbito do Sistema Nacional de Arquivos (SINAR). Em paralelo, as funções do Arquivo Nacional, instituição existente desde o século XIX, foram ressignificadas, atribuindo-se a esse órgão novas competências, como a de acompanhar e implementar a política nacional de arquivos. A essas inovações no âmbito federal, seguiram-se inovações nos âmbitos estadual e municipal, que também procuraram, embora nem sempre com êxito, instituir seus respectivos conselhos e sistemas arquivísticos.

O presente livro tem por objetivo oferecer ao leitor um balanço das iniciativas decorrentes dessas mudanças, tomando como exemplo o estado de Minas Gerais. Nessa unidade da federação constata-se, desde a década de 1990, a promulgação de leis a respeito das políticas públicas arquivísticas e respectivas diretrizes de implementação. As pesquisas apresentadas abordam diferentes instituições, quer no âmbito federal, estadual e municipal, dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Embora haja casos de sucesso em termos de implementação de políticas institucionais arquivísticas, a avaliação geral é que as determinações previstas nas normas que começaram a ser exaradas há três décadas ainda enfrentam muitas dificuldades de efetivação.

As razões desse fracasso são complexas, cabendo destacar a dificuldade de o Arquivo Nacional se ajustar ao que está previsto na Lei de Arquivos, como autoridade arquivística, tanto pela ausência de representações regionais desse órgão, como por uma arquitetura institucional que acaba restringindo seu campo de ação ao Poder Executivo Federal. Outros fatores não menos importantes para se compreender as dificuldades de implementação das leis arquivísticas dizem respeito à incompreensão dos gestores públicos frente às inovações avançadas por esses dispositivos legais.

Uma das rupturas mais significativas da legislação arquivística contemporânea diz respeito aos acréscimos de novas funções e competências aos arquivos públicos. Além de se constituírem como instituições de custódia de fundos arquivísticos de órgãos públicos, na esfera de poder a que estão vinculados, espera-se atualmente que os arquivos públicos também formulem e coordenem programas de gestão de documentos.

Essa última iniciativa implica que os arquivos públicos sejam reconhecidos como autoridade arquivística dos órgãos da administração direta e indireta, velando pela competente produção, classificação e avaliação dos documentos analógicos e digitais dessas instituições.

Portanto, no contexto de promulgação da legislação em questão, os arquivos públicos se tornam instituições híbridas, desempenhando as ancestrais funções culturais e científicas a eles atribuídas, somadas às novas funções como agentes ativos de busca da eficiência e transparência da administração pública.

Eis, em poucas palavras, o objetivo deste livro: revelar como, por meio da gestão de documentos e do acesso às informações neles contidas, os serviços arquivísticos são pilares da democracia e da cidadania.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de abr. de 2022
ISBN9786589011361
Gestão de Documentos em Minas Gerais: experiências e perspectivas

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    Pré-visualização do livro

    Gestão de Documentos em Minas Gerais - Fino Traço Editora

    Introdução

    Renato Pinto Venancio

    No Brasil predomina, ainda hoje, uma visão da Arquivologia voltada exclusivamente para tratamento técnico de conjuntos documentais recolhidos em arquivos públicos, onde são preservados e disponibilizados ao acesso. A não ser entre especialistas, ainda pouco se conhece a respeito das inovações na gestão de documentos, ou seja, enquanto os documentos cumprem a função primária para as quais foram criados, antes de serem encaminhados a arquivos públicos. A boa gestão de documentos raramente tem sido reconhecida como a base do acesso eficaz à informação, garantindo eficiência administrativa e controle da sociedade em relação às decisões dos agentes públicos. Pouca também tem sido a atenção dispensada aos avanços teóricos da Arquivologia referentes ao tratamento dos documentos nascidos em ambiente eletrônico. Tais avanços procuram garantir a autenticidade desses documentos e sua eventual preservação como registros da memória da sociedade.

    O presente livro tem por objetivo contribuir para suprir tais deficiências, apresentando resultados de pesquisas relativas a Minas Gerais, a respeito de instituições federais, estaduais e municipais. No capítulo de abertura, Lidiany Silva Barbosa torna compreensível um dos pré-requisitos das inovações arquivísticas contemporâneas. Essa autora mostra reformas políticas implementadas a partir da década de 1930, quando as estruturas administrativas estaduais mineiras sofreram mudanças e tornaram-se mais complexas. A adoção do novo modelo administrativo decorria do diagnóstico de que este Estado enfrentava progressivo declínio econômico. O desenvolvimentismo foi uma reação a essa situação, estimulando a criação de setores públicos de planejamento e de fomento da atividade econômica, sendo também responsável pela constituição de nova infraestrutura regional. Essas iniciativas são pioneiras, embora também condicionadas por mudanças que estavam ocorrendo no âmbito federal.

    O capítulo seguinte, de autoria de Ivana Parrela e Maria Juliana Nunes da Silva descortina os efeitos da modernização administrativa em Minas Gerais. São identificados os procedimentos de recolhimento de fundos e coleções ao Arquivo Público Mineiro-APM, que começam em 1895 e declinam em fins da década de 1930. Embora a aquisição desses conjuntos não deixe de ocorrer no APM, eles se tornam cada vez mais raros. As razões desse declínio são complexas. Uma delas decorre da incapacidade de o APM lidar com as grandes massas documentais acumuladas em consequência da nova administração pública.

    O terceiro capítulo, escrito por Giseli Milani Santiago Balbino, focaliza os esforços de modernização do Arquivo Público Mineiro. A expansão das massas documentais acumuladas, decorrente da ampliação das estruturas administrativas estaduais, exigiu inovações. Em 1994 é criada a Diretoria de Gestão de Documentos do APM. Em ١٩٩٨, refletindo a promulgação da Lei Federal de Arquivos (Lei n°. 8.159/91), que previa o Sistema Nacional de Arquivos-SINAR e o Conselho Nacional de Arquivos-CONARQ, Minas Gerais instituiu o Sistema Estadual de Arquivos-SEA, cujo órgão central é o Conselho Estadual de Arquivos-CEA. Um segundo esforço de modernização diz respeito à gestão dos documentos digitais. Conforme sublinhado pela autora, a adoção do Sistema Eletrônico de Informações-SEI, por parte da administração estadual de Minas Gerais, apresenta problemas por incorporar acriticamente tipologias documentais da administração federal, além de desconsiderar inúmeros requisitos do e-ARQ Brasil, sancionado pela autoridade arquivística nacional.

    O texto seguinte, de autoria de Sheila Margareth Teixeira Adão, avalia a situação arquivística brasileira em 2011, no âmbito da 1ª Conferência Nacional de Arquivos-CNARQ, que teve participação ativa de Minas Gerais. A autora discorre sobre concepções de política pública arquivística e enumera as diretrizes aprovadas nesse evento. Embora reconhecendo avanços desde a década de 1990, a CNARQ constata a necessidade de inúmeras atualizações institucionais, sendo que uma delas diz respeito ao SINAR. Tal sistema, previsto na Lei Federal de Arquivos, determina que cabe ao Arquivo Nacional

    implementar e acompanhar a política nacional de arquivos, definida pelo Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ, por meio da gestão, do recolhimento, do tratamento técnico, da preservação e da divulgação do patrimônio documental do País.¹ (Grifo nosso)

    Uma lacuna, ainda hoje em aberto, diz respeito ao modo pelo qual essa implementação e esse acompanhamento deveriam ser realizados no âmbito do País. A Conferência do Sudeste do 1ª CNARQ, por isso mesmo, recomendou a criação de uma Coordenação de Implementação do Sistema Nacional de Arquivos- SINAR, iniciativa recentemente implementada, mas restrita à administração pública federal.²

    O quinto capítulo, elaborado por Mariana Batista do Nascimento e Izabela Mirna Pinto Maluf, proporciona ao leitor uma melhor compreensão do processo de elaboração dos instrumentos de gestão de documentos. Tais instrumentos foram desenvolvidos nos Estados Unidos, em meados do século XX. Embora rudimentos de classificação e de avaliação de documentos existissem antes, foi o advento do records management que as sistematizou, voltando-as para o desafio de tratar e racionalizar a destinação do crescente volume documental acumulado por instituições públicas e privadas. Essa metodologia rapidamente universalizou-se. Diferentes países a aprimoraram, como no caso da Austrália, cuja proposta de gestão de documentos foi incorporada em norma ISO (International Standards Organization), sendo fonte de inspiração do programa proposto pelo APM à administração pública estadual. A análise avançada neste capítulo permite ao leitor não-especializado perceber os desafios das instituições arquivísticas contemporâneas. Além de custodiar, organizar e promover acesso a fundos e coleções, o APM também desempenha, ou deveria desempenhar, um papel sistêmico na administração pública, implementando a gestão de documentos. Os governantes estaduais, entretanto, não alcançaram compreender essa função, o que se evidencia pela vinculação da instituição arquivística à Secretaria Estadual de Cultura ou, mais recentemente, à Secretaria de Turismo. A falta de apoio do governo estadual ao APM tem efeitos negativos, levando à constituição de gigantescas massas documentais acumuladas e não avaliadas. Tais massas têm sido mantidas em depósitos terceirizados, acarretando o desperdício de milhões de reais anuais aos cofres públicos, além de comprometer seriamente a preservação dos documentos de guarda permanente.

    O sexto capítulo, de autoria de Cíntia Aparecida Chagas, identifica o instrumento de avaliação de documentos, desenvolvido pelo Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte-APCBH, instituição criada em 1991, em obediência à legislação brasileira, segundo a qual os municípios são entes da federação e, portanto, devem instituir arquivos públicos. Nesse texto são mapeadas as fontes teóricas da avaliação arquivística e são avançadas propostas de aprimoramento dela no âmbito municipal. Cabe destacar, em relação a Minas Gerais, a excepcionalidade do APCBH. De acordo com cadastros do CONARQ e do APM, até 2020, apenas 101, dos 853 municípios mineiros existentes, instituíram seus respectivos arquivos públicos.³ Parece haver problemas estruturais que impedem a generalização de tais instituições, como, por exemplo, a existência de centenas de micro municípios em Minas Gerais, cuja população não alcança a casa dos cinco mil ou dez mil habitantes.⁴

    O capítulo seguinte, de Bruno Gomes da Silveira aponta os desafios da preservação digital, tomando como objeto de análise os processos eletrônicos da justiça do trabalho de Minas Gerais. No caso dos documentos gerados em novos suportes tecnológicos, a gestão de documentos, conforme mostra o autor, é pré-condição para a preservação digital. Trata-se de uma dimensão que envolve complexos procedimentos. Em relação a esse texto, cabe acrescentar que, na década de ١٩٩٠, quando os documentos digitais começaram a se generalizar, questionou-se a respeito da possibilidade de se manter sua natureza probatória. Afinal, os documentos digitais não têm um contexto de produção muito bem definido. Diferentemente dos registros analógicos, seu conteúdo, estrutura e forma não são intrinsecamente vinculados, sendo mantidos de forma distinta da que se apresentam em uma tela de computador. Quando salvamos documentos digitais, nós os reduzimos a seus elementos formadores e, quando o recuperamos, recuperamos esses elementos, criando assim uma cópia.⁵ Nesse novo contexto, como seria possível haver documentos autênticos? Na referida década, especulou-se em que medida, na ausência desse requisito, a informação substituiria o documento, tornando-se o objeto central da Arquivologia. Porém, tais questionamentos dissiparam-se em razão do projeto InterPares (International Research on Permanent Authentic Records in Electronic Systems), desenvolvido inicialmente no âmbito de instituições do Canadá, posteriormente encampado por diversos outros países, inclusive o Brasil, e com o aval do Conselho Internacional de Arquivos (International Council on Archives).⁶

    O oitavo capítulo, elaborado por Welder Antônio Silva e Nilson Vidal Prata, revela o quanto são temerárias as generalizações apressadas. Embora os programas de gestão de documentos enfrentem dificuldades para ser implantados em Minas Gerais, não se pode deixar de nomear instituições que conseguiram efetivá-los com sucesso. Nesse rol, a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais é um exemplo a ser destacado. Na última década, essa instituição formulou e implementou uma política de arquivos, iniciativa que viabilizou a gestão de documentos. É importante conhecer esse tipo de experiência e compreender os motivos de seu sucesso. No texto em questão, os autores detalham as etapas e os instrumentos do trabalho desenvolvidos, servindo de inspiração para outras instituições. A leitura desse texto também mostra que, além de dever contar com profissionais capacitados, infraestrutura e recursos orçamentários, é necessário que o programa de gestão de documentos esteja integrado ao planejamento estratégico da instituição.

    O capítulo nono, de autoria de Ana Lúcia da Silva do Carmo, analisa os métodos de arquivamento existentes antes da implementação de políticas arquivísticas institucionais. Embora a justiça do trabalho de Minas Gerais tenha sido iniciada em 1941, a implementação da gestão de documentos nessa instituição dependeu de mudanças relativamente recentes, operadas a partir de 2000 e consolidadas em 2008 pelo Programa Nacional de Gestão Documental e Memória (PRONAME). Esse programa foi concebido sob orientação do CONARQ e com aval do Conselho Nacional de Justiça. Através da reconstituição histórica, a autora recupera informações sobre a estrutura da instituição estudada, identificando os setores de protocolo e de arquivo, assim como diferentes aspectos dos serviços arquivísticos por eles implementados ao longo do tempo.

    O capítulo décimo, de autoria de Ney Lúcio da Silva e Adalson de Oliveira Nascimento, focaliza a história das políticas arquivísticas (ou ausência delas) no Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET-MG). Essa instituição foi criada em 1910, contando, portanto, com mais de um século de existência, sendo atualmente um órgão da administração indireta do Ministério da Educação. Os fatos relatados servem para ilustrar os efeitos da não aplicação efetiva da legislação arquivística. Instituições federais, como o CEFET-MG, deveriam estar integradas ao Sistema Nacional de Arquivos - SINAR, em conformidade com a Lei n° 8.159/91, que também prevê o recolhimento de documentação de guarda permanente dessas instituições ao Arquivo Nacional, que é a autoridade arquivística da administração federal. Tal determinação, porém, é irrealista, além de contrariar o princípio da territorialidade, que prevê a permanência do fundo arquivístico na região que lhe deu origem. Para superar esses problemas, seria necessário levar em conta uma dimensão prevista na Lei de Arquivos, mas não efetivada. De acordo com essa norma, o Arquivo Nacional, sediado no Rio de Janeiro, pode instituir representações regionais. Isso, porém, ocorre apenas em Brasília, sendo que essa representação não serve de exemplo, por ter sido criada em período anterior à promulgação da referida lei. A ausência dessas representações compromete a implementação da política arquivística, além de ser uma manifestação de irracionalidade econômica, na medida que obriga cada órgão público federal a constituir infraestrutura arquivística própria, a saber, local de guarda, mobiliário, estruturas de acesso e recursos humanos para o tratamento técnico do acervo.

    O último capítulo complementa os temas até aqui discutidos. Thaís Nodare de Oliveira trata dos centros de memória, generalizados a partir da década de 1970, em razão da ampliação da noção de patrimônio documental. Diante da fragilidade da institucionalização de manifestações da cultura popular e de movimentos sociais, justificou-se a criação de centros de memória que formavam coleções de entrevistas e de documentos em geral. Contudo, tais procedimentos são ineficientes quando aplicados a instituições com estruturas administrativas complexas, que produzem quantidades imensas de registros de suas atividades, como as Instituições Federais de Ensino Superior-IFES. Os centros de memória, nesse contexto, são iniciativas que deveriam ficar restritas à dimensão museológica, pois não representam solução em termos de políticas arquivísticas. Tais centros não são aptos para implantar e coordenar programas de gestão de documentos. Ainda que muito eficientes, conseguem apenas fazer o resgate e o tratamento arquivístico de séries documentais que, sob critérios subjetivos, foram consideradas relevantes.

    Buscando sintetizar as contribuições do presente volume, podemos afirmar que, após três décadas de implementação da Lei Federal de Arquivos e de suas equivalentes estaduais e municipais, o balanço dos resultados alcançados é passível de críticas. Tal situação tende a se agravar em razão da transição acelerada para estruturas administrativas baseadas em documentos arquivísticos gerados em meio eletrônico. Há uma noção ingênua de que, após essa mudança, a importância dos arquivos públicos diminuirá em razão da regularização da custódia descentralizada, realizada pelos próprios produtores. Trata-se, conforme os estudos deste livro mostram, de uma interpretação equivocada. Mesmo admitindo que os arquivos públicos deixem progressivamente de ter a função custodiadora, isso está longe de significar que essas instituições perderão a importância. De fato, é exatamente o contrário que ocorrerá.⁷ Na administração sem papel, os arquivos públicos, mais do que nunca, terão de assumir crescentes funções normativas e fiscalizadoras, sob o risco, caso isso não ocorra, de as gerações futuras não compreenderem e perdoarem o descaso atual em relação à preservação, para a posteridade, dos registros da memória da sociedade.

    Outra contribuição das pesquisas divulgadas no presente livro é chamar a atenção para a necessidade de se criar canais de troca de experiências relativas a programas de gestão de documentos. Conforme o leitor perceberá ao longo dos capítulos, todas as instituições aqui estudadas, tanto em nível federal, quanto estadual e municipal, estão localizadas na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Surpreendentemente, porém, não há nenhuma interação entre elas. Uma forma de superar essa situação poderia se dar por meio da criação de um SINAR-regional, visando estimular, através de plataformas digitais acessíveis via Internet, a interação de órgãos locais vinculados aos sistemas arquivísticos dos vários níveis, a saber, sistemas arquivísticos de nível federal (SIGA), sistemas arquivísticos dos níveis estadual e municipal, assim como os sistemas estaduais de arquivo do legislativo e do judiciário.

    Por fim, mas não menos importante, cabe justificar a seleção de autores deste volume. Para tanto, é necessário esclarecer que o presente livro constitui um produto do projeto Gestão de documentos na administração pública do Estado de Minas Gerais, financiado no âmbito da Bolsa Produtividade do CNPq 1D (Processo Número 304573/2016-7). A seleção dos autores decorre de sua participação no âmbito do referido projeto, como coautores ou orientandos de pós-graduação. Esse critério procura, dessa forma, mostrar a importância das instituições de fomento científico, não só no desenvolvimento de pesquisas específicas, como também na formação ou aprimoramento de pesquisadores.


    1. BRASIL. Arquivo Nacional. Siga. Disponível em: http://siga.arquivonacional.gov.br/index.php/arquivo-nacional#:~:text=Tem%20por%20finalidade%20implementar%20e,informa%C3%A7%C3%A3o%2C%20visando%20apoiar%20as%20decis%C3%B5es Acesso em: 06 fev. 2021.

    2. BRASIL. Presidência da República Casa Civil. Decreto nº 10.148, de 2 de dezembro de 2019, Institui a Comissão de Coordenação do Sistema de Gestão de Documentos e Arquivos da administração pública federal, dispõe sobre a Comissão Permanente de Avaliação de Documentos, as Subcomissões de Coordenação do Sistema de Gestão de Documentos e Arquivos da Administração Pública Federal e o Conselho Nacional de Arquivos, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D10148.htm .Acesso em: ٢٨ mar. ٢٠٢١.

    3. BRASIL. Ministério da Justiça. CONARQ - Conselho Nacional de Arquivos. Cadastro Nacional de Entidades Custodiadoras de Acervos Arquivísticos. Disponível em: https://www.gov.br/conarq/pt-br/servicos-1/consulta-as-entidadescustodiadoras-de-acervos-arquivisticos-cadastradas Acesso em: 10 fev. 2021; MINAS GERAIS. Arquivo Público Mineiro. Arquivos Municipais. Disponível em:

    http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/municipal/destaque.php Acesso em: 10 fev. 2021.

    4. BRASIL. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Minas Gerais. Disponível em:

    https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/panorama Acesso em: 10 fev. 2021.

    5. DURANTI, Luciana, THIBODEAU, Kenneth The Concept of record in interactive, experiential and dynamic environments: the view of InterPARES. Archival Sciences, v. 6, 2006, 13–68.

    6. ICA - International Council on Archives. Disponível em: https://www.ica.org/en/search/site/InterPares Acesso em: 10 fev. 2021.

    7. FISHER, Robert. Acquisition. In: DURANTI, Luciana; FRANKS, Patricia C. Encyclopedia of archival science. Maryland: Rowman & Littlefield, 2015, p. 5-8; SILVA, Margareth. O arquivo e o lugar: custódia arquivística e a responsabilidade pela proteção aos arquivos. Niterói: Eduff, 2016, p. 241.

    Parte I - Políticas Públicas e Gestão de Documentos

    Capítulo 1

    A construção da estrutura administrativa de Minas Gerais: o ciclo desenvolvimentista como pressuposto do aumento da produção documental, 1930-1980

    Lidiany Silva Barbosa (UFMG)

    Sem um programa de trabalho que vise ao progresso econômico e social, não poderá um governo administrar os negócios públicos, nem atender os legítimos reclamos de um povo.

    (Plano de Recuperação Econômica e Fomento da Produção, 1947:7)

    A gestão de documentos é o campo da Arquivologia desenvolvido em resposta ao crescimento das estruturas administrativas públicas. Até aproximadamente à década de 1930, era possível preservar o conjunto da produção documental, pois seu crescimento era em pequena escala, tendo em vista que as funções do Estado eram reduzidas. Essas funções consistiam, basicamente, em velar pela segurança pública e pelo respeito aos contratos, não existindo a figura do Estado planejador ou do Estado empresário, produtor de insumos e de matérias-primas, tal como existirá à medida que o projeto desenvolvimentista é implementado.

    O presente capítulo analisa o crescimento das estruturas administrativas estaduais de Minas Gerais no contexto do desenvolvimentismo. O crescimento dessas estruturas ampliou a produção documental, tornando necessário o desenvolvimento de políticas arquivística de gestão de documentos.

    Desenvolvimento regional e institucionalidade

    O pioneiro desenvolvimentismo mineiro remonta ao final do século XIX, e resultou da percepção das elites mineiras frente ao processo de perda de substância do estado em relação a São Paulo e Rio de Janeiro. A contrapartida das elites modernas de Minas Gerais foi a mobilização constante, tanto na concepção quanto na consecução de políticas públicas de promoção do desenvolvimento regional. No transcurso do século XX, a percepção do atraso se consolidou, ganhando elaboração crescente, enquanto a ação intervencionista das elites se alterou, ora privilegiando o setor agrícola, ora o industrial, mas mantendo o papel do Estado como promotor do desenvolvimento (Dulci, 1999). Por esses atributos, o desenvolvimentismo mineiro desdobrou-se, crescentemente, em estrutura administrativa ampliada, voltada para a elaboração e operacionalização das políticas econômicas de desenvolvimento regional.

    O objetivo desta pesquisa é apresentar um panorama da contrapartida institucional dos projetos de desenvolvimento regional de Minas Gerais, entre as décadas de 1930 e 1970. Tais projetos conformaram uma espécie de matriz de pensamento, progressivamente mais elaborada teórica e metodologicamente, incorporando novos atores no debate e se refletindo na administração pública estadual. Mesmo que a mobilização das elites mineiras para resolver o problema do atraso do estado seja anterior a 1930, a análise parte do momento em que o governo estadual iniciou mudanças na administração pública, preparando-a para atuar na promoção do desenvolvimento. O período da análise se encerra na primeira metade da década de 1970, momento em que a matriz do desenvolvimentismo mineiro alcançou seu auge, perpassando toda a estrutura administrativa estadual.

    A Revolução de 1930 é marco para estudar a questão proposta, já que foi ponto de ruptura da ordem constitucional orientada pelo liberalismo político e econômico da Primeira República e de partida para a construção de Estado burguês (Ianni, 2009). Da mesma forma, na administração pública se processou ruptura com o federalismo descentralizado da República Velha, com consequente centralização político-administrativa e construção de aparelho econômico de Estado moderno (Draibe, 2004).

    Entre 1930-1980, o Estado passou a contemplar, de forma integrada, as relações entre as suas duas funções essenciais, a de agente centralizador das decisões de política econômica e a de agente político per se, responsável por um sistema de dominação e peça central de uma estrutura de poder. Na economia, entre 1930 e 1980, no Brasil estava em curso a segunda e principal fase do processo de industrialização realizado sob o modelo da substituição de importações, alternando duas tendências de política econômica, uma de que se valeu de estratégia de desenvolvimento nacionalista e, a outra, de estratégia de desenvolvimento associado (Ianni, 2009). Assim, nesse período, progressivamente, se tornou hegemônica a ideia da necessidade de coordenação do desenvolvimento econômico. Tal visão se refletiu no reformismo administrativo do período e que incorporou o planejamento como diretriz das atividades administrativas.

    Os primeiros movimentos da institucionalidade desenvolvimentista, 1930-1950

    O planejamento é um instrumento de política econômica estatal que passou a fazer parte da realidade brasileira durante a Segunda Guerra Mundial (Ianni, 2009: 51), e que alcançou seu auge na década de 1970 (Rezende, 2010). Em Minas Gerais, o planejamento foi precocemente introduzido, no final da década de 1940, consolidando-se, nos anos seguintes, como o meio, por excelência, de promover o desenvolvimento regional. É importante atentar que até se afirmar como instrumento inconteste de intervenção, no Brasil e em Minas Gerais, há um processo em que o planejamento foi, gradualmente, conquistando adeptos e espaço na burocracia estatal.

    Otávio Ianni destaca que no planejamento as relações entre o poder público e as atividades econômicas se alteram, já que esse instrumental demanda um Estado que intervém ativamente na economia (Ianni, 2009: 54). No Brasil, o Estado intervencionista emerge no pós-1930, quando Getúlio Vargas alterou o pacto federativo e promoveu centralização político-administrativa, por meio da implantação do sistema de interventorias e de ampla reforma na administração pública. Os esforços reformistas da administração resultaram, em 1938, na criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), órgão federal diretamente subordinado à Presidência da República, responsável pela racionalização administrativa e que terá longa existência (Wharlich, 1983). Neste contexto, foi gerada uma burocracia que, concomitantemente, voltava-se para o desenvolvimento e, institucionalmente, se orientava pelo mérito e universalismo, sendo a primeira capaz de produzir políticas públicas em maior escala (Abrucio, et. al., 2010: 36).

    Um ano após a criação do DASP foi lançado o Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional¹, primeiro esforço de planejamento no Brasil e que tinha como objetivo: implantar indústrias que utilizassem os recursos naturais do Brasil; expandir e aprimorar a infraestrutura de transportes e comunicações; e promover a defesa nacional e da ordem interna (Rezende, 2010: 49).

    Em Minas Gerais, as mudanças na configuração do Estado começaram após a indicação de Benedito Valadares para o cargo de governador (1933-1945), dando partida à ação centralizadora da interventoria no estado. Com Valadares se iniciou a estabilização político-administrativa e financeira, que abriu a oportunidade de reconfiguração das relações entre o Estado e as atividades econômicas. Até a década de 1940, o Governo Valadares optou pela diversificação agrícola como meio de reverter o atraso econômico de Minas Gerais. Mas a partir de 1941 a expansão industrial entrou para a agenda governamental (Dulci, 1999: 72/73).

    Na esfera da administração pública, o ponto de inflexão ocorreu em 1935, quando Israel Pinheiro, filho do político republicano João Pinheiro e graduado em Engenharia pela Escola de Minas de Ouro Preto, foi convidado para comandar a Secretaria de Agricultura, Viação e Obras Públicas (SAVOP)². Ele desmembrou o setor de obras públicas desse órgão³ e, em seguida, restabeleceu a Secretaria de Viação e Obras Públicas (SVOP) no organograma estadual. A diferenciação organizacional das secretarias estaduais representa mudança não só por conferir maior especialização e autonomia administrativa, mas, sobretudo, pelo fato de esses novos órgãos passarem a atuar sob os cânones da promoção do desenvolvimento regional. Assim, a partir de então, a Secretaria de Agricultura passou a ser o núcleo de elaboração de estudos e políticas de desenvolvimento regional, função que, na prática, desempenhou até a década de 1950. Enquanto a SVOP atuou ligada politicamente à Secretaria de Agricultura, Indústria, Comércio e Trabalho (SAICT), executando as obras que ela planejava (Diniz, 1981). Outra mudança é a integração de engenheiros na matriz desenvolvimentista mineira, levando para a burocracia estadual a competência técnica. Esses profissionais passam a atuar em funções de direção política, de assessoria e de criação de novas instituições. Assim, neste período, se estabeleceu em Minas Gerais uma combinação que, nas décadas seguintes, se mostrará essencial para a consolidação do planejamento econômico: o uso da estrutura organizacional do Estado para a promoção do desenvolvimento regional, sob a direção de elite técnica.

    Quando Eurico Gaspar Dutra se elegeu presidente (1946-1951), estavam em curso no Brasil mudanças políticas decorrentes do fim da Era Vargas e dos impactos econômicos da II Guerra mundial. O Governo Dutra se orientou pelo liberalismo, reduzindo a atuação centralizada e coordenada do Estado na economia, bem como a capacidade de iniciativa da burocracia econômica. Segundo Sônia Draibe, essa forma de atuar significou a redução, e não a ruptura, da tendência centralizadora e intervencionista iniciada na década de 1930 (Draibe, 2004: 124). Essa continuidade também é percebida na política econômica do Governo, que se valeu da estratégia de desenvolvimento associado (Ianni, 2009), e no lançamento, em 1950, do Plano Salte (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia), que tentou coordenar e centralizar os projetos do Governo Federal. Também foi constituída a Comissão Brasileiro-Americana de Estudos Econômicos (Missão Abbink), que reuniu vários técnicos e elaborou um estudo final denominado Relatório Abbink, que tinha o objetivo de orientar a tomada de decisões relativas ao investimento direto e ao financiamento de projetos de investimento privado (Fernandes et. al, 2017: 16).

    Neste período ocorreram mudanças importantes para a institucionalização do planejamento no Brasil. Assim, na década de 1940 foram criados os primeiros cursos superiores de Economia, formando uma nova categoria profissional que se juntará à elite político-administrativa. Esses profissionais levaram, para o debate do planejamento econômico, instrumental teórico-metodológico distinto e que se tornará progressivamente hegemônico (Loureiro, 1992). Outra mudança é a fundação da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL⁴), em 1948, no Chile, que será responsável por elaborar corpo analítico específico, aplicável às condições históricas próprias da periferia latino-americana (Bielschowsky, 2000: 16). A matriz de pensamento cepalina passou a influenciar decisivamente o debate econômico, inclusive aquele que era ensinado nos cursos de Economia. Seguindo a tendência nacional, em 1940, foi criada em Belo Horizonte a

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