Autismo: Entender é a chave para amar e ajudar
De Josi Boccoli
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Autismo - Josi Boccoli
PARTE 1
Uma realidade diferente
Capítulo 1
Sinais de alerta!
Quando o Gabriel tinha de 3 para 4 anos, foram os piores meses de nossas vidas, pois, além de tudo o que já mencionei, começaram as crises noturnas. Após dormir por três horas, ele se levantava gritando, chorando e acordando toda a vizinhança. Era como se estivesse tendo um terrível pesadelo, porém de olhos abertos. Nada o fazia despertar e muito menos se acalmar, nós tentamos de tudo: orar, abraçar, conversar, tentar acordá-lo, molhar o rosto dele, dar banho, repreender, dar água, ligar a TV, tocar uma música, passear de carro, ligar brinquedos que tinham luzes e sons, cantar, chamar para jogar bola, gritar e chorar junto, mas, normalmente, se sentar no chão e esperar passar até que ele dormisse novamente era sempre o que nos restava.
Meus vizinhos chegaram a pensar em chamar a polícia, pois queriam saber que mal fazíamos a ele todas as noites.
Voltávamos a dormir e, de repente... outra vez o grito, o susto, o pular da cama e sair correndo. Havia dias em que acordávamos com esses gritos três, quatro, cinco vezes na mesma noite. O sol nascia e lá estávamos nós, eu e o Gustavo, como zumbis no quarto do Gabi, olhando um para o outro sem saber mais o que fazer. Quando passávamos três noites seguidas desta forma, o corpo já não aguentava mais.
Passei a viver como o meu filho, acordando tarde e tirando cochilos pelo resto do dia, sem horário certo para as refeições e despertando com os seus berros no meio da noite. Acabamos nos mudando para uma casa onde havia um quarto isolado e lá eu dormia com o Gabi nos dias que antecediam os jogos do Gustavo, para que ele pudesse descansar e estar bem para desenvolver o seu trabalho. Posso resumir essa fase em duas palavras: exaustão e estresse. Só não nos tornamos escravos dessa rotina graças à nossa fé. Falarei mais sobre isso no decorrer dos próximos capítulos.
Enfim, tudo foi se tornando difícil de fazer na companhia do Gabi.
Tarde no parque
Uma tarde o levei ao parquinho próximo de casa. Havia mais crianças brincando e ele interagiu bem com elas. Havia três escorregadores diferentes e elas ficaram ali, escorregando por um bom tempo, até que os pais as chamaram para irem embora e elas desceram, nos deram tchau e foram embora. Aproveitei, chamei o Gabi e fiquei ali parada esperando que ele descesse, mas ele não descia!
Chamei várias vezes, ofereci chocolate, ofereci recompensa, prometi levá-lo a outro lugar, ameacei ir embora e nada. Saí andando e me escondi, na tentativa de ele sentir medo de ficar sozinho e descer, mas nem isso adiantou! Anoiteceu e nós ainda estávamos lá no parque: eu embaixo, e o Gabi lá em cima. Eu me sentei e pensei: E agora?
Meu marido estava fora do país a trabalho e eu estava sozinha. Comecei a chorar e pedi ajuda a Deus. Esperei por um bom tempo e, de repente, quando já era tarde da noite, sem mais nem menos, ele desceu, olhou para mim e disse:
—Tô com fome!
Foi como se nada tivesse acontecido e eu estivesse ficado sentada ali até aquele momento, esperando alegre e confortavelmente, sem tê-lo chamado nem uma vez sequer.
Haviam se passado cinco horas e confesso que fiquei com muita bronca dele. Voltei para casa brigando, reclamando e tentando entender por que ele fez isso comigo, me deixando lá chamando e esperando, no frio da noite, e ter descido só porque sentiu fome e não porque eu o havia chamado... O Gabi ouvia tudo, se agitando mais a cada palavra minha, até que começou o choro e, depois, os gritos e os berros, a ponto de ele se jogar no chão e ficar se debatendo.
Eu não o entendia e hoje tenho consciência de que só agravei o seu estado com as minhas reações erradas.
A mesma situação se repetiu diversas vezes em quadras, quando eu o levava para jogar futebol e ele não queria ir embora. Deixei de levá-lo à quadra por não saber como tirá-lo de lá depois.
Passear no shopping
Toda criança gosta de ir ao shopping, mas o Gabi não gostava. Entrávamos e ele já ficava pulando de um banco para o outro no corredor, o que me fazia segurá-lo para ficar quieto, pois todos ficavam olhando. Quanto mais eu o segurava, mais ele se agitava.
Bastava um simples descuido meu ao olhar uma vitrine e ele já sumia. Foram inúmeras as vezes em que eu o procurei como doida nas lojas e, quando o encontrava, já com o coração a mil, ele estava naqueles brinquedos bem coloridos e barulhentos de colocar moedas ou em frente a alguma televisão vendo futebol. Algumas vezes, eu já chegava o abraçando, feliz por encontrá-lo e esperando receber o mesmo carinho, achando que ele também me procurava, mas não. Ele reclamava e dizia que eu o estava atrapalhando, sem ao menos se dar conta da minha ausência e de que estava perdido. Outras vezes, parei ao seu lado e ele nem percebeu que eu estava ali. Só depois de um tempo, ele me olhava e dizia:
— Vamos?
Festinha de aniversário
Era o aniversário de um dos seus melhores amiguinhos da escola. Compramos juntos o presente, nos arrumamos e, quando chegamos na tão esperada festinha... Opa! O Gabi empacou na porta. Ele simplesmente travou e não entrava na festa. O aniversariante veio até ele, pegou o presente, o chamou e nada! Os pais do amiguinho fizeram o mesmo e nada! Eu e o Gustavo tentamos convencê-lo e nada! Outros amiguinhos o chamavam e nada! Tentamos levá-lo no colo e nada! Pensamos em ir embora, mas ele não quis ir.
Por fim, colocamos duas cadeiras ao lado da porta, nos sentamos e ficamos ali contando para ele todas as brincadeiras que a animadora estava fazendo com os seus amiguinhos. Ele ia até a porta, olhava e voltava.
Os pais nos observavam. Alguns diziam que ele era muito bravinho e mimado, enquanto outros davam risada ou nos olhavam com pena. Como machuca esse olhar! Quanto nos constrange sentir esse julgamento de sermos péssimos pais
.
Quando a festa acabou e o salão já estava quase vazio, decidimos ir embora e, então, ele entrou. Olhou à volta, correu, comeu o que ainda tinha e brincou com o aniversariante alegremente, como se todos os amigos ainda estivessem lá.
A mesma situação já aconteceu em festas da escola. Em todas as apresentações, ele ficava com a cabeça dentro da minha blusa e não me deixava ir a lugar algum. Ah, que vontade de sumir! Sem contar a casa de parentes e amigos e até restaurantes, onde o Gabi passava todo o jantar sentado debaixo da mesa, gritando com qualquer pessoa que olhasse para ele.
Esses são apenas alguns momentos difíceis que passamos com o Gabi. Ficaria muito longo relatar todos aqui.
Porém, em conversa com uma psiquiatra, ela me disse que a maioria dos seus pacientes autistas acaba sendo isolada do mundo, pois os seus pais, cansados de passar vergonha ou de serem julgados, acabam optando por sair sem eles, como se isso resolvesse o problema. Eu lhe digo uma coisa: essa pode ser a saída mais fácil e mais desejada, pois você se livra da vergonha e, aparentemente, o protege
; porém, saiba que, fazendo isso, você estará condenando o seu filho à reclusão, ou melhor, a uma exclusão do mundo.
O futuro do seu filho está em suas mãos: ou ele terá uma vida integrada à sociedade, com direitos e deveres como qualquer outra pessoa, ou viverá num quarto fechado, entre quatro paredes, ancorado e preso dentro de si mesmo sem ao menos se entender. Faça a sua escolha.
Se a sua opção for ajudá-lo a sair do casulo e voar, então, estamos juntas! Creia que sim, que é possível mudar essa situação e ter o seu filho convivendo normalmente com outras pessoas como qualquer outra criança. Se eu consegui, você também consegue.
Nos próximos capítulos, vou lhe contar como conseguimos vencer juntos cada um dos problemas comportamentais de que falei; mas prepare-se, pois muitas mudanças virão — a começar por você!
Capítulo 2
Tipos de autismo
Segundo os médicos que acompanharam o Gabi, meu filho foi diagnosticado com um dos casos de Transtorno do Espectro Autista (TEA), distúrbio que engloba uma série de aspectos do desenvolvimento infantil e se manifesta em diferentes graus de acometimento; por isso, é chamado de espectro
.
O leque de diagnósticos do espectro autista é enorme, pois o transtorno pode apresentar características diferentes em cada caso. Não tem cara, não se vê na pele nem aparece em exames; é estritamente comportamental. Portanto, a avaliação é feita por meio de observação e deve incluir:
um histórico detalhado pelos pais;
avaliação de desenvolvimento psicológico;
avaliação de comunicação abrangente;
avaliação de habilidades ligadas às atividades da vida diária.
O Gabi fez exames de audição, visão, desenvolvimento cognitivo e motor, cariótipo com pesquisa de X frágil, eletroencefalograma (EEG) e ressonância magnética (RM). Em todos, o resultado foi normal.
Posso dizer que, atualmente (digo atualmente porque estamos em constante mudança e evolução), um diagnóstico de TEA engloba três quadros clínicos principais:
Autismo de alto funcionamento ou síndrome de Asperger: é considerado a forma mais leve entre todos os tipos, sem muito comprometimento motor ou dificuldade na fala. Crianças diagnosticadas com Asperger costumam ter uma inteligência acima da média, geralmente voltada para uma área específica.
Autismo invasivo do desenvolvimento: é a fase intermediária, já que ela é um pouco mais grave do que a síndrome de Asperger, porém não tão forte quanto o transtorno autista.
Autismo clássico ou transtorno autista: apresenta sintomas mais graves no desenvolvimento da fala e na interação social; identificado precocemente pela presença intensificada de comportamentos