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Reflexos Previdenciários do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo
Reflexos Previdenciários do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo
Reflexos Previdenciários do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo
E-book356 páginas4 horas

Reflexos Previdenciários do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo

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Sobre este e-book

A exploração do trabalho escravo, além de representar uma violação grave aos direitos humanos, traz sérias consequências sociais e econômicas, refletindo, também, no sistema previdenciário do país. Trabalhando sob condições precárias de higiene, saúde e segurança nos centros urbanos ou em áreas rurais, na busca por sobrevivência ou por uma vida melhor para si e para suas famílias, homens e mulheres se submetem a condições degradantes ou a jornadas extenuantes, em regime de servidão por dívidas ou de trabalhos forçados, em condições análogas à de escravo. Nesse contexto, o sistema de Seguridade Social, baseado no princípio da solidariedade, oferece meios de resgate da dignidade, por intermédio de medidas relacionadas à saúde, assistência e previdência. Enquanto as ações de saúde e assistência são ofertadas livremente a todas as pessoas, independentemente de sua contribuição financeira, a Previdência Social impõe o recolhimento de contributos para concessão de benefícios, lembrando que o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário depende, entre outros fatores, do regular aporte de verbas provenientes das contribuições sociais, de trabalhadores e empregadores, a partir do trabalho remunerado. Por meio de análises de informações estatísticas fornecidas por entidades governamentais, o enfoque dessa obra compreende os mecanismos legais relacionados à Previdência Social do trabalhador escravo e os reflexos previdenciários decorrentes dessa chaga.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento17 de mai. de 2022
ISBN9786525236124
Reflexos Previdenciários do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo

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    Reflexos Previdenciários do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo - Vanessa Vasconcelos

    1 A ERA LÍQUIDA DE ZYGMUNT BAUMAN E O TRABALHO HUMANO DIGNO

    A vida é um processo que, em tudo, consome a durabilidade, desgasta-a, fá-la desaparecer, até que a matéria morta, resultado de pequenos processos vitais, singulares e cíclicos, retorna ao círculo global e gigantesco da própria natureza, onde não existe começo nem fim e onde todas as coisas naturais circulam em imutável, infindável repetição.

    Hannah Arendt¹

    1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

    Na era pós-Revolução Industrial, o surgimento do capitalismo como sistema econômico, desenvolvido a partir do mercantilismo, alterou significantemente as relações sociais. O trabalho, em razão do processo de exploração opressora e desigual, foi, historicamente, equiparado a mercadoria.

    Assim, devido às condições fragilizadas de sobrevivência e de luta por vida digna, em face das ‘regras do jogo’ de troca competitiva capitalista², ao trabalhador, despossuído dos meios de produção, restou sujeitar-se, oferecendo seu labor por remuneração. Dessa forma, a aparente liberdade do trabalhador reside no discurso de que é juridicamente livre, embora sua liberdade de escolha esteja atrelada à necessidade.

    Nesse contexto, o homem se aparta do ser consciente de sua existência no mundo estruturado pela conjuntura social, política e econômica e se reduz a um ente coisificado se afastando da compreensão do humano.³

    A questão relacionada à exploração do trabalho humano de forma degradante transcende a mera distinção de seu conceito e toma proporções de essência transdisciplinar, de modo a exigir um diálogo entre campos do saber para sua completa abordagem.

    A despeito das digressões de Hannah Arendt sobre as distinções entre as expressões trabalho e labor (segundo a qual, derivadas, primordialmente, da longevidade da coisa produzida) – tema que permeia a obra da autora, importa reconhecer o que cada vez mais se destaca, que trabalho e consumo estão indissociavelmente ligados pois, a atividade que provê os meios de consumo é o labor e mais importante, a necessidade de subsistir comanda tanto o labor quanto o consumo⁴.

    Ainda assim, apesar de vivenciarmos um tempo em que homem e labor se confundem, a condição humana diz respeito à existência do ser que transcende a mera existência. A condição humana compreende algo mais que as condições nas quais a vida foi dada ao homem⁵.

    1.2 DIGNIDADE E TRABALHO NA ERA LÍQUIDA

    Nos dias atuais, a exploração do trabalho humano em situações de risco à saúde, ou à segurança, ou em desrespeito às condições de dignidade como, por exemplo, a inobservância de horário de repouso para descanso e alimentação, ausência de equipamentos ergonômicos ou descumprimento de normas que evitem a fadiga ou o estresse, mesmo ante a discrepância do pensamento civilizatório social, demonstram a complexidade das relações humanas sociais do nosso século, construídas a partir do antigo padrão entre os consumidores e as mercadorias⁶.

    Assim, a estruturação do sistema social e econômico, na sociedade pós-moderna capitalista, afasta do trabalhador os ideais de liberdade, dignidade e justiça, enquanto a força de trabalho humana indissociável se confunde com a pessoa, mercantilizando o indivíduo.

    Além disso, Leandro Cioffi, ao tratar da subordinação nas relações de produção, recorrendo às lições de Boaventura de Souza Santos sobre a estruturação da sociedade, menciona a respeito do poder do mercado, que ele se dá pelo consumismo e cultura das massas, ao tempo em que, para o mercado de trabalho, enquanto entendido como mercadoria:

    [...] o fetichismo do trabalho/mercadoria passa a ser limitado apenas à necessidade e utilidade a explorar/consumir, ou seja, o tomador de serviços só contratará força-de-trabalho limitadamente naquilo que realmente for necessário e útil, pois se assim não se comportar, estará agindo em desacordo com a lógica da produção, deixando de buscar a maximização dos lucros e a minimização dos custos, o que dificilmente ocorrerá em razão dos interesses egoísticos do indivíduo, que embora reserve seu papel de ser social, não deixa de ser individualista na busca de seus prazeres pessoais utilitaristas típicos do ser humano. Com isso, fortalece-se para manter-se competitivo em face das regras do jogo, isto é, do direito da troca, mas, especificamente tratando-se de mercado de trabalho, essa forma de direito [ao trabalho], inicialmente, é mantenedora de um fenômeno gerador de formas de poder manifestada por trocas desiguais entre tomador e prestador de serviços, onde este é oprimido a submeter-se às condições impostas por aquele, isto é, uma relação material de subordinação social oriunda a um direito fático-social garantindo o colonialismo e uma regulação omissa e em desacordo racional com a solidariedade.

    A evolução da indústria e da produção passa a exigir um mercado de consumo cativo em que os produtos têm sua durabilidade reduzida de forma programada e, na medida em que surgem novos produtos, são rapidamente descartados – comportamento que reverbera para as relações sociais, em uma sociedade cada vez mais consumista, em que tudo e todos são intercambiáveis e prescindíveis.

    O afastamento da condição humana levado a efeito pelo mercantilismo, que antes afligia o trabalhador, se intensifica com a liberalização dos mercados e da economia de suas amarras éticas, políticas e culturais, e com a flexibilização em prol da liberdade de escolha, que veio quebrar a rigidez do sistema anteriormente estabelecido. A durabilidade e segurança, assentadas na ordem e na solidariedade do coletivo, deram lugar à individualização e fluidificação das relações na sociedade de consumo contemporânea.

    Bobbio, em sua obra A era dos direitos, reconhece essa gradual e constante tendência a uma concepção individualista da sociedade, indo do reconhecimento dos direitos do cidadão de cada Estado até o reconhecimento dos direitos do cidadão do mundo, cujo primeiro anúncio foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

    Enquanto isso, a dignidade da pessoa humana do trabalhador se afasta cada vez mais da concretização, permanecendo no plano das ideias e do direito positivado que não tem garantido efetiva proteção ao trabalhador, diante da fluidez em que se assentam as relações trabalhistas globalizadas e flexibilizadas, sempre assombradas pela incerteza e insegurança.

    O pensamento de Kant, que muito contribuiu para a fundamentação jurídico-filosófica que acerca o regime dos Direitos Humanos Contemporâneos, orienta a premissa segundo a qual a dignidade humana se opõe à precificação. O filósofo defendia que a dignidade é intrínseca ao ser humano, e que, por isso, não pode ser tratado como um meio ou instrumento para a consecução de resultados.

    A dignidade (valor inato) faz do homem um fim em si mesmo, dotado de vontade própria e autonomia, não podendo ser objetificado ou reduzido a condições degradantes, ou tratado de forma discriminatória. Esse atributo, inerente à pessoa humana, é que conduz ao dever de respeito, independentemente de condição social, nacionalidade, credo ou quaisquer distinções culturais ou físicas que apresentem¹⁰.

    Conforme observa André de Carvalho Ramos, "para Kant, tudo tem um preço ou uma dignidade: aquilo que tem um preço é substituível e tem equivalente; já aquilo que não admite equivalente, possui uma dignidade. Assim, as coisas possuem preço e os indivíduos possuem dignidade"¹¹.

    Apesar das lições de Kant sobre justiça e dignidade ecoarem em institutos normativos internacionais e nacionais, acolhidas inicialmente pelas declarações de Direitos dos Estados Norte Americanos (1776) e pela Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (Revolução Francesa - 1789), que foram inseridas desde o início do séc. XX em cartas constitucionais como a alemã de Weimar (1919) e a Mexicana (1917), assim como na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH - 1948), a nova sociedade de consumidores¹² analisada por Zygmunt Bauman, que se configura a partir de transformações sociais, políticas e econômicas cada vez mais frenéticas e inconstantes, as quais geram um sentimento de incerteza e desconsolo, acaba por se refletir nas relações sociais e trabalhistas, submetendo os seres humanos, quanto à sua força de trabalho, à velha regra de mercado de escolher o melhor produto da prateleira.

    A abundância de oferta traz maior liberdade de escolhas e de responsabilidades, de modo que impera o imediatismo e a liquidez. A efemeridade programada das mercadorias aliada à obsolescência gerada pelo consumo transmutou a perspectiva das relações humanas mercantilizadas.

    Se antes o trabalhador escravo era comercializado como mercadoria, hoje, o trabalhador desumanizado é descartável, e, ainda que não submetido ao trabalho escravo contemporâneo, tem sua dignidade comprometida pela sujeição à mercantilização.

    Bauman observa que a vida de trabalho está saturada de incertezas¹³ e a estabilidade e durabilidade das relações deram lugar à flexibilidade, enquanto a solidariedade cedeu ao individualismo nas relações sociais e trabalhistas. Nesse processo de liquefação do sistema e constante descarte e substituição das mercadorias, o trabalhador que não deseja ser eliminado deve se flexibilizar e se reciclar para manter sua utilidade como mercadoria atrativa.

    O trabalhador sujeito a condições desumanas de trabalho diante de um mercado opressor, aliadas à desregulamentação e flexibilização das leis trabalhistas, enfrenta um sistema voltado para o consumismo, que permeia os meandros das relações sociais e atinge as relações trabalhistas objetificadas.

    A essência da existência está na busca e na genuína presença do ser no mundo, ante as experiências vitais, que envolvem sua relação com o desenvolvimento existencial e transcende a mera existência física do ser alçando sua posição no mundo, como ser humano. Dessa leitura, se extrai que a experiência humana não se explica apenas sendo lançada em um contexto econômico, político, sociológico, biológico, pois, conforme insiste Heidegger: a pessoa não é uma coisa, uma substância, um objeto¹⁴.

    A partir dos estudos de Max Scheler e de Edmund Husserl sobre a personalidade¹⁵, Heidegger aponta que: Para Scheler, a pessoa nunca pode ser pensada como uma coisa ou uma substância.¹⁶ Ao afastar a essência humana do ser transformado em coisa, a exploração do trabalho, sem limites ou regras, viola os fundamentos existenciais da humanidade, entre os quais reside a dignidade.

    A dignidade está intrinsecamente ligada à autonomia da vontade, consectário da racionalidade inerente ao ser humano, dela não se desvinculando. Além de ser insubstituível, não podendo ser-lhe atribuída um preço, vez que não é coisa, a dignidade do ser humano resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita.¹⁷

    Ponderando sobre o reconhecimento da autonomia do ser humano, Fabio Konder Comparato, ilustra como a promessa de liberdade mostrou-se ilusória:

    [...] em contrapartida a essa ascensão do indivíduo na História, a perda da proteção familiar, estamental ou religiosa tornou-o muito mais vulnerável às vicissitudes da vida. A sociedade liberal ofereceu-lhe, em troca, a segurança da legalidade, com a garantia da igualdade de todos perante a lei. Mas essa isonomia cedo revelou-se uma pomposa inutilidade para a legião crescente de trabalhadores, compelidos a se empregarem nas empresas capitalistas. Patrões e operários eram considerados, pela majestade da lei, como contratantes perfeitamente iguais em direitos, com inteira liberdade para estipular o salário e as demais condições de trabalho. Fora da relação de emprego assalariado, a lei assegurava imparcialmente a todos, ricos e pobres, jovens e anciãos, homens e mulheres, a possibilidade jurídica de prover livremente à sua subsistência e enfrentar as adversidades da vida, mediante um comportamento disciplinado e o hábito da poupança. O resultado dessa atomização social, como não poderia deixar de ser, foi a brutal pauperização das massas proletárias, já na primeira metade do século XIX. Ela acabou, afinal, por suscitar a indignação dos espíritos bem formados e por provocar a indispensável organização da classe trabalhadora. A Constituição francesa de 1848, retomando o espírito de certas normas das Constituições de 1791 e 1793, reconheceu algumas exigências econômicas e sociais. Mas a plena afirmação desses novos direitos humanos só veio a ocorrer no século XX, com a Constituição mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919.¹⁸

    Sob a ótica da sociedade de consumo inserida em um contexto de hegemonia do mercado, o trabalhador-produto substituível e descartável, se torna obsoleto à medida que novos trabalhadores são lançados ou disponibilizados à livre escolha do contratante da força de trabalho, retroalimentando o sistema potencializado pela flexibilização da proteção normativa e pelo fenômeno da globalização da economia.

    1.3 MERCADO E TRABALHO DECENTE

    A sociedade baseada na economia de mercado se desenvolve a partir da produção e circulação de riquezas, que se destinam a troca (troca de riquezas), a fim de obter a satisfação de necessidades ou de lucro por meio de um ganho competitivo. O trabalho, como fator de transformação do meio, se insere no sistema através da oferta de mão de obra, recurso atualmente abundante no mercado, ante o enorme contingente de desempregados, e que, por razões estruturantes, se submete ao mercado e aos detentores do controle dos meios de produção.

    Para atenuar a desvantagem da grande oferta de mão de obra, faz-se necessária a intervenção do Estado como mediador do processo de troca descrito, a fim de que sejam assegurados os elementos essenciais da dignidade humana na relação trabalho-capital.

    A realidade do mercado de trabalho mundial demonstra o desequilíbrio do sistema, ante a enorme massa de trabalhadores desempregados, a desigualdade econômica e a concentração de renda experimentada na maioria dos países.

    Conforme relatório da OIT, divulgado em janeiro de 2020, quase meio bilhão de pessoas estão trabalhando menos horas do que gostariam ou não tem acesso a trabalho remunerado¹⁹.

    Ante essa realidade, muitos são os obstáculos à satisfação de garantias destinadas à manutenção de adequadas condições de trabalho, que respeitem a dignidade humana. Para Bobbio, o problema dos direitos do homem não é mais de fundamentá-los, e sim, de protegê-los, aventando que a questão que se apresenta é jurídica e política.²⁰

    Atualmente, o direito ao trabalho decente é protegido pelas normativas dos Organismos Internacionais de Direitos Humanos relacionadas ao trabalho, especialmente as produzidas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essas normas internacionais protetivas dos trabalhadores e trabalhadoras embasam, principalmente, o direcionamento das políticas públicas internas nos Estados, a partir das quais são criados leis e programas de ação voltados para a atenção aos problemas da classe trabalhadora.

    O movimento de precarização e desregulamentação do trabalho, em evidência nos países orientados para uma política econômica de viés liberal, reflete na redução da qualidade de vida dos trabalhadores ao passo que incrementa a sua sujeição a péssimas condições de trabalho.

    A submissão de trabalhadores à escravidão contemporânea, que no Brasil também pode ser indicada pela denominação de trabalhos forçados, ou por redução a condição análoga à de escravo, ainda é registrada com frequência, nos dias atuais, apesar do banimento dessas práticas nefastas pelas leis internacionais e dos países signatários de acordos internacionais de direitos humanos, incluindo o Brasil.

    Outras práticas ilícitas de exploração do trabalhador, ou de desrespeito à sua dignidade, como a desigualdade de tratamento de gênero e de raça, cujo enfrentamento também compõe os objetivos internacionais relacionados ao trabalho decente, são, frequentemente, observadas mesmo em países comprometidos com o desenvolvimento do trabalho sustentável.

    Nesse contexto, faz-se necessário que o Poder Público adote políticas efetivas de valorização do trabalho, bem como de combate e punição ao desrespeito aos Direitos Humanos dos trabalhadores, sendo possível que mecanismos judiciais internacionais busquem responsabilizar até mesmo os Estados por atos omissivos ou comissivos praticados por particulares, que violem Direitos Humanos, como aconteceu recentemente no julgamento do Brasil, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no ano de 2016, pela inércia no enfrentamento a práticas de escravidão, perpetradas no interior do Estado do Pará durante anos, e de conhecimento do Estado brasileiro, desde o ano de 1989, contra trabalhadores rurais.

    Em situações como essas, por meio da mencionada corte internacional, é possível buscar a reparação junto aos Estados, ou sanções de coerção, exigindo-se a preservação da ordem jurídica, por meio da reparação dos danos causados.

    A par dos instrumentos normativos internacionais que sujeitam os Estados aderentes a adotar ações que internalizem tais normas, sua aplicação está relacionada com as práticas efetivamente implementadas pelos Estados nacionais em seu território, o que depende da vontade política governamental.

    Conforme menciona o relatório do julgamento da CIDH:

    […] os Estados devem adotar medidas integrais para cumprir a devida diligência em casos de servidão, escravidão, tráfico de pessoas e trabalho forçado. Em particular, os Estados devem contar com um marco jurídico de proteção adequado, com uma aplicação efetiva do mesmo e políticas de prevenção e práticas que permitam atuar de maneira eficaz diante de denúncias. A estratégia de prevenção deve ser integral, isto é, deve prevenir os fatores de risco e também fortalecer as instituições para que possam proporcionar uma resposta efetiva ao fenômeno da escravidão contemporânea. Além disso, os Estados devem adotar medidas preventivas em casos específicos nos quais é evidente que determinados grupos de pessoas podem ser vítimas de tráfico ou de escravidão. Essa obrigação é reforçada em virtude do caráter de norma imperativa de Direito Internacional da proibição da escravidão [...] e da gravidade e intensidade da violação de direitos ocasionada por essa prática." (par. 320).²¹

    As normas internacionais voltadas à proteção ao trabalho estão assentadas sobre patamares definidos como trabalho decente, pela OIT.

    O Trabalho Decente é o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT: 1) o respeito aos direitos no trabalho, especialmente aqueles definidos como fundamentais (liberdade sindical, direito de negociação coletiva, eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação e erradicação de todas as formas de trabalho forçado e trabalho infantil); 2) a promoção do emprego produtivo e de qualidade; 3) a ampliação da proteção social; 4) e o fortalecimento do diálogo social²².

    Portanto, entre os objetivos, temos como parâmetro para políticas públicas de promoção do trabalho decente a eliminação de todas as formas de trabalho forçado e infantil.

    Com base nesses objetivos, organismos internacionais e nacionais mantêm agendas destinadas à promoção de políticas públicas que visam a promoção de melhores condições de trabalho.

    Mércia Pereira, em recente análise sobre a efetividade dos instrumentos normativos para contribuir com a erradicação do trabalho escravo, sustenta que estamos vivendo o final de um ciclo social em que se destaca a característica humana, ressaltando que o direito deve buscar, por meio de uma participação mais democrática, o desenvolvimento humanitário e social, a fim de alcançar a pacificação de conflitos econômicos, bélicos e tecnológicos, para que não se sobreponham aos interesses ambientais, sociais e humanos, os quais estão atrelados aos direitos econômicos, sociais, políticos e culturais da sociedade:

    Es necesario buscar un modelo de derecho, que como bien defiende Bobbio, desarrolle lo pautado en una sociedad democrática con reglas de procedimiento para la formación de decisiones colectivas y con la participación más amplia posible de los interesados²³.

    Apesar dos esforços desenvolvidos pelo Estado brasileiro no sentido de combater a escravidão contemporânea, a ineficiência do aparato estatal permite que essa prática se perpetue na sociedade, seja no meio rural ou urbano.

    Seguindo a lógica do capital, de produzir mercadorias e extrair a mais valia, para Mércia Pereira, em alguns países industrializados, trabalhadores vivem uma forma de escravidão contemporânea.²⁴

    Políticas públicas destinadas a proteger o trabalhador da exploração escravista, trouxeram resultados positivos²⁵, conforme dados disponíveis, a partir do ano de 2008, especialmente no que tange à fiscalização desenvolvida pela Secretaria Especial da Previdência e Trabalho (SEPT), inserida na estrutura do Ministério da Economia (ME) -anteriormente, Ministério do Trabalho e Emprego-, com destaque para o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) em que atuam os Auditores Fiscais do Trabalho, com a participação do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério Público Federal (MPF), acompanhados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) ou da Polícia Federal (PF).

    Contudo, pouco se avançou em relação à punição criminal dos autores dessas práticas e à prevenção de revitimização dos trabalhadores.²⁶ Entre as principais razões apontadas para a manutenção da baixa efetividade das políticas de enfrentamento ao trabalho escravo no Brasil, temos a impunidade decorrente da morosidade do poder judiciário, seja na fase investigativa, seja na fase judicial, lastreada por lacunas na legislação que dificultam a aplicação de punições. ²⁷

    Como exemplo de avanços, entre a primeira reclamação levada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no caso José Pereira²⁸ e o julgamento do caso Fazenda Brasil Verde, muitos mecanismos de combate ao trabalho escravo foram implementados, conforme destacado pela decisão da Corte IDH²⁹, no parágrafo 469.

    No entanto, ainda há situações jurídicas, administrativas, sociais e políticas que, em certa medida, favorecem à manutenção de práticas escravistas, como a de recrutamento de trabalhadores em outros estados da Federação, ou mesmo de imigrantes e refugiados, que se encontram em situação de vulnerabilidade, aliada à pobreza, ao baixo grau de escolaridade destes e ao analfabetismo, como também, ao desemprego.

    A pobreza é a principal causa responsável pela marginalização das pessoas e pelas condições de existência subumanas. Ela não apenas destitui materialmente as pessoas, mas também, as segrega da sociedade e as impossibilita de ter acesso às vantagens sociais. Isto está sempre marcado pela fome, pela humilhação, pela degradação e pela subserviência.³⁰

    A dignidade da pessoa humana que fundamenta os direitos dos trabalhadores, elevados a normas constitucionais fundamentais brasileiras, em 1988, orienta a busca pelo trabalho decente reconhecido como direito a ser protegido internacionalmente, vinculado a valores como a liberdade e a igualdade, pela DUDH (artigos 23 e 24)³¹.

    Assim, a proteção internacional a esse direito evoluiu, e, atualmente, a OIT se destaca como instigadora de políticas de fomento à valorização do trabalho.

    A proteção a direitos demanda instrumentos aptos a dar eficácia

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