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Modelo Acusatório:: Elementos Acusatórios na Roma Antiga, Inglaterra, Itália e Brasil
Modelo Acusatório:: Elementos Acusatórios na Roma Antiga, Inglaterra, Itália e Brasil
Modelo Acusatório:: Elementos Acusatórios na Roma Antiga, Inglaterra, Itália e Brasil
E-book695 páginas9 horas

Modelo Acusatório:: Elementos Acusatórios na Roma Antiga, Inglaterra, Itália e Brasil

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Sobre este e-book

O processo acusatório presente na Roma Antiga, posteriormente desenvolvido na Inglaterra, influenciou ordenamentos jurídicos no Civil Law e no Common Law. Institutos importados desta estrutura sofreram sensíveis modificações durante sua incorporação na Itália e no Brasil, descaracterizando seus fundamentos e finalidades. Este livro identifica, originariamente, elementos comuns do modelo acusatório a partir de aspectos doutrinários, normativos e jurisprudenciais, sem descuidar da necessária proteção dos Direitos Humanos. Para tanto, utiliza, em linguagem simples, uma abordagem atual da teoria do modelo acusatório. Diante da importância do tema e da recente adoção formal, pelo Código de Processo Penal brasileiro, da estrutura acusatória e, considerando-se a exigência constitucional de a referida estrutura orientar todo o Direito Processual Penal Brasileiro, este livro destina-se a estudantes de graduação e de concursos públicos, a professores universitários, pesquisadores, além de juízes, advogados, membros do ministério público e demais profissionais do Direito.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de mai. de 2022
ISBN9786525236513
Modelo Acusatório:: Elementos Acusatórios na Roma Antiga, Inglaterra, Itália e Brasil

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    Modelo Acusatório: - Túlio Fávaro Beggiato

    CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO

    I.1. APRESENTAÇÃO

    As expressões sistema acusatório ou modelo acusatório possuem variações de significado. Não se propõe, contudo, estabelecer um conceito ou tratamento unívoco sobre o tema, mas investigar, com especial rigor científico, os elementos que compõem o modelo acusatório, bem como os reflexos da assimilação da referida estrutura na operabilidade do ordenamento jurídico brasileiro. Objetiva-se, assim, escrutinar a trajetória do modelo acusatório, em diferentes ordenamentos jurídicos, com a finalidade de estabelecer um referencial teórico capaz conectar as categorias e institutos jurídicos, em uma estrutura acusatória, por intermédio de um vínculo lógico e causal que não descaracterize, nem torne disfuncional, o referido modelo processual.

    O desafio relativo à adequada identificação das características do modelo acusatório inicia-se pela divergência sobre a sua origem. Para parcela da doutrina a sua procedência remonta à Roma Antiga (República Romana); para outra corrente, sua origem diz respeito à Inglaterra¹, e; para uma terceira corrente, o processo acusatório seria um modelo ideal e abstrato² construído a partir da contraposição ao modelo inquisitório. Nos termos da última vertente, a identificação dos elementos do modelo acusatório demandaria, como conditio sine qua non, a individualização das características do modelo inquisitório. Ocorre que, da mesma forma, no que diz respeito ao modelo inquisitório também há divergência sobre a sua gênese (e, por conseguinte, sobre as suas características), subsistindo três perspectivas: 1) origem coincidente ao início do Império Romano; 2) concomitância com a idade média³, e; 3) criação processual abstrata. A partir da última hipótese, poder-se-ia, então, asseverar que não existe e nunca existiu ordenamento jurídico que pudesse ser classificado como inquisitório puro (ou acusatório puro, pelas mesmas razões).

    Por conseguinte, extrai-se das diversas fontes doutrinárias uma elevada dificuldade de consenso a respeito da dinâmica e das características específicas de cada um dos referidos modelos processuais. Tal discordância é alicerçada, por vezes, no esquema cultural formante de determinado sistema jurídico ou em interpretações meramente históricas, temporais, subjetivas ou domésticas. O referido fenômeno agrava-se pelo fato de que, a depender da característica tida por fundamental a certo estudioso, é possível classificar determinado ordenamento jurídico como inserido em um ou em outro modelo processual⁴. Assim, como a representação de um modelo é construída, via de regra, com enfoque em algumas características presentes em ordenamentos existentes ou historicamente reconstruídos, o enquadramento em um ou outro modelo depende de uma escolha preliminar a respeito de qual critério se pretende adotar⁵. Nesse contexto, o resultado atingido varia, necessariamente, a depender da referida escolha⁶, o que gera significados tão distintos que redundam na perda da essência da categorização:

    Is there some residual sense in which the labels inquisitorial or acusatorial are meaningful? The ingredients of the terms inquisitorial and accusatorial mean so many different things to different people that confusion consequently abounds as to what the essence of the distinction between them is (SPENCER, 2016, p. 608).

    Por conseguinte, a diferenciação entre os elementos determinantes (que compõem a estrutura identitária e genética de um modelo), os elementos pertinentes (variáveis no tempo, no espaço e perante outros fatores objetivos) e os elementos fungíveis (desimportantes para a categorização), por vezes, realiza-se pela via da escolha subjetiva de quem a opera.

    Em sentido similar, é oportuno registrar que para a maior parte dos estudiosos do Direto Romano, o critério fundamental para se considerar um modelo como acusatório diz respeito à necessidade de que tanto o início da acusação (do processo) como o seu prosseguimento (impulso) sejam realizados por um cidadão (privado), não importando se coincidente ou não com o indivíduo ofendido pelo crime. Assim, na hipótese de iniciativa processual ou de participação no julgamento por órgão público, os estudiosos, quase à unanimidade, compreendem se tratar de procedimento inquisitoria⁷. Noutro giro, para a maioria dos autores italianos, o critério fundamental diz respeito à efetiva existência de debates orais (princípio da oralidade) para o contraditório, em oposição ao segredo e à escrita⁸. Para os autores norte-americanos, não é o fato de se permitir um advogado (público ou privado) realizar a acusação o traço marcante, mas a predominância absoluta das partes, com a condução do julgamento por elas, perante um júri, presidido por um juiz, sem qualquer iniciativa, ou seja, absolutamente passivo⁹. Na Inglaterra, a doutrina aduz que o traço originário é o júri, sendo os seus consectários os aspectos estruturantes do modelo acusatório, a exemplo da passividade da corte na função de apenas ouvir a acusação e a defesa, bem como de decidir sobre a responsabilidade penal, sem realizar qualquer tipo de investigação ou instrução sobre os fatos¹⁰. No Brasil e, de maneira geral, em países que se utilizam do denominado modelo misto (ou continental), a doutrina tende a caracterizar o modelo acusatório como um processo de partes, colocando, por vezes, maior enfoque na divisão de funções entre a acusação e o órgão julgador como forma de fortalecimento do papel da defesa e do contraditório, para além de outras características a exemplo do juiz natural, da publicidade, da oralidade e etc.

    Evidentemente, o modo como se divide e define as funções do órgão de acusação e do órgão julgador, bem como o papel da defesa no processo penal, guarda estreita relação com o aspecto organizacional do poder soberano, com repercussão imediata no modo como é exercido o ius puniendi. Assim, a gestão de determinado modelo processual penal possui intrínseca relação com os valores constitucionais adotados, o frame of government, a moderna concepção de Bill of Rights e a teorização da separação dos poderes. Cite-se como exemplo a Inglaterra, onde o poder executivo historicamente desenvolveu atividades com características próximas ao que se entende por jurisdição¹¹ em países de tradição romanista, bem como os reflexos de tal concepção no delineamento da atividade investigativa policial e, por via de consequência, na conformação das funções da acusação e na estrutura do julgamento criminal inglês. Ou, então, países comunistas em que, via de regra, sequer possuem divisão dos poderes estabelecida ou mecanismo de checks and balances, o que redunda na ausência de controle do poder pelo próprio poder também no âmbito da persecução criminal. Não se desconhece que, a rigor, o poder é uno, sendo a sua divisão uma ideologia própria dos Estados nacionais. O Direito Romano nos ensina que, apesar das diversas funções públicas e dos variados cargos públicos (havendo, inclusive, controle recíproco entre eles na República Romana), a concepção de que o poder é uno e indivisível¹² nunca foi superada. Todavia, a teorização da separação dos poderes é uma concepção útil para fins de limitação do poder soberano por intermédio da fisiologia dos órgãos públicos na proteção de direitos e liberdades individuais¹³. É sabido que a intenção da referida limitação também é raiz da Magna Charta e do modelo acusatório inglês. Evidentemente, em sede de persecução penal, tal estrutura traduz-se na divisão de papéis, funções e controle recíproco entre elas, trazendo, assim, a importância da análise e comparação de tais elementos - e de sua implicação prática, nos diferentes países, inseridos em distintos sistemas jurídicos.

    Cuidando-se de Direito Processual Penal, é cediço que as diversas categorias profissionais (professores universitários, advogados criminalistas, defensores públicos, juízes, policiais e, por fim, promotores e procuradores) adotam, ordinariamente, diferentes visões de mundo. Nessa linha de intelecção, a doutrina italiana¹⁴ classificou o embate ideológico travado entre professores universitários, magistrados e advogados durante o estabelecimento das diretrizes do processo penal italiano como qualquer coisa parecida com as velhas disputas medievais do livro O Nome da Rosa de Umberto Eco. Certamente, as diferentes ideologias e interesses profissionais refletem-se nas características, elementos e institutos que se objetiva importar, criar e misturar em determinado ordenamento jurídico, bem como na interpretação, aplicação e, até mesmo, categorização do respectivo modelo processual penal.

    Acrescente-se, ainda, que por centenas de anos, em diferentes ordenamentos jurídicos, as características dos modelos processuais penais progrediram, regrediram e misturaram-se a dados normativos e extranormativos (sociais, religiosos, culturais e econômicos). A imensidão desses dados gera diversas confusões, a exemplo da que ocorre - ordinariamente - entre modelo acusatório e processo penal advindo do Common Law (ou do ordenamento jurídico norte-americano), o que exige a distinção entre modelo e sistema como ponto de partida. Em sentido semelhante, Ferrajoli destaca que a distinção entre modelo acusatório e modelo inquisitório é diversa nos planos teórico e histórico. Em outros termos, o ex-professor da Universidade de Roma diferencia elementos determinantes do modelo acusatório e do modelo inquisitório daqueles relacionados às diferentes tradições históricas, o que seria objeto de grande confusão pela doutrina:

    "La distinzione tra sistema accusatorio e sistema inquisitorio può avere un carattere teorico o semplicemente storico. È necessario precisare che le differenze identificabili sul piano teorico non necessariamente coincidono con quelle riscontrabili sul piano storico, non essendo sempre quest’ultime connesse tra loro logicamente. Per esempio, se fanno parte sia del modello teorico che della tradizione storica del processo accusatorio la rigida separazione tra giudice ed accusa, la parità tra accusa e difesa, la pubblicità e l’oralità del giudizio, non altrettanto può dirsi di altri elementi, che pur appartenendo storicamente alla tradizione del processo accusatorio non sono logicamente essenziali al suo modello teorico: come la discrezionalità dell’azione penale, l’elettività del giudice, la soggezione al potere esecutivo degli organi dell’accusa, l’esclusione della motivazione dai giudizi della giuria e simili. Per altro verso, se sono tipicamente propri del sistema inquisitorio l’iniziativa del giudice in campo probatorio, la disparità di poteri tra accusa e difesa e il carattere scritto e segreto dell’istruzione, non lo sono invece in maniera altrettanto esclusiva istituti che pure sono nati in seno alla tradizione inquisitoria: come l’obbligatorietà e l’irrevocabilità dell’azione penale, il carattere pubblico degli organi dell’accusa, la pluralità dei gradi di giurisdizione e l’obbligo del giudice di motivare le sue decisioni. Questa assimetria è stata fonte di molteplici confusioni, avendo fatto spesso ritenere come essenziali all’uno o all’altro modello teorico elementi appartenenti di fatto alle loro rispettive tradizioni storiche ma logicamente o non necessario a nessuno dei due o compatibili con entrambi" (FERRAJOLI, 2009, p. 574).

    Notadamente, a análise dos elementos pertinentes ao modelo acusatório demanda exame histórico e cultural no que diz respeito à tradição jurídica que o envolve. Assim, objetiva-se examinar institutos e instituições do modelo acusatório inglês sem os óculos da tradição romanista (Civil Law), bem como compreender o legado do processo acusatório romano sem os óculos da modernidade. Pela mesma razão, a despeito da recente autonomia do Direito Processual Penal, evita-se eventual restrição temporal, tendo em vista que o tema dos modelos processuais penais perpassa milênios¹⁵. Com tais premissas, propõe-se perscrutar a convergência de uma estrutura acusatória em função da necessária defesa social (funcionalidade da estrutura processual) e dos novos horizontes culturais alcançados em sede de direitos e garantias¹⁶.

    Em auxílio ao referido escopo, tem-se a atual impossibilidade de se dissociar o Direito Processual Penal do Direito Internacional dos Direitos Humanos que, por seu turno, é propenso à convergência e à harmonização jurídica. Certamente, o consenso internacional sobre temas relativos a Direitos Humanos possui elevada densidade e riqueza de conteúdo em cotejo com determinada interpretação doméstica isolada que, expressa de maneira individual ou colegiada, tende a se traduzir em mera opinião¹⁷. Registre-se que estudiosos de diversos países inseridos em diferentes sistemas jurídicos, bem como organizações internacionais de proteção regional e global de direitos humanos, têm se debruçado sobre o tema dos modelos processuais penais. Nesse sentido, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Comparado têm se mostrado catalisadores de um pensamento crítico e científico a respeito do que tem ocorrido nos diversos ordenamentos jurídicos. Evidentemente, tais paradigmas possuem especial relevância para o Brasil em vista dos cinco séculos de tradição inquisitorial que não só conformam a todos como ajudam a arraigar as bases epistêmicas¹⁸.

    Do mesmo modo, a circulação e a hibridação de diferentes modelos processuais pelo mundo podem favorecer uma potencial harmonização jurídica, apesar de as diferenças culturais relacionadas ao sistema jurídico envolvente, por vezes, gerarem o efeito inverso ao desejado pela importação de determinados institutos e categorias jurídicas. De qualquer modo, não se desconhece que a imitação de institutos jurídicos é aliada da unificação, sendo uma dinâmica inerente ao Direito¹⁹ que, por sua vez, não se desenvolve de maneira retilínea e uniforme. Sobre esse aspecto, convém asseverar que o ordenamento italiano é considerado referência (ordenamento leader) em relação ao Direito Processual Penal para o Brasil. Acrescente-se, também, que o novo Código de Processo Penal italiano importou elementos do Common Law na estruturação do seu modelo acusatório e que essa tendência também se faz presente no Processo Penal Brasileiro. Por todos esses motivos, objetiva-se uma abordagem diacrônica e sincrônica, mas, também, prospectiva sobre o modelo acusatório, de maneira a refutar as conhecidas disfuncionalidades geradas em outros ordenamentos jurídicos que adotaram a aparência acusatória com as vicissitudes inquisitórias.

    Nessa trajetória, pretende-se: 1) a simplicidade no tratamento do Direito Romano (e de sua capacidade crítica perante o Direito atual); 2) o exame de como o Direito se orienta concretamente²⁰ em determinados ordenamentos jurídicos (ou se desorienta perante as incompatibilidades geradas pela hibridação de modelos); 3) aquilatar as modernas tendências internacionais enriquecidas por contribuições de países de diferentes sistemas jurídicos; 4) aprofundar a concepção do processo de partes como garantidor²¹ de direitos, em uma estruturação teórica do papel da acusação, da defesa e do julgador²²; 5) examinar e comparar institutos jurídicos tido por essenciais, bem como o respectivo vínculo lógico e causal deles nos diferentes ordenamentos jurídicos.

    A comparação de institutos jurídicos e suas funções nos diferentes modelos processuais penais é apresentada como técnica eficaz para rechaçar uma leitura meramente histórica e reducionista²³. A interdisciplinaridade não apenas em relação ao Direito Processual Penal e ao Direito Constitucional, mas, também, em referência ao Direito Comparado, ao Direito Romano, ao Direito Penal Romano e ao Direito Internacional dos Direitos Humanos é situada como premissa elementar nessa tarefa. Com lastro nas referidas linhas mestras, pretende-se uma contribuição teórica relativa aos elementos estruturantes de um processo penal acusatório funcional e garantidor no contexto de um ordenamento jurídico de tradição romanista (Civil Law) maturado sob os paradigmas de outro modelo processual. Reitere-se a ausência de intento historiógrafo na referida pretensão, o que direciona o trabalho a aspectos considerados imprescindíveis para o seu escopo, sob pena de se impossibilitar, pela extensão e complexidade, o objetivo proposto. Por conseguinte, diante da vastidão dos dados envolvidos, não se objetiva o detalhamento de todas as etapas históricas e procedimentos relacionados, mas perquirir uma teoria geral capaz de estabelecer o referencial teórico, sob uma perspectiva contemporânea, porém científica, para o desenvolvimento da estrutura acusatória no Processo Penal Brasileiro.

    I. 2. TERMINOLOGIA JURÍDICA: SISTEMA, MODELO, CIRCULAÇÃO, HIBRIDAÇÃO E ETC.

    A distinção conceitual entre as expressões sistema, modelo e ordenamento jurídico mostra-se fundamental para o estudo dos modelos processuais, assim como para a compreensão dos fenômenos da circulação e da hibridação dos respectivos institutos e categorias jurídicas.

    Alguns estudiosos utilizam o vocábulo sistema para indicar um complexo de dados organizados, completos e coerentes. Essa compreensão poderia se aplicar a diversas áreas do conhecimento, conforme se depreende dos termos sistema político, sistema de governo, sistema de fontes e, inclusive, sistema processual.

    Para Kant, a noção de sistema perpassa pela ligação de seus elementos por intermédio de um princípio fundante, tratado como ideia única:

    Ora, por sistema, entendo a unidade de conhecimentos diversos sob uma ideia. Este é o conceito racional da forma de um todo, na medida em que nele se determinam a priori, tanto o âmbito do diverso, como o lugar respectivo das partes. O conceito científico da razão contém assim o fim e a forma do todo que é correspondente a um tal fim (KANT, 1997, p. 657).

    Com lastro na referida construção teórica, no âmbito jurídico exsurge a compreensão de sistema como um todo orgânico - orientado sob determinado princípio unificador - destinado a um fim específico:

    Ainda que com uma visão sucinta, tenho a noção de sistema a partir da versão usual, calcada na noção etimológica grega (systema-atos), como um conjunto de temas jurídicos que, colocados em relação por um princípio unificador, formam um todo orgânico que se destina a um fim. É fundamental, como parece óbvio, ser o conjunto orquestrado pelo princípio unificador e voltado para o fim ao qual se destina (COUTINHO, 2018, p. 36).

    Noutro giro, alguns comparatistas europeus utilizam, ordinariamente, a palavra sistema como sinônimo de ordenamento jurídico²⁴, atualmente compreendido como Direito vigente em determinado Estado nacional²⁵.

    Todavia, a noção de sistema não se restringe a um agrupamento de princípios, regras e institutos jurídicos em determinado país ou em ramo específico do Direito. O conceito de sistema - no âmbito jurídico - possui superior amplitude e densidade, eis que inerente à específica tradição e cultura jurídica. Cuida-se da estrutura herdada como patrimônio jurídico transmitido pela história²⁶. Relaciona-se à natureza e ao papel que o Direito deve desenvolver em uma sociedade politicamente organizada. É, portanto, o modo como o Direito é elaborado, aplicado, aperfeiçoado e, principalmente, pensado. Por esses motivos, conecta-se ao condicionamento que está profundamente enraizado em uma determinada mentalidade jurídica²⁷.

    Nessa ordem de ideias, o maior (e talvez único) exemplo de sistema jurídico existente seja o Sistema Romano, que reverberou na tradição jurídica romanista²⁸ (denominada pela experiência Anglo-Saxônica de Civil Law²⁹) e representa a estrutura do Direito Romano³⁰. Em sentido análogo, a expressão sistema, no âmbito jurídico, também poderia se referir ao Common Law³¹ e ao Direito Muçulmano³², mas não à específica estrutura processual penal. Essa distinção é fundamental e possui acentuada relevância metodológica, tendo em vista que a depender do sistema jurídico, o processo acusatório é operado e compreendido em um esquema mental e cultural absolutamente diverso. Por tais motivos, a expressão sistema acusatório, consagrada pela doutrina processual penal, restou, neste trabalho, preterida.

    Por outro lado, a expressão modelo assinala um modo específico de praticar a justiça e tem como referencial uma ou várias características marcantes consideradas conjuntamente importantes³³. Não se desconhece que, por vezes, certo modelo é identificado com determinado sistema ou ordenamento jurídico. Tem-se como exemplo o modelo difuso de controle de constitucionalidade que circulou em grande parte do mundo anglo-saxão e, inclusive, em países de tradição romanista (Civil Law), como ocorreu no Brasil. O referido modelo de controle de constitucionalidade é identificado, ordinariamente, pela doutrina, com o ordenamento jurídico norte-americano. Da mesma forma, o modelo de precedentes judiciais é, costumeiramente, identificado com o sistema Common Law³⁴. Tal fenômeno ocorre, também, com o modelo acusatório, eis que apesar de sua estrutura evidenciar-se presente no ápice da democracia da República Romana, ele segue, recorrentemente, identificado, pela doutrina processualista penal, como inerente ao Common Law. Nota-se, portanto, que, ao ser copiado ou imitado (total ou parcialmente), um modelo pode perder a identificação com o seu sistema ou ordenamento jurídico, bem como com a sua base territorial originária. Assim, essa associação ou identificação ocorre a depender de onde o modelo em questão nasceu ou se desenvolveu antes de ser copiado ou imitado por diferentes ordenamentos jurídicos.

    É interessante destacar que um dos motivos da imitação-recepção de modelos, categorias e institutos jurídicos deve-se ao prestígio atingido pelo país do ordenamento jurídico imitado. Tem-se como exemplo a elevada influência do Direito Processual Civil e do Direito Processual Penal Italiano em relação ao ordenamento jurídico brasileiro. Outro motivo relevante é a eficácia que se presume das soluções apresentadas pelo ordenamento paradigma (é o caso, por exemplo, do plea bargaining). Mostra-se, nesse caso, mais econômico, sob o aspecto temporal e financeiro, copiar as referidas soluções do que desenvolvê-las. Convém asseverar, entretanto, que a imitação-recepção, para além de uma análise econômica do Direito (relativa ao exame da eficiência na resolução dos problemas domésticos), requer uma investigação a respeito da legitimidade jurídica da importação ou do transplante. Por conseguinte, depende do exame de sua potencial adequação ao sistema jurídico pertinente e, assim, a determinado esquema cultural e jurídico.

    Nesse contexto, a circulação de um modelo condiz com a suscetibilidade dele se impor, sob o aspecto da cultura jurídica, em relação a outros ordenamentos jurídicos. Entre os motivos para esse fenômeno inserem-se os legados históricos, a proximidade geográfica, o significado simbólico, o desejo de rompimento com o passado, a baixa confiança na classe política, a necessidade de reequilibrar o poder e, também, a necessidade de uniformizar um ordenamento jurídico por exigências supranacionais, a exemplo do que ocorre na União Europeia. Entretanto, é cediço que, por vezes, a importação - ou seja, o transplante - baseia-se mais em fontes normativas do que no aspecto prático ou mais em um modelo ideal do que em seu real desenvolvimento ou, ainda, mais em fontes doutrinárias (por vezes já obsoletas) do que no que está em seu entorno. Registre-se que tais ocorrências são assimétricas em função da interação com específico sistema jurídico, com determinada época, com alguma transição político-institucional ou, ainda, perante objetivos políticos preestabelecidos.

    Entretanto, mais conveniente do que indagar a causa da importação de determinado modelo ou instituto jurídico é investigar como o transplante se orienta e interage no ordenamento jurídico pátrio e no respectivo sistema jurídico. Por vezes, ocorre o fenômeno da hibridação, ou seja, a mescla ou a comissão de características precípuas de modelos considerados contrapostos, conferindo vida a um tertium genus que compartilha elementos de ambos³⁵. Por conseguinte, ao se mesclar diferentes modelos, cria-se um original. Tem-se como exemplo doutrinário o modelo processual penal misto francês, que incorporou, parcialmente, o modelo acusatório inglês no esquema cultural inquisitório da França. Acrescente-se que, após a referida hibridação, o novo modelo circulou em diversos países do continente europeu (sendo, também, reconhecido como modelo continental) e, posteriormente, na América Latina. Convém destacar, contudo, que a hibridação, assim como a circulação, atinge não apenas modelos jurídicos, mas também institutos jurídicos, gerando semelhantes problemas de resistências culturais e de disfuncionalidades.

    Evidentemente, as importações não são feitas à porteira fechada, ou seja, elas não viajam em comitiva. Pelo contrário, há interação com diversos valores e regras não escritas e não verbalizadas. Ademais, a doutrina pátria, como elemento formante, deixa fortes sinais na respectiva interpretação jurídica. O mesmo ocorre em relação aos professores, como fonte de embasamento técnico para elaborações legislativas do parlamento. Em sentido análogo, uma Corte Constitucional pode aprimorar, alterar ou, até mesmo, deformar o objeto da importação, desfigurando o modelo que se objetivava transplantar, fenômeno que pode ser agravado por vertentes radicais do neoconstitucionalismo. Notadamente, a operatividade de um instituto ou modelo importado pode não gerar os efeitos desejados, em face de uma possível resistência institucional e cultural³⁶.

    Por conseguinte, em que pese a seleção dos transplantes fundar-se em juízo de valor, por vezes lastreado no nexo estabelecido entre processo acusatório e garantismo, bem como entre processo inquisitório e autoritarismo, a legitimidade da importação sempre deve ser analisada sob a régua da compatibilidade lógica do respectivo sistema jurídico, evitando-se operações ideológicas de falsificação histórica (operazioni ideologiche di contraffazione storica), construções teóricas logicamente inconsistentes ou axiologicamente inservíveis³⁷. Nessa ordem de ideias, frise-se que o sistema romano, de maneira geral, consolidou um esquema cultural e uma mentalidade jurídica muito refinada e distinta de outras experiências jurídicas. Esse sistema gira em torno do conceito de justiça (ius est ars boni et aequi)³⁸ e de comunidade, em detrimento da ideia de eficiência e de individualismo. A respectiva tradição jurídica, vivenciada na América Latina³⁹, ocasiona choques culturais e disfuncionalidades em relação a elementos do processo acusatório transplantados do Common Law, o que revela a importância de se resgatar a estrutura acusatória inerente ao processo penal da República Romana. Essa chave de leitura é fundamental para se compreender de onde viemos⁴⁰, onde estamos e para onde vamos⁴¹, também em sede de Direito Processual Penal.


    1 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. In: SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da; PAULA, Leonardo Costa de (Orgs.). Observações sobre os sistemas processuais penais. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018, p. 118.

    2 ZANON, Giorgia. Le strutture accusatorie della cognitio extra ordinem nel principato. Padova: CEDAM, 1998, p. 11.

    3 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. In: SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da; PAULA, Leonardo Costa de (Orgs.). Observações sobre os sistemas processuais penais. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018, p. 116.

    4 TONINI, Paolo. Manuale di procedura penale. 11.ed. Milano: Giuffrè Editore, 2010, p. 5.

    5 ZANON, Giorgia. Le strutture accusatorie della cognitio extra ordinem nel principato. Padova: CEDAM, 1998, p. 11.

    6 Tem-se como exemplo classificação que coloca a inutilização dos elementos de informação colhidos na investigação preliminar como elemento fundamental à categorização do modelo. Nesse sentido, ILLUMINATI, Giulio. The frustrated turn to adversarial procedure in italy (italian criminal procedure code of 1988). Revista Washington University Global Studies Law Review, v. 4, 2005, p. 569.

    7 ZANON, Giorgia. Le strutture accusatorie della cognitio extra ordinem nel principato. Padova, CEDAM, 1998, p. 12.

    8 TONINI, Paolo. Manuale di procedura penale. 11.ed. Milano: Giuffrè Editore, 2010, p. 4.

    9 LANGBEIN, John Harriss. The origins of adversary criminal trial. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 1.

    10 SPENCER, John, Adversarial vs inquisitorial systems: is there still such a difference? Revista: The International Journal of Human Rights. vol 20, n.5, 2016, p. 602. Disponível em: https://www.doi.org/10.1080/13642987.2016.1162408. Acesso em: 27 out. 2019.

    11 D’ALBERTI, Marco. Diritto amministrativo comparato: Trasformazioni dei sistemi amministrativi in Francia, Gran Bretagna, Stati Uniti, Italia. Bologna: Il Mulino, 1992, p. 73.

    12 Nesse sentido, KUNKEL, Wolfgang. Linee di storia giuridica romana. Trad. Tullio e Bianca Spagnuolo Vigorita. Napoli: E.S.I., 1973, p. 25: "È un tratto indicativo della struttura della città-stato repubblicana e della concezione politica dei Romani il fatto che essi non pensassero di risolvere il problema del numero crescente dei compiti con la creazione di uffici speciali, come più tardi nel Principato, ma si mantenessero fedeli all’idea di un imperium unitario e onnicomprensivo".

    13 Nesse sentido, BIN, Roberto; PITRUZZELLA, Giovanni. Diritto costituzionale. 19 ed. Torino: Giappichelli, 2018, p. 77: "Il principio della separazione dei poteri è stato elaborato dal costituzionalismo liberale con l’obiettivo di limitare il potere politico per tutelare la libertà degli individui".

    14 TONINI, Paolo. Manuale di procedura penale. 11.ed. Milano: Giuffrè Editore, 2010, p. XXIV.

    15 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Os sistemas processuais agonizam? In: SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da; PAULA, Leonardo Costa de (Orgs.). Observações sobre os sistemas processuais penais. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018, p. 62.

    16 Nesse sentido, AMODIO, Ennio. Processo penale, diritto europeo e common law: dal rito inquisitorio al giusto processo. Milano: Giuffrè, 2003, p. 150: L’armonizzazione dei diversi sistemi non deve dunque trasformarsi in una forzata omologazione che comporta arretramenti sul piano delle garanzie. Bisogna inoltre tenere conto che, al di là delle divergenti discipline che affiorano in singoli settori dei differenti ordinamenti, sono ancora alcune strutture di fondo ad impedire l’approdo ad un modello processuale unico.

    17 Essa concepção, bem conhecida no campo do Direito Internacional dos Direitos Humanos, é tratada em interessante livro publicado na Itália, que formaliza uma discussão entre dois famosos magistrados que fizeram parte da operação mãos limpas e que vivem em perene dissenso. Segue, in verbis, uma peculiar abordagem sobre o ponto: "Come sappiamo, però, la questione è molto complicata, perché pone in relazione il diritto positivo con altre forme di diritto. Fino a quando, nel XVI secolo, non si verificò la rottura dell’unità religiosa in Europa, era universalmente accettato il concetto di diritto naturale, ritenuto sostanzialmente di creazione divina, a cui i diritti esistenti dovevano uniformarsi. Venuta meno l’unità religiosa, il concetto di diritto naturale crollò, per la semplice ragione che non c’era più un consenso unanime sul suo contenuto" (COLOMBO; DAVIGO, 2016, p. 7); "Proprio perché l’esperienza gioca un ruolo così essenziale, io non sposto affatto più avanti, come tu sostieni, il positivismo. Lo faccio coincidere con il consenso più ampio possibile. Il consenso della comunità internazionale. Questo significa che non si è più limitati al diritto vigente in un paese, alle leggi approvate da un singolo Parlamento, ma esiste una soglia, accettata da tutte le nazioni firmatarie, oltre la quale non è più consentito andare. Fa fede l’opinione dell’umanità in un dato momento storico. Che è quanto di più simili al diritto naturale siamo riuscite a costruire" (COLOMBO; DAVIGO, 2016, p. 19).

    18 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Os sistemas processuais agonizam? In: SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da; PAULA, Leonardo Costa de (Orgs.). Observações sobre os sistemas processuais penais. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018, p. 79.

    19 GAMBARO, Antonio; SACCO, Rodolfo. Sistemi giuridici comparati. 4. ed. Torino: UTET Giuridica, 2018. p. 27.

    20 O exame restrito às fontes normativas gera o risco de uma falsa representação da realidade. Por tal motivo, a análise da efetividade e da operatividade do Direito - como metodologia - é fundamental para que se verifique o modo como determinado modelo, instituto ou solução se expressa em ação, ou seja, como Direito vivente. Nesse sentido, AMODIO, Ennio. Processo penale, diritto europeo e common law: dal rito inquisitorio al giusto processo. Milano: Giuffrè, 2003, p. 187: "Che l’indagine comparativa abbia una vocazione intrinseca a conoscere l’effettività del diritto quale si manifesta nell’esperienza operativa, non bastando la ricostruzione degli enunciati desumibili dalle fonti normative, è acquisizione ormai risalente e consolidata nella dottrina impegnata ad operare il raffronto tra diversi ordinamenti giuridici. Law in action, in contrapposizione a law in the books, è la formula che riassume con maggiore incisività un simile programma metodologico cui ispirano il proprio lavoro anche gli studiosi del diritto processuale penale comparato. Per il comparatista che non abbia l’accortezza di andare al di là del dato normativo per attingere al diritto vivente, il rischio di prospettare false rappresentazioni della realtà è veramente grande".

    21 TONINI, Paolo. Manuale di procedura penale. 11.ed. Milano: Giuffrè Editore, 2010, p. 4.

    22 A moderna doutrina comparatista aduz que a incompreensão sobre o papel e a função dos sujeitos processuais gera o risco de não se conhecer nada sobre a operatividade dos institutos processuais. Nesse sentido, AMODIO, Ennio. Processo penale, diritto europeo e common law: dal rito inquisitorio al giusto processo. Milano: Giuffrè, 2003, p. 191: "Senza mettere a fuoco la posizione istituzionale del giudice e dell’organo dell’accusa si rischia di non capire nulla dei congegni operativi di un determinato istituto processuale, pur ricostruito con cura all’interno di un specifico ordinamento".

    23 Nesse sentido, COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Os sistemas processuais agonizam? In: SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da; PAULA, Leonardo Costa de (Orgs.). Observações sobre os sistemas processuais penais. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018, p. 76: os historiadores não são muito felizes quando o assunto são os sistemas processuais penais. Como todos, tendem eles a fazer uma leitura reducionista, mas como não têm, com frequência, muito domínio jurídico dos sistemas, tendem a ampliar ainda mais a referida redução. Eis, então, por que essas posturas carecem de fontes, sobrando, ao final, posturas pessoais sem fundamento.

    24 A respeito da noção de ordenamento jurídico, Calasso, ao tratar do período medieval, evidencia interessante conceituação ao descrevê-lo não como um simples agrupamento de normas e regras de conduta que se somam, mas como um grande organismo com vida própria, movido por uma alma e, assim, como uma unidade bem diversa de uma união mecânica. Nesse sentido, CALASSO, Francesco. Gli Ordinamenti giuridici del rinascimento medievale. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1965, p. 27.

    25 PEGORARO, Lucio. Giustizia costituzionale comparata. Dai modelli ai sistemi. Torino: Giappichelli, 2015, p. 83

    26 Ao descrever países da América latina, Schipani deixa evidente o legado deixado pelo Direito Romano e por sua vocação universal. Nesse sentido, SCHIPANI, Sandro. La codificazione del Diritto Romano Comune. Torino: Giappichelli, 1999, p. 189: "I Paesi dell"America Latina hanno, nel loro diritto, un patrimonio di esperienza giuridica sempre da perfezionare, ma anche da proporre nel contesto della globalizzazione delle relazione alla soglia del terzo millennio perché ad essi appartiene la vocazione universalistica di questo diritto, che nasce con la fondazione legibus di Roma (D. 1,2,2,4); viene codificato per tutti gli uomini da Giustiniano; con la ‘scoperta’ del Nuovo Mondo riprende il suo slancio di apertura, e con l’Indipendenza è da essi fatto proprio".

    27 Nesse sentido, SCHIPANI, Sandro. La codificazione del Diritto Romano Comune. Torino: Giappichelli, 1999, p. 60: "Non é solo il materiale del diritto romano che viene assunto, sono i principi ispiratori, è il sistema, del quale i codici divengono veicoli, nel quadro di un mutamento del fondamento stesso del ricorso ad esso nel contesto del tipo di lavoro giuridico codificatori sopra accennato e della indipendenza".

    28 A tradição romanista perpetua-se pelos séculos. Enquanto antigos ordenamentos caem, o pensamento jurídico romano apresenta uma singular e contínua vitalidade, que não significa imutabilidade, mas constitui a estrutura da história jurídica da Europa e o centro de atração e elaboração dos elementos que acompanham o caminho da civilidade até os dias de hoje. Nesse sentido, BIONDI, Biondo. Il diritto romano. Bologna: Licinio Cappelli, 1957, p. 2.

    29 Nesse sentido, GAMBARO, Antonio; SACCO, Rodolfo. Sistemi giuridici comparati. 4. ed. Torino: UTET Giuridica, 2018, p. 31: "La nomenclatura deriva dal lessico giuridico inglese che era solito designare con il termine civil law il jus commune dell’Europa continentale. La parola inglese ovviamente deriva da jus civile".

    30 A tradição romanista (Civil Law) é representada por uma árvore em que as suas raízes são o Direito Romano. Nesse sentido, GAMBARO, Antonio; SACCO, Rodolfo. Sistemi giuridici comparati. 4. ed. Torino: UTET Giuridica, 2018, p. 32.

    31 A premiada doutrina italiana comparatista bem sintetiza o nascimento e o desenvolvimento do Common Law, classificando-o como uma tradição autônoma. In litteris: "Si tratta essenzialmente della tradizione giuridica anglosassone la quale, come la lingua inglese, accomuna, con qualche variante, l’Inghilterra, l’Irlanda, il Canada - eccetto il Quebec - gli Stati Uniti, l’Australia e la Nuova Zelanda. Essa inoltre influenza, a volte in modo accentuato, anche il diritto di altri paesi i quali hanno conosciuto per un certo periodo di tempo l’influenza dominante del diritto inglese. (…) Così, ad esempio, la tradizione di common law viene dipinta come un albero, il cui tronco, o ceppo, è costituito dal diritto sviluppatosi storicamente in Inghilterra a partire dal 1066 grazie alla giurisprudenza delle corti ivi istituite dai re normanni e dai loro successori; i rami di questo albero sarebbero costituiti da esperienze sviluppatosi altrove, dopo che il common law inglese vi è stato trapiantato da coloni proveniente dall’Inghilterra" Nesse sentido, GAMBARO, Antonio; SACCO, Rodolfo. Sistemi giuridici comparati. 4. ed. Torino: UTET Giuridica, 2018, p. 30.

    32 A doutrina especializada em Direito Muçulmano registra o aspecto universal atingido pela Sharia (Lei divina, ciência por excelência), que deteve o mérito de ser um catalisador capaz de se elevar a sistema jurídico, ético e religioso de todo o mundo muçulmano. Nesse sentido, PAPA, Massimo; ASCANIO, Lorenzo. Shari’a. La legge sacra dell’islam. Bologna: Il Mulino, 2014, p.8.

    33 PEGORARO, Lucio. Giustizia costituzionale comparata. Dai modelli ai sistemi. Torino: Giappichelli, 2015, p. 9.

    34 Conforme simplificação adotada por Gallo, o sistema Civil Law "toma como base las normas" enquanto a visão do sistema Common Law é "centrada en las sentencias". Nesse sentido, GALLO, Filippo. Celso y Kelsen: para la refundación de la ciencia jurídica. 1. ed. Ciudad Autónoma de Buenos Aires:Eudeba; Roma: Centro di Studi Giuridici Latinoamericani ; Università di Roma Tor Vergata, 2015, p. 89.

    35 PEGORARO, Lucio. Giustizia costituzionale comparata. Dai modelli ai sistemi. Torino: Giappichelli, 2015, p. 83

    36 JACKSON, John. The effect of human rights on criminal evidentiary processes: Towards Convergence, Divergence or Realignment? Revista The Modern Law Review, Londres, vol 68, p. 737-764, 2005, p. 738.

    37 Nesse sentido, FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: Teoria del garantismo penale. Prefazione di Norberto Bobbio. 11. ed. Roma-Bari: Laterza, 2009, p. 575: "Ovviamente la costruzione teorica dei due modelli e la decisione su ciò che in essi è essenziale e ciò che invece è contingente sono ampiamente convenzionali, essendo vincolate soltanto alla tendenziale presenza degli elementi assunti come costitutivi nelle rispettive tradizioni storiche e soprattutto alla loro compatibilità logica. Inoltre, la selezione degli elementi teoricamente essenziali nei due modelli è inevitabilmente condizionata da giudizi di valore, a causa del nesso che indubbiamente può essere istituito tra sistema accusatorio e modello garantista, e per altro verso tra sistema inquisitorio, modello autoritario e efficienza repressiva. Tutto ciò rende ancor più essenziale sul piano metodologico - onde evitare operazioni ideologiche di contraffazione storica, oppure costruzioni teoriche logicamente inconsistenti e assiologicamente inservibili - tenere ben distinta la nozione teorica e convenzionale dei due modelli dalla ricostruzione dei loro lineamenti empirici nelle diverse esperienze storiche. Benché infatti questa ricostruzione possa risultare illuminante circa i nessi funzionali che legano i diversi elementi di ciascun modello teorico, nell’esperienza pratica questi non compaiono mai allo stato puro, ma sempre frammisti con altri non logicamente né assiologicamente necessari. Ciò dipende o da contingenti e irriflessive dinamiche storico-politiche, o da esplicite scelte legislative di tipo compromissorio, o anche dal fatto che molti principi risalenti all’una o all’altra tradizione hanno finito per affermarsi in età moderna come validi universalmente e per figurare quindi, almeno sulla carta, in tutti gli ordinamenti processuali evoluti: si pensi, per esempio, al carattere pubblico anziché privato dell’accusa, di ascendenza inquisitoria, oppure al libero convincimento del giudice, al contraddittorio e ai diritti di difesa, di ascendenza accusatoria".

    38 Nota-se que para a definição romanista de Direito, a "arte de lo bueno y de lo justo" (D.1,1,1pr.) diz respeito à Justiça e não à efetividade.

    39 Nesse sentido, SCHIPANI, Sandro. La codificazione del Diritto Romano Comune. Torino: Giappichelli, 1999, p. 35: "la ‘Roma Americana’ (…) è da un lato in parte ancora in cerca di assestata configurazione, e d’altro lato in una comunicazione privilegiata con i sottosistemi europei nel quadro del comune sistema romanista".

    40 Nesse sentido, mutatis mutandis, ALDO. Petrucci. New trends of European Contract Law and European Legal Tradition. Revista: Revista de Derecho Privado, Vol. 30, 2016, p.85-105: "el concepto de principio (principium) destacado en D. I, 2, 1 (Gayo 1 adlegem duodecim tabularum) significa, ora el elemento inicial necesario para comprender el desarrollo histórico de todas las normas, ora su fundamento".

    41 Nesse sentido, mutatis mutandis, SCHIPANI, Sandro. La codificazione del Diritto Romano Comune. Torino: Giappichelli, 1999, p. 32: "nell’Europa continentale occidentale la consistente realtà del Diritto romano, sistema giuridico comune che ha integrato apporti di sviluppi dottrinali e del diritto canonico, di usi e di leggi locali e settoriali, si espande nuovamente contro ‘il particolarismo giuridico’ e gli altri residui del feudalismo. Essa però si scontra con il nuovo ‘particolarismo’ degli Stati-Nazione, affermano, ma anche chiudono unità giuridica, uguaglianza, libertà e proprietà sul ‘proprio’ territorio (…) Nell’America che poi si chiamerà Latina, invece, il sistema del diritto romano si era ad essa esteso lasciando più rapidamente alle spalle il complesso dele istituzione della feudalità ed il loro particolarismo che nella sostanza non vi giunsero, ed affrontando problematiche nuove di apertura a uomini e genti, a spazi, per regolare i quali le categorie di esso costituivano una base dogmatica e normativa".

    CAPÍTULO II - ROMA ANTIGA: ASCENSÃO E DECADÊNCIA DO MODELO ACUSATÓRIO

    II.1. PREMISSAS

    II.1.A. MODELO ACUSATÓRIO: DIREITO ROMANO E COMMON LAW

    O modelo acusatório fez-se presente na Roma Antiga⁴², em que pese a sua costumeira associação ao Common Law pela doutrina brasileira. Por outro lado, parcela da doutrina italiana assinala que o referido modelo se e consolidou-se desenvolveu na Inglaterra, bem como no restante do mundo anglo-saxônico, em decorrência da transmissão de valores garantistas⁴³ e de características advindas do antigo processo acusatório romano⁴⁴.

    Nessa ordem de ideias, conforme será aprofundado posteriormente, o processo acusatório inglês, que exportou elementos e características para diversos países em diferentes sistemas jurídicos, possui inúmeros traços de semelhança em relação à estrutura acusatória romana. Evidencia-se, assim, o necessário exame dos valores, ritos e características⁴⁵ do modelo acusatório na Roma Antiga, ainda que de maneira sintetizada, diante da vastidão dos dados jurídicos correlacionados. Nessa linha de intelecção, para além da central importância dos aspectos relacionados à celeridade, objetiva-se concentrar a análise em ritos relacionados às imposições das penas mais graves, diante da maior densidade dos valores garantistas acusatórios⁴⁶.

    Registre-se que, tecnicamente, a disciplina em questão cuida-se do Direito Penal Romano, tendo em vista que o Direito Processual Penal possui recente autonomia científica. Todavia, é importante destacar que a lógica romana possui acentuada fluidez e refinamento, de maneira que a persecução penal individualizava-se em conformidade com o correlato tipo penal, impossibilitando a distinção das referidas disciplinas. Ademais, inexistia uma legislação orgânica penal e processual penal⁴⁷, de maneira que a diversidade de remédios processuais, procedimentos, juízos e cortes, a depender do crime praticado⁴⁸, embaraça uma significativa sistematização da matéria. Acrescente-se que a técnica jurídica utilizada pelos romanos comportava sucessivas justaposições e sobreposições históricas de institutos e categorias jurídicas (não havia revogação, mas apenas desuso), o que, também, gera algum desafio no exame das diferentes fases históricas. De qualquer modo, convém destacar que o modelo acusatório romano possui uma trajetória descontínua, sem progressividade evolutiva na tradição romanista. Todavia, deixou profundas marcas na República Romana, que ressoam até os dias de hoje.

    II.1.B. MAGISTRATURA: ORIGENS E DIFERENCIAÇÕES CONCEITUAIS

    Outra premissa importante, que deve ser colocada em evidência, diz respeito à compreensão de que várias expressões relacionadas ao Direito Romano possuem significados distintos em relação àqueles utilizados modernamente. É o caso, por exemplo, da expressão magistrado. Em latim, magistratvs significa officium sive munus in re publica administrando constitutum⁴⁹. A tradução corrente e mais comum, em italiano, aponta para o conceito de funcionário público (pubblico funzionario ou carica pubblica)⁵⁰. Essa tradução é raramente reconduzida a um alto cargo civil de quem dirige, supervisiona ou preside (alta carica civile), como decorrência do vocábulo magister⁵¹. Por conseguinte, tem-se que a figura do magistrado romano pode ser entendida como a de um funcionário público que prestava auxílio na gestão da coisa pública, ou seja, na administração pública, possuindo, nessa condição, reconhecida dignidade e relevância.

    Nessa linha de intelecção, registre-se que com a passagem da Monarquia Latina e Etrusca para a República Romana, a estrutura basilar de Roma consolidou-se em Magistratura, Senado e Povo. O Senado Republicano foi precedido pelo Conselho do Rei na época monárquica. Por outro lado, a magistratura romana teria sido precedida pelo próprio rei, em que pese a divergência doutrinária sobre a possibilidade de se atribuir ao rei a condição de magistrado durante a época régia⁵².

    Por qualquer ângulo que se observe, é importante destacar que o conceito de magistratura em seus primórdios⁵³ guarda pouca semelhança com a noção atual de magistratura no Brasil, na Itália ou na Inglaterra. O referido termo relacionava-se às diversas funções públicas, a exemplo dos poderes de comando militar, de governo e, até mesmo, de elaboração legislativa, como no caso da magistratura que redigiu as XII Tábuas. Apesar das diversas espécies de magistratura romana (plebeia, patrícia, ordinária e extraordinária) e das distinções que existiram nas diversas épocas, em linhas gerais, é possível estabelecer as seguintes características básicas⁵⁴, em nítida distinção à época régia: transitoriedade, eletividade do cargo⁵⁵, responsabilidade pelo exercício do cargo após o seu término, gratuidade do referido múnus e colegialidade⁵⁶.

    Evidentemente, tais características são absolutamente distintas (para não dizer opostas) dos contornos atuais da magistratura no Brasil, a exemplo da necessária formação jurídica para o ingresso no cargo, da garantia da vitaliciedade, da remuneração pelo exercício da função, bem como da independência em relação ao poder de veto de outro magistrado. Tais distinções, de maneira geral, também ocorrem em relação à magistratura italiana. Entretanto, são perceptíveis algumas semelhanças em relação aos magistrados ingleses, que atuam perante a magistrates’ court, conforme será posteriormente detalhado.

    Não se desconhece, ainda, que o atual conceito de magistratura varia a depender do país. Por exemplo, na Itália, França, Bélgica e Portugal, o conceito engloba a figura do Juiz e do Ministério Público, bem como demanda formação jurídica e concurso público. Por outro lado, na Inglaterra e País de Gales, o magistrado é pessoa leiga (sem formação jurídica) que julga casos simples, ao menos duas vezes por mês, enquanto exerce - ao mesmo tempo - qualquer outra profissão remunerada⁵⁷.

    De qualquer modo, verifica-se que as figuras modernas da magistratura guardam alguma relação com o conceito clássico de jurisdição, o que não ocorria na República Romana. Existem, entretanto, alguns pontos de contato com as atividades da magistratura romana. É o caso, por exemplo, da função do pretor⁵⁸, que administrava a justiça, sem, entretanto, julgar os casos concretos.

    II.1.C. JURISDIÇÃO: ORIGENS E DIFERENCIAÇÕES CONCEITUAIS

    É importante destacar que o conceito romano de jurisdição é distinto de sua noção clássica. A atividade de iurisdictio (ius dicere, ou seja, de dizer o Direito) distinguia-se da atividade de iudicare (ou seja, de julgar). Assim, o magistrado (pretor) não julgava, mas apenas dizia o Direito⁵⁹, ao passo que alguém do povo (um cidadão romano) desempenhava o papel de juiz da causa⁶⁰ (iudex privatus), valendo-se do parecer jurídico do pretor.

    A atividade de iurisdictio, entretanto, não era apenas declarativa do ius (Direito), mas também criativa do Direito a partir do caso concreto, sendo possível, inclusive, contrariar o Direito vigente no bojo dessa função criativa. Por conseguinte, a atividade do magistrado (pretor) assemelhava-se, em alguma medida, a uma função legislativa⁶¹. A embaraçada visualização desse mecanismo de administração da justiça decorre de sua inadequação à lógica iluminista da tripartição do poder⁶², pela qual há subordinação da função jurisdicional (que interpreta o Direito e julga o caso concreto) ao caráter vinculante da lei estabelecida pelo Poder Legislativo.

    Por outro lado, no que diz respeito à jurisdição criminal romana há prevalência do iudicare em detrimento do ius dicere. Nesse sentido, a doutrina especializada consigna que em procedimentos criminais antigos não se fala em iurisdictio, mas apenas em iudicare. Dessarte, quando o povo passou a julgar o processo penal, a referida distinção tornou-se ainda mais evidente, tendo em vista que não havia aplicação de uma regra jurídica (na lógica do Direito Romano), mas tão somente o exercício do direito de voto perante uma acusação formulada. Da mesma forma, nos casos em que o magistrado exercia a coercitio, precedida de uma atividade investigativa,

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