Surto psicótico: um mergulho no inferno
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Sobre este e-book
Mãe solo aos 19 anos, servidora pública em um município interiorano com um pouco mais de 3 mil habitantes, conseguiu cursar mestrado em Letras e lecionar no ensino superior conciliando com seu emprego na área administrativa. Aos 40 anos, depois do falecimento da mãe, passando pela pressão interna de ingressar no doutorado em Filosofia e pelo conflito de ter entrado com uma ação trabalhista contra a instituição que lecionou, teve um colapso mental, vivenciando o inferno na Terra.
Em seu delírio persecutório, ela acreditava estar sendo submetida a um "estupro psíquico" por hackers, crakers e haters, que a obrigavam a enfrentar os próprios demônios, mergulhando-a numa atmosfera conflituosa e repleta de culpa, angústia, desespero e aflição. Ela acreditava que esse processo de tortura psicológica constituía-se numa armação criada por uma ex-orientanda e a instituição de ensino superior em que trabalhava, as quais haviam recrutado todos os seus possíveis desafetos, acionando a Polícia Federal e mafiosos, que passaram a persegui-la pelo fato de ter descoberto a forma de funcionamento do crime organizado.
O relato foi escrito durante o período do surto e após quatro anos de tratamento bem sucedido (medicamentoso e psicoterapêutico), resolveu publicá-lo para servir de material de apoio para estudiosos da psique e leitores que possuem o interesse sobre o funcionamento/sofrimento de uma mente em psicose.
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Surto psicótico - Melina Andreatta
Agradecimentos
À minha psicóloga da época, Jamile, e à atual, Deyse, por ouvirem as minhas neuroses com paciência e sem julgamento, ajudando-me assim a tornar meu caos mais organizado;
À minha filha, meu anjo, a razão maior das minhas batalhas;
Ao meu pai e à minha mãe (in memoriam) por terem segurado a minha mão e não largado em nenhum momento;
Aos meus irmãos por terem me acolhido;
À minha amiga, "Vani", que esteve comigo no meu pior momento e que exerceu um papel fundamental no meu resgate;
Ao meu amigo, Marcos, pela leitura do livro e pelo feedback;
E ao Cara lá de Cima
(claro!), por ter colocado na minha vida todas essas pessoas que foram a rede de apoio desse meu resgate da loucura.
Prólogo
Há dias que tenho alma de 12 anos, outros, de 130. Então, acho que esse lance de idade é cambaleante, não obedece muito a uma ordem cronológica. E é meio engraçado porque há dias que gosto de ter a maturidade de uma pessoa mais velha, e outros, eu adoro não ter juízo nenhum, como uma adolescente que está descobrindo o mundo agora, e há ainda, outros, que fico feliz em percebê-la coerente com a minha idade cronológica.
A imprevisibilidade talvez seja o meu maior defeito, mas, às vezes, ela também é a minha maior virtude. Eu nunca sei com que idade meu espírito vai acordar, e isso não é proposital. Sorry!
Sou caótica por natureza. Apesar de ter medo, eu sou muito mais parecida com uma tempestade do que com a calmaria; com uma montanha-russa do que com o carrossel. Aliás, a monotonia dos carrosséis me enjoam e eu não a suporto por muito tempo.
Se não estiver preparado para fortes emoções (sejam elas boas ou ruins), eu já faço uma advertência: nem se aproxime de mim. Porque eu posso ferir você, mesmo sem ter a intenção. É esse meu jeito doido, que às vezes é um tanto doído. Então, por favor, não me leve a mal, pois, nesses momentos, é apenas a minha humanidade que se manifesta, sem qualquer máscara ou cortina…
(Melina Andreatta, 1 mês antes do surto)
Nada poderia me descrever tão bem quanto esse texto. Nasci no mundo das Letras, com vó e tia mergulhadas no mundo das palavras, faziam-me desde a pré-escola recitar poemas todas as semanas. Eu tinha a memória boa e o primeiro deles eu decorei ao ouvir o meu irmão, Caio, ensaiando para declamar. Então, deslumbrada pelo poder das palavras, que podem ferir, mas que também podem curar, não foi surpresa quando decidi me aprofundar na mesma área.
Sempre morei no interior, naquele tipo de município que todo mundo sabe da vida de todo mundo. Sou mãe solo, tenho 40 anos e sou a caçula de uma família com cinco filhos. Sempre tive minha libido alta e uma vida sexual desregrada. Quando criança, meu apelido era bonequinha chorona da Estrela
. A baixa autoestima e os transtornos alimentares (anorexia, bulimia e compulsão alimentar), comuns em portadores de TAB, acompanharam-me por toda a minha vida.
Por ser muito complexada, fiz plástica de redução dos seios aos 15 anos e de aumento com implante de próteses de silicone aos 30 anos. Já fiz abdominoplastia, lipoaspiração e tratamentos estéticos. Também uso, com frequência, megahair. Iniciei o uso de anorexígenos aos 12 anos, fui dependente, e só consegui me desfazer do vício depois que engravidei, porque tinha medo que minha filha nascesse com alguma deficiência por causa disso.
Sempre fui explosiva, impulsiva, ansiosa, estressada, inconsequente — ora com o humor muito elevado, ora muito depressivo — gastos excessivos também fazem parte de todo o meu histórico. Nunca consegui economizar. Minha família, por ser muito repressora e religiosa, sempre contribuiu para que os sentimentos de culpa e inadequação me acompanhassem por toda a minha vida. Por não conseguir controlar os meus impulsos, eu sempre magoei as pessoas que amo e isto foi motivo para muito conflito e angústia. Nunca consegui manter um relacionamento afetivo por longos períodos.
Os comportamentos impulsivos e impensados, próprios dessa patologia, causaram não só danos materiais, mas também morais e afetivos, já que sempre fui julgada moralmente pelos meus erros e fracassos, descartando toda carga genética e alteração neurobiológica no cérebro oriundas do TAB que funcionam como alavancas para tais comportamentos. Esses julgamentos sempre contribuíram para abaixar a minha autoestima, levando-me a comportamentos autodestrutivos e autossabotadores. Por essa razão, é comum associá-los à falta de caráter e não a sintomas de uma psicopatologia. Não é à toa que o risco de suicídio em portadores de TAB é 20 vezes¹ maior que nas outras pessoas.
O surto foi desencadeado no dia 29/08/2017, após passar um longo período de depressão no estado misto do TAB, que mistura humor deprimido com agitação/mania, quando descobri que o homem por quem eu era apaixonada e ficava desde 2013, Arthur, sempre teve namorada. Foi acentuado no dia 07/09/2017, quando stalkeei o perfil da mulher que penso ser a namorada dele, da qual eu recebi uma mensagem após ter curtido, sem querer, uma foto, levando-me à mania no "nível master"², com sintomas psicóticos.
Do dia 22/09/2017 a 05/11/2017, período agudo do surto, corresponde ao que precedeu a primeira audiência trabalhista, dia também em que eu fiquei sabendo que havia sido feito um empréstimo no meu nome. Esse período perdurou até o mês de janeiro. O início da remissão do surto deu-se em 24/01/2018, após me consultar com o médico neuropsiquiatra, Dr. David Seraphin Jr, que recomendou um antipsicótico e iniciou o meu resgate do inferno mental em que me encontrava. Hoje, dia 01/03/2018, depois de ter lido muito conteúdo sobre surto psicótico, percebo que foi o que ocorreu comigo.
A princípio, com a minha mente em surto, o livro estava sendo escrito com o intuito de alertar o Ministério Público do Trabalho, advogados e pessoas que estivessem entrando com ações trabalhistas sobre a máfia dos sindicatos patronais e a justiça do trabalho. Na minha cabeça, como seria arriscado cometer alguma injustiça acusando diretamente alguma pessoa, isso se apresentava como uma maneira de mostrar as estratégias utilizadas pelo crime organizado
para vencer causas trabalhistas. Eu acreditei, piamente, que estava sendo perseguida pela máfia e que empresas de telecomunicação estavam envolvidas nisso.
Um mês realizando o tratamento adequado, tenho consciência de que a maior parte do meu sofrimento se deu devido a um surto psicótico. Acredito que o meu relato poderá trazer contribuições a estudiosos da psique, como também ajudar pessoas que tenham passado (passam) por situações semelhantes, parentes e amigos de portadores de TAB e esquizofrenia, na medida em que os levará a identificar sintomas parecidos tornando possível construir um diagnóstico que os leve a um tratamento eficaz.
Como poderão constatar, há momentos em que escrevo como se estivesse conversando com alguém. Eu, de fato, acreditava que hackers estariam vendo tudo que eu fazia pelas telas dos aparelhos eletrônicos e que teriam acesso a todos os conteúdos que eu produzia, constituindo-se em uma forma de conversar diretamente com eles. Não mudei o tempo verbal porque talvez vendo o texto, tal como escrevi, se torne mais fácil para especialistas tecerem análises sobre a ocorrência do funcionamento de uma mente em psicose, na medida em que eu discorro como eu me sentia.
À época, com o intuito de não me comprometer e ter que responder judicialmente com as supostas empresas que eu acreditava que estariam envolvidas nessa trama perversa
(risos), eu criei neologismos para nominá-las: Shicredi, Macrossofit, Carabook, Olá, Hevan, Botterglobo, Santandré, MeTubO, Foofle, Nynstagram, Scaixa, Flaro, fmail, Multafu, Litaú e também os usei para nomear as cidades Pequena Londres, Procópice, Ingá, Curita, Banzai, SPaulo e estado Paranamá (com o intuito de dificultar a localização). Naquela época, jamais passou pela minha cabeça que a criação de neologismos é um sintoma comum que surge em uma mente com sintomas psicóticos, em portadores de esquizofrenia, de Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) ou portadores de psicose orgânica. Elucido assim para você, leitor, a razão pela qual se deparará, no decorrer da leitura desse relato, diversas vezes com esses vocábulos.
Segue a trama na qual me vi inserida durante um período de aproximadamente seis meses; nela mostro o mergulho no inferno que a