Crônicas De Atlântida
De Cesar Silva
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Crônicas De Atlântida - Cesar Silva
________________________
Crônicas de Atlântida
NETUNO E O MUNDO DOS
ESPELHOS
Cesar Silva
________________________
Para os meus eternos amigos que se encontram em segredo.
Atlântida
O Intercessor
Devido ao incidente na última aula de Artêmis, Amfortas ficou
de molho no hospital por três semanas, e recebia aulas
particulares de Hermes e até, a contragosto, de alguns
centauros que o obrigavam a realizar exercícios físicos ali
mesmo na cama. Todavia, Aires estava tão preocupado com a
atenuação de Azariel que sequer o deixava só por um minuto.
Tinha medo que viesse a se suicidar como fizera Comodoro.
Azariel, por outro lado, não se mostrava constrangido,
ao contrário, os dois ficaram tão próximos que era raro não
avistá-los juntos. Nemrod não se meteu à besta novamente
com o príncipe, e até tratava a turma com cordialidade. Aires
havia se tornado mais que um líder, e depois que os boatos
de sua batalha com Orhipa e Moloch se espalharam passou a
ser reconhecido por toda a ilha de Atlatis como o príncipe
herói.
Mas naquela manhã ensolarada o jovem nem
suspeitava que encararia um rival muito mais rebelde que ele.
A aula de Netuno aconteceu, como sempre, com muita
mística. Era, de longe, uma das disciplinas preferidas dos
alunos. Até mesmo Azariel, que não tinha muita paciência
com magia, ficava ansioso aguardando à próxima aula.
Contudo, o rei iniciou a preleção já com sua espada de flama
azul em riste.
- Hoje conhecerão o mago que cada um carrega dentro
de si mesmo. Faço referência ao intercessor elemental.
O intercessor – prosseguiu Netuno, – assim como a
donzela, é um servidor e vive na quarta dimensão da
natureza. Porém, ele ao contrário da outra, é muito rebelde.
Quando disse isso, a turma inteira olhou diretamente
para Aires, que fez que nada estivesse acontecendo. Azariel
cochichou com o amigo.
- Às vezes é verdade, sabia? Você é mesmo muito
rebelde...
Aires fez que não ouviu.
- Tal partícula recebe o nome de intercessor pelo fato
de poder domar as forças e elementos da natureza. Qualquer
homem que venha a dominar seu intercessor deixará a natura
a seus pés.
Com ELE – frisou Netuno, – pode-se desatar
tempestades e incendiar florestas inteiras, assim como fazer-
se invisível e flutuar pelos ares. Porém, jugular esse
elemental interno não será tarefa fácil.
Depois, passou a relatar o nascimento e criação do
intercessor. Os recrutas caíram no sono de tal forma que seus
roncos podiam ser ouvidos a distância. Netuno teve de
aumentar o tom da voz enquanto contemplava o sopor de
seus pupilos.
Quando a sineta tocou Aires acordou se espreguiçando
enquanto ouvia ao fundo a voz de seu pai.
- E, como eu ia dizendo, a tarefa é vomitá-lo e fazê-lo
dizer seu nome.
Iniciou-se a partir dali, o que já virara rotina, um festival
de vômitos por toda a sala do templo.
Até Aires teve dificuldade de invocar seu intercessor, a
fumacinha até que vinha, mas apertava sua garganta e ele
engasgava, sufocando-se.
Pior ainda era para Azariel que vomitava uma
substância amarela esverdeada em jatos constantes. O pobre
rapaz já estava em frangalhos quando soltou um bafo
esfumaçado e cristalizou um rapaz entre oito e dez anos de
idade, de olhos castanhos e cabelos desgrenhados. Vestia
roupas engraçadas: calças curtas e camisa em couro, sem
mangas.
O intercessor de Aires não era muito diferente, se não
fosse o fato de ter cabelos amarelos despenteados e olhos
azuis cor do céu. E, ao contrário da servidora memorial, que
ficara ali parada esperando uma voz de consolo ou de
comando, os intercessores saíram correndo edifício adentro,
pulando e serelapeando. Mexiam em tudo, quebravam vasos
e danificavam as flores.
Aires segurou seu intercessor e tentou ordenar:
- Fique quieto e me diga seu nome... rápido!
O molequinho chegou perto do ouvido do príncipe
como se fosse dizer alguma coisa. Mas não disse nada, deu
uma mordida na orelha e um tapa na boca do herói. Saiu
correndo em seguida.
A agitação toda não parou por aí. Os menininhos
passaram a disparar raios luminosos contra seus amos. Toda
vez que algum disparava ouvia-se um curioso som de bang!
Amfortas, que pela primeira vez em semanas estava
tendo uma aula com seus companheiros, teve a impressão de
estar vivendo um pesadelo. Seu intercessor elemental era por
deveras peralta e desastrado. Parecia gostar de fogo, pois a
todo instante disparava raios flamejantes contra as paredes e
contra si mesmo.
Netuno permanecia com sua espada de fogo em riste e
volta e meia dizia:
Acqua es mihr!
E os fogaréus provocados pelo Elemental de Amfortas
se apagavam. Contudo, o soberano parecia se divertir com a
balburdia.
Orion tentou agarrar seu intercessor e teve um vaso de
flores rachado em sua cabeça.
Azariel, coitado, ficava flutuando feito penugem de
galinha pela sala. O menininho ficava com suas mãozinhas
armadas contra o amigo do príncipe, e o jogava de um lado a
outro, fazendo se chocar várias vezes contra os pilares de
sustentação.
Muitos dos intercessores congelaram seus amos e
esses caíram estupefatos, feitos bonecos de madeira no
chão. Outros simplesmente fugiram para os corredores, e o
de Aires não fora exceção.
O rapaz saiu em perseguição contra seu elemental. O
pestinha corria rápido. Desviava das paredes dos corredores
como se tivesse suspensão em seus pés. De vez em quando,
o intercessor disparava raios amarelos que o cegava
momentaneamente, para pouco depois, fazê-lo escorregar no
piso molhado.
O jovem caiu diversas vezes esfolando braços,
cotovelos e pernas. Deu graças quando finalmente saíram
para o jardim.
Draco, que estava roncando, acordou com a algazarra
e suspendeu-se ao ar para ver melhor o alarido, enquanto o
jovem tentava imobilizar uma parte que em fatos, era de si
mesmo.
O dragão tentou ajudar baforando ar quente contra o
pequeno mago, que por sua vez, não gostou nada daquilo e
disparou um bang contra o réptil alado. Um raio saiu de seu
dedinho e estuporou o dragão, fazendo cair como uma pedra
no jardim.
Não satisfeito armou-se contra Aires que pedia:
- Vamos lá garoto, eu só preciso saber o seu nome,
diga, por favor... Qual é o seu nome?
A resposta foi um jato luminoso que atingiu ao peito do
príncipe fazendo voar longe batendo as costas em um
obelisco, caindo desmaiado.
O intercessor saiu correndo.
- Eles são uns monstrinhos assassinos... –