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Juntos Pelo Acaso
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E-book432 páginas6 horas

Juntos Pelo Acaso

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Sobre este e-book

Gustavo acaba de terminar um relacionamento e, ainda em processo de recuperação, encontra um texto em uma biblioteca sobre descomplicar . Esse texto o inspira o suficiente e então ele procura o seu autor, que se revela como uma garota chamada Sabrina e que o surpreende de várias maneiras. O que começou com um simples texto escrito à mão e deixado na biblioteca por uma garota com a intenção de que qualquer um o lesse e se inspirasse, pode se transformar em uma grande história de luta guiada por cartas, superação de medos, encontros escondidos em cemitérios durante a noite, relacionamentos proibidos, amizade e muito amor.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de ago. de 2017
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    Pré-visualização do livro

    Juntos Pelo Acaso - Lenise Mendes

    cover.jpg

    Juntos pelo acaso

    Lenise Mendes

    PRÓLOGO 8

    DESPEDINDO 11

    ENCONTRANDO 19

    APRENDENDO 32

    REENCONTRANDO 44

    CONHECENDO 52

    CONTINUANDO 67

    RECORDANDO 76

    RECUPERANDO 88

    APROVEITANDO 98

    DESAFIO 111

    MEDOS 120

    PLANO 137

    EXECUÇÃO 151

    REALIZANDO 164

    INESPERADO 176

    TENTANDO 189

    REVELANDO 204

    VOLTANDO 215

    ERRANDO 226

    VOANDO 236

    MERECENDO 249

    PARTINDO 261

    INVADINDO 270

    CONVERSANDO 280

    FELICIDADE 290

    APROVEITANDO 301

    RELEMBRANDO 320

    REENCONTRANDO 330

    CONSOLANDO 348

    NERVOSO 362

    DESCOBRINDO 370

    LUTANDO 381

    PARTINDO 414

    EPÍLOGO 419

    AGRADECIMENTOS 426

    Para todos os meus leitores, que me fazem continuar.

    PRÓLOGO

    Sentei-me a uma mesa na biblioteca para começar os meus estudos. A pilha desorganizada de livros ao meu lado era bem grande, mas provavelmente não usaria todos. Prevenção. Estava sempre prevenido.

    Um livro grande tomava espaço na única mesa que estava desocupada. O empurrei para o lado a fim de ganhar espaço e um papel pousou delicadamente no chão. Era um papel rosa dobrado e com as pontas presas por um adesivo. Achei engraçado e infantil.

    Em frente ao papel estava escrito NÃO ME LEIA, o que me deixou com o dobro de vontade de lê-lo. Por que diabos alguém escreveria aquilo em algum papel? Respirei fundo e o abri, não me achando um criminoso. Não devia ter nada de importante. Deveria ser brincadeira de criança a julgar pelo adesivo e pela cor da folha.

    Mas aquelas palavras me surpreenderam.

    "Vamos descomplicar? Essa vida muito cheia de vai e vem está me deixando exausta. Estou exausta de complicações, de noites de sono perdidas, de preocupações pesando o coração. Ultimamente eu só estou querendo respirar, sem expectativa, sem exagerar. Só quero respirar e deixar o pulmão leve e o coração também. Talvez eu só queira começar a enfrentar as coisas sem pensar direito sobre elas. Porque as coisas passam; tanto boas quanto ruins. De que adianta, então, se martirizar? Cansei. Cansei de esperar, de inventar diálogos, de tentar adivinhar o que a pessoa do outro lado do mundo pensa sobre mim.

    Erguer o queixo, respirar fundo e fazer o que tem que ser feito. O resto? Continua sendo resto. E não vai ser ele que vai atrapalhar a sua vida. Comecei a tirar os entulhos, a responder as dúvidas, a pagar as dívidas. Comecei a limpar o caminho para poder seguir em frente. Chega do passado. Passado só serve para quando o presente está demasiadamente insuportável.

    Rolando as páginas de algum site na internet encontrei, ao acaso, a frase: arrisque ser simples. Estou arriscando. Vivendo cada dia como se fosse o último? Não acho que tenha fôlego para isso. Mas certamente tenho ânimo para deixar o dia mais leve e mais recheado de coisas boas. Os milagres vêm aos poucos. Prevê-los é de pouca utilidade. Algum dia você vai ser surpreendido e vai adorar e sorrir muito. E você não pode ter o coração pesado e o cérebro cheio de dúvidas. Resolva-se. Hoje preferencialmente. Resolva-se, limpe o seu coração e reserve um espaço bem grande para satisfações. Porque cada dia é um novo dia e pode muito bem ser o seu último. Mas o viva como se fosse o primeiro, como se você estivesse descobrindo os milagres, como se o sorriso fosse fácil, como se qualquer preocupação fosse tola. E talvez realmente seja.

    Descomplique-se. Vamos transformar essa brincadeira em vida real. Vamos descomplicar."

    Eram lindas palavras que fizeram algo se agitar dentro de mim. Quem havia escrito aquilo? Eu queria arriscar esquecer de todas as minhas preocupações, nem que fosse por um dia, e viver sem me importar com o resto do mundo. Depois de ler aquele texto a vontade de ser simples me consumiu.

    Queria apagar os meus problemas e resolver a minha vida. Precisava fazer aquilo. Tinha que resolver situações pendentes, esquecer pessoas e seguir em frente. Começar do zero. Começar de novo.

    Levantei e deixei para trás a pilha de livros. Hoje preferencialmente. Antes de sair da biblioteca, porém, conferi a lista de nomes de pessoas que tinham entrado nela naquele dia. Alguém tinha posto aquela carta naquele lugar recentemente. O papel rosa pesava no meu bolso.

    — Todas as pessoas que vieram aqui na biblioteca assinaram a lista de presença?

    A bibliotecária me olhou com desinteresse.

    — Somente os que emprestaram algum livro — ela esclareceu.

    — Todos entraram lá dentro?

    — Ora, eu não fico espiando onde as pessoas vão na biblioteca, menino, nem quais livros olham — ela reclamou com o cenho franzido.

    — Não foi isso que eu quis dizer…

    Ela não fez mais nenhum comentário, simplesmente balançou a cabeça negativamente e voltou a atenção para o livro que estava lendo. Comecei a analisar a lista das pessoas e eliminei os meninos. Aquela letra era feminina, além do papel rosa e de ser em primeira pessoa e denunciar o sexo do eu lírico. Onze meninas tinham assinado aquela lista naquele dia e eu anotei o nome de todas em meu celular. Começaria a minha busca naquele mesmo dia.

    Mas antes de qualquer coisa, precisava me descomplicar. Precisava me resolver. Precisava limpar o meu caminho para seguir em frente. Antes de tudo precisava falar com Laura.

    DESPEDINDO

    — Gustavo?! — exclamou a mãe de Laura ao me ver em frente à casa dela.

    — Oi — dei o menor dos meus sorrisos. — Laura está?

    Sua mãe aparentava desconforto. Suas mãos se mexiam constantemente e ela tentava descobrir apenas com um olhar o que eu fazia em sua casa. Imaginei que ela achasse que eu fosse cometer uma loucura depois de tudo o que tinha acontecido.

    — Eu vou… conferir — ela agitou as mãos nervosamente antes de correr para dentro de casa.

    Ela iria conferir se Laura estava? Com certeza ela iria conferir se sua filha ia querer me receber. Na última vez saí tão raivoso que deixei-a apavorada e com medo e ela provavelmente não queria me ver ao lado de sua filha novamente.

    Respirei fundo impacientemente.

    — Laura está no banho e provavelmente demorará — a mulher começou a falar antes mesmo de aparecer no portão. — Por que não volta outro dia?

    Ela parecia bem mais animada e tranquila tendo uma desculpa para me expulsar de sua casa. No entanto, eu sabia que merecia uma explicação de sua filha e não sairia de lá antes de resolver a minha vida. Hoje preferencialmente. A frase ainda martelava incessantemente em minha mente.

    — Eu posso esperá-la — tentei esconder meu sorriso presunçoso quando a mulher franziu o cenho.

    — Tem certeza? — sua voz estava mais rude e fria.

    — Tenho.

    Ela abriu o portão e me deu espaço para entrar. Sua cara estava fechada em uma carranca irritada por eu ter enfrentado sua ordem implícita de deixar aquele lugar e nunca mais voltar. Mas eu não era do tipo preso a convenções e não fazia aquilo que não tinha vontade. E a minha vontade maior naquele dia era falar com Laura e esclarecer todas as minhas dúvidas.

    — Posso esperá-la no quarto? — perguntei por cima do ombro.

    A mulher encarou-me.

    — Vá.

    Entrar naquele quarto era atormentador. Costumávamos passar dias inteiros nele assistindo a filmes, jogando conversa fora e nos beijando. Eu costumava gostar daquele lugar, mas ele tinha se tornado apenas destruído em memórias de um tempo que não tornaria a existir.

    Esperei-a sentado na cama. Quando ela entrou no quarto estava com uma camiseta branca manchada com várias cores. Ela costumava pintar muito o cabelo e, quando saía com ele pingando do banho, colocava aquela camiseta que já estava manchada. A cor da vez era laranja.

    Ela arquejou e deixou a toalha que segurava cair no chão quando me viu. Seus olhos estavam tão esbugalhados que parecia que iam saltar do rosto. A minha presença deveria ser perturbadora.

    — Gustavo? — ela disse quando recuperou a voz e se agachou rapidamente para recolher a toalha no chão. Ela odiava que eu a visse sem maquiagem e com roupas desleixadas. Odiava que eu a visse com o cabelo desgrenhado. Odiava que eu a visse como ela era. — O que está fazendo aqui?

    Desviei o olhar.

    — Vim conversar.

    — Não temos o que conversar.

    Ela ficava igual sua mãe quando estava nervosa. Seus dedos se retorciam e ela se agitava. Laura não era do tipo de garota que ficava nervosa ou envergonhada e isso me desestabilizou por alguns segundos; somente alguns segundos, porque logo eu estava firme novamente em minha decisão.

    — Nós temos bastante o que conversar, Laura, e você sabe disso.

    Ela não me encarava. Encarava o chão, em vez disso, com uma determinação assustadora. Ela não me olhava. Eu queria que olhasse, queria desvendá-la, queria entendê-la. Laura não se deixava ser descoberta.

    — O que quer saber? — ela murmurou.

    Analisei-a por alguns segundos.

    — Por quê? — minha voz não passava de um sussurro.

    Ela hesitou.

    — Eu sempre tinha sido apaixonada por Edgar — ela começou sem parar de retorcer suas mãos. — E quando surgiu a oportunidade…

    — Por que ficou comigo então?

    Ela levantou seu olhar e me encarou firmemente, dando-me a oportunidade para desvendá-la. Daquela vez, porém, eu não tinha forças para isso. Não tinha forças para tentar descobrir o que ela pensava. Não tinha forças para nada.

    — Porque eu queria deixá-lo com ciúmes.

    Nunca pensei que a verdade crua daquela forma pudesse machucar tanto. Então ela nunca tinha sentido absolutamente nada por mim e eu era apenas mais uma… peça em seus jogos? Fazer ciúmes. Eu poderia lidar com qualquer coisa, menos com isso.

    — Você significava muito para mim — murmurei. — É tão injusto…

    — A vida não é justa.

    — Isso não é justificativa! — gritei. — A vida não ser justa não é desculpa para você magoar quem quiser!

    Ela suspirou e se aproximou de mim.

    — Eu sempre gostei dele, tá legal? E o meu coração não conseguiu se controlar naquele dia. Eu sabia que não era justo, mas o meu coração não sabia de nada. Essa coisa que tem no meu peito é idiota por gostar de alguém que não gosta de mim. E eu sei. Acredite, eu sei. E acha que eu posso fazer alguma coisa em relação a isso?

    — Eu sei, também, que não dá para controlar esses sentimentos malditos pelas pessoas erradas — exclamei. — Mas dá pra controlar algumas atitudes e você podia ter controlado a atitude de ficar comigo. E não tem nada a ver com o coração nesse caso.

    Ela ficou de costas para mim, dando-me a visão de um pingo de água laranja se infiltrando em sua camiseta branca.

    — Você não sabe nada sobre desespero. E não sabe nada sobre estar apaixonado por uma pessoa e querer desesperadamente tê-la ao seu lado. Você está me julgando sem saber.

    — Eu sei sobre o desespero — minha voz estava rouca. — E sei sobre o que é se apaixonar pela pessoa errada. Também sei… como é quando você fica com essa pessoa. Mas você não pode magoar alguém completamente aleatório só por causa…

    — Não dá para pensar coerentemente — sua voz foi um muxoxo.

    Respirei fundo e fechei minhas mãos em punhos.

    — Eu já te magoei?

    — O quê?

    — Eu já te magoei?

    Ela olhou-me por sobre os ombros. Algumas acnes se destacavam em sua bochecha desprovida dos quilos de maquiagem que ela sempre usava. Eu gostava de vê-la como ela era; era linda.

    — Não. Por quê?

    — Porque eu sempre gostei de você — dei de ombros. — Desde… eu nem sei. Faz tanto tempo que eu não consigo nem imaginar. Mas você nunca gostou de mim, então nada que eu fizesse a afetava. Se ele não gostava de você, o fato de você ter ficado comigo não ia atingi-lo. No mínimo ele acharia legal que você tinha desgrudado do pé dele — encarei o chão. — A única pessoa que saiu magoada nessa história fui eu. Porque três meses significam mais do que você pode imaginar.

    — Três minutos também — ela murmurou.

    — Sério? Foi esse o tempo que ele ficou com você?

    Ela deu de ombros.

    — Deve ter sido. Ele não é do tipo que fica a festa toda com uma só pessoa.

    Encarei-a, mas ela olhava o chão. Ela não gostava que eu desvendasse a sua fraqueza; somente me olhava quando estava firme em sua decisão e sabia que não vacilaria.

    — Você deveria encontrar alguém melhor — o meu desejo era sincero, mesmo que meu coração se apertasse ao proferir aquelas palavras. Eu não costumava ser tão altruísta e aquilo estava me destruindo. Ela estava me destruindo. E eu precisava tirá-la de minha vida antes que fizesse um estrago ainda maior.

    — Eu já encontrei — ela sussurrou e fechou os olhos. — Mas perdi.

    Mais uma pontada dolorida no meu coração. Ela continuava me destruindo. Ela nunca pararia.

    — Não ia ser a mesma coisa… — se eu pensava que doía falar que ela deveria encontrar alguém melhor, então eu não conhecia a verdadeira dor. Curvei-me como se tivesse levado uma facada por minhas próprias palavras. Masoquista, além de tudo?

    Idiota, além de tudo.

    — Eu sei — ela me encarou firmemente. — E não estou pedindo. Já entendi que as coisas nunca voltam a ser as mesmas depois de algum acontecimento importante. E a única coisa que posso pedir para você é… Me esquece, tá legal? Eu já te magoei o suficiente.

    Minha garganta se fechou. Deus do céu, como eu a amava! E, mesmo assim, não conseguiria ficar com ela. Não sabendo de seus sentimentos por outro cara, não sabendo que ela me usaria para esquecê-lo. Eu queria, do fundo do meu coração, que ela fosse feliz e que começasse a se valorizar. No entanto, não suportaria fazê-la feliz. O fantasma de Edgar estaria sempre entre nossas conversas, entre nossos beijos, entre nossos abraços. E eu não queria um fantasma atrapalhando a minha vida.

    Não era tão autodestrutivo apenas por um amor não correspondido. Eu precisava me recuperar dela.

    — Perdão — ela sussurrou. Nunca pensei que eu fosse ver Laura, a forte e orgulhosa Laura, pedindo perdão a alguém. Ela parecia sem forças por alguns instantes. Eu sabia que no minuto seguinte ela já estaria com a postura ereta e com o olhar firme, mas por alguns segundos ela me mostrou a sua vulnerabilidade e me pediu perdão.

    Isso deveria contar para alguma coisa. Fazê-la deixar cair suas defesas e pedir perdão era um passo muito maior do que eu poderia ter imaginado dar. O que eu poderia fazer senão tentar?

    Hoje preferencialmente.

    — Vou tentar — sussurrei também. — Vou tentar hoje. E amanhã também. E algum dia eu vou conseguir.

    Ela assentiu sem me olhar. Queria abraçá-la, beijá-la, dizer-lhe para esquecer tudo. Queria dizer que tudo daria certo se tentássemos com bastante afinco, mesmo sabendo que não daria. Mesmo sabendo que ela nunca me amaria como eu talvez a amasse. Mesmo sabendo que… não era certo ou sadio.

    Eu não podia.

    — Espero que… — as palavras se engasgaram em minha garganta. — Tomara que ame um cara que te ache linda sem maquiagem, com cabelo natural e com qualquer roupa. Porque você é linda assim. Acredite em mim.

    Eu deveria ser mesmo um idiota por ter dito isso. Mas eu precisava que ela confiasse em si mesma e tentasse conquistar os caras com sua beleza natural, não com quilos de maquiagem. Precisava dizer o que estava preso em minha garganta durante três meses — até tinha tentado dizer de formas discretas, mas aparentemente nada funcionou — e mostrar para ela que eu realmente estava tentando perdoá-la.

    Precisava limpar o caminho e não deixar nenhum entulho para me atrapalhar. E aquela era uma das coisas que eu não poderia deixar de dizer, que eu precisava que ela soubesse. Era uma das coisas que precisava falar — não somente guardar em pensamentos.

    E então não restava mais nada.

    Ela não me olhou quando eu saí do seu quarto em passos arrastados; e enquanto eu estava parado esperando por alguma reação ela não olhava para mim, e sim através de mim. Laura enxergava um horizonte bem mais ao longe e sabia que chegaria lá. Ela sempre ia mais longe do que qualquer ser humano pensava que tinha a capacidade de ir. Sua mãe também não me disse tchau quando eu passei do portão para fora. Não houve nenhuma reação. Nada. Nada que me prendesse ao passado. Nada que me dissesse para voltar. Talvez fosse melhor assim; talvez esse fosse o único jeito de seguir em frente.

    Mas Deus sabe como eu queria que Laura tivesse corrido atrás de mim e tivesse falado para a gente tentar. Tivesse falado que a gente conseguiria, não importava quais fossem as circunstâncias. Tivesse falado que aprenderia a me amar de alguma forma e a respirar o mesmo ar que eu. Talvez não desse certo, no entanto nós teríamos tentado.

    Só que não houve nada.

    E é essa a parte que eu deveria chorar e ir correndo para o colo de minha mãe. Sabia que não faria isso; nunca tinha feito, por que agora? A tristeza me consumia e me deteriorava, mas era passageira. Porque as coisas passam; tanto boas quanto ruins. Aquilo passaria algum dia. Sempre passava.

    E então seria o nosso definitivo fim. A nossa última página de superação. A partir daquele dia, comecei a contar as horas para isso acontecer.

    ENCONTRANDO

    Não foi tão difícil encontrar a garota misteriosa. Tendo todos os nomes de meninas — ou mulheres — que emprestaram os livros naquele dia, encontrar a pessoa certa por meio de redes sociais não foi complicado. Eu só precisei procurar.

    Dividi os nomes das pessoas em grupos alternados de acordo com as informações que retirei dos perfis delas. Analisei-os calmamente e tentei encontrar qualquer coisa que indicasse qual tinha sido a garota dona daquelas palavras, mas no final ela era bem óbvia.

    Sabrina Ferreira. Era esse o seu nome. Suas redes sociais não tinham muitas publicações; mas as poucas que tinham eram relacionadas a livros ou a textos seus. Ela era a garota certa. Eu tinha completa certeza daquilo.

    E eu queria contatá-la. Queria conversar com ela, explicar que encontrei seu texto, pedir mais textos, pedir mais de suas ideias geniais, perguntar se ela seguia seus próprios conselhos. Queria me tornar seu amigo e tê-la ao meu lado me aconselhando. Queria também perguntar por que ela tinha deixado aquela carta no meio da biblioteca. Tinha tantas dúvidas.

    Mas como conversar com ela?

    Ela não deveria ser do tipo que respondia qualquer oi dito por algum rapaz estranho. Parecia reservada a julgar pela quantidade pacata de publicações e acharia engraçado, no mínimo, um rapaz que nem a conhecia chegar com um oi cru. Talvez se chegasse com um oi, tudo bem? ela pudesse responder. No entanto, não queria testar.

    Enviei-lhe um convite de amizade e abri o chat. Sabia que havia uma forma garantida de chamar sua atenção e de fazê-la aceitar o meu convite. Ela tinha que saber quem eu era e com quem estava lidando.

    GUSTAVO SILVA: Encontrei a sua carta na biblioteca.

    Como o previsto, ela não respondeu imediatamente. Talvez tenha surgido duas ou três horas depois; talvez tenha estado muito ocupada ou tenha demorado esse tempo para pensar em uma resposta, sem ter chegado a nenhuma conclusão. Ela poderia ser daquele tipo de garotas que ignoram… Mas ela apareceu. Sem nenhuma desculpa para o motivo da demora — compreensível, visto que eu era um total estranho. Logo depois de ter aceitado o meu convite de amizade chegou a sua mensagem.

    SABRINA F.: Como assim?

    E se não fosse ela? E se a garota que tivesse escrito aquilo simplesmente não tenha emprestado nenhum livro na biblioteca naquele dia?

    GUSTAVO S.: Aquela carta sobre descomplicar a vida. Foi você que a escreveu?

    Dois minutos depois, recebi a sua resposta.

    SABRINA F.: Por que quer saber?

    Ela estava na defensiva; isso significava que ela tinha mesmo escrito aquilo e queria saber urgentemente por que eu a procurava. Teria que lhe explicar.

    GUSTAVO S.: Eu gostei dela. Gostei da ideia e quero aplicar todos aqueles conselhos na minha vida. Queria saber quem tinha escrito.

    SABRINA F.: Fui eu mesma. Obrigada por ter gostado do texto!

    A formalidade da conversa estava me incomodando, apesar de ser compreensível. Ela não deveria ser uma pessoa tão chegada a escrever errado, nem que fosse na internet, assim como eu. Ela era escritora e, provavelmente, não quereria pecar na escrita por descuido.

    GUSTAVO S.: Eu gostei mesmo. Tipo, quero aplicar tudo na minha vida, desatar todos os nós e tal.

    SABRINA F.: Isso é bem legal! Nunca imaginei que quem encontrasse fosse me procurar hahahaha. Aliás, como me achou se a carta era anônima?

    GUSTAVO S.: Segredo…

    SABRINA F.: Ah, não me venha com essa!

    GUSTAVO S.: Algum dia eu te conto, talvez...

    SABRINA F.: ...

    GUSTAVO S.: Hahahahaha. Tô brincando! Mas não tanto…

    SABRINA F.: *respirando fundo*.

    GUSTAVO S.: Hahaha.

    SABRINA F.: Você tá com o meu texto, então?

    GUSTAVO S.: Sim.

    SABRINA F.: Eu esqueci de passar ele pro computador, argh! E eu meio que precisava do papel porque eu gostei do texto e tal…

    Três minutos depois, finalmente tomei coragem para lhe responder.

    GUSTAVO S.: Quer que eu te devolva o papel? Quer me ver pessoalmente?

    SABRINA F.: Sim! Não… hahahaha. Acho que é meio recente te ver (logo depois da nossa primeira conversa). Quero dizer, eu nem te conheço. Vai que você é um pedófilo assassino hahahaha. Enfim, acho que eu só queria que você digitasse o texto pra mim :(

    GUSTAVO S.: A gente nem se conhece e já tá me dando serviço? Hahahaha.

    SABRINA F.: Tá bom. Esquece.

    GUSTAVO S.: Não! Eu vou digitar e te mandar. Tá?

    SABRINA F.: Se não quiser…

    GUSTAVO S.: Eu vou digitar.

    Pegar no papel e sentir todas as emoções novamente foi confortador. Percorrer aquelas linhas com os olhos e escrever as mesmas palavras, senti-las em minhas mãos como se saíssem diretamente delas era emocionante. Lembrava-me do filme As Palavras. Não pude deixar de sorrir ironicamente ao me lembrar de todos os acontecimentos da história, quando um escritor se sentiu tão arrebatado por encontrar palavras perdidas que teve que escrevê-las e, por fim, publicou-as como se fossem suas. Mas eu não era um aspirante a escritor. Eu era um leitor fiel, que gostava de assistir filmes e tinha paixões não correspondidas. E não roubaria as palavras de Sabrina.

    GUSTAVO S.: Já assistiu As Palavras? Tô me sentindo como o Rory do filme. Vou roubar as suas palavras e publicar como minhas hahahaha.

    SABRINA F.: Nem tente! Hahahaha. Não ia funcionar como no filme. Você não ia ficar famoso de jeito nenhum!

    GUSTAVO S.: Quem sabe eu não tenho mais sorte…

    SABRINA F.: Vá nessa…

    Depois de uma pequena pausa na conversa, enviei:

    GUSTAVO S.: Sabe o que o seu nome me lembra?

    SABRINA F.: Diga.

    GUSTAVO S.: Salina. Vou começar a te chamar de Sali, tudo bem?

    SABRINA F.: Não me chame de Sali! Tá acabando com o meu nome! Hahahaha.

    GUSTAVO S.: Aprimorando apenas hahahaha. De qualquer jeito, é mais fácil falar Sali do que Sabri.

    SABRINA F.: E quando acha que vai falar meu nome?

    GUSTAVO S.: Qualquer dia desses que você pare de pensar que eu sou um pedófilo assassino e me dê um voto de confiança para nos vermos pessoalmente.

    SABRINA F.: Talvez demore…

    GUSTAVO S.: Eu sei esperar ;)

    Ela não falou comigo até eu terminar de digitar o seu texto e mandá-lo para ela.

    GUSTAVO S.: Vai postar no seu blog?

    SABRINA F.: Você realmente me procurou em tudo, não é?

    GUSTAVO S.: Não se responde uma pergunta com outra hahahaha.

    SABRINA F.: Não vou postar esse… acho ele muito pessoal.

    GUSTAVO S.: Ia atingir alguém?

    SABRINA F.: Talvez… hahahahaha. Obrigada por ter digitado o texto!

    GUSTAVO S.: Quando precisar tô aqui ;)

    SABRINA F.: Eu tenho que ir agora.

    GUSTAVO S.: Posso falar com você amanhã?

    SABRINA F.: Pode sim!

    GUSTAVO S.: Não quer me passar o seu número? É que é mais fácil de a gente conseguir conversar em horas aleatórias e tal…

    SABRINA F.: Ainda não hahahaha. Não quero ser encontrada, por enquanto.

    Não queria ser encontrada? Aquele foi um corte meio cruel.

    GUSTAVO S.: Tudo bem então, Sali (hahahaha). Até amanhã!

    SABRINA F.: Até!

    Depois de falar com ela fui buscar o meu irmão na escola. Eu tinha um irmão chamado Rafael que era dez anos mais novo que eu e nós dois ficávamos sozinhos a maior parte do tempo. Meus pais eram separados e eu vivia com a minha mãe, apesar de visitar meu pai aos fins de semana. Algumas vezes Rafael ia sozinho, mas eu gostava de acompanhá-lo.

    A minha mãe era enfermeira e trabalhava no turno da tarde e da noite quando não estava de plantão. Ela tentou conseguir um emprego nesses turnos porque eu estudava de manhã e Rafael não poderia ficar sozinho (quando ela estava de plantão, o trancávamos dentro de casa até eu chegar da escola. Ele costumava assistir a desenhos e fazer tarefas, tentando distrair-se ao máximo. A ordem era: não atenda ninguém, não importa o que aconteça, e ignore qualquer chamada de telefone. Funcionava bem). Ele estudava à tarde — o momento livre do meu dia, quando eu podia fazer tarefas e ler meus livros — e durante a noite eu lhe fazia companhia. Era uma rotina que já tinha dois anos e que, sinceramente, não me incomodava. Provavelmente já estava tão acostumado que mal pensava sobre o assunto.

    — Oi, Guto! — disse Rafael, parando ao meu lado.

    Eu era alto e magro. Com 1,80 de altura mal distribuídos, era engraçado ver-me diante de um bando de crianças pequenas que me olhavam admiradas. Os amigos de Rafael gostavam de mim e me falavam constantemente que queriam ser como eu quando crescessem. Não conseguia entender o porquê.

    — E aí, Rafa — baguncei seu cabelo, fazendo-o me lançar uma careta engraçada.

    — Cadê a sua namorada? — perguntou um dos amigos do Rafa que eu não conseguia recordar o nome. — Ela não vem mais…

    Eles também gostavam de Laura, que às vezes vinha junto comigo. Achavam divertido o seu cabelo colorido e também falavam que queriam arranjar uma namorada como ela quando começassem a gostar de meninas, o que soava muito engraçado para mim. Até os nove anos os meninos só pensam praticamente em acabar com a vida das garotas. Mal sabem eles após essa idade são elas que destroem as nossas vidas…

    A menção à Laura fez as minhas pernas bambearem. Eu sabia que com o tempo a sensação de vazio tendia a piorar — provavelmente ainda não tinha percebido direito que ela nunca mais faria parte de minha vida —, mas naquele momento já foi ruim o suficiente. Obrigar as palavras a saírem de minha boca foi um processo doloroso.

    — Nós terminamos — respondi como se eu não me importasse. Tentei fingir indiferença, mesmo sabendo que aquelas crianças não entenderiam aquela dor. Eu precisava começar a fingir para praticar porque, desse modo, quando todas aquelas pessoas que sabiam o que eu sentia viessem me procurar eu poderia falar que não fazia diferença. Precisava treinar até que a mentira se tornasse verdade. Até que eu realmente deixasse de me importar.

    Houve um coro de tristeza muito bem ensaiado entre todos aqueles meninos. Rafa me olhava de maneira curiosa. Ele sabia que Laura e eu não estávamos mais juntos havia alguns dias — era basicamente o meu melhor amigo e, mesmo que não entendesse alguns sentimentos, eu costumava desabafar com ele — e parecia tentar analisar a minha expressão. Dei de ombros e forcei um sorriso.

    — Tô com fome — ele reclamou, por fim.

    — Então vamos — disse empurrando os seus ombros e acenando para todos aqueles meninos que me olhavam de maneira admirada. Não conseguia imaginar um motivo plausível para ser admirado por um bando de crianças sete anos, mas sabia que era real. E eu ficava feliz com aquilo.

    .

    — Eu adoro seu ovo mexido — disse Rafa com a boca cheia de comida.

    — Não fale com a boca cheia, seu mal educado — joguei um pano de enxugar louça nele. Seu rosto infantil se retorceu em uma careta. — Só quero te ensinar a ter bons modos — dei de ombros.

    — Você não parece muito educado jogando coisas em mim — ele me provocou.

    — Ah, é, pestinha?

    — É sim.

    — Então… não siga o meu exemplo.

    Ele riu antes de continuar comendo. Rafa era muito parecido comigo, apesar de ser várias vezes menor do que eu. Ele sempre se inspirava em mim e tentava ter o mesmo gosto, tanto para jogos quanto para gibis ou músicas. Imaginei que eu fosse algum tipo de ícone para ele, visto que nosso pai não vivia com a gente. Tinha que dar o meu melhor para ele ter alguém a quem seguir.

    — Guto… — ele me chamou, remexendo na comida em seu prato.

    — Sim?

    — Hoje, quando você falou da Laura, ficou tão triste. É estranho. Ela não era da família. Por que você ficou tão triste por se separar dela?

    A sua lógica infantil fez o meu coração se apertar. Na sua mente, apenas dentro de famílias que haviam sentimentos fortes e reais. Ela ainda não entendia que haviam intrusos em nossas vidas.

    Então, como explicar para ele que as pessoas não tinham que ser da família para nos entristecer? Como explicar para ele que os nossos pais não eram da mesma família, apenas tinham construído uma, e por isso o divórcio tinha sido tão doloroso? Como fazê-lo entender que as pessoas entravam nas nossas vidas, roubavam tudo o que tínhamos e depois iam embora sem devolver aquilo? Como explicar que Laura significava muito para mim?

    — É complicado, Rafa — resmunguei. — Ela não era da família, mas importava muito, sabe? Mais do que você pode imaginar… E ela partiu. Você não fica triste quando diz tchau pro nosso pai no fim dos nossos finais de semana?

    — Sim.

    — É a mesma sensação, só que eu nunca mais vou poder ficar com ela.

    — Por que não?

    Exatamente, por que não?

    — Porque chegamos a um ponto que só existem mágoas e ressentimentos e qualquer pequena faísca de alegria se esvai tão rapidamente quanto o vento — achei que fosse uma forma razoável de ele entender. Como lhe explicar que as pessoas eram capazes de trair tão cruelmente?

    Rafa ficou em silêncio. Pensei que fosse o silêncio de quem não tem o que dizer depois de alguma frase dolorosa,

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