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Alexia & Ricardo
Alexia & Ricardo
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E-book105 páginas1 hora

Alexia & Ricardo

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Sobre este e-book

Brasil. 1980. A paixão de Alexia é fazer bonecas de pano; a paixão de Ricardo é trabalhar na alfaiataria de seu pai. E parecem paixões estranhas e aleatórias, mas elas se tornam menos aleatórias quando eles percebem a existência um do outro. Estudar juntos a vida inteira não foi o suficiente para uni-los, afinal dificilmente existe amor à primeira vista, mas amor à segunda vista é completamente possível e, com Alexia e Ricardo, é também totalmente real.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de ago. de 2017
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    Alexia & Ricardo - Lenise Mendes

    cover.jpg

    Alexia & Ricardo

    Lenise Mendes

    Para a minha mãe linda e Renatinha, que tiveram a paciência de me ouvir durante toda essa criação.

    O INÍCIO

    Ricardo

    Eu nunca tinha a visto, até aquele dia.

    Eu não me importava quase nunca com o que acontecia na aula, apenas em ouvir os professores — isso, obviamente, quando eu estava de bom humor —, e saber que não tinha reparado nela antes me deixa de alguma forma assustado.

    Ela não era a garota mais linda da classe.

    Era discreta, à sua maneira, e não chamava muito a atenção para si mesma. A não ser quando levantava a mão e respondia em um tom alto e claro. Eu gostava de sua voz.

    Mas provavelmente a ouvi tantas vezes durante a aula que parei de dar importância a uma simples voz só porque tinha entonação forte e parecia nunca vacilar. Afinal, era apenas qualquer garota que não tinha nenhum efeito sobre mim.

    Até aquele dia.

    E então, não sei como, toda a minha vida conseguiu mudar. Ela entrou sem pedir permissão e mudou a minha rotação. A inverteu? Não poderia dizer. No entanto, depois que reparei nela de verdade alguma coisa mudou dentro de mim.

    E sim, foi repentino e forte. Acho que se encaixaria também dizer que foi mágico. E fez de mim uma pessoa totalmente nova.

    Alexia

    Eu demorei para reparar nele.

    Não era chamativo ou estonteante. Não tinha como repará-lo.

    Ele não era isolado; nem pensar que tinha como chamar a atenção desse jeito, porque ele tinha amigos. Nunca ficava sozinho durante o recreio. Mas, do mesmo jeito, nunca interferia na aula. Ficava sentado aos fundos, em silêncio.

    Ele não lia também. Não tinha como reparar nele por causa de um livro porque ele nunca carregava nenhum.

    Ele era absolutamente normal e insignificante. Assim como eu, talvez.

    Mas se ele fosse tão insignificante, talvez não teria passado a me importar tanto com ele a partir de certo momento. Foi repentino, confuso e a coisa mais forte que eu tinha sentido em minha vida.

    E valeu muito a pena.

    PRIMEIRO DIA

    Alexia

    Era um primeiro dia de aula como vários que eu já tivera ao longo de minha vida. No geral, traziam alguma onda de novidade e empolgação. Eu até estava empolgada por ser o terceiro ano do ensino médio — e o último, o que sempre me deixava com um sorriso no rosto ―, mas não me pareceu nada diferente aquele primeiro dia de aula.

    Era mais do mesmo, como sempre tinha sido. E não era exatamente uma quebra de rotina, porque a real quebra de rotina acontecia nas férias, que eram o menor período do ano.

    Parecia idiota ficar tão empolgada com um primeiro dia de aula.

    Reencontrar-me com todas aquelas pessoas me pareceu natural e, como sempre, os diálogos foram forçados. Os diálogos geralmente são forçados depois que você passa um ou dois meses sem conversar com uma pessoa. Parece que tudo volta à estaca zero, só que saímos dela mais facilmente do que quando realmente estamos na estaca zero.

    Tudo normal. Alguns professores novos. Alguns alunos novos. Todos insignificantes. Não que não valessem nada, no entanto não trariam nada de novo para a minha vida. Entrariam nela e a deixariam com uma facilidade tão simples que não daria tempo de o coração bater uma única vez antes que partissem, sem acrescentar nada e sem levar nada.

    O mesmo do mesmo, como já havia dito.

    Passei o recreio com as pessoas que haviam me acolhido desde sempre e que tinham conhecido uma pessoa um pouco diferente da que eles conviviam agora — mesmo assim, nunca me abandonaram completamente e eu me sentia sortuda, porque já tinha sido abandonada e a experiência não tinha sido agradável. Nunca é legal ser abandonada ou trocada ou ignorada.

    Mesmo depois de entender que essas pessoas também deixariam a minha vida logo e seriam apenas um borrão indistinto, às vezes do paraíso, às vezes do inferno, eu gostava de pensar que elas não me abandonariam. A vida trataria de nos afastar. Como sempre acontece.

    Apenas mais do mesmo.

    E, no final do dia, eu só tinha a minha família e algumas bonecas de pano para recorrer. E era uma das poucas partes da minha vida que me fazia sorrir de verdade.

    INTERAÇÃO SOCIAL

    Ricardo

    Estava fazendo a barra de uma calça social quando o meu pai me dispensou e tomou o meu lugar. Ele sempre fazia isso e nem se importava em me dirigir uma palavra. Era o jeito dele, silencioso, reservado. E eu já sabia quando poderia comer uma bolacha e tomar uma xícara de café. Aquela era a nossa rotina.

    As manhãs sempre eram um borrão indistinto para mim. Tentava absorver parte do conteúdo que os professores se esforçavam para explicar, mas na maior parte do tempo imaginava quais eram os pedidos para a tarde. Tinham dias que eram barras de calças ou bolsos rasgados ou coisas estúpidas e inúteis, mas às vezes haviam pedidos completos de ternos, que meu pai raramente me deixava fazer. De qualquer forma, gostava de ver suas mãos habilidosas trabalhando naquelas peças.

    Ajudava meu pai na alfaiataria desde que me entendia por gente. Ele nunca me explicava nada em voz alta e parte de tudo o que eu sabia — ou, simplesmente, tudo o que eu sabia — tinha aprendido observando. Ele não gostava de ser observado, mas tampouco me tirava do balcão que eu sempre me encostava, então eu achava que estava tudo bem.

    Mesmo quando minha mãe ainda estava viva, meu pai falava pouco. Quando ela morreu, pareceu ter parado de vez. Mesmo antes de minha mãe falecer, meu pai já tinha pessoas contratadas apenas para anotar os pedidos. Ele odiava interação social. Talvez ele nunca tenha falado. Talvez a minha mãe tenha se apaixonado pelo silêncio. Às vezes, eu o preferia, mas dava-me muito tempo para pensar e tinham dias que minha cabeça quase explodia. Assim como tinham momentos que tudo se esvaziava da minha mente e eu me sentia muito confortável.

    Por isso que eu tinha amigos na escola. Eu precisava preencher o silêncio a que era submetido durante a tarde toda e durante a noite. Ao decorrer das aulas, o barulho de carteiras e vozes — muitas vozes — já eram o suficiente para eu me sentir confortável.

    Eu venerava tanto o silêncio quanto o barulho e não conseguia entender minimamente o que aquilo significava. Talvez eu precisasse dos dois.

    Tinham dias que eu xingava meu pai mentalmente por ele ficar em silêncio, apesar de eu também não conseguir falar muito. Tempo demais calado. Quando a minha mãe era viva, eu costumava falar sem parar. As únicas palavras que meu pai me dirigia — isso é, quando me dirigia a palavra

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