O Direito E O Dever De Curar-se
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O Direito E O Dever De Curar-se - Carlos França
INTRODUÇÃO
O mundo está cheio de coisas interessantes, atrativas e
mesmo providenciais como os avanços biomédicos que tem
aumentado a nossa expectativa de vida. E isso é algo valioso, pois
são passos na direção de uma melhor qualidade de vida. Hoje
vivenciamos uma tecnologia que de casa mesmo alcançamos os
quatro cantos da Terra e os mais variados conhecimentos,
produtos, culturas, nações e indivíduos. Tudo isso como em
nenhuma outra época da história humana.
Os entusiastas nos dizem o quanto essa conquista é
transformadora e surpreendente, pois finalmente formamos uma
aldeia global com tudo interligado. De fato, não podemos
desconsiderar essa realidade, ao menos, não completamente.
Mas ainda assim, em meio a tanto desenvolvimento
tecnológico não temos nos qualificado o suficiente para o encontro
mais importante da vida. Na verdade, o mais promissor de todos.
Que nada mais é do que o encontro com nós mesmos. Esse
princípio único, essencial e enriquecedor que é nossa
singularidade nesta condição humana. De longe, é esta condição
humana o acontecimento mais extraordinário no universo.
Por outro lado, as notícias do mundo são as mais variadas
e arrasadoras nas diferentes mídias, como bem sabemos e
acompanhamos. Em função disso, para milhares de pessoas, o
mundo se apresenta cinzento e sem esperanças, complicado e
desumano. E dessa forma alimentam a crença de que certos valores
estão quase desaparecidos ou deturpados completamente. No
mínimo, difíceis de serem alcançados numa sociedade cada vez
mais conturbada.
E não para por aí, já que o caso parece ser mais sério. É
uma realidade, grande parte das pessoas se volta apenas para as
externalidades, ou seja, para o aspecto material e para o palpável.
Enquanto a busca interior, a busca do conhecimento de si, esta
relegada a um segundo plano ou a plano algum.
Será que fracassamos neste aspecto? É o tipo de
questionamento que poderíamos fazer neste instante frente a essas
considerações.
Penso que não.
Até porque não podemos ignorar uma verdade: sempre
fora uma tarefa árdua a jornada do autoconhecimento em
qualquer época e em qualquer contexto. Um verdadeiro desafio e
uma respeitável aventura que deve ser trilhada até nosso âmago
para desvendar quem somos, o que verdadeiramente desejamos e
realizar nossa vocação e destino, por assim dizer.
Tal percurso traz em sua essência um componente mítico
e sagrado. É uma jornada arquetípica em termos psicológicos. Em
outras palavras, existem padrões de vivência humana, sem tempo
nem espaço e assemelhadas nas diversas culturas humanas que
deveríamos observar, tirando lições daquilo, para realizar
determinado fim ou simplesmente vencer as provas do processo
humano. Esse conhecimento se encontra nos mitos, lendas e
sonhos; na sabedoria dos povos de todos os tempos; nas tradições
e etc.
E hoje com tantos atrativos externos, isso pode nos distrair
ainda mais do caráter singular dessa jornada, afastando-nos do que
é realmente importante para as nossas vidas, ou seja, os bens do
espírito, a riqueza interior e o desenvolvimento do ser. Por vezes,
as sociedades primitivas estavam mais próximas de aspectos
importantes da psique porque justamente tinham um contato
maior com a simplicidade, a sabedoria natural e o sagrado. Isso não
significa que o primitivo era melhor e o atual um horror sem
conserto, sem esperança.
E como tudo tem dois lados, este tempo pós-moderno
também nos coloca diante de tantos conhecimentos preciosos e
práticas inestimáveis, inclusive as de nossos ancestrais, que
podemos nos considerar privilegiados por vivermos nesta Era da
Informação. No mínimo, a isso deveríamos agradecer com boa
vontade e esperanças renovadas.
De toda forma é uma atitude de maior consciência e
sobretudo saudável o aproveitamento das qualidades desta época,
pois tudo está posto aí como um grande manancial de interação e
de possibilidades. Assim, com algum cuidado, estudo e pesquisa
interna, filtraremos o que há de melhor para nossas vidas. Nesse
sentido, uma boa recomendação é seguir sempre na direção que
leva ao crescimento pessoal.
Sim, mas como faríamos isso?
A fórmula é bastante simples, embora poucos coloquem
em prática e muitos a desconheçam. De maneira responsável e com
esforço procurar aquilo que nos faz bem de um lado, e, melhores
como pessoas, de outro. E o que nos faz bem aqui é realizar nossos
desejos, objetivos, o que nos é prazeroso e confortável. Mas isso só
não basta, temos de ser melhores como pessoas, o que implica
necessariamente em uma maior responsabilidade pessoal, social e
mesmo planetária, para ser exato.
E em primeiro plano, trabalhar nossas habilidades e
qualidades pessoais, que devem ser convocadas para agir e nos
ajudar com todas as exigências do mundo. Afinal, somos uma
mistura de lutas, adversidades e experiências durante a vida toda e
isso evidentemente tem um valor, tem uma força, é um poder.
O que nos leva a uma questão importante, como
deveríamos encarar a vida?
Não há uma única reposta evidentemente, mas se poderia
afirmar que para qualquer um ter uma atitude ativa e positiva
garantiria melhores soluções e crescimento diante dos desafios da
vida.
E se perguntássemos o modo de encarar a vida as pessoas
mais experientes ainda poderíamos ouvir este alerta: "Claro, tudo
também vai depende das escolhas que façamos, o que trará bons
ou maus frutos".
Muito bem, isso é uma verdade. E desde já nos chama a
atenção para o livre-arbítrio, as vocações de cada pessoa e seus
interesses. E mais, para a responsabilidade individual e o respeito
à liberdade do outro.
Por outro lado, a vida nos convoca desde o nascimento,
não importando como a olhamos, a sentimos ou ainda como
nossa cultura a traduz, para os desafios da realidade.
Não é uma novidade isso ou uma descoberta particular de
um lugar ou de um tempo. De fato, a vida é uma luta! É um fluxo
incessante de provas que chama a todos. C. G. Yung, dizia, "O
mundo no qual nós penetramos pelo nascimento é brutal, cruel e,
ao mesmo tempo, de uma beleza divina."
E para isso não importa quem você é, a posição alcançada
na sociedade, suas relações e influências, e mesmo quanto dinheiro
você tenha. É um fato existencial, estamos numa teia infinita de
desafios. E mais, simplesmente não podemos rejeitá-los ou fugir,
pois é isso o que faz a vida acontecer e se renovar o tempo todo.
Na verdade, precisamos estar dispostos a ver os
acontecimentos e as crises como uma oportunidade, como uma
abertura na vida. É um pensamento mais promissor, embora possa
parecer um tanto forçado para alguns. Não é o caso, pois na prática
funciona bem.
Uma outra imagem possível é encararmos a vida como
lutadores ou guerreiros numa arena, deixando de sermos de uma
vez a pobre vítima ou os coitadinhos. Costume dos mais feios, que
poucos reconhecem como seu, por sinal.
Se olharmos bem para nossas vidas, iremos constatar de
imediato que foram os ditos desafios os maiores responsáveis pela
superação, o crescimento, o amadurecimento e a realização.
Não podemos culpar a existência de ser ineficiente quanto
a isso, embora seus métodos nos custem um tanto de suor e dor.
Aqui, caberia a cada um se perguntar: quantas vezes já não
fui herói?
E então, o que me vocês me dizem?
Do meu ponto de vista não há dúvida. Sim, claro que sim,
muitas vezes!
Mesmo diante do fato de que algumas lutas tenham
declinado em dúvidas, temores, ignorância, convicções ruins,
sensação de derrota e mortificações do ser, puderam ser resgatadas
depois como aprendizado e experiências. Afinal é para isso que elas
servem mesmo. De todo jeito, tantas outras vivências nos
blindaram com vitórias, com o despertar da consciência, a
descoberta do sentido da existência ou simplesmente um sabor
maior da vida.
Assim, nada mais justo do que estabelecer alguns
referenciais de conhecimento e práticas que tragam mais luz a esse
processo de descoberta e avanço na vida. E me atrevo a dizer,
alguma beleza a paisagem por onde atravessamos. Porque há
momentos que estamos perdidos, confusos, complicados,
amedrontados e deprimidos. E tudo que o vasto mundo parece
oferecer são paisagens estéreis, lugares sombrios e crenças
mutiladoras. Somos jogados de um lado para outro sem muitas
esperanças e penetramos uma confusão maior ainda.
Em meio a tais reflexões, e, não menos importante, por
alguns incentivos recebidos com certa constância de pacientes,
decidi finalmente escrever um livro com essa proposta de ajudar as
pessoas em suas questões, em suas relações com outros, com o
mundo e consigo mesmas. Talvez acender uma espécie de lanterna
de ideias, conhecimentos e reflexões para os momentos de
conflitos ou dúvidas. Ou simplesmente para lançar uma luz em
certos caminhos, em certos modos de vida ou de comportamento.
De forma mais pessoal, algo em mim se rendeu a música
das batidas dos corações, do meu próprio e de muitos outros, para
trazer uma mensagem viva e atual.
De cara, imaginei que seria um desafio diferente dos
escritos literários, embora algo já pulsasse, cheio de sentido e de
vida, tomando seu próprio rumo criativo. E isto revelava o quanto
seria satisfatório o envolvimento em tal projeto. O que fez crescer
a vontade de que a história do cuidado com o outro formasse uma
trilha mais larga em atenção ao ser humano, e particularmente, a
um dispositivo de cura que pudesse ser colocado em ação na forma
de texto e palavras. Um simples e afetivo chamado ao todo que
presenciamos, tanto dentro como fora. E se nada poder ser
escutado, que ao menos seja sentido ou visto, mesmo que um
pequeno ponto no horizonte, um porto seguro dos buscadores de
seus sonhos, de seus aprendizados e de suas superações.
Assim, este livro, O Direito e o Dever de Cura-se, nasce do
estudo, da experiência, da minha vivência e do amor ao cuidar de
pessoas no campo da saúde. E aqui não posso deixar de mencionar
e esclarecer, com merecida justiça e simpatia, o incentivo de
pacientes que há muito desejavam ver tal experiência na forma
escrita; de pessoas