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O Ingá Dourado
O Ingá Dourado
O Ingá Dourado
E-book231 páginas3 horas

O Ingá Dourado

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Sobre este e-book

Uma grande aventura perdeu-se no tempo; ficou esquecida nos grandes poemas dos guerreiros elementais que habitaram antigas eras de uma região Amazônica. Naquele tempo, Iakirá era povoada por seres misteriosos que deram origem às mais belas lendas brasileiras. Uirá Icaiçu, o grande líder daqueles povos, se vê num terrível conflito quando invasores tomam o Domínio dos orgulhosos Tapajós para explorar a seiva do Inga dourado. Os estranhos atravessaram a imensidão do mar de Guarapari para roubar e matar povos que viviam em paz com as árvores e os animais. Será Uirá capaz de deter a destruição causada pelos invasores? Conseguirá unir suas forças às mulheres Icamiabas, Cobra Norato e as Árvores-guaranis para acabar com o inimigo? O livro Ingá dourado reúne lendas brasileiras, a História deste país atravessada pelo descaso com as matas, uma poesia inspirada em Manoel de Barros e um grande desejo de valorizar a cultura indígena que foi menosprezada pelo espírito bruto dos colonizadores. Todos esses elementos se juntam para formar uma grande aventura em um ambiente natural e poético.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de mar. de 2020
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    O Ingá Dourado - Riccardo Bianchi

    Ingá dourado

    Ygarani

    Riccardo Bianchi

    Ficha catalográfica

    Bianchi, R., 2019

    Ingá dourado –  Ygarani

    www.ingadourado.com

    ISBN: 9781688188617

    Registro Biblioteca Nacional: 551.579

    Ficção; 2. Desmatamento; 3. Meio ambiente; 4. Floresta Amazônia

    Personagens

    Curumiacé Pohyikue

    Jovem sonhador protegido por Uirá Icaiçu.

    Katupyry

    Timoneiro do barco de guerra de Uirá.

    Kiri

    Mãe de Curumiacé.

    Mapinguari

    Caruana protetor das matas.

    Norato

    Amigo de Uirá e possuidor de poderes antigos.

    Nuvaha

    Caruana da guerra e protetor dos guerreiros.

    Peri

    Principal amigo de Uirá.

    Tata

    Pai de Uirá, já falecido.

    Toru

    Guerreiro e amigo de Uirá, também conhecido como flecha verde.

    Toryaçu

    Amigo de Curumiacé. Jovem alegre e bonachão.

    Uirá Icaiçu

    Líder dos ingás.

    Yurupary

    Caruana do mal. Senhor das armadilhas.

    Yvytu

    Caruana dos ventos.

    Dedicatória

    A meu senhor Girassol,

    Escudo de minha cabeça,

    Espada de meu coração;

    À minha Iara,

    Senhora de minhas águas,

    Espelho de meus sentimentos;

    A meus curumins:

    Henrique e Guilherme,

    Quem amo e vive em meu santuário.

    A minha mãe, avó e irmãos,

    Que foram o arco de minha flecha,

    Um caminho, uma direção.

    OEBPS/images/image0001.png Prólogo

    O planeta Terra possui uma vida de quatro bilhões e meio de anos com uma história marcada por inúmeros eventos fantásticos. Um dos principais eventos foi o surgimento da poesia que enriqueceu a jornada evolutiva do planeta e que fez a vida surgir de forma sublime e ensolarada.

    No início, tudo estava em caos completo: o calor excessivo derretia as rochas, convertendo-as em líquido espesso e caudaloso; as tempestades constantes desciam dos céus escuros e formavam correntes de águas violentas; os ventos sopravam com força brutal e deslocavam por muitos quilômetros vapores e fumaça em elevada temperatura. Quando a Terra estava em tormento em que fogo, ar, terra e água pareciam lutar entre si, a vida surgiu sem poética, sem rima. Mesmo assim, ela se fez presente em todos os lugares, como um vírus que acomoda-se nos remotos cantos de nosso corpo. A vida chegou nas profundas fendas das rochas, no fundo obscuro dos oceanos em formação e até em locais em que o calor excessivo estava presente. Como um ser obtuso, agressivo e impiedoso, dominou os espaços.

    A vida roubava todas as energias desgovernadas do planeta para modelar seus corpos e ressurgir em amplas formas. Alguns seres eram tão egoístas e desejaram com tanta força a matéria e a energia do planeta que criaram para si corpos densos, arrastando-se pelo lodo e pela escuridão: estavam mortos e não sabiam. Enquanto outros seres atraíram energias sutis e criaram corpos mais fluidos e maleáveis: eram corpos-poesia. Bactérias, plantas e animais de nosso tempo são exemplos de vidas com corpos de diferentes densidades, no entanto muitos outros tipos de seres caminharam sobre este planeta e nem sequer deixaram vestígios sobre suas vidas. Seus corpos-poesia eram de natureza tão distinta que a morte não era decomposição, mas sublimação de suas ideias. A matéria sutil que formava seus organismos se desprendia e se reintegrava às energias do planeta, como palavras ditas com significados distintos. A sutileza era tão grande, que algumas criaturas tinham a capacidade de modificar suas formas por influência de seus próprios pensamentos. Estes seres são conhecidos como elementais por algumas culturas atuais, mas eram apenas poesias. Eram flores que morriam e viravam passarinhos; homens elementais que após a doença choviam nos campos floridos; mulheres que geravam estrelas; penas que observavam os pássaros.

    Os elementais estavam ligados fortemente às energias que impulsionavam a evolução do planeta Terra. Eram capazes de manusear estas e criar muitas coisas. Estes seres fabulosos e de incrível inteligência percorreram séculos e séculos de existência desenvolvendo-se e, ao mesmo tempo, aprimorando o meio em que viviam. Muito antes de o homem modernoso, científicoso e orgulhoso surgir e criar a escrita, os elementais já eram poesia. Tinham alcançado um alto grau de conhecimento e desenvolvido culturas belíssimas; verdadeiras rimas fragmentadas em seus pássaros e flores.

    Atualmente, muitas crenças populares dos homens modernosos criaram lendas e mitos sobre a jornada dos elementais no planeta. A presença destes seres na atual região amazônica foi tão bonita que o homem produziu muitas histórias sobre sua passagem, tais como Saci, Iara e o Boto cor-de-rosa. Muitas outras histórias foram esquecidas e, cada vez mais, o homem tornou-se incrédulo, fazendo com que as grandiosas aventuras dos elementais virassem contos infantis. No entanto, uma das aventuras mais marcantes sobreviveu ao longo de séculos. Esta história aconteceu há milhões de anos atrás, quando o poderoso Huracán – hoje conhecido como um amontoado de pedras de nome Cordilheiras dos Andes – bloqueou o sistema de rios que se estendia em toda região de Iakirá. O complexo de rios despejava suas águas no Oceano Pacífico e não no Atlântico, como acontece nos dias de hoje.

    Iakirá era formada, aproximadamente pelo que hoje conhecemos como a região amazônica. Ela recebia este nome porque havia uma ave conhecida como Uirajubá. Ela era canção pura que en_cantava os ouvidos de todos os elementais que a sentissem. A ave possuía três metros de envergadura e suas penas eram de coloração amarelo-ouro e apenas as pontas de suas asas eram verdes. É como se carregasse toda Iakirá – a terra coberta de mata – na pequenina ponta de suas asas. Era terra verde em pena de ave ligada ao corpo amarelado. Amarelo como sol, a casa delicada  dos ancestrais e espíritos da natureza que emitem raios de pensamento e fazem nascer flores nas cabeças dos elementais.

    A elevação do gigante de pedra Huracán, quando cortou o contato dos rios com o mar, causou a inundação de enorme área, formando um grande lago – o Lago-Mãe. Era Mãe porque não nasceu, mas fez nascer a vida. Era Lago porque possuía margens formadas por palavras com ondas de verso a quebrar nas praias com areia em forma de pontuações. Suas águas se acumulavam desde os pés das cordilheiras até as regiões do antigo povo Tapajós, que vivia na região do litoral do mar Guarapari (atual oceano Atlântico). Estas águas empurravam palavras para os rios, o mar ou se misturavam com as areias, formando versos-flores, versos-animais e homens-poemas. Era belezura de vida pra todos os lados.

    No momento em que o Lago-Mãe atingira o maior diâmetro de todos os tempos e o volume d’água chegara a proporções gigantescas, houve um fato-criado que marcou para sempre a memória de todos os seres vivos daquele tempo. Fato que tomou proporções de uma guerra violenta e brutal; que dizimou milhões de guerreiros com crueldade e loucura; que derramou o sangue da floresta em grande extensão de Iakirá. Muitas Uirajubás choraram ao verem seus ninhos destruídos e os botos lamentaram com profunda tristeza quando viram os rios e lagos manchados de sangue. Foram palavras duras que transbordaram pelas folhas das árvores e pingaram nos corações dos homens-poesias. Significados que jamais poderiam entrar no coração de um poema, entristecendo as rimas e melodias. Do poema bucólico nasceu ilíadas que retumbaram em tambores de guerra, choro agudo das Uirajubás, dor e revolta dos ingás, lamento dos botos, extermínio de vários guerreiros e a colossal mancha de tristeza que se formou no verde de Iakirá. O verde que anseia o vermelho em flor foi maculado pela miséria e ganância o que levou os poderosos homens-poesia a decretar a...

    ...GRANDE GUERRA DOS GUERREIROS INGÁS.

    OEBPS/images/image0002.png A velha onça velha

    Velhas pintas de uma onça descansavam junto às dobras da raiz de um paricá enorme quando escutaram um som oco. Orelhas saltaram erguidas para ouvir melhor as batidas que se intensificavam e ecoavam por entre as árvores da mata. Elas sabiam o que estava acontecendo, pois conheciam bem as atividades dos ingás e, àquela hora, estavam realizando seus treinos de guerra. Os jovens duelavam uns com os outros e tentavam derrubar seus adversários com cabos do espontão, a principal arma de guerra, que era formada por palavras emadeiradas e polidas. Na ponta, um metal afiado de doer.

    As pintas velhas, quase desbotadas, se movimentaram no amarelo de onça, como letras que se juntam para formar palavras aleatórias. Ergueu seu corpo com dificuldade e saiu de sua toca cheia de folhas ressecadas. Imediatamente, as folhas marrons levantaram voo para passear no céu e aguardarem pela onça, até que sentisse vontade de dormir novamente. Caminhava lentamente, jogando suas patas enormes e de unhas compridas e retorcidas, que demonstravam sua falta de uso. Mancava e sentia fome. Uma de suas patas traseiras estava ferida devido alguma disputa malsucedida. Apesar de sua idade avançada e seu cansaço, as pintas caminhavam de cabeça erguida e ostentavam uma beleza que contrastava com a coloração de pelo amarelo. Somente conseguira sobreviver tanto tempo por causa de Curumiacé, um jovem guerreiro que se esforçava para atender as necessidades de todas aquelas manchas negras.

    As velhas pintas caminharam por entre as árvores em direção às batidas até atingir uma vegetação rasteira, próxima a um córrego de águas silenciosas. Ela hesitou ao ver um grupo de meninos formando uma roda em torno de um combate. No centro da roda, dois deles seguravam os cabos de seus espontões e lutavam, cada um tentando derrubar seu oponente. Apesar de ser um treino, os garotos lutavam com vontade e desferiam os golpes com força. Parecia não terem nenhum medo de se machucarem. Um homem alto e forte observava a luta atentamente fora da roda. Um dos lutadores tinha seu braço direito pintado com uma tinta de coloração azulada. Uma pintura que circundava todo o seu músculo, na altura da axila. As linhas acentuadas do desenho formavam retângulos abertos e simbolizavam o espírito da onça guerreira. Eram palavras de um alfabeto simples, mas que continha muitos significados em cada traço: poucos eram capazes de ler as nuances daquela escrita.

    A onça se aproximou mais um pouco sem ser notada e observou o interior da roda. As manchas negras se agitaram sobre sua pelagem e ela imediatamente reconheceu seu amigo Curumiacé. Naquele instante o garoto girou seu cabo enquanto se abaixava para esquivar-se de um golpe. A ponta de sua arma acertou de raspão a canela de seu adversário e o menino atingido soltou um grito abafado de dor, enquanto que palavras-sangue jorravam da frase-ferida. Pulou para trás com um pé só, segurando a outra perna atingida com uma de suas mãos. Os garotos que assistiam gritaram incentivando a luta. No mesmo instante, Curumiacé se aproximou para derrubar seu adversário fragilizado e quando ia desferir o golpe final, todos escutaram uma exclamação. Diante da assustadora pontuação, eles recuaram e apenas o homem alto e Curumiacé permaneceram parados. Olhos de onça estavam sobre eles: tensão e grunhido. O animal majestoso caminhou lentamente junto com suas pintas que pareciam frenéticas, como se tentassem saltar num rio em dia quente. Aproximou-se de seu amigo e dobrou suas patas traseiras sentando na terra.

    Curumiacé olhou desconfiado para o homem-poesia e este fez um aceno com a cabeça, confirmando alguma coisa que havia dito anteriormente. Ele encarou olhos de onça e largou sua arma no chão, que se desfez em mil palavras espalhadas pela terra. Os outros garotos olhavam assustados. Os meninos sabiam que a onça não apresentava muito perigo, pois era lenta e fraca, mas ainda era um dos animais mais temidos das matas. Alguns dos garotos já haviam tentando matá-la, mas sempre foram impedidos por Curumiacé, que protegera o animal desde que aparecera na aldeia.

    A pata dianteira, que ainda estava ereta, tremeu e era visível o esforço que fazia para se manter naquela posição. Já não suportando mais, deitou-se de lado. Curumiacé se ajoelhou e pela primeira vez tocou nela. Havia tentado acariciar o animal várias vezes, mas ela sempre se esquivara ou exibira os dentes em sinal de desaprovação. O menino acariciou sua cabeça enorme sentindo seu coração saltar dentro de seu peito, tamanha era a alegria que passeava por sua pele. De sua tatuagem, desprendiam palavras que deslizavam por seu corpo: alegria, afeto, cuidado, obrigado, sou, amizade, …, ! e muitas outras pontuações. Desceu sua mão carinhosamente até o pescoço para logo depois alcançar a grande pata do animal. A velha onça deu um suspiro, piscou os olhos lentamente e todas as pintas negras reluziram em gratidão. O menino parecia entender o que o animal queria e olhou fixamente para seus olhos alaranjados. Foi então que Curumiacé viu a última centelha de vida no animal sumindo lentamente. Era luz do entardecer.

    O garoto levantou-se com imponência, Olhou para o homem, que tinha olhos nas lágrimas.

    - O espírito da onça partiu para sua morada e de lá defenderá seu protegido. – Disse olhando para o garoto. – Faz muitos anos que ando por toda Iakirá e jamais vi uma onça se despedir de alguém. São animais que preferem uma morte solitária ou geralmente são mortos quando caçados. O que acabou de ver é algo que talvez nunca se repetirá. Guarde esta imagem em sua memória e sempre agradeça ao espírito dela pelo presente. – O homem olhou para todos os outros garotos e disse. –  Podem ir para suas casas, pois já tivemos muitas lições hoje. Talvez a lição mais bela de todas. Curumiacé foi o único que respeitou e cuidou de cada pinta deste poderoso animal na sua velhice. Um dia esta onça correu por entre estas matas com velocidade e caçou suas presas com agilidade. Era um animal temido por qualquer valente guerreiro ingá. No entanto, hoje, ela é desrespeitada e maltratada por garotos como vocês. Respeitem a velhice dos seres, pois eles guardam mistérios que surgiram antes de nós. – Olhou novamente para Curumiacé – A sua morte libertará seu espírito que irá proteger aquele que lhe amparou na velhice. Você herdará a força da onça e passará a ser chamado de Curumiacé Pohyikue. O onça-menino!

    O homem fez silêncio e todos os garotos foram saindo lentamente demonstrando sinais de tristeza. Curumiacé se ajoelhou e mais uma vez acariciou a onça. O Homem cruzou os braços e olhou atentamente o corpo do animal.

    - Arrr! – Curumiacé fez uma expressão de dor. – Uirá... O que está acontecendo? Meu braço dói! Minha marca parece queimar... Me ajude! – Mas Uirá não fez absolutamente nada e apenas olhava com interesse. Finalmente, as manchas negras saltaram do corpo amarelo e pularam no ar com frenesi. Do corpo da velha onça começaram a sair vapores esbranquiçados como nuvens compactas que rodopiavam como pequenos redemoinhos. Parte daquela fumaça se condensava ainda mais e se misturava às pintas formando letras cada vez mais nítidas. Estas se agruparam até formarem um belo poema que pairava sobre o corpo do animal em decomposição etérea.

    Pelo, olho e sangue:

    Semente que morre e não germina,

    Flor de pedra entristecida!

    Letra, palavra e rima:

    Vida de coração,

    Verdade de vida!

    Curumiacé Pohyikue estava pasmado ao ler a vida da onça pairando no ar. Logo após, cada frase se deslocou e se depositou sobre a tatuagem do menino em seu braço direito. Rimas- névoas que acompanhavam cada linha do desenho azulado e que pairavam apenas poucos centímetros. O menino-onça começou a sentir mais dor no braço, no entanto, tinha a sensação que um poder tomava conta de seu corpo inteiro e não tinha a menor vontade de fugir ou de gritar. A tatuagem em forma de vapor, repentinamente se fechou em seu braço e o queimou gravemente. Imediatamente, pequenas gotas de sangue escorreram pelo seu braço e sentiu-se tonto. Deixou o  corpo cair para frente e tanteou por seu espontão que havia se despedaçado em palavras ao cair no chão. De maneira automática, os verbos e os substantivos espalhados se reagruparam na mão do menino, formando uma nova arma.

    Uirá Icaiçu continuava parado de braços cruzados como uma estátua de um grande guerreiro antigo, olhando fixamente para o garoto. Curumiacé se levantou com enorme dificuldade, se apoiou no espontão e olhou para Uirá com desespero. Reuniu suas forças e correu pelo caminho que conduzia à sua casa sem conseguir pensar em nada.

    OEBPS/images/image0003.png Uirá Icaiçu

    Uirá Icaiçu, o homem-poesia líder dos ingás, respirou profundamente e caminhou até à beira do pequeno córrego, sentou-se em uma pedra de limo e pôs seus pés em cristais de água. Naquele dia ensolarado, o Itaki estava raso e escorria lentamente por entre suas pedras acinzentadas. Sua nascente não ficava muito distante e, mesmo assim, suas águas eram fortes na maior parte do ano, o suficiente para abastecer o domínio Ingá.

    Uirá pôs suas mãos na umidade das águas para aliviar a dor que sentia em suas feridas, devido ao grande esforço que fizera. Era um homem forte, mas o preparo dos espontões, durante os treinos de guerra, exigia inúmeras amarras com nós complicados. O rory, como eram chamados os grandes líderes de Iakirá, tinha grande interesse pelas tarefas educativas e Uirá se dedicava com prazer em ensinar o uso das armas e os primeiros passos nas artes da guerra.

    Os espontões eram as armas mais utilizadas pelos ingás, tanto na caça quanto durante as lutas. Suas pontas eram afiadas e polidas com esmero e havia orgulho nos pequenos aprendizes em exibir as lâminas pontiagudas e os cabos mais bem polidos. Inúmeras palavras eram colocadas nos entalhes de madeira, diferentes símbolos, rimas e significados. Os meninos aprendiam a contar o número de florações do jacarandá para verificar o tempo ideal de corte e confeccionar suas armas. Esperavam todos os anos pelas flores roxas e acompanhavam o crescimento de seus galhos para que o cerne de madeira endurecesse e lhes desse uma arma resistente. As palavras eram cantadas às flores que recebiam vida de cada uma delas e incorporavam seus significados nas fibras das futuras armas. Flores e jovens tornavam-se enamorados

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