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Metamorfose
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E-book450 páginas6 horas

Metamorfose

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Sobre este e-book

San Caabek traz através das histórias vivenciadas pelos seus personagens técnicas de sobrevivência. São enredos capazes de fomentar a imaginação do leitor. Como sair dessa situação? Qual é a melhor escolha? Cada página é capaz de instigar a criatividade do leitor a agir mostrando resistência e, sobretudo, apego à vida.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento7 de ago. de 2020
Metamorfose

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    Metamorfose - San Caabek

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    Metamorfose

    Adaptar ou Perecer

    San Caabek

    Copyright© 2020 by San Caabek

    Todos os direitos desta edição reservados ao autor da obra.

    Diagramação: San Caabek

    Capa: San Caabek

    Revisão: San Caabek

    ISBN: 978-65-00-06660-9

    San Caabek - Metamorfose Adaptar ou Perecer

    E-mail para contato: sancaabek@gmail.com

    Acesse o site: https://sancaabek.wixsite.com/books para informações exclusivas (mapas, imagens e curiosidades) do livro.

    Dedicatória

    Àquela que me abraça todas as manhãs.

    A minha adorável filha.

    E, a todos aqueles que sobreviveram, cujas algumas histórias que li me inspiraram a escrever este livro.

    Talvez sejamos destruídos pelo impacto de um meteoro, uma invasão alienígena, uma erupção solar, pandemias ou deslocamentos de placas tectônicas. Mas tudo isso é ainda uma incerteza. A única e inadiável certeza é que nós mesmos nos destruiremos. Iniciou-se a transformação.

    (San Caabek)

    No fundo, é isso, a solidão: envolvemo-nos no casulo da nossa alma, fazemo-nos crisálida e aguardamos a metamorfose, porque ela acaba sempre por chegar.

    (Strindberg)

    Todos os personagens e acontecimentos neste livro, com exceção dos claramente em domínio público, são fictícios e qualquer semelhança com nomes, pessoas reais, vivas ou não, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.

    Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma — meio eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, gravação ou sistema de armazenagem e recuperação de informação — sem a permissão expressa, por escrito, do autor.

    Prólogo

    — Definitivamente não tem como o planeta resistir. E todos nós nos fechamos nesse casulo do comodismo urbano, da oneomania em comprar coisas e somá-las ao depósito já existente em nossas casas, da assimilação de alimentos mais que necessários e outras extravagâncias. Não conseguimos perceber que tudo está sendo transformado. O ambiente em volta está sendo transformado. Mas em nosso pensamento, tentando dar esperanças à nossa alma, ficamos a imaginar que, em determinado momento, sairemos da nossa crisálida e voaremos como uma linda borboleta. Vai chegar um belo dia que talvez nem saiamos; morreremos dentro do casulo ou, se sairmos, seremos alvejados por uma poluição que se assemelhará a um spray de veneno para matar insetos.

    Sumário

    Folha de Rosto

    Créditos

    Dedicatória

    Citações

    Prólogo

    I. A Esfera

    II .O Declínio

    III. O dia de amanhã é pior que o dia de hoje

    IV. A Ilha

    V. Sementes

    VI. Pressentimento

    Epílogo

    I. A Esfera

    Já era madrugada e o sono não vinha. Moritz tentava afastar os pensamentos em uma proporção J desanimadora. Enquanto bloqueava um pensamento, dois outros se posicionavam para serem analisados e questionados.

    Não os queria, porque, na verdade, não se apresentavam como necessidade, objetivo ou futura conquista. Eram meras ilusões, fantasias.

    Influenciado por medos provenientes da indústria do cinema e inspirado pela sua criatividade Don Qixotesca, Moritz idealizava como seria construída sua arca salvadora, sua nave ou simplesmente sua bolha, onde poria a salvo a si mesmo e a sua Eva, Ebelle. Esta, derramada ao seu lado em um sono profundo, alheio aos devaneios de seu amado e, não mesmo, jamais, querendo ser a sua: eleita, imaginária e venerada Dulcineia.

    Ebelle era uma mulher deslumbrante, requintada e, incrivelmente, prática. Seus dotes variavam desde a sua maneira de andar, de tratar as pessoas com gentileza à desconcertante silhueta que se mostrava como um chamariz para outros pontos incrivelmente belos: seios, lábios e olhos. Olhos verdes, lábios róseos e seios redondos e firmes. Para Moritz, sua Vênus na Terra, indiscutivelmente.

    — Moritz, você não vai dormir? — saía Ebelle, do seu sono profundo, da sua concha, para questionar o porquê da permanência de seu amado a manter-se ainda acordado.

    — Já vou sim, estou aqui refletindo um pouco, mas volte a dormir. Ebelle se aconchegou mais ao seu travesseiro e logo podia se notar que voltara a manter-se no caminho do ciclo do sono. Ao contrário de Moritz, que se imaginava destruído no dia seguinte por não ter acompanhado Ebelle nos seus doces caminhos.

    Mas o que tanto o deixava aceso e vagando em pensamentos? Moritz imaginou certa ocasião que o aparenteequilíbrio do planeta seria abalado com uma matéria publicada em uma revista científica, alcançada apenas por leitores interessados no assunto, cientistas e acadêmicos:

    ... Um asteroide que havia passado a ocupar as lacunas de Kirkwood, e, devido às ressonâncias orbitais com Júpiter, tornou-se instável e fora expelido para o interior do Sistema Solar com possibilidade iminente de se colidir com a Terra...

    E continuava a imaginar se teria tempo para desenvolver algo que pudesse salvá-los, antes que a notícia fosse divulgada nas redes sociais e telejornais do mundo inteiro e, obviamente, após a tentativa frustrada de segurar o máximo sua divulgação, pelas autoridades governamentais.

    A revista também mencionava que, por se tratar de um meteoro cuja massa fosse considerável o bastante para que a atmosfera da Terra não o fragmentasse. Teria sua maior porção, colidindo com a Terra, precisamente nas coordenadas próximas à Ilha da Trindade, a 1167 quilômetros de distância do continente, na altura do Estado do Espírito Santo, litoral do Brasil. E que um não, mas vários tsunamis, como se fossem resultado de uma pedra jogada em um lago, avançariam sobre os Continentes Americano e Africano em primeira escala, tendo um resultado avassalador, e,posteriormente, para os outros Continentes. O lado oposto da queda não ficaria mais protegido. Sentiria como nas mesmas proporções da grande onda de nove de julho de 1958, na Baía de Lituya, no Alasca, quando um terremoto enorme (que atingiu entre 7,9 e 8,3 pontos na escala Richter) sacudiu a falha de Fairweather, a 13 quilômetros de onde a onda estourou.

    Era fácil imaginar tudo isso em doses épicas, difícil era para Moritz não se esquecer de cada detalhe que deveria compor sua bolha escapatória. Arquitetava: "Necessitarei trazer para os fundos da minha casa um daquelas esferas de GLP (Gás Liquefeito de Petróleo) e isso não será tão difícil assim. Conheço algumas dessas esferas desativadas em minha cidade e conseguiria arrematá-la com facilidade, visto que uma vez inutilizada para o seu fim, não serviria muito para outras finalidades. O próximo passo seria revestir seu interior com uma espécie de rede para que se torne apoio em qualquer sentido que a esfera se posicionar, sendo que o lastro que tentaria manter a esfera em uma posição única seria formado pela quantidade de água potável armazenada em diversos pequenos tambores presos ao fundo (piso). Diversos tambores pequenos seriam mais estratégicos, pois além de facilitar o manuseio, não teria o perigo de ter um recipiente único sendo avariado e perdendo o precioso líquido. Por quanto tempo ficaríamos sem água potável? Ainda, contaria com rações de sobrevivência e alimentos não perecíveis, destiladores solares, material de pesca, medicamentos, protetores solares e pequenas ferramentas como lanternas, chaves, facas, etc. Todo esse material teria que ser devidamente peado de forma que não provocasse ferimentos caso fosse deslocado devido às prováveis e violentas sacudidas da esfera. Também deveria ter material que pudesse reparar um furo no casco da esfera e agasalhos suficientes para enfrentar uma possível alteração climática no Planeta. Um respiradouro também deveria ser providenciado para que fosse usado nas últimas horas que antecedessem o impacto final, uma vez que a escotilha da esfera deveria ser fechada por dentro. Caso necessário poderia contar com algumas unidades de respiração autônoma para tentar se deslocar dentro d’água ou complementar o oxigênio que restaria dentro da esfera até que conseguissem emergir definitivamente. Bem, a esfera, em sua concepção, estaria pronta e seria apenas utilizada para os dois, visto que era uma ideia louca e que, provavelmente, conseguiria convencer somente a sua amada Ebelle. As outras pessoas que Moritz conhecia já haveriam decidido procurar o lugar mais alto que conseguissem encontrar e se abrigar do poderoso tsunami. Moritz não concordava com essa ideia porque achava que haveria congestionamentos intermináveis pelo caminho, colocando em risco a possibilidade de se salvarem.

    E se Ebelle fosse questioná-lo como imaginava que funcionaria a esfera, Moritz teria tudo ao pé da letra:

    — Ebelle, o tsunami virá com uma força estrondosa, arrastando tudo e destruindo tudo que encontrar pelo caminho.

    Caso tenhamos sorte e se Deus quiser teremos, ela irá arrastar a esfera no seu movimento e devido ao seu formato de esfera teremos maiores chances que ela venha a se desviar dos obstáculos ao seu alcance ou que sejam arremessados ao seu encontro. O processo não durará muito tempo. Estaremos afivelados às redes que estarão presas ao redor da parte interna da esfera para que nós mesmos não venhamos a nos ferir, batendo um contra o outro, caso estivéssemos soltos, com as sacudidas que a esfera terá que suportar. Em questão de minutos seremos levados à superfície e nos estabilizaremos. Com segurança abriremos a porta de acesso e poderemos permitir a renovação do ar. A visão que teremos não será nada acolhedora. Um mar imenso, com águas turbulentas, destroços por todos os lados e, provavelmente, corpos de animais e humanos boiando ao redor. Também não saberemos se outras pessoas conseguirão se safar das ondas gigantes. Não haverá comunicação, não haverá socorro, apenas um medo enorme e um extinto quase esquecido, porém adormecido: o extinto de sobrevivência".

    Todo esse emaranhado de medidas, de possíveis perguntas e de esperadas respostas surgia na mente de Moritz com uma velocidade tremenda, como se estivesse sendo conduzido por uma dose extra de dopamina e de noradrenalina, mas, à medida que a noite entrava, um novo neurotransmissor, a serotonina, chegava para reivindicar o seu reinado, onde as coisas diminuem seu ritmo, se tornam pesadas e relaxadas. Moritz penetrou no seu primeiro ciclo de sono, embalado por fantasias e reminiscências dos pensamentos anteriores... Os primeiros seres vivos vieram do mar, da sopa primordial... uma mistura de compostos orgânicos para dar início à vida na Terra. Isso foi no início..., agora, vinham eles, Moritz e Ebelle, surgindo das profundezas e emergindo de novo das águas para dar continuidade à raça humana. Na superfície com o brilho da lua a tocar a imensidão do oceano, Adão e Eva e o Paraíso... — Moritz entregou-se definitivamente ao sono profundo.

    II. O Declínio

    Logo cedo, ainda com os olhos fechados, Ebelle pode escutar o chilrear dos pássaros nos galhos da árvore próxima à varanda de sua casa. Uns de notas rápidas, outros, mais elegantes, com um gorjeio mais primoroso.

    Uma disputa sem dúvida.

    Ebelle recusava a abrir os olhos. Estava tão bom. Por ela permaneceria naquela posição ainda por muito tempo, mas percebeu, mesmo com suas pálpebras fechadas, as nuances de luz.

    Não teve escolha, abriu primeiramente o olho direito. O esquerdo estava todo enfiado no travesseiro. Ao abrir, observou, acima da cortina, a força da luz dos dias de verão; embaixo, o blackout

    cumpria sua função, bloqueando, quase totalmente, a claridade do jardim de inverno. Os pássaros, lá fora, cantavam a todo pulmão anunciando o belo e caloroso dia que surgia. Ebelle lembrou-se de que seu pai um dia havia lhe dito que alguns pássaros, como os canários, cantavam tão fortemente e abusavam tanto dos seus gorjeios que, às vezes, tinham a veiazinha do pescoço estourada e morriam. Seria verdade? Mas ficava sempre maravilhada com aquela sinfonia matinal. Dizia que tinha esse privilégio: ser acordada pelos passarinhos. Sentia-se como uma princesa.

    Ebelle se levantou, foi até ao banheiro para fazer sua toalete e quando regressou ao quarto puxou as cortinas para os lados e todo aquele espaço iluminou-se. Pode observar nesse momento o corpo de Moritz deitado, com o travesseiro apertado em seus braços. Provavelmente aquela luz matizada entrando pelo jardim de inverno ajudava a dar um aspecto ainda mais jovial a Moritz. A vontade que tinha era de cair sobre ele e dar algumas mordidelas no lóbulo da orelha. Mas Moritz gostava… não gostava. Ela mordia com força e quase sempre doía. Que mania estranha ela tinha de morder seus lóbulos.

    Moritz era um homem com a aparência de uns 40 anos e espírito ainda de adolescente. Os cabelos grisalhos destacavam-se, mas estavam sempre curtos, preferia-os assim. Não se podia considerá-lo forte, tampouco pesado, tanto que, Ebelle, por vezes, levantava-o pegando pela cintura e rodava de um lado para outro, mostrando que, quem era forte na relação, não era mais o sexo frágil. E gestos como esses, de morder a orelha e de erguê-lo, eram tidos por Moritz como reflexo de pura paixão.

    Moritz percebeu que estava sendo observado e preguiçosamente abriu os olhos e viu que já era tarde. A noite anterior rendeu, lembrou-o.

    — Mo, vou descer e adiantar nosso café. Não demore! — Ebelle disse isso e já se ouvia o barulho dos seus passos descendo a escada. Minutos depois o que subia às escadas era um delicioso aroma de café fresco, o que fez com que Moritz adiantasse seu barbear.

    Moritz foi recebido como um príncipe. O café posto. A mesa com geleias, pães, ovos mexidos, leite e frutas.

    — Amore mio! Olha que delícia! — disse Ebelle.

    Moritz recebeu um abraço e um beijo de sua Ebelle.

    Houve neste momento uma troca de Eu te amo e Moritz ficaria, se dependesse dele, horas agarrado a sua amada que estava com um perfume delicioso. Uma batalha de cheiros prazerosos: o perfume dela e o aroma dele, o café.

    O amore mio e o café recheado de coisas gostosas fizeram Moritz se lembrar da expressão: Fate una colazione da Re, un pranzo da Príncipe e una cena da Povero alusão ao ditado italiano que nos faz lembrar de que, para termos uma vida saudável, deveríamos ter uma alimentação adequada, ingerindo um café da manhã rico em alimentos diversificados, um almoço mais comedido e um jantar simples.

    — Moritz! Por que demorou tanto para dormir ontem?

    Estava sem sono? — indagou Ebelle.

    — Lindeza da minha vida — respondeu carinhosamente Moritz. — Eu pensava em coisas malucas — Moritz disse isso ao mesmo tempo em que saboreava uma torrada com geleia, como se não quisesse perder tempo para contar sua estória.

    — Estava imaginando se soubéssemos que estaria prestes a cair na Terra um baita de um meteoro e como nós poderíamos nos salvar.

    — Você sabe que isso é possível, não é? E, com esses pensamentos, acredite, não consegui dormir ontem à noite — Moritz deu uma risadinha.

    — Alguns cientistas afirmam que os dinossauros foram extintos dessa maneira — respondeu Ebelle.

    — Pois é! Aconteceu há muito tempo e poderia voltar a acontecer. Somos seres errantes, todos em cima dessa bolinha azul fazendo uma viagem interminável pelos confins do universo.

    Estamos em constante movimento. Tudo se move. O que parece inerte na verdade não está. A Atomística nos revela um mundo affascinante. É o microcosmo. Em contrapartida temos o mundo colossal, o macrocosmo, formado por sóis, galáxias, nebulosas, planetas, constelações e um monte de lixo espacial que o homem jogou lá para cima. E alguns estudiosos afirmam a existência de mundos paralelos.

    — Somos errantes e insignificantes — disse Ebelle tomando um gole de café. — Temos a sorte de ter um planeta que dispõe de todas as condições necessárias para a existência da vida e estamos acabando com ele. Poluição, extrativismo desenfreado, superpopulação e segue uma lista de agressões à mãe Terra. Até quando ela resistirá? — complementou Ebelle com uma expressão de desabafo.

    — O planeta já tem dado sinais de seu esgotamento — Depois de ter dito isso, Moritz deu uma pausa nas rosquinhas e partiu para o pão integral. À medida que passava uma leve camada de manteiga em seu pão, comentou:

    — Ebelle! Olha como são as coisas: antigamente o índio utilizava folhas ou a casca do juá e as mastigava para limpar os dentes. Determinadas tribos ainda o fazem hoje... Funcionava bem? Não sei, mas sei que sobreviviam e quando morriam era devido principalmente aos ataques dos animais e de tribos rivais e não pelas consequências dos dentes estragados. A propósito, índio também é homem e a história nos conta que o ódio e insensatez caminharam juntos por essas bandas também. Então, como ia dizendo — colocou Moritz — essa folha além de limpar os dentes deixava-os com uma sensação refrescante. O tempo passou e hoje temos o creme dentifrício, resultado de um processo de fabricação e de constantes pesquisas, mas que não consegue alcançar pleno êxito, visto que os consultórios dentários continuam se multiplicando. Neste caso a guerra não é mais com a tribo rival, mas com os açúcares, que são utilizados em demasia, levando à morte milhares de pessoas em todo mundo, vítimas das doenças do sistema circulatório, etc. O que chama minha atenção — disse Moritz — é um fato curioso relacionado ao creme dental, que revela o desperdício de energia e de matéria prima. E essa matéria vem do planeta, é claro! Por que se faz necessário colocar uma caixa de papelão para envolver uma bisnaga? É mais uma árvore cortada sem sentido algum.

    — Talvez devido à propaganda? — colocou Ebelle ironicamente.

    — E continua Moritz — já pensou se essa moda pega? E quando vão tomar a decisão de retirar essa embalagem a mais? Temos embalagem para tudo, já percebeu? As sacolas plásticas já tomaram o planeta. Provavelmente existam mais sacolas plásticas do que formigas. Você vai ao shopping e vê pessoas carregando várias sacolas que para o consumismo representam um poder.

    Aquela família que carrega sacolas está podendo! São sacolas enormes que quase sempre carregam um produto diminuto. Quando não sacolas com alças de materiais mais sofisticados, usados para ostentar mais ainda o nome da loja.

    — Definitivamente não tem como o planeta resistir. E todos nós nos fechamos nesse casulo do comodismo urbano, da oneomania em comprar coisas e somá-las ao depósito já existente em nossas casas, da assimilação de alimentos mais que necessários e outras extravagâncias. Não conseguimos perceber que tudo está sendo transformado. O ambiente em volta está sendo transformado. Mas em nosso pensamento, tentando dar esperanças à nossa alma, ficamos a imaginar que, em determinado momento, sairemos da nossa crisálida e voaremos como uma linda borboleta. Vai chegar um belo dia que talvez nem saiamos; morreremos dentro do casulo e, se conseguirmos sair, seremos alvejados por uma poluição que se assemelhará a um spray de veneno para matar insetos.

    O café já tinha acabado. Satisfeitos de estarem juntos naquela manhã foram se sentar no sofá da sala e Moritz, que mais falava, acrescentou:

    — Acredito Ebelle que não vai ser um meteoro que vai extinguir a humanidade. Ela mesma já começou a se extinguir e talvez ela tenha sorte e não se extinga por completo e, possivelmente, saia desse casulo, que ela se fechou a tanto tempo, de uma forma diferente, já que se viu ameaçada de ser extinta.

    Quem sabe teremos uma nova humanidade mais integrada à natureza e ao planeta? Que utilize fontes energéticas limpas e renováveis. Que saiba planejar a taxa de natalidade. São tantas coisas boas que precisaríamos ter em nossa civilização que até já as esquecemos, tentando administrar o caos do dia a dia.

    — Poderia agora enumerar um monte de coisas boas para você Ebelle, mas não carece, não é? Vemos constantemente pelo noticiário: Terrorismo, fome, falta de água potável para populações inteiras, doenças causadas por agentes já conhecidos e novos e a maior doença de todas: a ignorância. Que leva as pessoas, aos poucos, para as profundezas da terra, tornando-as não humanas, mas bestas. Bestas manipuladas por outras bestas que se acham superiores, mas que não conseguem ver a luz, porque estão sendo engolidas pelas entranhas da terra. E lá vivem ou reclamam por viver, sentindo o cheiro de esgoto putrificado e sorrindo como se estivessem esperando o momento de se liberar e saírem voando como borboletas.

    — Nossa! — exclamou Ebelle, — você parece revoltado!

    Pensamos positivamente. A humanidade já passou por momentos ruins, a idade das trevas, a peste negra e quando conseguiu se libertar desses males teve um reconhecido progresso. Basta lembrarmo-nos dos movimentos literários, do Iluminismo, do Renascentismo... Um crescimento e tanto, não?

    — Penso que poderíamos participar de um curso de sobrevivência para podermos estar preparados caso uma situação fique grave. O que você acha? — perguntou Moritz.

    — Sim, por que não? Sempre tive curiosidade em saber como é possível fazer fogo esfregando aqueles pauzinhos — sorriu Ebelle. Moritz e Ebelle gostavam de ficar sentados naquele sofá.

    Havia uma grande janela por onde entrava constantemente uma brisa refrescante. Era o local preferido do casal para longas conversas. Era nesse lugar que, por algumas vezes, Moritz defendia a ideia de que a maior parte da população, aquela que normalmente se concentrava nos grandes aglomerados e que vivia baseada na tecnologia, não estava preparada para enfrentar uma situação de sobrevivência pós-colapso da estrutura existente. O fato de sempre ter a tecnologia e uma rede de comunicação a seu dispor havia acostumado mal as pessoas. A facilidade na obtenção de alimentos e água também. Bastavam, simplesmente, ir a um supermercado e apanhá-los. E na ausência dessa facilidade, o que fariam? Provavelmente voltaríamos aos tempos antigos onde alimentação e abrigo seriam considerados como prioridades.

    Haveria disputas com certeza e a lei do mais forte e mais preparado para enfrentar essa nova realidade prevaleceria.

    Certa ocasião, Moritz ficou chocado com a notícia que tomou conhecimento: Houve uma tromba d’água que devastou uma região. — Uma matéria de mais de cinco páginas tomava o miolo de uma revista local — Rios transbordaram inundando grandes áreas, deslizamentos de encostas com enorme quantidade de material, basicamente pedras, lama e árvores arrancadas pelas raízes, casas desmoronadas e soterradas, grande quantidade de vítimas e desespero da população local. As rodovias principais foram interditadas devido à queda de grandes pedras sobre elas ou à queda de pontes e, até mesmo, casos de trechos de estradas que foram literalmente engolidas por depressões gigantescas. A Defesa Civil e as Forças Armadas foram imediatamente convocadas e passaram a tomar todas as decisões cabíveis para amenizar o sofrimento e salvar pessoas que estavam embaixo de escombros e ilhadas. Muitas pessoas foram salvas e outras deslocadas para acampamentos e estações de abrigo. O país todo ficou sensibilizado com a tragédia e houve doações para aquelas famílias, mas em alguns casos, para a distribuição de alimentos, contou-se com o apoio de helicópteros, haja vista que era a única maneira de entregá-los. Acontece que, mesmo recebendo alimentos, parte das vítimas queixava-se que estava passando fome, uma vez que não conseguia preparar suas refeições e rogava para que as autoridades distribuíssem alimentos já preparados. Dizia que não queria receber arroz e feijão, por exemplo, porque não tinha como cozinhá-los. Moritz questionava à época: — O que querem afinal? Que desçam refeições quentes pelos hoist" dos helicópteros? A situação está difícil para todos naquela área. Para aqueles que perderam seus entes queridos, para os desabrigados, para os órfãos e até para os animais domésticos e do campo. Era possível ver gatos desesperados em cima de telhados, árvores e postes.

    Cachorros famintos andando pelas ruas em busca de seus donos com a esperança de conseguir seus alimentos. Vacas isoladas nas poucas regiões seguras que sobraram. Era um caos total. Difícil até mesmo para aquelas pessoas acostumadas em desastres naturais como o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil. As chamadas eram constantes e a dificuldade de traçar um plano de atendimentos era enorme porque não se podia contar com as estradas, a comunicação... E a chuva continuava a cair forte naquela região, colocando em risco mais pessoas e as unidades de salvamento. E o que se espera em uma situação dessas? Espera-se que os sobreviventes ativem seus instintos naturais para se manterem vivos. Usem ao máximo a criatividade e todo o conhecimento adquirido. O problema é esse: Não se ensina nas escolas como sobreviver e tampouco nas famílias. Claro que existem exceções, mas elas são poucas em um universo onde estamos considerando milhares de pessoas. Quem hoje nas cidades consegue cozinhar feijão que não seja utilizando uma panela de pressão e um fogão a gás? Os que vivem à margem da sociedade, os mendigos, por exemplo. Passamos com os nossos carros ou de ônibus e podemos frequentemente ver aquela fumacinha debaixo de uma ponte, viaduto ou parque e, lá, com certeza, tem um ou até uma família inteira sobrevivendo com o pouco que conseguem obter, utilizando latas de tinta jogadas fora, que as queimam para liberar o resto de tinta que fica em seu interior e depois as utilizam com sabedoria. Improvisam um fogareiro de pedras e montam um tripé com galhos verdes, pendurando, para eles, aquele precioso utensílio doméstico que proporcionará uma deliciosa e quente refeição. Mas haverá os defensores de uma vida tranquila e sem obstáculos que dirão: — Mas nem lata dispunham. E a arte de sobreviver lhes responderia: — Olha ao seu redor, verifiquem o que poderia ser utilizado como um pequeno depósito de água, um pedaço de uma folha de zinco, de alumínio, uma placa de trânsito, uma calota de carro, um bambu. Sim! Bambu. Incrivelmente é possível utilizar artefatos que a própria mãe natureza coloca ao nosso dispor. Experimente! Corte um generoso bambu, preferencialmente verde, abra-o pela metade, preservando seus gomos laterais e coloque água em seu interior. Depois improvise uma fogueira com pedras e coloque o bambu em cima, tendo o cuidado para prendê-lo. Você verificará, depois de um curto tempo, que a água estará fervendo. Por esse método você terá a seu dispor uma preciosidade: água potável. Já que não se pode simplesmente sair tomando qualquer água que encontramos por aí, principalmente em tempo de desastres, onde é muito comum a presença de animais mortos e doenças oportunistas como a leptospirose e a cólera. Outra notícia que você vai gostar muito de saber é que terá, pelo menos, algo para você comer junto a esse bambuzal. Olhe de novo ao seu redor, o que tens? Pássaros lá no alto, difíceis de serem capturados? Preste mais atenção! De novo você tem bambu. Isso mesmo! Você pode colher brotos de bambu, tendo o cuidado de dispensar os pequenos espinhos que normalmente ficam na sua superfície. Corte os pedaços do broto, dando preferência para as partes internas que são mais macias e coloque-as na sua panela de bambu para cozinhar. E não desista dos pássaros que você teria avistado. Você poderá apanhá-los mais tarde utilizando o que tem mais próximo de você: bambu. Lembra-se? Afinal necessitará de proteínas na sua dieta e o broto de bambu, infelizmente, não poderá contribuir para esse fim.

    Como capturar pássaros?

    Resposta: Existem muitas formas para capturar os pássaros. Tudo vai depender do que dispomos para atraí-los. Caso tenhamos cozinhado brotos de bambu podemos reservar um bocado para servir de isca. Com a faca ou facão, cortam-se varetas de bambu, ou galhos finos, suficientes para fazer uma arapuca. Podem-se amarrar as varetas com o que tiver disponível: cipó fino, a fibra do caule da bananeira, embirra, etc. Esta última está presente em árvores e espécies, com menor ou maior resistência. O gatilho deverá ser feito com cuidado para que, ao desarmar, não fique preso nas extremidades da arapuca permitindo o pássaro escapar por baixo. Caso consiga pegar algum pássaro e ao prepará-lo não despreze os miúdos que poderão ser utilizados como iscas para pescar ou pegar outros animais.

    A natureza dá-nos tudo generosamente, mas precisamos ter o conhecimento necessário para perceber e explorá-lo ao nosso favor. A arte em sobreviver poderia descrever a seguinte fórmula: onde o sucesso ou o resultado seria o objetivo almejado e o desfrutar desse objetivo. É o fogo, a água, o alimento, o abrigo, a orientação, obtidos. A Persistência está relacionada diretamente com a vontade em permanecer vivo e tentar por repetidas vezes alcançar o objetivo. Mesmo que seja cansativo, frustrante ou perigoso. A esperança não foi mencionada na fórmula, mas é o fogo que manterá sua alma aquecida, dizendo a você a todo instante que, enquanto houver vida, ela existirá e para isso você fará tudo para se manter vivo e sair de uma situação ruim para uma melhor. Na ordem das grandezas o conhecimento tem o seu destaque porque nada adiantará você ser persistente, ter uma faca e um cristal e não ter o conhecimento de como iniciar uma fogueira.

    Terá suas forças dirimidas, a possibilidade de se ferir e até mesmo não obter o sucesso alcançado. Em seguida terão o frio, os animais e as doenças para encerrar definitivamente as suas esperanças.

    Você terá a morte como parceira e a sua alma desiludida. Por que não aprendeu? Por que não curou a doença da ignorância e saiu à procura de luz? A luz do conhecimento. A mesma luz que manteve poetas, escritores, escultores, gênios e todos aqueles que desejavam estar vivos para satisfazerem suas almas e produzirem o melhor para a si e para a humanidade. A alma tem um atrativo especial para a luz e uma repulsa para com a escuridão. Luz e escuridão são antagônicas. Nascemos indo de encontro à luz, saindo das entranhas da nossa mãe e morremos voltando para a escuridão, para as entranhas da terra. Mas esse é o processo imutável que nós conhecemos, é o início e o fim… E o maior objetivo é permanecer na luz o maior tempo possível, nutrindo a alma.

    Os meios disponíveis são, sem dúvida, o reflexo daquilo que você quer ver. Um depende do outro, pois não adianta você ter conhecimento e não ter um meio ao seu dispor, por exemplo, de como se faz uma fogueira, sem ter os elementos que fazem parte do triângulo do fogo: oxigênio, combustível e temperatura de ignição. Em outras palavras, não adianta você ter a centelha sem ter o material adequado para queimar, ou ter o material para iniciar a combustão e não ter uma faca e uma pedra, (duas pilhas) duas pedras ou duas varetas para produzir as faíscas. Se pudéssemos decrescer todas as possibilidades de meios disponíveis ao ponto de dizermos: Ah não! Não retire este!, estaríamos chegando a um consenso que seria certamente a faca, ou objeto semelhante a este como o facão. Depois disso, com o intuito de chegar a nada, ou quase nada, teríamos uma machadinha improvisada com uma pedra cortante, provavelmente um cristal, e por fim o fogo.

    Usando a machadinha já seria muito difícil utilizá-la, comparando-a as atividades que a faca pode ser útil. O fogo então seria ainda muito mais difícil. Imaginemos que devemos cortar um bambu com a faca. Seria difícil, mais fácil seria utilizar um serrote ou instrumento parecido, mas se não o temos terá que ser a faca mesmo. Cortar um bambu utilizando o fogo é possível, mas extremamente mais difícil e demorado, sem falar que as extremidades não poderiam ser trabalhadas, como entalhes, pontas, etc. A faca é essencialmente o meio que, se disponível, nos dará várias possibilidades, desde a confecção de um abrigo à defesa pessoal. São inúmeras as possibilidades de utilização da faca.

    Certamente, se nós estivermos em uma situação em que os meios disponíveis são escassos, tendo inicialmente a faca, teremos grandes chances de sobrevivermos. Manusear a faca para atingir o seu propósito também é de suma importância. Adaptá-la e usar a criatividade fará grandes diferenças. Por exemplo, a faca fixada a um bambu ou varão se tornará uma excelente lança, que poderá ser utilizada para caçar, pescar e se defender de possíveis predadores.

    O esforço persistente, as decisões e escolhas acertadas e o anseio em superar as dificuldades oferecem lições que não encontramos nos livros. Aqueles que venceram foram gigantes da persistência, inteligentes e souberam aproveitar as oportunidades.

    Terminando de ler a matéria Moritz se lembrou do dia em que após uma partida de futebol quando, levado por uma queda, teve seu braço deslocado do seu antebraço. Como um sobrevivente, se viu em casa sozinho e famélico, tendo apenas como alternativa um pacote de macarrão e uma lata de atum.

    Poderia, diante dessa dificuldade, já que estava com todo o braço e mão imobilizados, partir para um restaurante. Seria mais fácil, logicamente, mas Moritz tomou a sua situação difícil como desafio, imaginando que estaria de fato em uma sobrevivência e não podia

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