Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

O Pão E A Ilusão
O Pão E A Ilusão
O Pão E A Ilusão
E-book330 páginas4 horas

O Pão E A Ilusão

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Jovem romântica e sonhadora, precisava de dinheiro para reencontrar seu namorado, em outra cidade. Vitor, um homem rude, cínico e realista, precisava estar casado para receber a herança de um tio, e ofereceu uma boa quantia a ela, para casar-se com ele e divorciar-se, em seguida. Mas o Universo tem senso de humor e complicou as coisas para os dois.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento7 de mai. de 2021
O Pão E A Ilusão

Leia mais títulos de Joselita Alves Ribeiro

Relacionado a O Pão E A Ilusão

Ebooks relacionados

Religião e Espiritualidade para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de O Pão E A Ilusão

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    O Pão E A Ilusão - Joselita Alves Ribeiro

    Capítulo 1 –Uma estranha proposta

    -Mana, eu sei que você está decidida a ir para São Paulo, mas não tem dinheiro e não tem nenhuma chance de conseguir uma boa quantia, a curto prazo, não é? – Vicente perguntou, numa das vezes em que flagrou a irmã sovando a massa para fazer pão.

    -Infelizmente, sim – ela suspirou.

    -Pois eu tenho uma proposta maluca para lhe fazer.

    -Fale, mano.

    -Se achar idiotice, nem precisa responder. Mas você vai ter que se casar, para conseguir esse dinheiro.

    Alguns dias antes, Vicente estava atendendo um cliente na oficina mecânica em que trabalhava. A caminhonete do homem era bem antiga, mas o jovem, usando a criatividade, improvisou um remendo para o defeito e o veículo voltou a funcionar, ainda que de forma precária.

    -Puxa, você conseguiu, rapaz! Achei que, agora, essa fubica ia me deixar na mão!

    -Não foi desta vez, mas quase. Essa caminhonete já deu o que tinha que dar, cara. Não há mais peças novas para ela, tudo tem que ser improvisado. Trate de comprar outra, o mais rápido possível, ou vai ficar parado na estrada, qualquer dia desses.

    -Eu sei, e esse é o problema. Para comprar uma picape nova, eu teria que fazer um financiamento e eu já tenho dois, por conta das máquinas que comprei para a fazenda. O pior é que eu tenho bastante dinheiro, só não posso botar a mão nele...

    -E por que não?

    -É um caso simples, mas eu não sei como solucionar, sem me meter em uma encrenca. Vamos tomar um café, e eu explico.

    -Tem algo a ver com a polícia?

    -Não, não é nenhum crime, é só um problema chato.

    Vicente pediu licença ao chefe e foi tomar um café com o cliente, em uma loja de conveniências, ao lado da oficina. O homem tinha uma aparência modesta, mas falava bem e tinha boas maneiras.

    -Olhe, só estou comentando isso porque eu notei que você é bem criativo e engenhoso, e talvez possa me dar uma boa ideia a respeito do meu problema – o homem explicou, assim que se sentaram.

    -Mande.

    -Eu sou dono de uma pequena fazenda. Dá para viver bem, mas não para gastar demais, por conta dos compromissos financeiros que eu já assumi. Meu tio faleceu, há alguns meses, e me deixou uma boa quantia em dinheiro, o suficiente para ampliar a fazenda, que é o meu sonho, mas – e aí começa o problema – para receber essa herança, eu tenho que me casar!

    -E daí?

    -Eu sou solteiro e não pretendo me casar, meu tio sabia disso, mas era um maldito carola, que não estava a fim de deixar o dinheiro dele para um solteiro gastar na esbórnia! Foi o jeito que o filho da puta encontrou para me obrigar ao casamento.

    -É, o senhor não tem saída.

    -Não me chame de senhor, o meu nome é Vitor. O que você faria, no meu lugar, para se livrar do casamento e pegar o dinheiro?

    -Bom, eu ofereceria uma boa quantia a alguma garota, para se casar comigo e se divorciar, logo em seguida. Algumas delas fazem qualquer coisa para se casar, só querem mesmo é o vestido e a festa.

    -Já pensei nessa possibilidade, mas, onde vou achar a garota? Pondo um anúncio no jornal? Não posso apelar para a fraude, abertamente. Até nisso, o maldito pensou: se eu tentar fraudar o casamento, o dinheiro vai para uma entidade caritativa da igreja. E o casório deve durar ao menos um ano, ou vou ter que devolver todo o dinheiro que tiver recebido e ainda enfrentarei um processo. Mas, mesmo que eu consiga uma boa candidata, ainda enfrento um grande risco.

    -Qual?

    -Meu pai me dizia que arrumar uma mulher é fácil, mas pode ser muito difícil livrar-se dela. Eu corro o risco de a danada querer continuar casada!

    Vicente riu, mas ficou pensando, enquanto tomava o café.

    -Eu acho que tenho a solução para o seu caso, mas preciso falar com a candidata. Você pode esperar mais uns dias?

    Vicente resumiu, para Laís, o encontro com Vítor.

    -E então? Você topa?

    -Vou ter que ficar casada com ele, por um ano?

    -Não tem saída, mas não significa que você terá que morar com ele, só não poderá pedir o divórcio, antes disso. Acha que o Romeu se importará? –ele perguntou, com um leve toque de malícia na voz.

    -Quanto ele está disposto a me dar?

    -Duzentos e cinquenta mil, no mesmo dia do casamento, só para casar e descasar.

    -Parece bom demais, para ser verdade. É coisa séria, mano?

    -Eu já investiguei o cara, por minha conta. Ele é realmente um pequeno fazendeiro, tem várias contas bancárias e é conhecido do gerente do banco com quem negocia, há dois anos, desde a morte dos pais. Parece gente boa, só está interessado em pegar o dinheiro do tio para ampliar a fazenda. Não notei nada estranho nas referências dele.

    -Meu Deus, mano, a cada dia você me surpreende mais! E você só tem dezesseis anos!

    -Eu tenho a idade do Bill Gates, quando começou a fazer fortuna. Não subestime os adolescentes, mana! E então, você topa?

    -Eu vou pensar na proposta.

    -Não comente isso com ninguém, tá? Ele também me disse que, se tiver que enfrentar um processo por fraude, a moça poderá ser processada por cumplicidade.

    -Pode deixar, mano. Obrigada – ela beijou o irmão.

    Mas não havia muito o que pensar, Laís estava firmemente decidida a ir ao encontro do namorado, em São Paulo.

    Dois dias depois, Vicente apresentou Laís ao seu pretendente. O irmão tinha escolhido apresentá-los em um lugar discreto, para que pudessem combinar, sem testemunhas, os termos do acordo que estavam prestes a fazer, e eles se trancaram em uma sala anexa da oficina, que era usada para conversar com os clientes difíceis. Mas Laís quase desmaiou quando viu o homem: ele parecia um espantalho: alto e abrutalhado, os cabelos negros e lisos, compridos até os ombros e uma barba grande e desgrenhada, que lhe cobria quase todo o rosto. Ele vestia uma camisa xadrez azul e branco, um tanto larga para ele, uma calça de brim, puída nos joelhos e calçava um par de tênis que já tinha visto melhores dias. Ele estava limpo, mas seu desmazelo era evidente.

    -Boa tarde. Meu nome é Vitor Nunes Novak –a voz dele era grossa.

    A moça ficou tão chocada, que custou a responder.

    -Boa tarde. Meu nome é Laís de Souza Morais.

    -Você já sabe do que estamos tratando, não é? 

    -Sim, Vicente já me explicou a sua proposta – ela falou, engolindo em seco.

    -Para garantir a sua parte, eu vou emitir uma nota promissória, que poderá ser executada se, após o casamento civil, eu não lhe entregar a quantia que combinamos. E você assinará uma promissória, do mesmo valor, no dia do casamento, como garantia de que você não vai pedir o divórcio antes de completarmos um ano de casados. Se você fizer isso, vai ter que devolver o dinheiro que lhe entreguei e enfrentará um processo. Concorda com isso?

    -Concordo – ela respondeu, louca para sair correndo.

    -Seu irmão me contou o motivo pelo qual você precisa do dinheiro. Eu já morei em São Paulo, quando estudava e, se quiser, posso lhe indicar um lugar onde você poderá ficar, durante uma ou duas semanas, até encontrar o seu namorado.

    -Obrigada, vou querer sim.

    -Entregue os documentos desta lista ao seu irmão, para eu preparar tudo, mas é preciso esperar um mês, por causa dos proclamas. Quer marcar o dia?

    -Pode ser em vinte de maio.

    -Tudo bem, só precisamos do casamento civil. Depois disso, estamos ambos liberados, cada um para o seu lado.

    -Está certo, mas vou precisar apresentar você aos meus pais, espero que entenda.

    -Eu entendo –ele concordou, depois de uma pequena hesitação. –Quando quer que eu apareça na sua casa?

    -Amanhã, pelas sete horas. Você pode?

    -Sim, estarei lá.

    -Vicente, pelo amor de Deus, você devia ter me preparado! Em que zoológico você encontrou esse cara?

    -Não achei que isso fosse tão importante, mana!

    -Sim, mas ele precisava ser tão... tão... ele parece um gorila vestido de jeans!

    -Pô, o cara vive sozinho em uma fazenda, só vê bichos! Queria que ele vestisse um smoking para ordenhar as vacas?  O importante é que isso resolve o seu problema e vai resolver o dele.

    -É, você tem razão– ela suspirou. –Só espero que ele se apresente decentemente vestido, para ser apresentado aos nossos pais, amanhã.

    Mas Laís precisava preparar a família para conhecer o Vitor.

    "Eles vão dar chiliques quando virem esse homem..." – ela pensou, apreensiva, mas respirou fundo e tomou coragem.

    -Mãe, pai, eu convidei um rapaz para jantar aqui amanhã.

    -Que bom, filha! Já era tempo de sair desse marasmo e seguir adiante com a sua vidinha! – a mãe comemorou, entusiasmada – Nós conhecemos o rapaz?

    -Acredito que não, mãe. Ele não é de sair muito...

    -Como é o nome dele? –o pai quis saber.

    -Vitor Nunes Novak.

    -Ele é bonito? – Clara, a irmã de nove anos, interessou-se.

    -Hã... acho que não é bonito, mas é simpático.

    -Você desistiu do Romeu? –Isis, a irmã de seis anos perguntou, com um jeito decepcionado.

    -Acho que foi ele que desistiu de mim...

    -Não vamos falar em assuntos tristes, não é mesmo? – a mãe atalhou – Eu vou fazer alguma coisa diferente, para agradar o rapaz.

    -Não é necessário, mãe, Vitor é um homem muito simples.

    -Eu conheço ele. É cliente da oficina e dono de uma pequena fazenda, no segundo distrito. –Vicente explicou.

    -Um fazendeiro, hein?

    -Sim, pai. Ele me propôs casamento, e eu aceitei. – Laís soltou a bomba e preparou-se para o estouro.

    -Casamento?! – pai e mãe exclamaram, ao mesmo tempo.

    -Está maluca, Laís? – o pai ficou estupefato.

    -Você é uma criança, minha filha! Que ideia é essa? – a mãe estava escandalizada.

    -Eu sei o que estou fazendo e pretendo me casar com ele, o mais breve possível – ela afirmou, decidida.

    -Meu Deus, você só tem dezoito anos, Laís! É muito jovem para isso! Vá passear com as amigas, arrume outros namorados, eu sei que não lhe faltarão pretendentes.

    -Seu pai tem razão, querida, casamento é um passo muito importante na vida, não pode ser decidido de qualquer maneira. Eu sei que você está magoada com o caso do Romeu, mas dê um tempo a si mesma, não atire o seu futuro pela janela. Daqui a alguns anos, você estará lamentando essa decisão.

    -Você ainda está chocada com o rompimento do seu namoro, querida, mas eu garanto que isso vai passar e você ainda vai ser muito feliz – o pai insistiu.

    -Não é choque, não, pai. Por favor, eu sei o que eu estou fazendo, me deem um voto de confiança. Amanhã meu pretendente virá aqui, e eu peço a vocês que tentem ser amigáveis com ele.

    "Só espero que eles não desmaiem, quando virem o Vítor. " –ela pensou, apreensiva.

    Mas, naquela noite, Laís não fez pão. Apenas saiu para o pátio, olhou para o céu estrelado, abriu os braços e agradeceu ao universo, por ter atendido ao seu pedido.

    Me espere, Romeu. Dentro em breve estaremos juntos novamente, meu amor...

    Alguns anos mais tarde, ela se lembraria dessa fase como a mais louca da sua vida.

                                                        ***

    Capítulo 2 – Romeu

    Algumas semanas antes, em março do ano 2000, Romeu tinha ido embora para São Paulo, em uma tarde cinzenta e chuvosa, deixando Laís em lágrimas. A jovem se apaixonara por ele desde a primeira vez em que se viram, na escola onde cursavam o segundo grau. Foi lá que ela, uma adolescente de quatorze anos e ele, um rapazinho de quinze, trocaram suas primeiras palavras, durante o recreio.

    -Puxa, que pãozinho é esse que você está comendo? Ele tem um cheiro delicioso! – ele comentou.

    -É pão de coco, eu mesma faço – ela respondeu, vaidosamente. – Quer provar?

    -Sim, por favor.

    Ele adorou e ela passou a levar um pãozinho extra para ele, todos os dias. Dali para frente, eles se tornaram inseparáveis: onde estava um, estava o outro. Com o passar dos anos, o namorico foi se tornando coisa mais séria, com passeios ao parque, às festinhas e aniversários nas casas de amigos e parentes, e ao cinema, que o rapaz adorava. Ele comentava os filmes que viam juntos, sabia os nomes de todos os artistas e diretores premiados e era apaixonado por filmes antigos, que eles assistiam no videocassete. Laís nem sempre estava a fim de ver aquelas velharias, mas não queria contrariá-lo, porque ele era muito sensível, chegava às lágrimas com alguns deles.

    -Você é a única que entende essa minha paixão pelos filmes antigos, Laís. Você tem bom gosto, meu amor.

    Romeu ensinou-a a usar o computador, para trocarem adoráveis e-mails diariamente, e ajudava-a nos estudos, porque a moça não mostrava nenhum entusiasmo pela escola.

    Filho do melhor médico da cidade, o rapaz era bonito: de altura mediana, esbelto, olhos verdes, cabelos castanho-claros, quase louros e um nariz aristocrático, Romeu tinha maneiras elegantes e muito bom gosto para se vestir. Ele não gostava de futebol, nem tinha altura para jogar basquete ou vôlei, mas dedicava-se ao tênis e já tinha uma certa fama como jogador no melhor clube da cidade. Além disso, ele era um grande

    dançarino: eles não perdiam um baile no clube ou nas festas. Os dois formavam um belo par e já tinham sido vencedores de vários concursos de dança.

    Como namorado, ele era impecável: nada de atitudes grosseiras, avanços ou amassos. Ele a beijava, beijava suas mãos, andavam abraçados, de mãos dadas, mas não passava disso. Ele lhe trazia presentinhos, mesmo sem data especial: flores, bombons, livros de poesia, revistas em quadrinhos, bichinhos de pelúcia – que Laís adorava – e qualquer coisa que ele achasse que ela gostaria de receber. Era um verdadeiro namorado à moda antiga.

    -Toda mulher nasce para ser esposa e mãe, e deve ser tratada como se trata uma flor: com cuidado e respeito –ele dizia.

    Enquanto suas amigas se queixavam do comportamento lascivo dos namorados, sempre querendo passar as mãos em seus corpos ou sugerindo sexo a toda hora, a moça não tinha queixa de Romeu. Ele a tratava como a uma princesa e ela se sentia a mais feliz das garotas.

    Mas ele não tão era perfeito para as demais pessoas: os valentões da escola o apelidaram de flor mimosa e o agrediam com gozações quanto à sua masculinidade. Até mesmo Vicente, o querido irmão de Laís, comprou a primeira e única discussão que tiveram.

    -Maninha, esse seu namorado não é normal, ele é veado! – ele declarou, sincero.

    -Não é não! – Laís defendeu-o, indignada. –Ele é apenas um homem sensível! Você acha que todo homem tem que ser um brutamontes, para provar que é macho? Tem que feder a suor, bolinar as mulheres, jogar futebol, beber cervejas, dizer palavrões e só ler revistinhas de sacanagem?

    -Sua irmã tem razão, meu filho –o pai apoiou. –Isso é uma grave ofensa para um homem. Se você não tem provas, não repita o que os outros dizem, porque a humanidade é má e não perdoa os que ousam ser diferentes. Se ele fosse o que dizem, não teria uma namorada, estaria à procura de um namorado. Ele me pareceu bem-educado, gentil, atencioso e apaixonado por sua irmã. Você está cometendo uma injustiça, não faça mais isso, por favor.

    O irmão pediu desculpas e os dois se abraçaram.

    -Não ligue para o que o Vicente disse, mana, ele é um bobalhão! O Romeu é muito legal e nós gostamos muito dele. – Clara afirmou.

    -Sim –Isis ecoou – ele é o seu príncipe encantado.

    -Obrigada, meus amores, eu amo vocês.

    "Romeu não conquistou só a mim, conquistou a minha família também. Eu o adoro! " – ela pensou, encantada.

    Entretanto, no início do ano 2000, chegou a hora de Romeu escolher uma profissão e o pai o pressionou para escolher a medicina, embora o rapaz não tivesse vocação para ser médico. Ele queria ser um artista, um cineasta ou fotógrafo e, várias vezes, ele chorou, deitado no colo de Laís, porque não tinha coragem de contrariar o pai. Mas, a influência da mãe, que ele adorava, acabou ganhando a parada: Romeu fez vestibular para medicina e teve que partir para São Paulo, deixando Laís inconsolável. Ele prometeu se manter em contato com ela, por telefone ou e-mail, e disse que ficaria numa pensão para estudantes, enquanto procurava um apartamento para alugar. Mas ele não lhe mandou o novo endereço, nem se comunicou por telefone ou por e-mail e, as cartas registradas, que a moça mandou para a pensão, voltaram com o carimbo do correio: destinatário não encontrado.

                                                          ***

    Capítulo 3 – Laís

    Uma garota alegre e festeira – era assim que as amigas descreviam Laís. A moça era apenas bonitinha, com aquele viço natural da juventude. Seus cabelos, muito negros e lisos, eram o seu principal atrativo e seu rosto redondo combinava com o corpo, cheio nos lugares certos. De altura mediana, olhos negros, ligeiramente amendoados, nariz arrebitado e uma boca pequena, com dentinhos separados, ela estava sempre disposta a sorrir de tudo e de nada. Era uma garota bem comum.

    -Acho que serei uma velhota gorducha e feliz – ela respondia às amigas, que implicavam com seus pneuzinhos. – O Romeu me acha linda, viu? Ele diz que eu sou uma pintura de Renoir!

    Ela estava de bem com a vida e achava engraçado ver algumas delas se privando de gostosuras, para emagrecer.

    -Vocês estão malucas! Eu não vou parar de comer meus adorados pãezinhos, para virar um saco de ossos!

    Laís tinha até sua própria receita para recomendar aos clientes e amigos: pão de coco, para os deprimidos, pão de gengibre, para os mal humorados, pão de abóbora, para os anêmicos, pão de azeitonas, para conquistar alguém, pão de beterraba ou de cenoura, para as crianças crescerem fortes, pão de aipim ou batata, para quem quer engordar, pão de alho, como aperitivo, pão de milho, para acompanhar o café da tarde, pão de nozes e frutas secas, para comemorar, e até pão de chocolate, para dor de cotovelos!

    A menina era a filha mais velha de um professor da rede pública estadual e tinha mais três irmãos: duas meninas, de seis e nove anos, e um rapaz de dezesseis, o Vicente. Ela e o irmão já ajudavam em casa, com seus empregos: o rapaz trabalhava em uma oficina mecânica e Laís era empregada na padaria do bairro, onde aprendeu a fazer pães, aos quatorze anos e, aos dezoito, já era mestre padeira.

    Eles moravam em uma cidade do interior do Estado de São Paulo, em uma pequena casa, onde Laís dividia o quarto maior com as irmãs e Vicente ocupava o menor deles. Eles eram unidos e faziam o possível para ajudar o pai que, muitas vezes, fazia horas extras e dava aulas aos

    domingos para sustentar a família, porque seu salário como professor era insuficiente para os gastos.

    Normalmente, Laís iluminava a casa com seu bom humor: ela tinha sempre uma palavra boa, nas horas difíceis, ou sugeria uma festa para comemorar qualquer coisa, e trabalhava cantarolando, ao som das músicas do rádio. Entretanto, desde a partida do namorado, a moça havia mudado: ficou triste, chorava muito, para desespero da mãe e preocupação do pai. Seus irmãos faziam o possível para alegrá-la, mas ela parecia ter perdido o gosto pela vida, fazendo tudo automaticamente, sempre à espera de notícias do amado. Vicente foi o único que conseguiu sacudi-la daquele marasmo, com um pedido.

    -Laís, eu quero aprender a dançar. Você pode me ensinar? Eu arrumei uma namorada que adora festas, e eu não quero pagar mico na frente de todo mundo – ele explicou.

    A moça não queria nem se mexer da poltrona, onde desabava quando chegava em casa, mas Vicente insistiu tanto que ela acabou fazendo a vontade do irmão e dava aulas a ele. A dança a animava, um pouco, e fazia com que ela esquecesse do Romeu, por algumas abençoadas horas.

    Um dia, ela resolveu conversar com a mãe do rapaz. Não lhe parecia possível que ela ignorasse o paradeiro dele ou que eles não se comunicassem. A família dele morava em uma bonita casa, no melhor bairro da cidade, e a mãe de Romeu a recebeu com um abraço afetuoso.

    -Dona Célia, eu vim lhe pedir, por favor, o endereço, o novo e-mail ou o telefone do Romeu, a senhora deve ter. Ele ficou de me mandar, mas, até agora, não recebi nada e as cartas, que eu lhe enviei para ele, foram devolvidas, porque o carteiro não o encontrou. O que está acontecendo com Romeu?

    -Olha Laís, convencer meu filho a ir para São Paulo, não foi fácil, nem para o pai dele, nem para mim. Me desculpe, mas eu não quero que nada o distraia, neste momento, que é crucial. Se ele não lhe mandou o endereço ou o telefone, deve ter tido motivos fortes para isso. Eu desejo que ele esclareça esse assunto com você, porque também nos constrange, mas isso deve partir dele. Espero que você me compreenda e não me guarde rancor, porque eu gosto muito de você – ela parecia sincera, mas evitava olhar diretamente para os olhos da moça.

    Laís voltou para casa, em lágrimas.

    A mulher tinha razão, até certo ponto. Por que ele não tinha entrado em contato, até agora? O que teria acontecido em São Paulo, afinal? Tinha que haver algo errado nisso. A moça sentia que a mãe do namorado lhe estava ocultando alguma coisa e contou ao irmão sobre a visita à mãe de Romeu.

    Vicente era dois anos mais jovem que ela, mas já se mostrava bastante maduro para a idade. Ele era seu melhor amigo.

    -Por que você ainda insiste com isso, Laís? Está na cara, que ele não quer mais nada com você! Essas coisas acontecem com muita gente, todos os dias. Não seja ingênua, ele não é o único homem do mundo. Aliás, você sabe o que eu penso dele e, para mim, essa atitude não foi nenhuma surpresa.

    -Pois, para mim, ele é o único homem do mundo! Se eu não me casar com ele, não quero me casar com ninguém! E eu vou a São Paulo falar com ele! Romeu vai ter que dizer, na minha cara, que não quer mais nada comigo!

    -Você está maluca? São Paulo não é para qualquer um, mana. Você não sabe onde ele mora, não sabe o telefone dele, aposto como nem sabe em qual faculdade ele estuda! Há várias

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1