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O Anjo Da Guarda
O Anjo Da Guarda
O Anjo Da Guarda
E-book282 páginas3 horas

O Anjo Da Guarda

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Sobre este e-book

Seu pai dilapidou a fortuna da família e seu namorado a trocou por outra. Sem amigos, sem emprego e sem dinheiro, ela estava prestes a se tornar uma sem-teto.Mas, de repente, ela descobriu que tinha um anjo da guarda, que a protegia e satisfazia às suas necessidades, com uma única exigência: ela nunca deveria tentar procurá-lo ou saber quem ele era.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de out. de 2021
O Anjo Da Guarda

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    O Anjo Da Guarda - Joselita Alves Ribeiro

    1-POR UM TRIZ

    O velório havia sido pouco concorrido, para um homem tão rico e com tantos relacionamentos importantes: apenas meia dúzia de ex-empregados do falecido e alguns colegas das filhas foram prestar condolências à família. Nenhum amigo dele aparecera. Mas, para Roberta, a filha mais velha, a surpresa maior tinha sido a falta de reação da mãe à morte súbita do pai: nem uma lágrima, ou uma simples expressão de pesar. Ela sequer compareceu ao funeral, mas a moça atribuiu o fato ao seu frágil estado de saúde que, durante os últimos dez anos, a manteve confinada aos seus aposentos.

    Alguns dias mais tarde, a moça foi ao crematório para recolher as cinzas do pai, juntamente com Renata, a irmã mais nova.

    -Não acha estranho que nenhum amigo do papai tenha comparecido ao funeral, Betsy? Ele tinha tantos!

    -Talvez ele não tivesse tantos amigos quanto pensava, Renata. Muitas vezes confundimos conhecidos e colegas com amigos, mas uma coisa não tem nada que ver com a outra. E, além do mais, o morto já não precisa de nenhum deles, só de flores e preces.

    -O que faremos com as cinzas dele?

    -Vamos deixar que a mamãe resolva.

    As moças entraram no carro e pegaram o caminho mais curto para a casa, em um bairro nobre do Rio de Janeiro. Àquela hora da tarde, pouco antes do pico, o movimento não era grande na rua de mão única que elas escolheram. O dia tinha sido muito quente e, mesmo ao cair da tarde, uma emanação sufocante ainda se levantava do asfalto.

    -Eu vou sentir saudades. Ele sempre foi um bom pai para nós, não nos negava nada, nunca disse não, para mim. –Renata lamentou, enxugando os olhos.

    "Não sei, não. Ele era um bom provedor de dinheiro, mas nunca estava presente, quando a gente mais precisava. Aliás, ultimamente, já quase não nos encontrávamos, éramos como dois estranhos naquela casa..." – Roberta pensou, mas não quis polemizar com a irmã.

    O celular de Roberta tocou e, acreditando ser uma chamada da mãe, a moça ligou-o ao viva voz.

    -Roberta? Não desligue! – uma agradável voz masculina falou. –O carro à sua frente é de assaltantes e eles vão lhe dar uma fechada, no próximo estreitamento da rua. Siga as minhas instruções, para despistá-los, e nada vai lhes acontecer. Fique calma.

    A moça gelou. Ela já havia desconfiado do comportamento estranho do veículo à sua frente, que ela vinha tentando ultrapassar, mas ele ziguezagueava e não lhe dava passagem.

    -Betsy, pelo amor de Deus, vão nos assaltar!

    -Por que eu devo confiar em você? – Roberta falou, com o coração batendo na garganta.

    -Porque eu sou o seu anjo da guarda. Agora, entre no próximo desvio, sem ligar o pisca, e meta o pé no acelerador quando entrar na estrada! – insistiu a voz.

    A rota sugerida a desviaria do caminho de casa em mais de cinco quilômetros.

    "E se a voz for de um dos assaltantes?" – ela pensou, assustada.

    Roberta preferiu não arriscar e tentou ultrapassar o carro da frente, mas o motorista fechou a passagem e forçou-a a diminuir a marcha, para não colidir. Mais adiante, um estreitamento da rua, criado por um deslizamento de terra, era a chance que os assaltantes esperavam. O carro da frente parou e Roberta foi obrigada a brecar. Dois homens armados desceram do carro e vieram na direção delas, um terceiro homem passou correndo e colocou alguns cones sinalizadores, pouco atrás do carro das moças, desviando o trânsito para a estrada.

    -Calma, agora, Roberta, faça o que lhe digo: abaixe-se e não tente nenhuma proeza – alertou a voz ao telefone.

    Mas a moça, em pânico, deu marcha à ré para tentar voltar ao desvio e um dos assaltantes atirou, arrancando o espelho lateral do veículo.

    -Abaixe-se, sua louca! – a voz gritou.

    Roberta brecou o carro e abaixou-se, num reflexo instintivo. Um dos assaltantes procurou abrir a porta, que resistiu, e a moça, horrorizada, viu-o levantar a arma para quebrar o vidro lateral, mas um estampido forte sacudiu o homem e o sangue espirrou na janela. Em seguida, começou um tiroteio que durou alguns aterrorizantes segundos. Quando o barulho cessou, a voz no celular prosseguiu.

    -Você está em condições de dirigir?

    -Sim – Roberta respondeu, mas seus joelhos tremiam.

    -Pois dê marcha à ré e entre no desvio. Não comentem nada a respeito disto, se não quiserem a polícia na sua porta, entenderam? Antes de mandar consertar o carro, lave-o você mesma.

    Roberta levantou a cabeça e viu dois corpos caídos no chão. O carro da frente tinha os vidros estilhaçados. Olhando pelo retrovisor, ela viu uma picape preta, parada poucos metros antes do desvio, mas os vidros escuros não permitiam a identificação dos ocupantes.

    -Betsy, eu acho que era uma briga de gangues!

    A moça entrou no desvio e voou para casa. Seus joelhos ainda tremiam, quando ela lavou o carro na garagem.

    ***

    2-CAINDO DAS NUVENS

    O grande portão de ferro da mansão se abriu com um rangido alto, e o carro de Roberta entrou no jardim, seguindo o caminho de pedras até à garagem.

    Com o verão no auge, o tempo estava abafado e a tarde mormacenta anunciava um temporal, mas, dentro da casa estava fresco e escuro, graças ao teto alto e às grandes janelas protegidas por cortinados.

    Ela subiu a escadaria e entrou no escritório do pai, que também estava às escuras e exalava um leve odor de mofo.  A moça abriu uma das cortinas que cerravam a peça e, embora já pressentisse que não encontraria nada, ela procurou, em todas as gavetas dos móveis, os certificados de compra de ações. Mas a busca foi inútil e, dentro do pequeno cofre de parede, só havia extratos bancários, canhotos de cheques, cartas e notificações judiciais.

    A moça sentou-se na poltrona e suspirou, desanimada. Aquele pesadelo parecia não ter fim, desde a morte repentina do pai, há dois meses atrás. Ela estava tentando fazer um levantamento dos bens, para fins de inventário, mas só recebera más notícias: quase todos os imóveis haviam sido vendidos e, o que sobrou, estava penhorado judicialmente para garantir as muitas dívidas que ele deixara.

    Seus pés estavam doloridos, apesar do calçado confortável e ela tirou os sapatos, dobrando as pernas sobre a poltrona, como costumava fazer quando menina.

    Pelo que Roberta havia apurado, restava pouco do que já tinha sido uma grande fortuna, acumulada por seus antepassados, desde o tempo do Brasil Império. Seu tataravô conseguira até um título de barão, mas os herdeiros não souberam conservar o patrimônio familiar: seu pai já não havia herdado as prósperas fazendas de café e cana de açúcar e, ele mesmo, conseguira dilapidar o que restava. Ultimamente, a moça vinha bancando as despesas domésticas, pois as contas do pai estavam zeradas em todos os bancos em que ele era correntista.

    Roberta começou a massagear a nuca, endurecida pela tensão.

    "Pelo visto, só nos restou esta casa. Se conseguirmos vendê-la, poderemos viver da renda. Ela está bem localizada, num terreno enorme em bairro nobre, mas vendê-la não vai ser fácil nem rápido e nós precisamos de dinheiro, urgente. As minhas reservas já estão muito baixas, não vou aguentar mais dois meses nesse ritmo. Vou tentar vender os quadros e alguns cristais. A venda do pequeno Renoir pode nos sustentar, por bastante tempo..."

    Roberta voltou a calçar os sapatos e encaminhava-se aos quartos, quando seu salto prendeu na ponta do tapete e a moça quase se esparramou no chão. Ela conseguiu se equilibrar, segurando-se ao guarda-corpo da escada, e abaixou-se para arrumar a ponta revirada do tapete, mas viu uma etiqueta colorida, colada no avesso dele.

    Cem por cento acrílico?! Isto não pode ser de acrílico, é um tapete persa!a moça pensou, atônita.

    Mas era apenas uma imitação barata, comprada em magazines. Um pensamento aterrorizante passou como um relâmpago por sua mente e ela desceu correndo as escadas.       Roberta abriu todas as cortinas do salão, para examiná-lo melhor e, quando seus olhos se acostumaram à luminosidade repentina, ela constatou detalhes que lhe haviam passado despercebidos: as obras de arte, que ornamentavam as paredes, tinham sido substituídas por gravuras comuns; sobre os móveis, os lindos cristais de Lalique, os bronzes de Rodin, o relógio francês e os jarrões de porcelana chinesa haviam sido trocados por peças artesanais e até os pesados lustres de cristal tcheco deram lugar a pendentes de acrílico.

    Roberta sentiu os dedos doloridos dentro dos sapatos e jogou-os para o alto, em um acesso de fúria.

    Ela correu para a sala de jantar, abriu todas as cortinas e a luz do dia inundou o ambiente, decorado com pesados e elegantes móveis em estilo Chippendale. A moça abriu as portas da enorme cristaleira e pegou uma das peças do aparelho de jantar da Companhia das Índias, com seus delicados desenhos em azul e branco e, embaixo dela, estava escrito "made in Taiwan". Era apenas uma cópia, em faiança barata. Os cristais Baccarat haviam tido o mesmo destino, substituídos por um jogo de fabricação nacional, e nem mesmo as baixelas de prata foram poupadas: no seu lugar havia apenas um conjunto de talheres de aço inoxidável.

    A moça olhou à sua volta e constatou os sinais de decadência: as paredes, com a pintura desbotada, tinham trincas e manchas de infiltração e a seda dos assentos das cadeiras estava repleta de pequenas manchas amareladas.

    "Há quanto tempo eu não olhava, realmente, para essa casa?" – ela pensou, com lágrimas nos olhos.

    Através da janela, Roberta viu o grande jardim, maltratado, infestado pelo inço e o chafariz, desativado e coberto, pois ela mesma havia dispensado a empresa de jardinagem, para poder manter a equipe de vigilância. Até onde a vista alcançava, a impressão era de abandono.

    De repente, ela lembrou-se dos livros do pai e voltou ao escritório. Ainda havia uma esperança, porque aqueles livros valiam muito dinheiro: algumas das edições ainda eram do tempo do Império. A moça abriu todas as cortinas que obscureciam o cômodo e olhou para a enorme estante, em uma das paredes. Não foi nem necessário procurar para constatar que os livros, raros e caros, só haviam deixado lacunas nas prateleiras.

    Como eu poderia desconfiar de algum problema, se meu presente de formatura foi um carro importado? E Renata ganhou um Mercedes Benz compacto, quando fez dezoito anos!

    A moça sentou-se na poltrona favorita do pai e chorou, enquanto a noite caía, cobrindo a casa de trevas.

    Roberta continuou sentada, de olhos fechados, e só os abriu ao ouvir a música do Big-Ben, anunciando as oito horas. A moça acendeu as luzes, olhou para o relógio e começou a rir: no lugar do imponente relógio eduardiano, relíquia do bisavô, estava uma grosseira imitação de plástico, hedionda, provavelmente outro produto "made in Taiwan".

    -Roberta? É você, minha filha? – era a voz da mãe, chamando-a da porta do escritório.

    A moça tratou de se recompor e abriu a porta. Ela não queria preocupar a mãe, por causa do seu estado de saúde.

    -Filha, eu ouvi a sua risada, lá do meu quarto. Alguma notícia boa?

    Quando jovem, a mãe deveria ter sido muito bonita, pois ainda conservava traços harmoniosos, apesar das rugas nos cantos dos olhos e da boca; seus olhos cor de mel, cercados por pestanas longas, tinham um jeito suave e amável de encarar as pessoas; a sua esbelteza, oculta por um chambre acetinado, a fazia parecer mais alta do que realmente era, e seus gestos, contidos e delicados, lhe davam a aparência frágil de uma boneca de porcelana.

    -Não foi nada importante, mãe, eu me lembrei de uma piada. Como você está se sentindo? – a moça procurou disfarçar a angústia.

    -Estou bem, não se preocupe. Você já jantou?

    -Ainda não, não tive tempo.

    -Então jante comigo, eu dei folga para a Janete, hoje.

    -Mãe, eu já lhe disse para não a deixar sair, enquanto uma de nós não chegar! Você não pode ficar sozinha!

    -Ora, a gente só morre quando chega a nossa hora! Pare de se preocupar comigo, querida, venha jantar. Você deve estar morta de fome, pobrezinha!

    As duas dirigiram-se aos aposentos da mãe: uma suíte com sala, quarto, banheiro e closet, onde ela havia se isolado, desde que adoecera do coração, há dez anos atrás. Ela só saía para fazer as revisões médicas mensais e as filhas e o marido evitavam aborrecê-la, temendo por sua vida.

    Na saleta da suíte, uma pequena mesa redonda, coberta com uma toalha de linho bordada, estava preparada para uma refeição e um réchaud elétrico mantinha aquecidos os pratos, acondicionados em delicadas peças de porcelana.

    -Eu mandei pedir comida pronta e a Janete deixou tudo arrumadinho. Essa menina vale ouro, nunca tive uma auxiliar tão boa!

    Janete era a última serviçal da casa e Roberta sabia que não podia exigir mais da moça, pois ela havia sido contratada apenas para cuidar da mãe. Os outros empregados haviam sido dispensados, por questão de economia, mas Janete arrumava os quartos das moças, limpava o banheiro, fazia café da manhã para elas, lavava e passava as suas roupas. Uma vez por semana, duas diaristas faziam uma faxina geral.

    Logo nos mudaremos daqui, talvez para uma cobertura, com uma suíte para a mamãe e, se Deus quiser, vamos resolver esse problema. Pelo menos, temos esta casa, e ela vale muito dinheiro. Só espero conseguir vendê-la, rapidamente.

    -Mãe, eu lamento ter que lhe dizer isso, mas precisamos vender esta casa, urgentemente.

    -Tudo bem, eu não me importo.

    -Pensei que você gostasse dela.

    -Quem disse? Há muito tempo, a minha casa é esta suíte e, se você me perguntar como está o resto deste prédio, eu não saberia lhe responder, pois faz anos que não o percorro. O máximo que eu vejo dele é o jardim dos fundos, quando saio para pegar um pouco de sol.

    -Talvez eu tenha que vender alguns móveis também. Nós temos peças muito bonitas e valiosas. Você se importa?

    -Não. Já lhe disse, nada mais me interessa nesta casa.

    -Você sabe se o papai guardava valores em outro lugar? Algo assim como uma peça com fundo falso ou um cofre de banco? Está difícil encontrar algumas coisas.

    -Guardar? Você está procurando pelo em ovo, querida. Ele jogou tudo fora, mesmo – a mãe riu, sarcástica.

    -Você sabia que o papai estava vendendo tudo?!

    -É claro, eu assinava as transferências e ele achava que eu não sabia o que estava assinando, o grande idiota. Quando os imóveis acabaram, ele vendeu todas as peças valiosas que tínhamos em casa, e nem as minhas joias mais caras escaparam! Mas eu só lamentei pelos cristais de Lalique! Algumas daquelas peças foram presentes do nosso casamento e eram tão lindas! –ela suspirou.

    -Como ele conseguiu gastar tanto dinheiro?! Não foi conosco, nem com você! – Roberta estava assombrada.

    -Seu pai era um jogador inveterado. Ele frequentava todos os cassinos clandestinos desta cidade e não perdia uma corrida de cavalos! Deixou muito dinheiro nas mãos dos bookmakers, sem contar o carteado particular nas casas dos amigos, jogadores como ele. Ele  passava semanas sem aparecer em casa.

    -Mas mãe, você sabia que ele estava dilapidando todo o nosso patrimônio, e deixou?! Por que não lutou? Aquilo era seu também, era nosso! – Roberta estava indignada.

    -Não, não era meu, era dele e da família dele. Quando me casei, eu era apenas a filha de um pequeno comerciante de secos e molhados, um tamanqueiro, como a mãe dele costumava dizer. Eu não tinha nada e nunca me senti dona de nada. Aliás, eu nunca pertenci ao mundo do seu pai. Lamento por vocês, mas eu não tinha saúde para travar uma batalha, sem futuro, contra uma paixão incontrolável. Você não faz ideia do que seja o vício do jogo! Seu pai ficava alucinado, tentando reaver o que já tinha perdido e se atolava ainda mais na jogatina.

    -Você podia... podia... ter se negado a assinar!

    -Eu até tentei, uma vez, mas ele disse que estava sem dinheiro para pagar as escolas de vocês e, aí, eu assinei. E, todas as vezes, era a mesma história: vocês precisavam disso e daquilo. No fim, eu assinava sem ler.

    -Mas por que você não nos contou o que estava acontecendo?

    -Para quê, Roberta? Você vivia correndo atrás do namorado, em São Paulo, e a Renata só acreditaria no que o pai lhe dissesse. Você estaria disposta a enfrentar uma guerra, contra o seu próprio pai, se tomasse uma atitude? Eu duvido, porque ele era um pai bem atencioso. Eu pensei nisso tudo, quando resolvi não alertar vocês. Desculpe, filha, eu sei que não fui a mãe que vocês mereciam, mas eu juro que fiz tudo o que pude para não as prejudicar.

    Após o jantar, a moça foi esvaziar os restos dos pratos na pequena lixeira da varanda e, quando abriu a tampa, viu a caixa com as cinzas do pai lá dentro.

    Roberta foi para o seu quarto, arrasada. Aquela conversa com a mãe a deixara no fundo do poço. Seu pai era um doente, um viciado, devia ter sido interditado, mas ela sabia também que não teria coragem suficiente para fazer isso.

    "Se eu o tivesse processado, agora estaria mordida de remorsos, me sentindo culpada pela morte dele." –Roberta refletiu.

    O dia seguinte começou com más notícias para ela: seu cartão de crédito tinha sido bloqueado, por falta de pagamento, e a operadora ia executar o título. A moça havia sido avisada do bloqueio do cartão, mas deixara de quitar a dívida, no afã de controlar os outros gastos com a casa. Ela já havia vendido a maior parte das suas joias para garantir as despesas domésticas e estava usando o que sobrara da poupança que o avô havia criado para ela, quando do seu nascimento.

    Roberta ainda tentou um empréstimo, mas o banco recusou porque a moça não tinha emprego, nem propriedades e nem renda própria. Ela nunca havia passado por tamanha humilhação.

    Eu não posso mexer no dinheiro que apliquei, ou vou perder os rendimentos. Já é tão pouco... Só vendendo o carro, para quitar mais essa dívida.

    Quando ela parou em um bar para tomar um suco gelado, o celular tocou e a moça o atendeu, distraidamente.

    -Não desligue, Roberta. Eu tenho uma saída para o seu problema com o título em risco de protesto.

    A moça gelou. Por alguns instantes, ela não conseguiu responder. Era o tal anjo da guarda, do dia do tiroteio, e ela ficou na dúvida entre desligar e atirar o telefone na lixeira, ou responder à ligação. Mas, respirou fundo e preferiu enfrentar o medo.

    -Como você sabe disso?

    -Eu sei tudo sobre você, sou o seu anjo da guarda.

    -Pois fique sabendo também que minha família não tem mais nada, estamos no fundo do poço! Se pensa que pode tirar algo de nós, está perdendo o seu tempo!

    -Eu sei. Já lhe disse que eu sei de tudo a seu respeito, e é por isso que estou aqui.

    -O que é que você quer, então?

    -Embora você não acredite, eu quero apenas ajudá-la. Existe uma conta poupança referente a um seguro, que seu pai foi obrigado a fazer para garantir um empréstimo, no banco que eu vou lhe indicar. Quando ele faleceu, o seguro pagou o restante da dívida e ainda teve uma pequena sobra.

    -Não posso movimentar as contas do meu pai, sem autorização judicial, e isso demora.

    -Essa não precisa. Anote a senha que vou lhe dar e use-a.

    -Por que está me ajudando? Quem é você?

    -Pode me chamar de Anjo da Guarda – ele falou e desligou.

    Roberta conseguiu quitar a dívida e agradeceu, em pensamento, àquele estranho anjo.

    Mas, naquela noite, a moça não conseguiu conciliar o sono. Ela revirou-se na cama, a noite inteira, inquieta, repassando todos os recentes acontecimentos, indignada com a irresponsabilidade do pai e a preocupação com o futuro. Agora, ela precisava vender aquela casa, urgentemente.  Quando conseguiu adormecer, já estava amanhecendo.

    -Acorda, Betsy, acorda! – a irmã

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