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Memorial do Memoricídio: Escritoras esquecidas pela história - Vol. I
Memorial do Memoricídio: Escritoras esquecidas pela história - Vol. I
Memorial do Memoricídio: Escritoras esquecidas pela história - Vol. I
E-book337 páginas4 horas

Memorial do Memoricídio: Escritoras esquecidas pela história - Vol. I

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Sobre este e-book

Após tantos séculos esquecidas e à margem da história, as mulheres finalmente começam a ocupar o espaço que lhes cabe nas artes, na literatura, na política e na sociedade. A publicação que ora vem a público, com organização de Constância Lima Duarte e participação de 18 pesquisadoras, pretende continuar o trabalho de dar visibilidade às antigas escritoras. Alguns dos 40 nomes aqui presentes podem até surpreender, pois nunca foram mencionados nas histórias literárias; outros, apesar da calorosa recepção que tiveram de leitores ilustres, como Machado de Assis e Olavo Bilac, também foram excluídos do cânone por uma historiografia e uma crítica de perspectiva masculina. Mas, felizmente, alguns nomes até gozam hoje de certa divulgação, pois conseguiram romper a escuridão do anonimato, tornando-se temas de ensaios, teses e dissertações.

A diversidade existente entre as escritoras dialoga com a diversidade das leituras realizadas, pois entre as autoras dos verbetes estão professoras universitárias, pesquisadoras da literatura de autoria feminina e pós-graduandas, cada qual com seu estilo, mas todas empenhadas em conhecer nosso passado literário.

A estrutura da obra conta com biografia e bibliografia de cada autora, além de uma vasta fonte de pesquisa como referencial. Neste primeiro volume, consta as seguintes autoras:

Teresa Margarida da Silva e Orta (1711-1793), por Cláudia Gomes Pereira
Bárbara Heliodora (1759-1819), por Cláudia Gomes Pereira
Beatriz Brandão (1779-1868), por Cláudia Gomes Pereira
Delfina Benigna da Cunha (1791-1857), por Laura Junqueira de Mello Reis
Júlia de Albuquerque Sandy Aguiar (?-1862), por Cristiane Ribeiro
Ana Eurídice Eufrosina de Barandas (1806-?), por Caroline Farias Alves
Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810-1885), por Constância Lima Duarte
Joana Manso Paula de Noronha (1819-1875), por Laura Junqueira de Mello Reis
Anna Rosa Termacsics dos Santos (1821-1886), por Cristiane Ribeiro
Maria Firmina dos Reis (1822-1917), por Imaculada Nascimento
Francisca Senhorinha da Motta Diniz (1834 -1910), por Cristiane Ribeiro
Narcisa Amália (1852-1924), por Imaculada Nascimento
Josephina Álvares de Azevedo (1851-1913), por Constância Lima Duarte
Inês Sabino (1853-1911), por Cláudia Gomes Pereira
Amélia Carolina de Freitas Beviláqua (1860-1946), por Angela Laguardia
Albertina Augusta Diniz (1861-1880), por Cristiane Ribeiro
Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), por Iara Barroca
Maria Clara da Cunha Santos (1866-1911), por Caroline Farias Alves
Presciliana Duarte de Almeida (1867-1944), por Cristiane Côrtes
Alexina de Magalhães Pinto (1870-1921), por Rita de Cássia S. Dionísio Santos
Anna Nogueira Baptista (1870-1966), por Carla Pereira de Castro
Alba Valdez (1874-1962), por Carla Pereira de Castro
Henriqueta Galeno (1887-1964), por Carla Pereira de Castro
Ercilia Nogueira Cobra (1891- ?), por Imaculada Nascimento
Gilka Machado (1893-1980), por Maria do Rosário A. Pereira
Anna Amélia Carneiro de Mendonça (1896-1971), por Constância Lima Duarte
Henriqueta Lisboa (1901-1985), por Kelen Benfenatti Paiva
Lúcia Miguel Pereira (1901-1959), por Edwirgens A. Ribeiro Lopes de Almeida
Antonieta de Barros (1901-1952), por Kelen Benfenatti Paiva
Eneida de Villas Boas Costa de Moraes (1903-1971), por Eunice Ferreira
Miêtta Santiago (1903-1995), por Imaculada Nascimento
Adalzira Bittencourt (1904-1976), por Maria do Rosário Alves Pereira
Alaíde Lisboa de Oliveira (1904-2006), por Kelen Benfenatti Paiva
Adalgisa Nery (1905-1980), por Angélica Amâncio
Maria Jacintha (1906-1994), por Cristiane Côrtes
Carolina Maria de Jesus (1914-1977
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de abr. de 2023
ISBN9786581177065
Memorial do Memoricídio: Escritoras esquecidas pela história - Vol. I

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    Memorial do Memoricídio - Editora Luas

    Na contramão do memoricídio

    Constância Lima Duarte

    Após tantos séculos esquecidas e à margem da história, as mulheres finalmente começam a ocupar o espaço que lhes cabe nas artes, na literatura, na política e na sociedade. Finalmente – repito – vivemos o momento de reconhecimento da autoria feminina, pois, apesar de presentes no cenário literário desde o século XVIII, a produção das primeiras escritoras foi sistematicamente ignorada pelos historiadores, chegando, em muitos casos, a desaparecer como se nunca tivesse existido.

    Enquanto os homens dominavam o espaço público, as mulheres permaneciam confinadas em suas casas, analfabetas, cuidando unicamente de afazeres relacionados à família e submetidas a uma ordem patriarcal que estabelecia sua inferioridade. Vejam, estou me referindo às mulheres da elite, pois a experiência vivida pelas mulheres negras, escravizadas ou libertas, foi muito diferente.

    Até as últimas décadas do século XIX, e mesmo nas primeiras do XX, ainda causava espanto uma mulher manifestar o desejo de ter independência financeira, querer votar, fazer um curso superior! E a publicação de uma obra de autoria feminina costumava ser recebida com desconfiança ou, na melhor das hipóteses, com certa condescendência pelo público leitor masculino. Afinal, era uma mulher escrevendo, deviam pensar os que pregavam a inferioridade mental, moral e física do gênero feminino.

    Mas, por incrível que pareça, algumas jovens escaparam desse limitado círculo vicioso e publicaram poemas, romances, ensaios e até peças de teatro, apenas foram ignoradas pelo cânone...

    E chegamos ao cerne do problema: aquelas que ousaram exibir o brilho de seu intelecto e romperam os limites impostos pelo poder patriarcal, publicando livros e fundando jornais, tornaram-se depois ilustres desconhecidas porque foram sistematicamente alijadas da memória e do arquivo oficial. Foram – em outras palavras – vítimas de memoricídio, conceito que designa o assassinato da memória e de uma cultura¹.

    No caso das mulheres, memoricídio pode também designar o processo de opressão e negação da sua participação ao longo da história, pois, ao eliminar a memória de luta e resistência ao patriarcado, a História impôs o silêncio e a invisibilidade às pioneiras, registrando apenas a timidez e o confinamento das jovens oitocentistas ao lar, como a sugerir que as mulheres brancas não tiveram vida pública antes do século XX.

    Foram, portanto, razões históricas e ideológicas as responsáveis por jogar no limbo do esquecimento as primeiras produções intelectuais das mulheres, bem como sua participação nas lutas sociais. E o apagamento de seus nomes teve como consequência um grave dano ao acervo cultural brasileiro e à identidade feminina, provocando verdadeira amnésia social e desconhecimento generalizado da história de nossa opressão e resistência².

    Em ensaio publicado na Revista Anhembi, em 1954, intitulado As mulheres na Literatura Brasileira, a escritora e crítica Lúcia Miguel Pereira julgou que encontraria as antigas escritoras na História da Literatura Brasileira, de 1882, considerada a obra mais importante de Sílvio Romero. Mas...

    Nessa espécie de catedral barroca de nossa literatura onde, ao lado dos santos, se assim se pode dizer, das figuras de primeira plana, de valor incontestado, tiveram entrada carrancas e bonifrates, gente miúda, gente mais – ou menos – que secundária, só foram incluídas sete mulheres: Ângela do Amaral Rangel, Beatriz Francisca de Assis Brandão, sobrinha de Maria Joaquina Dorotéia de Seixas, a doce Marília das liras de Gonzaga, Delfina da Cunha, Nísia Floresta [...], Narcisa Amália, Maria Firmina Reis e Jesuína Serra. [...] E é tudo; nada mais achou a dizer a respeito de mulheres o mestre sergipano...³

    Ou seja, nem as contemporâneas – como Júlia Lopes de Almeida e Carmen Dolores –, e outras mais antigas, tiveram vez no arrolamento de Romero. E não foi diferente no Dicionário biobibliográfico, de Sacramento Blake, publicado em 1883, o qual, e cito Lúcia Miguel mais uma vez, pela índole mesma da obra, não teve o menor critério seletivo, abrigando, ao contrário, toda a gente que houvesse publicado fosse o que fosse, ou até que possuísse apenas escritos inéditos, havia pouco mais de cinquenta escritoras, para trezentos anos de literatura. E faz esta reflexão:

    Sintomática e tristíssima a situação das mulheres no Brasil colonial e imperial, dos preconceitos que as abafavam, dos quais dão testemunho tanto os romancistas que descreveram os costumes de seu tempo, como os escritores mais objetivos, cronistas, ensaístas, historiadores e, sobretudo, os estrangeiros que nos visitaram (PEREIRA, 1954, p. 19).

    Curiosamente, foi a timidez doentia das nossas moças, a sua inércia, que ficou registrada na história nacional. As outras – as exceções – foram ignoradas de tal forma que, quem se aventurasse depois a buscar as que romperam o silêncio, precisava enfrentar a desordem, o vazio, o arquivo do mal, na arguta expressão de Jacques Derrida.

    Assim, quando, em meados de 1980, um grupo de pesquisadoras, coordenado por Zahidé Lupinacci Muzart⁴, da Universidade Federal de Santa Catarina, decidiu resgatar as antigas escritoras, foi necessária muita determinação. Os acervos estavam dispersos em antigas bibliotecas, e as informações, fragmentadas em jornais carcomidos por traças e pelo descaso oficial. Buscar a memória cultural em um país que não protege a história, definitivamente, não é tarefa fácil. Verdadeiro puzzle precisava ser montado, e peças fundamentais – como os próprios livros – custavam a aparecer. Após a descoberta de um nome ou de um título, tinha início um legítimo trabalho de arqueologia literária, tão caro à crítica feminista, quando todos os recursos eram acionados: desde o contato com sebos, visita às bibliotecas públicas e particulares do país e a instituições como Fundação Casa de Rui Barbosa, Fundação Joaquim Nabuco, Institutos Históricos e Geográficos e Academias de Letras, até o apelo a bibliófilos que, generosos e solidários, compartilharam seus arquivos sempre que recorríamos a eles.

    Foram tais pesquisas que permitiram a realização de uma revisão em nossa história, bem como o surgimento de dezenas de nomes de mulheres assinando obras tão volumosas e significativas quanto as de muitos contemporâneos depois canonizados... E não apenas questionaram a cultura hegemônica como estabeleceram uma nova tradição literária, revelando a mulher como sujeito do discurso e preenchendo a lacuna bibliográfica de que tanto nos ressentíamos. Nomes como Maria Firmina dos Reis, Nísia Floresta Brasileira Augusta, Gilka Machado, Narcisa Amália, Ana Eurídice Eufrosina de Barandas, Carmen Dolores, Maria Benedita Bormann, Josefina Álvares de Azevedo e Júlia Lopes de Almeida, por exemplo, surgiram acompanhados de uma produção literária merecedora de constar nos mais exigentes compêndios literários.

    Enfim, a publicação que ora vem a público – Memorial do memoricídio: escritoras brasileiras esquecidas pela história – pretende continuar o trabalho de dar visibilidade às antigas escritoras. Alguns dos quarenta nomes aqui presentes podem até surpreender, pois nunca foram mencionados nas histórias literárias; outros, apesar da calorosa recepção que tiveram de leitores ilustres, como Machado de Assis e Olavo Bilac, também foram excluídos do cânone por uma historiografia e uma crítica de perspectiva masculina. Mas, felizmente, alguns nomes até gozam hoje de certa divulgação, pois conseguiram romper a escuridão do anonimato, tornando-se temas de ensaios, teses e dissertações.

    A diversidade existente entre as escritoras dialoga com a diversidade das leituras realizadas, pois entre as autoras dos verbetes estão professoras universitárias, pesquisadoras da literatura de autoria feminina e pós-graduandas, cada qual com seu estilo, mas todas empenhadas em conhecer nosso passado literário. Algumas autoras preferiram manter a ortografia original nos textos citados; outras decidiram atualizá-los. A par dessas pequenas diferenças, os verbetes contêm preciosas informações sobre a vida e a obra de cada escritora, além das fontes de pesquisa que dão pistas a quem desejar ampliar seu estudo.

    Para concluir, insisto em dizer que os quarenta nomes aqui reunidos representam uma pequeníssima amostra da contribuição feminina às nossas letras! Porque outros – muitos outros! – aguardam seu momento de figurar também em novos memoriais do memoricídio.


    ¹ Encontrei o termo memoricídio no livro A história da destruição cultural da América Latina: da conquista à globalização (2010), de Fernando Baez, que assim nomeia os três crimes cometidos pelos colonizadores, na conquista da América Latina no século XVI: genocídio, etnocídio e memoricídio. Segundo o historiador venezuelano, os conquistadores não se limitaram a tomar o território e as riquezas, mas também exterminaram grupos, destruíram culturas e impuseram o esquecimento de seu passado. No caso dos africanos aqui trazidos e escravizados ocorreu algo semelhante: foram despojados de suas culturas e batizados com nomes cristãos.

    ² Em entrevista ao Jornal do Comércio, em 07/12/2015, Márcio Seligmann-Silva afirma que existe, entre os brasileiros, uma tradição de memoricídio e justifica com a construção ideológica de uma democracia racial que esconde o país violento, a aniquilação da memória e o genocídio de africanos e indígenas, que foram e ainda são dizimados. Disponível em: https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/2015/12/politica/469953 Acesso em: 10 set. 2019.

    ³ PEREIRA, Lúcia M. As mulheres na literatura brasileira. Revista Anhembi, n. 49, Ano V, Vol. XVII. São Paulo, dez. 1954, p. 18.

    ⁴ O resultado destas investigações foi publicado em três volumes, pela Editora Mulheres, intitulados Escritoras brasileiras do século XIX Antologia (vol. I, 1999; vol. II, 2004; vol. III, 2009), perfazendo mais de três mil páginas e algumas centenas de escritoras.

    Teresa Margarida da Silva e Orta

    (1711-1793)

    Por Cláudia Gomes Pereira

    Leitor prudente, bem sei que dirás ser o melhor método não dar satisfações; mas tenho razão particular que me obriga a dizer-te que não culpes a confiança de que me revisto para representar a figura dos doutos no teatro deste livro

    (Teresa Margarida da Silva e Orta).

    Teresa Margarida da Silva e Orta é considerada autora do primeiro romance de autoria feminina publicado em Língua Portuguesa. Nascida em São Paulo, no ano de 1711, era filha do português José Ramos da Silva e da paulista Catarina Orta, além de ser também irmã do renomado filósofo e escritor Matias Aires. Seu pai desembarcou na Bahia em 1695, aos 12 anos de idade, com o nome de Leandro e assumindo a função de criado de servir. Por volta de 1700, entretanto, esteve novamente em Portugal, onde foi crismado, mudou o nome para José e retornou ao Brasil, desta vez fixando-se em São Paulo, onde logo se enriqueceu, graças à venda de produtos variados para os bandeirantes e à compra de imóveis e de terras auríferas em Minas Gerais. Casou-se, em 1704, com Catarina de Orta, de família riquíssima e poderosa, o que só consolidaria sua ascensão social e financeira, transformando-o num dos homens mais poderosos de São Paulo e, posteriormente, de Portugal.

    Em 1717, ainda criança, Teresa e sua família mudaram-se, definitivamente, para Portugal, onde, mais tarde, ela e a irmã, Catarina, seriam encaminhadas ao Convento das Trinas. Enquanto Catarina aceitou de bom grado o destino que lhe foi imposto e tornou-se freira em Odivelas, Teresa lutou insistentemente para sair do convento e casar-se com Pedro Jansen Moller, jovem por quem se apaixonara. Tudo indica que Teresa saiu do convento em 1725, após lutar com todas as armas pelo direito de ser livre e de se casar com o homem que escolhera, e, para isso, a autora fez uma petição, avalizada pelo depoimento de três testemunhas, de que havia contraído esponsais com o futuro marido – prática que evolvia uma promessa de casamento e permitia, inclusive, a relação sexual antes do casamento. Mesmo contra a vontade do pai, e, portanto, sem receber dote, Teresa se casou com Pedro, em 20 de janeiro de 1728. Tempos depois, José Ramos passou a enviar vultosas quantias em dinheiro ao casal, que teve muitos filhos e, graças ao sogro, viveu em boas condições financeiras até que aquele viesse a falecer.

    Em 1752, aos 40 anos, sob o pseudônimo Dorothea Engrassia Tavareda Dalmira, Teresa publicou aquele que entraria para a história como o primeiro romance escrito e publicado por uma mulher em língua portuguesa, Máximas de Virtude e Formosura. A obra fez um sucesso tão grande que constava dentre os livros requisitados nas listas de pedidos dos brasileiros à censura e, apenas entre os séculos XVIII e XIX, teve quatro reedições. A segunda edição, em 1777, foi publicada pela Régia Oficina Tipográfica, e teve seu título alterado para Aventuras de Diófanes. A terceira edição, publicada em 1790, merece um capítulo à parte. Sob o título Aventuras de Diófanes, imitando o sapientíssimo Fénelon na sua viagem de Telêmaco, a obra tem, em sua página de rosto, o nome de Dorothea Engrassia Tavareda Dalmira, seguido pelo de Alexandre de Gusmão, apontado como seu verdadeiro autor.

    Alexandre Gusmão era amigo e compadre de Maria Teresa e falecera em 1753, muito antes, portanto, de tal publicação. À edição que lhe atribui a autoria, segue-se uma nota, anônima, afirmando que era preciso fazer justiça, reconhecendo que o verdadeiro autor da obra era Alexandre, que não a assinara por tê-la escrito muito jovem, considerando-a inferior. Tal nota, segundo Conceição Flores, induziu Ernesto Iannes e Maria de Santa Cruz, estudiosos da obra de Teresa, a considerarem a autoria masculina do romance. Felizmente, porém, no ano de 1759, Diego Barbosa Machado, contemporâneo de Teresa, quando da publicação do tomo IV da Biblioteca Lusitana, voltou a afirmar a autoria de Maria Teresa Orta, o que foi confirmado também por Inocêncio Francisco da Silva em seu Dicionário Bibliográfico Português (1858).

    A última edição do romance no século XIX é bastante diferente das demais. Publicada em 1818, apresenta apenas os dois primeiros livros, distribuídos em 99 páginas, e o título de Uma senhora portuguesa. História de Diófanes, Climinea e Hemirena, Príncipes de Tebas, e traz como autora uma senhora portuguesa. Em 1945, o romance, enfim, foi publicado no Brasil, com o título Aventuras de Diófanes e, pela primeira vez na história, Teresa Margarida da Silva Horta aparece como autora.

    Teresa Orta parece ter sempre tido uma trajetória bastante incomum às mulheres de seu tempo, seja pela formação intelectual ímpar, resultante da educação no convento e da sua participação efusiva nas mais importantes rodas intelectuais da sociedade portuguesa, seja pela ousadia com que se impôs desde o momento em que resolveu deixar o convento e se casar à revelia de seus pais, até sua carreira de escritora e administradora de negócios, após a morte do marido. Sua militância cultural foi reconhecida pela sociedade da época, bem como sua atuação política, pois divulgou as teses iluministas em Portugal e participou da campanha do Marquês de Pombal contra a Companhia de Jesus.

    Depois da morte do seu esposo, quando contava 42 anos, a escritora – a fim de facilitar o casamento de seu filho, Agostinho Jansen Moler e Pamplona, com a rica jovem Teresa Melo – escreveu uma carta ao Conde de Oeiras (depois Marquês de Pombal) afirmando a necessidade de se providenciar o casamento dos dois, posto que a jovem estava grávida. Descoberta a mentira, o próprio Pombal ordenou a prisão da escritora no Mosteiro de Ferreira de Aves, onde ela permaneceria por sete anos. Na prisão, Teresa teria escrito uma novena a São Bento e dois poemas.

    Em 1777, após a queda de Pombal, D. Maria I libertou Teresa, e seu filho Agostinho, que estava exilado em África, retornou a Portugal, onde, tempos depois, enfim, casou-se com a jovem Teresa Melo.

    Teresa Orta saiu do convento e, provavelmente, manteve um comportamento recluso, pois não há informações sobre o período final de sua vida. Inclusive, mesmo estando viva quando, em 1790, a autoria de seu livro foi atribuída ao compadre, ela não se manifestou, talvez por anteriormente ter sido vítima de tão severa união. Segue-se excerto de um poema que Teresa escreveu em 1776, após seis anos de reclusão. Composto por 132 oitavas numeradas, o texto narra o sofrimento da autora desde que foi presa.

    Persuade-te de que és assaz ditosa,

    Os teus males contente tolerando.

    Livre serias se eu fosse ouvida,

    Mas eu também em ti vivo oprimida.

    Eu sempre te assisti, comigo obraste.

    Isso mesmo que os ímpios reprovaram,

    Ao teu Augusto Rei nunca enganaste;

    Enganaram-nos os que o aconselharam;

    Responsável sem culpa, eu sei, ficaste,

    Porque eles a verdade sufocaram.

    Teus males dize a Deus onipotente,

    E será por ti Deus providente.

    Teresa Orta faleceu em 1793 e, ainda hoje, tanto sua biografia quanto seu importantíssimo romance são contribuições singulares para a história das mulheres e da Literatura.

    Obras da autora

    Máximas de virtude e de formosura com que Climenea e Hemirena, Príncipes de Tebas, venceram os mais apertados lances da desgraça. Lisboa: Oficina de Miguel Menescal da Costa, 1752.

    Aventuras de Diófanes ou Máximas de virtudes e de formosura com que Climenea e Hemirena, Príncipes de Tebas, venceram os mais apertados lances da desgraça. Lisboa: Régia Oficina Tipográfica, 1777.

    Aventuras de Diófanes imitando o sapientíssimo Fénelon na sua viagem de Telêmaco. Lisboa: Régia Oficina Tipográfica, 1777.

    Aventuras de Diófanes imitando o sapientíssimo Fénelon na sua viagem de Telêmaco. Lisboa: Régia Oficina Tipográfica, 1790.

    Novena do Patriarca S. Bento. In: COSTA, D. António da. A mulher em Portugal. Lisboa: Tipografia da Companhia Nacional, 1892, p. 70-71.

    Poema épico-trágico dividido em cinco prantos que oferece ao Altíssimo D. Teresa Margarida da Silva e Orta presa n’um Mosteiro de Freiras da Província da Beira feitos pela mesma presa. In: Poesias manuscritas. [S. l.: s. n., 17__], p. 321-390.

    Petição que a presa faz à Rainha N. Senhora. In: Poesias manuscritas. [S. l.: s. n., 17__], p. 391-392.

    Uma senhora portuguesa. História de Diófanes, Climinea e Hemirena, Príncipes de Tebas. Lisboa: Oficina Rolandiana, 1818.

    Aventuras de Diófanes. Edição crítica de Maria de Santa-Cruz. Lisboa: Caminho, 2002.

    Fontes de pesquisa

    SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital (orgs.). Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

    CARVALHO, Gabrielle Gonçalves de. Teresa Margarida, a primeira romancista brasileira. Blog BBM, 2020. Disponível em: https://blog.bbm.usp.br/2018/teresa Acesso em: 7 jun. de 2020.

    FLORES, Conceição. As aventuras de Teresa Margarida da Silva e Orta em terras de Brasil e Portugal. Natal: Opção Gráfica & Editora, 2006.

    FURQUIM, Tânia Magali Ferreira. Aventuras instrutivas: Teresa Margarida da Silva e Orta e o romance setecentista. Dissertação (Mestrado em Teoria e História Literária) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270034/1/Furquim_TaniaMagaliFerre ira_M.pdf . Acesso em: 13 maio 2020.

    Bárbara Heliodora

    (1759-1819)

    Por Cláudia Gomes Pereira

    "Neste tormentoso mar

    De ondas de contradições,

    Ninguém soletre feições

    Que soletre feições,

    Que sempre se há de enganar,

    De caras e corações

    Há muitas léguas que andar"

    (Bárbara Heliodora).

    Nascida na cidade de São João del-Rei, em 03 de dezembro de 1759, Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira, filha de José da Silveira e Sousa e Maria Josefa Bueno da Cunha, tornou-se muito conhecida por estar relacionada a um dos mais famosos – e controversos – movimentos políticos do século XVIII, a Inconfidência Mineira, ou Conjuração Mineira. Entretanto, ainda que o nome de Bárbara figure com maior frequência nas obras que tratam do mencionado movimento do que nas literárias, ela é considerada, por alguns estudiosos, como a primeira poetisa brasileira, o que ainda não se confirmou devido ao fato de os textos poéticos a ela atribuídos aparecerem, vez por outra, como sendo de seu marido, o poeta inconfidente Alvarenga Peixoto.

    O enlace amoroso entre Bárbara e Alvarenga teve início por volta de 1778, quando ele fora nomeado ouvidor da comarca do Rio das Mortes, depois de ter servido como juiz de fora de Sintra, em Portugal. Um ano depois, nasceu Maria Efigênia que, bem mais tarde, recebeu dos demais poetas inconfidentes a alcunha de Princesa do Brasil. Bárbara e Alvarenga passaram, então, a morar juntos – o que era bastante incomum entre os membros das tradicionais famílias mineiras do período – e só se casaram de fato em 22 de 1781, no oratório da casa dos pais dela, por portaria do Dessa união nasceram também José Eleutério, João Damasceno e

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