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Na Sombra Do Destino
Na Sombra Do Destino
Na Sombra Do Destino
E-book406 páginas4 horas

Na Sombra Do Destino

De Zez

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Sobre este e-book

Dois soldados, um detetive, um padre e um médico têm seus destinos entrelaçados quando, em 1917, eles são convocados pelos Estados Unidos para uma expedição à sombria ilha de Solitude, no Oceano Pacífico, com o objetivo de transformá-la em uma base militar que seria usada na Grande Guerra. Porém, o segredo que os habitantes do lugar guardam é mais terrível do que poderiam imaginar... Agora, o grupo terá que lidar com os perigos de Solitude e suas próprias mentes já perturbadas pela guerra. Só lhes restará uma opção: sobreviver. O primeiro livro de ZEZ, em uma edição especial com mais de 15 ilustrações e 60 notas comentadas Desvende junto os mistérios de Solitude - ESSE É O VOSSO DESTINO
IdiomaPortuguês
Data de lançamento17 de mar. de 2022
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    Na Sombra Do Destino - Zez

    Na Sombra do Destino

    ZEZ

    1ª edição – Março de 2022

    Texto, notas e ilustrações por: ZEZ

    Uma realização AM Productions

    Copyright © José Ricardo Gonçalves Val (ZEZ)

    A Câmara Brasileira do Livro certifica que a obra intelectual descrita abaixo encontra-se registrada nos termos e normas legais da Lei nº 9.610/1998 dos Direitos Autorais do Brasil. Conforme determinação legal, a obra aqui registrada não pode ser plagiada, utilizada, reproduzida ou divulgada sem a autorização de seu autor.

    Autor e Ilustrador: José Ricardo Gonçalves Val

    Título: Na Sombra do Destino

    Data de registro: 04/03/2022

    Ficha catalográfica feita pelo autor

    G635      Gonçalves Val, José Ricardo, 2002-

            Na Sombra do Destino / ZEZ

    1. ed. – Parapuã, Edição Independente, 2022

    4420 kB; ePUB

    ISBN: 978-65-00-41868-2

    1. Ficção brasileira. 2. Terror. 3. Romance.

    I. Título. II. Autor

    CDD: B869.3

    Índice

    Introdução

    Prólogo: Chernov Slavik

    Prólogo: Danny Taylor

    Prólogo: Ryan Carter

    Prólogo: Seth Fontaine

    Prólogo: Watson Waterloo

    Capítulo I

    Capítulo II

    Capítulo III

    Capítulo IV

    Capítulo V

    Epílogo

    Dissecando a obra

    Introdução

    Para uma boa história, são precisos bons personagens. Felizmente, tenho grandes amigos que com suas próprias personalidades e emoções não só me inspiraram muito, como também se tornaram a alma de tudo o que você ainda irá presenciar aqui. O processo de criação deste livro – sua ideia original, para ser mais exato – talvez tenha surgido em minha cabeça de uma forma um tanto diferente de como se espera. E não há como explicar direito sem antes voltar um pouco no tempo, mais precisamente em algum dia de dezembro do ano de 2019, quando me dispus a fazer um jogo de RPG¹.

    Na época, tudo o que eu tinha em mente para começar eram fragmentos de ideias e leves observações do que um Mestre fazia – pois já havia jogado vários daqueles clássicos RPGs baseados no sistema Dungeons & Dragons², sendo mestrado por um amigo –, por isso, comecei pelo que achava ser a zona de conforto, ou o estilo mais comum: uma aventura medieval. Mas seguir os complexos e longos livros de regras foi algo que precisaria de um bom tempo e certa paciência, enquanto eu, um reles iniciante, queria apenas algo bem simples e rápido, mas que ainda fosse divertido.

    Deixei a ideia se alimentando por alguns dias, enquanto parava para ler um recém-adquirido livro contos do Lovecraft³. Apesar da narrativa demasiadamente rebuscada deste criativo autor norte-americano, algo muito me atiçava a curiosidade para aprofundar mais no fantástico universo que ele criara. Assim, o cinema – indústria na qual pretendo trabalhar – serviu como um pequeno impulso para que eu entrasse de vez em uma onda de histórias Lovecraftianas. E as incríveis obras com que me deparei foram o que inspiraram profundamente os primeiros rascunhos do que seria o meu RPG, utilizando-se a temática do horror cósmico, com suas criaturas inomináveis e cultos macabros.

    Formulei um resumo bem simplificado, misturando várias ideias soltas, para então seguir ao enredo completo e os roteiros de cada sessão do jogo. Amarrando todas as pontas, terminei por gerar algo original em que as inspirações funcionariam de maneira conjunta com o meu próprio toque de bizarrice e humor. Por fim, fiz minhas próprias regras – baseadas no mais básico de D&D –, e lá estava Na Sombra do Destino.

    Chamei meus amigos – os que estão na dedicatória –, e lhes apresentei a sinopse. Era ela: Dois soldados, um detetive, um padre e um médico têm seus destinos entrelaçados quando, em 1917, eles são convocados pelos Estados Unidos para uma expedição à sombria ilha de Solitude, no Oceano Pacífico, com o objetivo de transformá-la em uma base militar que seria usada na Grande Guerra. Porém, o segredo que os habitantes do lugar guardam é mais terrível do que poderiam imaginar... Agora, o grupo terá que lidar com os perigos de Solitude e suas próprias mentes já perturbadas pela guerra. Só lhes restará uma opção: sobreviver.

    Outro ponto interessante de se notar é em como as coisas mudaram bastante conforme as sessões do jogo passavam. Apesar de toda essa atmosfera sombria e misteriosa perdurar até o fim, elementos como ação, humor e uma pitada de críticas sociais e filosóficas também conseguiram ter espaço na narrativa.

    O que você lerá agora, portanto, é o mesmo enredo deste meu RPG, mas romantizando os roteiros originais e acrescentando ou mudando um pouco eventos que ocorreram durante o jogo. Os cinco capítulos, portanto, compõe as cinco sessões que houveram. Resolvi não os dividir, mesmo que ficassem longos, para respeitar isso. Também acrescentei prólogos escritos especialmente para este livro, com o propósito de dar mais profundidade e motivações aos personagens.

    Talvez ainda seja necessário avisar – com o intuito de evitar inevitáveis críticas enfadonhas caso este livro obtenha certa relevância – de que as situações e personagens aqui descritos são completamente fictícios, assim como a ilha em um todo. Acontecimentos e pessoas reais, quando citados, serviram de pura e simples referência, sem qualquer intenção de registrar dados históricos de maneira precisa, difamar ou enaltecer algo ou alguém, apesar de que pesquisas foram feitas sobre tais antes de acrescentá-los nestas páginas.

    Por fim, agradeço aos meus amigos pela ajuda e pelo apoio em tudo, além das horas e horas de diversão que tivemos. Fique agora com este meu primeiro livro. Espero que goste.

    Para Canali, Gabriel, Kaique

    Lucas e Matheus – os melhores

    jogadores que eu poderia pedir

    Prólogo

    Chernov Slavik

    Fazia muito frio naquela manhã em particular de 1917. Chernov acordou em meio ao som distante de tiros e explosões, o que àquele ponto já era normal de se acordar ouvindo. Do lado de fora do buraco em que estava, viu vultos de soldados correndo todos para a mesma direção. A maioria estava apressada, trombando ou desviando uns dos outros. Ao seu lado, percebeu uma pessoa nova, alguém que não estava ali na noite anterior. Um jovem Cabo que nunca tinha visto antes desde que entrara na companhia. Estranhou que o sono do camarada não tivesse sido perturbado pelos barulhos.

    Levantou-se. Chernov era alto, mas não de chamar muita atenção, ainda mais considerando que era um pouco magro também, apesar de forte. Deixara a barba crescer para minimizar a friagem no rosto, e ela também servia para adicionar uma cor em sua pele extremamente clara. Diferente dos demais da companhia, usava uma farda escura e longa, pois atuava como atirador de elite, e por vezes cabia se esconder no escuro ou em poças de lama. A única semelhança com os outros uniformes seria uma bandeirinha da mãe Rússia em seu ombro direito. Às vezes pegava-se observando-a, desejando que fosse mais... vermelha.

    Quando foi lavar o rosto, a água que tinha em um barril estava tão gelada quanto a neve que caía na região, mas as cinzas da lareira ainda estavam quentes. Se encontrasse uma panela poderia derreter um pouco do gelo, apenas o suficiente para molhar a testa ressecada. Avistou um pote sujo jogado no canto do cômodo. Ao pegá-lo, um rato saiu de dentro e correu sem rumo para fora. Chernov o ignorou, apenas fez o que queria fazer e deu um leve toque no braço do Cabo.

    - Hei, melhor se levantar.

    O toque, porém, não foi o suficiente para acordar o homem. Chernov molhou os dedos e jogou alguns cristais de gelo no rosto dele, mas o sujeito continuou sem se mover conforme a água escorria por suas bochechas pálidas. Secando as mãos, pôs dois dedos no pescoço frio do camarada. Mais um morto pra conta do Império. Levantando a coberta, percebeu que o pobre jovem tinha sido seriamente baleado e esgotara durante a noite. O sangue congelara, por isso não sentia o cheiro. Espero que isso não sobre pra mim. Cobriu-o novamente e voltou com seus afazeres.

    Pouco depois, o Capitão adentrou o cômodo:

    - O que ainda está fazendo aqui, Slavik? Precisamos de você lá em cima.

    - O que está havendo, senhor?

    - Os malditos alemães de novo. Descobriram nossa posição.

    - Muitos?

    - Parecem poucos... por enquanto. Apresse-se!

    O Capitão partiu rapidamente enquanto Chernov batia uma continência malfeita. Ele havia acabado de abrir uma lata de atum, mas teve que deixá-la de lado. Jogou um pano em cima só por costume, mas sabia que mais cedo ou mais tarde aquele rato voltaria e comeria tudo antes dele. Em seguida, pegou seu velho e único amigo naquela terra desolada: um rifle de longo alcance que deixava apoiado ao lado da cama. Por fim, se embrenhou num canto do quarto, de modo que ficasse fora da visão de quem passava na trincheira, e puxou uma garrafa de vodca barata para molhar a garganta e se aquecer. Se tivesse outra, eu dividiria com qualquer um que pedisse sem problema, mas não tenho. Então é melhor que nem vejam.

    Saiu do buraco e virou para a esquerda. Durante todo o caminho estendiam-se homens à beira da morte encostados nas laterais de lama do corredor. Os gemidos de agonia já não lhe davam tanta aflição quanto no começo. Estava acostumado com a morte. Acostumado a matar. Isso era o pior de tudo. No meio do percurso, foi obrigado a parar para tirar um corpo da frente. Começou a arrasta-lo pelos braços como se não fosse mais do que um mero objeto grande e pesado, um saco de carne. No entanto, ao movê-lo, percebeu que o sujeito ainda estava vivo. Alguém o encontrará aqui... se sobreviver, pensou. Apoiando o soldado na parede, já estava partindo quando sua mão foi segurada por ele. Virou-se e observou o rosto do infeliz. Por trás de toda a terra, hematomas e sangue coagulado, estava o rosto de um senhor que Chernov conhecia muito bem.

    Seu nome era Boris. Um velho Sargento com quem ele conversara apenas uma vez em meados de 1915, quando chegou à companhia. Aquela única conversa, entretanto, havia aberto a sua mente e mudado toda a sua concepção sobre o Império e a situação do povo russo. Foi com aquele homem que ele havia finalmente entendido o que acontecera em São Petersburgo⁴. Hoje, as ideologias que Boris lhe apresentara eram sua razão de lutar e seu principal motivo para sobreviver. Elas permeavam até mesmo em seus sonhos.

    Sem forças, o velho pediu para que Chernov se aproximasse. Então, sussurrou-lhe:

    - Viva... a... Revolução...

    Seu último suspiro veio com uma baforada quente. Chernov o largou e, sem tempo para continuar ali, apenas voltou à andar até o seu ponto, pensando na tal Revolução⁵ que poderia estar acontecendo naquele exato momento na Rússia. Quando será que esta maldita guerra irá acabar?. Um de seus hábitos mais regulares era pedir novas informações sobre o país assim que acordava, mas de algumas semanas para cá elas haviam parado de chegar. Aquilo o deixava estressado e ansioso. No começo, os outros soldados acreditavam ser apenas uma preocupação, um patriotismo exagerado, mas quanto mais o tempo passava, mais o assunto se tornava uma obsessão para ele.

    Chernov chegou a tentar convencer seus camaradas da companhia a aderir à causa. Sonhava em realizar manifestações contra o Czar⁶ e de ser um dos Bolcheviques⁷. Os outros, porém, não gostavam nem de estar por perto quando ele começava com tais ideias. Para eles, aquilo era uma clara traição ao Nicolau, no mínimo punível com a morte, e eles não tinham aguentado a guerra até ali para morrer de forma tão sórdida. Poucas noites atrás, Chernov passara do ponto e discutira seriamente com um enquanto jantavam.

    Era cerca de nove horas da noite. Junto a outros cinco soldados, se aquecia sentado ao redor de uma fogueira. O assunto acabou surgindo em meio à algumas reclamações sobre a qualidade das rações que eram servidas, e quando viram, Chernov e um loiro de rosto áspero chamado Viktor já estavam no seguinte debate:

    - O que estou querendo dizer – interrompeu um –, é que talvez fosse melhor se o poder estivesse na mão do povo. Pense bem. Uma única pessoa decidir o destino de uma nação inteira não lhe parece errado? Não só isso, como também não podemos escolher nem ao menos quem será essa pessoa. Depende da família que já está lá. Não faz sentido.

    - Você já está soando como um daqueles comunistas baderneiros – respondeu o outro. – O povo não lembra nem o que comeu no almoço de ontem, acha que conseguirá decidir o que é melhor para um país? Será um verdadeiro caos, um conflito infinito de interesses. Não, o Czar sabe o que faz.

    Os outros soldados rapidamente ajeitaram suas coisas e foram embora. Não queriam ser cúmplices daquela briga de cabeças-duras. Chernov e Viktor continuaram sem notar.

    - Ele nos enfiou nessa guerra sem a menor condição de nos manter, e quem paga é sempre o povo, com impostos caríssimos e o controle total até da terra em que plantam sua própria comida. Já se esqueceu de como esse seu querido Czar lidou com o Japão⁸, camarada?

    - Típico trazer isso como argumento. Digo que aprendemos muito com aquela derrota. Por isso estamos aqui hoje, para vencer.

    - Vencer? Por acaso você vê vitória em algum lugar? Olhe para si mesmo. Está esfarrapado, mais surrado que uma mula, e ainda defende o incompetente que o deixou nessa situação, tudo porque prefere acreditar nas besteiras que a propaganda imperialista te conta. Deveríamos estar do mesmo lado, mas você passou a vida enxergando mentiras e agora fica cego diante da verdade⁹.

    - A única mentira aqui é a que pessoas como você estão caindo, de que esse movimento é liderado por pessoas que realmente querem algo de bom para a Rússia, e não só interesseiros se aproveitando de um problema ou outro para inflamar a população e tomar o poder para eles. É preciso ser muito inocente ou muito estúpido para acreditar neles com tanta veemência. Com o Czar é diferente, ele nasceu e cresceu já sabendo suas responsabilidades ao nos comandar.

    Chernov se levantou exaltado e profundamente ofendido. Pensou que sua altura e reputação fossem o suficiente para intimidar o opositor, mas apesar de suas atitudes sanguinárias em campo serem conhecidas, ele simplesmente não aparentava ser uma pessoa ruim, nem por fora nem por dentro. Intimidação, portanto, não era uma de suas maiores capacidades.

    - O mesmo pode ser dito pra você então, Viktor – ele continuou –, que fica aí defendendo o Czar dessa forma ridícula. Até parece que é o próximo na linha de sucessão. Um problema ou outro do país? Só pode estar de brincadeira.

    Viktor fechou o rosto, ficando ainda mais sério do que já estava.

    - Os comunistas querem destruir a nossa nação.

    - O que os comunistas querem é mudança!

    - Mudança para que? Somos governados por Czares desde Ivã¹⁰, e veja onde chegamos.

    - Estou vendo bem onde chegamos. No fundo do poço é onde chegamos! Queremos liberdade!

    - Vou te dar a liberdade! – O loiro levantou ajeitando as mangas, e Chernov deu um passo para já lhe desferir um gancho.

    Porém, antes que começassem a troca de socos, um Tenente apareceu, provavelmente avisado por alguém – ou por intervenção do destino, atraído pelas sombras da fogueira em um corredor lateral.

    - Parem agora mesmo! – Ele se colocou entre os dois e mandou cada um para a sua toca. – Vão dormir! Já! Amanhã reportem ao Capitão para explicar isso.

    No dia seguinte ambos foram reportar, cada qual com a sua versão, mas o Capitão tinha mais o que fazer e não lhes deu ouvidos.

    Agora, parando para refletir, Chernov percebeu que Viktor iria lhe dedurar para alguém eventualmente. Seria deportado por traição e executado às escuras antes que pudesse se defender. Deveria meter uma bala no olho daquele metido... Não, isso só traria mais problemas. E ele não é o inimigo, apenas um pobre ignorante. Em meio à essas preocupações, chegou finalmente no seu posto: uma pequena torre de madeira protegida por rolos de arame farpado. Estava sozinho. Era melhor assim. Não gostava de amadores bufando ao seu lado na hora de mirar.

    Subiu as escadas e agachando-se atrás do parapeito preparou e carregou seu rifle em questão de segundos. Do outro lado da terra de ninguém já podia avistar uma linha de cabeças alemãs. Rapidamente deu conta de meia dúzia delas, mas o resto se abaixou. Ele virou a arma alguns graus à noroeste e matou mais três que tentavam adentrar o acampamento pela lateral. Neve entrou em seu olho e borrou a mira, mas não o impediu de atirar em mais um, embora sem a certeza de que o matou.

    Só foi descobrir quando terminou de esfregar os olhos e percebeu que o alemão escapara e se aproximava da torre para mata-lo com um tiro de pistola, mas a bala acertou no telhado da torre causando um estalo alto. Chernov mirou nele, e o inimigo escapou da morte mais uma vez pulando atrás de alguns sacos de areia empilhados. Pacientemente o russo esperou por qualquer movimento, qualquer brecha que o permitisse ferir o homem, mas ele não saía. Nisso, Viktor surgiu subitamente por de trás de um morro do outro lado e matou o alemão. O loiro observou Chernov fixamente por um segundo, com o rosto duro e quase inexpressivo – se não por uma ponta de ódio em seus olhos. E então voltou para o lugar de onde tinha vindo.

    Quando toda a fumaça abaixou, os alemães restantes corriam no horizonte. Desertores... talvez eu também devesse desertar, pensou, mas logo se reprimiu por isso. Chernov resolveu não matar os fugitivos, se convencendo de que era apenas para economizar balas, já que estavam longe demais. Enquanto descia da torre, viu ainda o Capitão ao longe, conversando com Viktor. Não demoraria muito para receber as novas.

    Naquela noite, de volta ao seu buraco, resolveu jantar sozinho. O corpo do Cabo havia sido retirado, mas ao mexerem nele o cheiro escapou e permaneceu no local para assombrá-lo. Ninguém se importava com mais nada. A lata de atum, como previra, estava vazia e o pano roído ferozmente. Com o estômago roncando como um motor velho, Chernov estava sentado na cama revirando sua mochila quando o Capitão entrou, dessa vez com mais calma do que de manhã.

    - Slavik... preciso falar com você.

    - Sim, senhor.

    - Ouvi dizer que você tem algumas tendências a... bem, deixe-me ir direto ao ponto. Foi me dito que você defende a Revolução Comunista que está havendo na Rússia. Isso é verdade?

    Chernov pensou por alguns segundos, pensando o que dizer. Ele não conseguiria trair o movimento nem que fosse numa simples mentira para salvar sua vida. E por isso, admitiu de peito inchado que sim, era a favor.

    O Capitão se sentou na beirada da outra cama e suspirou.

    - Você sabe que defender essa Revolução é defender a queda do Império e do Czar, certo? Pena de morte.

    - Sei disso, senhor.

    - Quando me contaram, eu disse que o mandaria de volta para a Rússia e que lá te dariam um jeito. Acredite, não é algo que eu quero fazer, você é um excelente soldado. Mas do mesmo jeito que não o quero morto, também não posso mais tê-lo nesta companhia.

    Chernov não estava nem aí para a maldita companhia.

    - Quando serei enviado de volta?

    O capitão levantou, tirando um papel do bolso.

    - Esses dias recebi um comunicado secreto. Aparentemente, os Estados Unidos entrarão na guerra, e já estão fazendo acordos para ganhar a confiança dos Aliados. Eles precisam de um soldado que represente a Rússia em uma missão numa ilha do Pacífico. Indicarei você.

    Chernov se levantou também, confuso.

    - Eu, senhor? Mas por quê? Que missão é essa?

    - Bem, nem mesmo eu pude saber do que se trata. Mas é isso ou ser executado em praça pública. Você escolhe.

    - E... depois de completar essa missão?

    - Depois você faz o que bem entender, não será mais minha responsabilidade. Só espero que não desperdice a oportunidade que estou te dando, pois estou arriscando minha própria cabeça aqui.

    Seja lá o que fosse, Chernov decidiu que o melhor a fazer era resolver logo essa tal missão e voltar para a Rússia, onde finalmente poderia ser a diferença que queria. Ele concordou e o Capitão lhe entregou o papel.

    - Muito bem. Assine isto e arrume suas coisas. Partirá pela manhã, bem cedo. Ah, e nem preciso dizer o que acontecerá se comentar com alguém, certo?

    Chernov assentiu, mas, ainda sem acreditar, quis saber:

    - Senhor... por que está fazendo isso por mim?

    O Capitão caminhou em direção à porta. Olhou em volta, um tanto preocupado, e então virou-se e respondeu com um sorriso:

    - Viva a Revolução!

    Prólogo

    Danny Taylor

    O sinal bateu. Finalmente acabara a última aula de junho. Danny tirou os pequenos óculos de lente retangular, embaçados pela máscara de proteção que usava para um experimento, e esfregou os olhos enquanto todos os outros alunos saíam da sala. Fechando os livros de anatomia e farmacologia – que não aguentava mais olhar –, jogou-os dentro da mochila e se levantou para ir embora. Porém, foi chamado pelo professor antes de passar pela porta.

    - Taylor, pode esperar um minuto?

    Lá vem.... De todos os professores da universidade, o sr. Brown era o que Danny achava mais insuportável. Não que o homem fosse uma pessoa ruim, muito pelo contrário, era um doutor simpático e muito respeitado naquela região da Inglaterra. No entanto, era lerdo demais para Danny, que já se adiantara dois capítulos do livro e agora só lhe restava prestar atenção aos maneirismos e bocejos do mestre enquanto ouvia o que já acreditava saber muito bem.

    O professor terminou de apagar o quadro e sobraram apenas os dois na sala.

    - Como agora serão as férias – começou o sr. Brown – e não se sabe como o mundo estará no mês que vêm com todo esse caos, eu apenas queria aproveitar para parabenizá-lo. Você é um excelente aluno, o mais inteligente da classe eu diria, embora um tanto ansioso.

    - Ora, muito obrigado, sr. Brown. O senhor não sabe como eu amo suas aulas – Danny respondeu tentando ao máximo não dar uma entonação sarcástica. Foi inevitável.

    O professor ficou sem jeito:

    - Oh, fico grato que... que goste. De qualquer forma, confio que será um grande médico. Salvará muitas vidas... esse é o nosso intuito afinal, não é?

    Brown olhava seu aluno com certa tristeza. Mais do que a usual, já que a boca curvada e as olheiras profundas já davam ao professor uma expressão angustiante o tempo todo. Danny estranhou.

    - Aconteceu alguma coisa, sr. Brown?

    Puxando um papel da mesa ao lado, o professor continuou:

    - Algumas companhias do exército estão precisando de médicos...

    - Ah não! Já sei onde isso vai dar. A minha resposta é: Não, obrigado. Me sinto honrado pelo convite, acredite, mas assim... eu não quero morrer.

    - Você terá que ir! – As palavras acabaram soando mais firmes do que o professor queria, e pela primeira vez Danny ficou tão surpreso que se calou. – O governo está encaminhando os melhores estudantes de cada universidade porque os profissionais que já foram não estão dando conta. Seu nome foi cotado e avaliaram seu currículo em uma reunião com a direção hoje de manhã. Me mandaram te entregar isto – ele deu o papel para Danny. Era uma espécie de formulário com dados e especializações. Alguns campos já haviam sido preenchidos e uma grossa assinatura do reitor constava no final. – Eu sinto muito, Taylor, mas é como as coisas funcionam agora.

    Danny abaixou a cabeça.

    - É, eu sei, sr. Brown. Eu sei...

    Desoladamente, Danny saiu da sala com o papel em mãos. Sentia como se o peso dele aumentasse a cada passo que dava, de modo que se viu caminhando o corredor já solitário da universidade com as costas curvadas em direção ao chão. Será medo isso que sinto? Sim, mas medo do que, exatamente? De morrer ou de falhar?. Quando voltou à realidade, estava parado na porta de casa com o sol se pondo atrás de si.

    Jantou como se fosse sua última refeição na Terra e em seguida preencheu o formulário com as mãos duras. Na manhã seguinte, soltou seu peixe de aquário em um rio próximo, já que não tinha ninguém para cuidar dele. Mesmo que tivesse, não ficaria vivo até eu voltar de qualquer jeito.... E passou no correio para enviar seu alistamento no exército. A resposta viria logo. "Quando se trata de desgraças, o

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