A Merda Da História
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A Merda Da História - Roque Aloisio Weschenfelder
PRÓLOGO
Levar leitura para milhares de meus ex-alunos, amigos no Brasil inteiro e no mundo todo é algo com que posso contribuir, apesar das limitações que a idade e a saúde me impõem.
Esta obra nasceu da junção de várias crônicas, escritas durante alguns anos até 2017, quando concorri a um concurso
literário internacional organizado pela UBE-RJ, sendo premiado com o terceiro lugar na modalidade de livros de crônicas.
Em função de vários percalços, apenas agora, em 2020, consegui realizar o desejo de aprontar esta obra para a publicação.
A Merda da História é o título de uma crônica baseada na música Ameríndia
que integrou o Décimo Primeiro Musicanto Sul-americano de Nativismo, realizado no ano de 1993.
As demais crônicas são histórias de conflitos entre personagens que, quase sempre, apresentam a merda que alguém faz com relação a seus oponentes ou parceiros, ou seja, também a antimerda, quando se trata de motivos mais amorosamente amenos.
O leitor terá não somente uma leitura agradável, mas também assuntos para a reflexão sobre a vida das pessoas que hipoteticamente são representadas pelas personagens fictícias desta obra.
Desafio a quem gostar deste livro que diga isso a pessoas de seus relacionamentos, porém, se tiver algo contra – críticas – que as manifeste ao autor, eu
Roque A. Weschenfelder
A CRÔNICA BARBUDA
Não pode ser a cara dele. Ele se acostumou a viver de barba grande, quase sempre sem cuidados e agora está como um rapaz, recém, passado na lavanda. Cresceu na casa que o pai construíra com a ajuda de todos os moradores da vizinhança em forma de mutirão. Viveu aos cuidados da mãe que o ensinou a amar os costumes herdados dos antecedentes de procedência europeia. Por que viveu, sem nunca aparar a barba desde que ela lhe foi surgindo no rosto aos dezessete anos? Por que agora, de repente, foi tirá-la?
A manhã estava cinzenta, uma névoa de outono impôs a umidade e o tédio pela ausência do sol. Agora que o astro do dia governa as horas o movimento da rua ganha graça e os homens olham para ver se alguma mulher, mais jovem, passeia só de blusa de mangas curtas. Elas sempre se livram de blusões e casacos, afinal querem mostrar o silicone ou não, mas querem deixar à vista a feminilidade. Não adianta discutir, é a tradição da vida. O que intriga é que agora todos olham para ele, João, barbudo do bairro até ontem de noite, quando o vimos no Café Central, na companhia de uma jovem, vinda de ninguém sabe donde.
Conta uma velhinha da Vila dos Abstratos, que conhecia o bisavô de João, ter ele preservado barba longa até a morte, só aparando os fios quando baixavam da altura da cintura. Ela pensa que devia ser promessa de imitar o bisavô, sempre visto por João em antigas fotografias. Ora, se ele fez promessa não parece normal deixar de cumpri-la. Talvez outra promessa esteja por trás da novidade.
Nunca tive qualquer forma de amizade com ele. Também tanto me faz se alguém segue uma tradição ou se vira um ultramoderno. O que me importa é simplesmente ver o povo estarrecer ante o inusitado. Quem conhecia João barbudo agora terá de ver João barbeado. Mas, e daí? Qual é o problema?
Também não sei!
Florina largou logo do casaco e agora aparece na rua apenas de blusa. Está acostumada em ser cortejada pelas formas de destaque de seu busto, até por homens que têm esposas de quem jamais podem se queixar por falta de beleza.
Hoje passa estranhando a ausência de olhares com desejos de volúpia. Ela não viu o João passar antes dela e sequer imagina que alguém lhe pudesse roubar simpatias. Agora ele está na casa da mãe e lhe dá explicações. Ainda não há quem consiga ouvir as paredes daquela casa falarem. Não faltarão insinuações destoantes entre si sobre o que fala pra aquela que o pôs ao mundo sem barba crescida e agora o vê de novo assim. Florina chega à quitanda de onde pretende trazer os ingredientes para preparo de seu almoço. O rapaz que pesa o chuchu e as batatas está indiferente, a moça no caixa cumprimenta-a e na saída deseja-lhe um bom dia. Tudo ainda com sentido de manhã com neblinas. Parece que as pessoas não aquecem com o sol de maio.
Penso que devo ir até a casa da mãe de João. Poderia saber algum fato para elucidar o enigma desta manhã. Quando meu pai vibrou porque me formei em jornalismo, não imaginou que eu teria de bisbilhotar a vida dos outros e também não pensou que eu me tornaria um cronista de costumes. Quando o levamos para seu túmulo, confidenciei-lhe que o pouparia, por toda a eternidade, de ter de sentir vergonha por causa de meus comportamentos. Seguiria sempre a tradição de homem oriundo de família que mantinha fidelidade à tradição da honra e do respeito. Ora, tinha chegado a hora da prova grande: faria a crônica sem apelos e sem preconceitos. Que não seria fácil, ah, isso não seria!
Mas que diacho! João sai correndo da casa da mãe e entra na quitanda. Volta com um pacote de pão e uma sacola com tomates e cebolas. Só me falta, ele querer cozinhar. Sempre trabalhou em salão de barbearia, cortou cabelo de meio mundo e fez barba até de bode expiatório. Hoje vai depois do meio-dia, e sempre que fez isso antes, nunca foi fazer compras. Pode ser que a mãe esteja doente, ou ele aproveita para se mostrar sem pelos no rosto, um cara bonito.
O