Estante De Vidro
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Estante De Vidro - Plinio De Freitas, Rosemary Lissi Nani, Gabriela Leite Nani
APRESENTAÇÃO
Nas primeiras páginas colocamos um dos contos policiais escrito por Plinio de Freitas, em 28 de janeiro de 1955. Plinio, nasceu no dia 27 de janeiro de 1900, na cidade de Oliveira, Minas Gerais. Era um homem inteligente, que apesar de ter uma família bem grande, vivia a solidão de um poeta – Hoje tenho o cérebro pesado e o espirito enervado numa tremenda tristeza...Talvez seja o meu viver de insulado no isolamento da minha salinha, sem quase ver outras pessoas, e esta solidão enerva-me! – Em sua salinha
tinham livros encapados e catalogados, dispostos numa estante com portas de vidro. Lá estavam suas cartas, poesias, estudos dos mais variados assuntos e uma imensidão de fichas, escritas com letras miúdas, que formavam a chave bíblica
para facilitar a leitura da Bíblia. Uma escrivaninha de madeira, máquina de escrever e um enorme mapa-múndi bem à sua frente, formavam seu mundo de ideias e pensamentos. Inteirava-se de todos os assuntos e sua dedicação à escrita e leitura era incansável. Desde muito novo foi responsável por algumas colunas em jornais de Minas Gerais, dedicando-se, principalmente, às poesias e contos. Em 1955, tornou-se diretor do jornal A luta
da cidade de Perus, em São Paulo, onde escrevia esses contos e liderava a maior parte das colunas, elogiando, criticando e usando o bom humor para falar de política.
Nas páginas seguintes, publicamos alguns dos seus escritos, poesias e cartas, com o material que também escrevemos no decorrer desses anos. Queremos manter viva essa arte tão perfeita, dada pelas mãos do Senhor, onde pensamentos podem ser materializados em pedaços de papel.
Agradecimentos
Se Plinio de Freitas estivesse vivo, agradeceria, poeticamente, a Deus em primeiro lugar, à sua esposa Francisca (Chiquinha) e aos seus cinco filhos, Francisco, João Jeová, Hera Branca, Elza Leite e Vida Clara. Como todos estão nos braços do Senhor, creio que seus descendentes ficarão felizes ao ver seu sonho realizado.
Tantas são as nossas lutas, mas me encho de orgulho em poder fazer essa pausa
e editar um livro que une gerações, onde outros também poderão continuar. Ao meu marido, Paulo Plinio, minhas filhas, Ana Carolina e Gabriela, meus genros Ricardo e Felipe e a netinha Rebecca, dedico esse trabalho e à Deus, toda minha gratidão e amor, por ser o amigo maravilhoso e companheiro fiel.
Rosemary Lissi
Agradeço à Deus em primeiro lugar por me emprestar sua criatividade para escrever tão profundas palavras que do meu coração veio. Ao meu marido Ricardo dizer que minha inspiração está em seus olhos – que me conquista a cada manhã -. Aos meus pais, sem ter muitas palavras, por não haver tão grande vocabulário em que, possa eu fazê-los entender o quão sou grata pelo amor e carinho, e toda paciência comigo. A minha irmã que me faz acreditar que é possível se conquistar o pódio, com honestidade e alegria.
Mas, este parágrafo é dela. Minha pequena menina, que me traz alegria e força para escrever e realizar um sonho que há muito tinha sonhado. Ela é a Rebecca, dona do meu viver. Obrigada minha filha querida, por tantas bênçãos que trouxe até mim.
Gabi Leite
"Amo as margaridas, elas são para mim
um refúgio para os meus pesares.
Elas têm pequenos olhos, mansos e risonhos
que nos observam à socapa.
Quando riu, elas se enrubescem, quando choro
Elas se ocultam na névoa das minhas lágrimas".
Plinio de Freitas
O CRIME DO ÔNIBUS DA LINHA 35
1ª parte – UM CRIME NA MULTIDÃO
Quando, na esquina do Arouche com a Praça da República, subiu no ônibus um senhor de aspecto distinto, o chapéu de feltro mole um tanto puxado sobre os olhos sagazes e de olhar agudo, o condutor Leonidio não pode reprimir um frêmito de admiração, murmurando ao ouvido do motorista:
- Este é o detetive Cassiano.
O motorista lançou um olhar frio ao espelho retrovisor, procurando examinar, sem interesse, o celebre detetive, que parecia não ter percebido a cena. Mas já Leonidio, o sorriso nos lábios e os olhos brilhando de prazer, correra afim de cobrar-lhe a passagem.
Cassiano da Luz era, de fato, inspetor de polícia e se tornara notável por haver deslindado alguns casos misteriosos de roubos e de assassínios, principalmente do caso sensacional do Vagão Cinzento
De sua parte era Leonidio o mais simpático condutor de ônibus da cidade. Sabia lidar de tal forma com os passageiros, sempre gentil e sorridente, que deixava em todos a impressão que ficavam lhe devendo favores...Era uma extraordinária criatura! Os frequentadores da linha gostavam dele deveras. O próprio detetive, nesse dia, impressionado com as atitudes do moço cobrador, perguntara-lhe:
Diga-me: quem são os seus pais?
Leonidio recebeu um choque, ante a inesperada pergunta, mas respondeu com aparente calma:
- Meus pais? Sou filho de alguma dama por aí...com algum cavalheiro, não sei qual ...
O detetive achou graça na resposta e disse-lhe sorrindo:
- Devo então presumir que essa dama por aí
e esse cavalheiro não-sei-qual
não são absolutamente seus conhecidos?
- Exatamente inspetor! Sou um enjeitado... filhos de pais incógnitos...- disse, acentuando o seu alegre sorriso.
O detetive tamborilou levemente com os dedos no vidro da pequena janela e calou-se. Longe estava ele de supor com toda a sua argucia e perspicácia de policial experimentado, que esse moço gentil, tão popular em toda a linha 35, linha que serve o populoso bairro da Lapa, viria ainda a ser não a chave mestra que o levaria a descobrir um cruel assassino, como também seria parte desse crime.
E a cena foi rápida e brutal!
Quando o ônibus atingia a esquina da Rua Barão de Itapetininga com a Praça Ramos de Azevedo, o veículo teve que se deter, forçado pelo congestionamento do tráfego. Subitamente, precipitando-se no meio da multidão que se comprimia junto ao carro, uma senhora alucinadamente subiu no ônibus pela porta da frente, apesar das proibições, e levantando as mãos sobre a cabeça, num grito espantoso de agonia, rouco e cavernoso, caiu estirada no corredor, entre as poltronas. A multidão estarrecida teve um ondear brusco em direção ao carro, que rangeu, sacudido por dezenas de mãos, enquanto um grito uníssono, de horror e susto, partira dos passageiros aterrados.
A mulher, que se achava finamente trajada, ainda quase bela apesar da idade um tanto madura, tinha entre as espaduas cravada uma faca longa e fina. Da ferida, o sangue jorrava em abundância.
O detetive, pulando de seu banco, tomando imediatamente todas as providencias que o caso exigia.
Ninguém, entretanto, podia identificar a morta e na multidão ninguém notara absolutamente nada, até o momento que ela a todos gelara com aquele grito gorgolejante e aterrador.
Todavia, Leonidio lembrava-se dela, tendo-a conduzido algumas vezes no seu carro. Foi num tênue fio de voz, os lábios descorados e trêmulos que ele disse:
- Sim, lembro-me bem dessa senhora, embora não a conheça e nem lhe saiba o nome. Meus Deus! Era um rosto desses que a gente vê e não esquece mais. Eu não me cansava de a olhar, disfarçadamente, quando ela viajava em meu carro, porque havia nela uma misteriosa atração, uma irresistível força, que me prendia o olhar. E quando ela descia...oh! – e Leonidio pôs-se de súbito a chorar aflitivamente, em soluços incontroláveis.
Todos observavam comovidos e em silêncio, angustiosa cena, alguns até