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Da costa
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E-book123 páginas1 hora

Da costa

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Sobre este e-book

Da Costa, um flanar pelas praias e montes da Caparica. Vai à Cova do Vapor e sobe depois pelas quintas, vestígios das famílias fidalgas que vinham à Margem Sul desenfadar-se da Corte e de Lisboa. O percurso termina no Bairro dos Cooperativistas, habitação construída para operários da Lisnave. Através de conversas e entrevistas, o retrato vivido de um pequeno mundo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de mai. de 2018
ISBN9789898863812
Da costa
Autor

Luísa Costa Gomes

Nasceu a 16 de Junho de 1954. É licenciada em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi por vários anos professora do ensino secundário e trabalhou ainda no programa Escritores nas Escolas. Traduziu livros, traduziu e legendou filmes, tem colaborado em vários jornais e revistas, programas de rádio e televisão. A sua obra literária começou com a publicação, em 1981, do livro Treze Contos de Sobressalto. Desde então, já lá vai dezena e meia de títulos, entre o conto, o romance, o teatro e a crónica, com variados prémios, e traduções no estrangeiro. Várias das suas peças subiram ao palco. Escreveu o libreto de algumas óperas, entre elas o célebre Corvo Branco, de Philip Glass, com encenação de Robert Wilson, apresentado por ocasião da Expo ’98 (e também em Madrid e em Nova Iorque). Criou a revista de contos FICÇÕES, que dirige e coordena.

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    Da costa - Luísa Costa Gomes

    Da Costa

    Da Costa, um flanar pelas praias e montes da Caparica.

    Vai à Cova do Vapor e sobe depois pelas quintas, vestígios das famílias fidalgas que vinham à Margem Sul desenfadar-se da corte e de Lisboa.

    O percurso termina no Bairro dos Cooperativistas, habitação construída para operários da Lisnave.

    Através de conversas e entrevistas, o retrato vivido de um pequeno mundo.

    Luísa Costa Gomes

    Luísa Costa Gomes nasceu em Lisboa (Junho, 1954). Licenciada em Filosofia. Contista, romancista, cronista, dramaturga, dramaturgista, guionista, tradutora. Publicou seis romances, cinco colecções de contos, dois libretos, um deles o da ópera White Raven (Corvo Branco), de Philip Glass e Robert Wilson, encenada em Lisboa no Teatro Camões em 1998, no âmbito da Expo ’98, no Teatro Real de Madrid e no Lincoln Center. Escreveu Nunca Nada de Ninguém, Clamor (sobre textos do Padre António Vieira), O Céu de Sacadura, José Matias, Vanessa Vai à Luta!, O Último a Rir, Vida de Artista, Comédia de Desenganos, Dias a Fio, Actor Imperfeito (com os sonetos de Shakespeare), De Passagem, etc. O seu mais recente trabalho como dramaturgista, A Grande Vaga de Frio (com o texto de Orlando, de Virginia Woolf) estreou em Outubro de 2017, no Centro Cultural de Belém, e no Teatro Carlos Alberto, no Porto, em Novembro do mesmo ano. Trabalhou como dramaturga e dramaturgista com vários encenadores (Ana Tamen, Ricardo Pais, Nuno Carinhas, António Pires, Jorge Pinto e Carlos Pimenta, entre outros). Em 2015 foi atribuído o Grande Prémio de Literatura dst ao romance Cláudio e Constantino. Em 2010, Ilusão ou o que quiserem recebeu o Prémio Pen Club Português para Melhor Romance (ex aequo) e o Prémio Fernando Namora para Melhor Romance. Dirigiu entre 2000 e 2010 a revista Ficções.

    Retratos*

    * A colecção Retratos da Fundação traz aos leitores um olhar próximo sobre a realidade do país. Portugal contado e vivido, narrado por quem viu – e vê – de perto.

    Da Costa

    praias e montes da Caparica

    Luísa Costa Gomes

    logo.jpglogo.jpg

    Largo Monterroio Mascarenhas, n.º 1, 7.º piso

    1099-081 Lisboa,

    Portugal

    Correio electrónico: ffms@ffms.pt

    Telefone: 210 015 800

    Título: Da Costa, praias e montes da Caparica

    Autora: Luísa Costa Gomes

    Director de publicações: António Araújo

    Design: Inês Sena

    Paginação: Guidesign

    © Fundação Francisco Manuel dos Santos e Luísa Costa Gomes, Maio de 2018

    A autora desta publicação não adoptou o novo Acordo Ortográfico.

    As opiniões expressas nesta edição são da exclusiva responsabilidade da autora e não vinculam a Fundação Francisco Manuel dos Santos.

    A autorização para reprodução total ou parcial dos conteúdos desta obra deve ser solicitada à autora e ao editor.

    Edição eBook: Guidesign

    ISBN 978-989-8863-81-2

    Conheça todos os projectos da Fundação em www.ffms.pt

    Para a Leonor

    Não é a primeira vez, e espero não seja a última, que me meto a escrever sobre coisas de que nada sei. É uma forma um bocado trabalhosa de aprender. Mas entro e saio da mesma casa há trinta anos, faço o mesmo caminho para as mesmas praias, pelas mesmas colinas, passo pelas quintas, vejo há trinta anos mudar a mesma paisagem. Um dia, penso: que sítio é este onde vivo? Que edifício aberrante ali nasceu? Que fabriqueta no meio das hortas? Que gente vive em cima daquela praia? Isto faz de mim a escritora mais distraída do mundo e é com algum embaraço que vou perguntar.

    Na escrita deste livro conheci pessoas que sabem tanto que se fica zonzo só de as ouvir. A paixão que têm por esta Costa da Caparica e seus arrabaldes é admirável, é comovente. As lutas em que se empenham são dignas e metem respeito. Têm opiniões fortes e fundamentadas, porque a terra lhes interessa, interessa-lhes de uma forma vital, que não se compadece com a inércia dos governantes, a intriga palaciana, nem com a preguiça dos que, vivendo na Costa, se comportam como turistas. Tenho de lhes agradecer. Primeiro, a paciência e a solicitude com que me ensinaram e conduziram, me deram a ler e a ver o lugar em que vivo. Personifico nos três heróis que passo a nomear todos os outros que com eles combatem. Primeiro, o Francisco Silva, do Centro Arqueológico de Almada, o herói (entre outras coisas) da integração da arte xávega na lista nacional do património cultural imaterial. Depois, o historiador Rui Mesquita Mendes, que começou por estudar as capelas das quintas da Caparica e é agora uma verdadeira wikipédia ambulante, mas em bom. E o Ricardo Salomão, um dos fundadores da Associação Cultural A Gandaia, que se apaixonou pela cultura dos palheiros e foi por aí fora até saber (e lembrar!) tudo o que tenha a ver com a Caparica. É ele o go to guy quando se precisa de apoio ou informação. Outros me ouviram e ajudaram nesta tarefa. A escritora Maria Teresa Horta e a investigadora Vanda Anastácio falaram-me da importância das propriedades almadenses da Marquesa de Alorna; a Manuela Vasconcelos lembrou-se das suas férias em criança com a família; o escritor Mário de Carvalho fez-me o retrato dos seus circuitos familiares em Agosto, nos anos setenta; a Rita Palla e Carmo Monteiro falou-me da sua vivência na Costa, a partir dos anos cinquenta, com a família; a Ana Cardoso Pires lembrou episódios do escritor José Cardoso Pires. E David Ferreira também teve o seu trabalho de memória, além da enorme gentileza de me facultar o acesso à correspondência entre José Sesinando e David Mourão-Ferreira. Agradeço à Teresa Martins Marques, à Vanda Freitas, ao Miguel Aires, à Carla Sequeira, à Izilda Galo e a tantos outros as conversas e as informações. À Yvette Rato e à gente do meu Bairro, agradeço a discreta simpatia e a boa vizinhança. O livro começa nas praias da Costa da Caparica, vai à Cova do Vapor, sobe para as quintas da Caparica e acaba aqui nos Cooperativistas. Se isto fosse um destes modernos programas de viagens na televisão, cheios de energia positiva e comidas da pesada, diria agora: «Ora então, venham lá daí!»

    A praia é de todos

    Num qualquer domingo de Agosto é vê-los passar, os corpos que envergonhariam o Tarzan dos Macacos, tatuados, depilados, bronzeados nas camas dos solários, exibindo com brio o resultado de dietas proteicas e serviço de ginásio. São corpos que dão trabalho a tempo inteiro, preparados para a exibição da força, sobretudo da força de vontade, da disciplina, da virilidade sem ruga e sem pêlo, de peitos lisos e glabros, pernas e braços pelados. Algumas barbas parecem desenhadas a pincel fino e tinta-da-china, com barrocos arabescos de personagem de banda desenhada; ou são farfalhudas como bichos, imitando barbas postiças. Os cortes de cabelo apropriam-se das irregularidades do punk, mas são de alta manutenção e carinhosamente feitos e refeitos a régua e esquadro. É um corpo em que todo o animalesco foi suprimido, mantendo-se a imagem idealizada do animalesco, propondo uma aparência quase robótica de combatente de jogo de vídeo, imaginado por um computador. Impera a tatuagem, o piercing declina, mas ainda marca presença. Cada um propõe uma leitura da imagem que escolheu para o ilustrar. Opta-se por tatuagens de catálogo, algumas pormenorizadas, que devem ter doído muito. Motivos geométricos, escorpiões e dragões, flores estilizadas, cometendo alguns o erro crasso de mandar gravar o nome da amada do momento, que depois custa milhares de euros a raspar. E eu penso na utilidade que teria, em vez destas tatuagens meramente artísticas, se cada um mandasse gravar em si informações relevantes como o nome, a ocupação e o número de contacto. «Reparação de máquinas de lavar loiça» ou «trabalhos de costura», «tintureira a domicílio», «Tânia, reiki e massagem terapêutica»; ou o mero aviso «sou muito bom rapaz»; ou algo íntimo, perene: «o meu sonho é trabalhar no Pingo Doce», que é, aliás, escrito mais próprio para uma t-shirt. A praia seria um funcional serviço de anúncios e a gente sempre ia despachando a lista dos afazeres.

    O corpo ideal, que há duzentos anos era divino, escondido, desconhecido, secreto, branco, perfumado de óleos, empoado, elegante, erecto com requebros, recamado de sedas e veludos, ornamentado de jóias e toucados, fitas e cabeleiras – transformou-se nesta parada nua de guerreiros e amazonas. Até há bem poucas décadas, o corpo era mantido na sua porcaria natural e nunca se tomava banho – a higiene era espiritual e fazia-se com missas e expiações. A gordura, que já foi formosura nos tempos em que fidalgos e abades eram anafados, é desde o Romantismo pura e simplesmente interdita. E é assim que, a partir de meados do século XX, proscrita a gordura, se prescreve o biquíni. O corpo passou a ter de estar em boa forma para ser exibido e socialmente avaliado, fazendo florescer à sua volta uma miríade de paraciências e indústrias, mormente a da saúde, que se foi abarbatando com noventa por cento do espaço psíquico dos cidadãos. Claro que nem todos se achegam ao ideal. A maioria não pode, nem quer. Descansa e deixa-se ir. A praia relaxa e a todos acolhe com boa cara.

    Quando o Burt Lancaster e a Deborah Kerr, no filme Até à Eternidade! (1953), se enrolaram na areia de Halona Cove, na ilha de Oahu, no Havai, incendiaram a imaginação de muitos com as potencialidades do amor à borda-d’água. Os seus corpos estilizados representavam o ardor misterioso do mar nocturno. Muitos resfriados se apanharam à conta de tal imagem. No entanto, ninguém fez mais pela imposição do novo regime de lazer e dos prazeres da praia do que Brigitte Bardot, seus maridos e seus cães, desde que Vadim a filmou em E Deus criou a mulher (1956). Mas foi nos anos sessenta, quando as revistas a mostravam na sua casa de La Madrague sobre o mar em Saint-Tropez, que ela se tornou o ícone do hippie chic

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