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Ateliê-Escola: Helio Eichbauer e Lina Bo Bardi Artífices que Constroem a Arte e Edificam a Cidade
Ateliê-Escola: Helio Eichbauer e Lina Bo Bardi Artífices que Constroem a Arte e Edificam a Cidade
Ateliê-Escola: Helio Eichbauer e Lina Bo Bardi Artífices que Constroem a Arte e Edificam a Cidade
E-book504 páginas5 horas

Ateliê-Escola: Helio Eichbauer e Lina Bo Bardi Artífices que Constroem a Arte e Edificam a Cidade

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Sobre este e-book

Vivemos numa sociedade em que comprar e descartar de forma inconsequente se tornou um hábito. Não sabemos quem confeccionou nossas vestes, produziu nossos móveis e utensílios de cozinha. No entanto, parte considerável da população exerce função de operariado para que tais produtos sejam ofertados, e com distinções de design que conferem preços mais caros. É justo esse sistema de trabalho no qual as habilidades artesanais de confecção e construção são reduzidas a atividades mecanizadas com salários sofríveis? As facilidades de pegue e pague do consumismo globalizado, além de subjugar o trabalho de artí fices, pois estes não têm como competir com a produção industrializada, têm resultado em poluição devastadora do meio ambiente. É preciso propor modos de produção e consumo mais humanizados e sustentáveis, aliados aos processos de fabricar que não explorem a vida de homens e mulheres.
O cenógrafo Helio Eichbauer e a arquiteta Lina Bo Bardi, conjuntamente no campo da arte e da educação, ao se reunirem para construir uma o cina de artes deixaram um legado estratégico a respeito da aliança entre teatro e cultura, universidades e comunidades populares. Justamente os estudos a respeito desse legado proporcionaram o desenvolvimento do projeto ateliê-escola, um projeto educacional que tem o objetivo de colaborar com os trabalhadores e trabalhadoras artí fices no ramo da confecção do vestuário, para fortalecimento desses artí ces, ampliação da consciência crítica a respeito da ética nas relações profi ssionais e cooperação com formas de produção sustentáveis, que evitem a degradação do meio ambiente.
As habilidades de modelar, cortar e costurar são atividades fundamentais para a sociedade humana porque necessitamos vestir nossos corpos por questões de proteção, mas também cultura. Tal atividade — que é criativa desde o processo da fabricação até o ato de se vestir — constrói identidades culturais, que não devem ser empalidecidas. É preciso reconhecer e valorizar pro fissionais tanto no setor de confecção das vestes para o cotidiano quanto pro fissionais que colaboram com figurinistas para o teatro, cinema e televisão. Eis os objetivos do ateliê-escola: cooperar com o aprimoramento e a consciência crítica dos trabalhadores e trabalhadoras no ramo da confecção do vestuário e promover atividades de sustentabilidade ambiental e econômica.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de jan. de 2023
ISBN9786525034287
Ateliê-Escola: Helio Eichbauer e Lina Bo Bardi Artífices que Constroem a Arte e Edificam a Cidade

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    Ateliê-Escola - Regilan Deusamar Barbosa Pereira

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    ATELIÊ-ESCOLA

    Helio Eichbauer e Lina Bo Bardi:

    artífices que constroem a arte e edificam a cidade

    Editora Appris Ltda.

    1.ª Edição - Copyright© 2022 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.Catalogação na Fonte

    Elaborado por: Josefina A. S. Guedes

    Bibliotecária CRB 9/870

    Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT

    Editora e Livraria Appris Ltda.

    Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês

    Curitiba/PR – CEP: 80810-002

    Tel. (41) 3156 - 4731

    www.editoraappris.com.br

    Printed in Brazil

    Impresso no Brasil

    Regilan Deusamar Barbosa Pereira

    ATELIÊ-ESCOLA

    Helio Eichbauer e Lina Bo Bardi:

    artífices que constroem a arte e edificam a cidade

    Aos meus pais, Dr. Ermenegildo e Dona Zezé.

    Com vocês aprendi a mais bela lição: a Virtude do Amor.

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço ao Pai e à Mãe celestiais que amorosamente iluminaram minha estrada e permitiram a realização deste livro: minha esperança de contribuição a tempos mais justos.

    Meus irmãos Ricardo, Rogério e Robson, obrigada! Cada um de vocês, de diferentes maneiras, fortaleceu meus passos em direção à realização profissional.

    Muito obrigada, querida professora Evelyn, que, com a perspicácia e a dedicação de excepcional professora, conduziu-me a uma feliz trajetória acadêmica.

    Professor Eichbauer, por favor, receba meu devotado estudo como reconhecimento de seu próspero talento na arte e na docência: legado para importantes pesquisas. Consigo aprendi e aprendo a amar meu trabalho e meu compromisso com a humanidade. Muito obrigada!

    Querida amiga Deise Lucidi, sua amizade foi fundamental para aprimorar os estudos apresentados nesta obra, pois seus relatos no setor de confecção do vestuário me impulsionaram a repensar minha profissão como figurinista. Muito obrigada!

    Às profissionais da costura, que atenciosamente relataram suas experiências e contribuíram para meu trabalho como figurinista e costureira, meu agradecimento com estima e respeito.

    Agradeço com grande satisfação aos professores Adilson Florentino, Maria Cristina Volpi, Niuxa Drago e Paulo Merisio, por aceitarem contribuir com este livro.

    À arquiteta italiana Lina Bo Bardi, que amou o Brasil, os brasileiros e brasileiras fervorosamente, meu muito obrigada!

    O respeito pelo trabalho manual foi uma das chaves do Despertar Jônico, centrado em Samos, entre os sexto e quarto séculos a.C. [...] a Jônia foi o local onde nasceu a ciência.

    Esta grande revolução no pensamento humano começou entre 600 e 400 A.C. A chave para a revolução foi a mão. Alguns dos brilhantes pensadores jônicos eram filhos de marinheiros, fazendeiros e tecelões. Estavam acostumados a labutar e a escolher, o que não acontecia com os sacerdotes e escribas de outras nações, os quais, criados na opulência, relutavam em sujar as mãos.

    (Carl Sagan)

    APRESENTAÇÃO

    Em outubro de 2006, fiz a minha primeira oficina com o professor Helio Eichbauer no Espaço Cultural dos Correios, na cidade do Rio de Janeiro, por ocasião da exposição Helio Eichbauer: 40 anos de cenografia – 1966-2006. Nessa época, eu era aluna da graduação do curso de cenografia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), mas entre 1993 e 1999 eu já tinha realizado a licenciatura em Educação Artística, com habilitação em Artes Cênicas nessa mesma universidade. A licenciatura foi o marco inicial da minha atividade profissional, pois desde os estudos sobre Paulo Freire percebi que minha vocação artística se direcionava à Educação, porém ainda sentia incompletude nas minhas atividades. Resolvi fazer meu primeiro curso de corte e costura em finais da década de 1990, pois quis experimentar a tarefa de materializar ideias com as mãos. Nunca mais me separei das réguas, tecidos, linhas, agulhas e máquinas!

    Minha desafiadora vocação, portanto, já estava fundamentada por Paulo Freire, quando realizei o primeiro curso com o professor Eichbauer. Nessa mesma ocasião, durante a graduação em cenografia, iniciei estudos sobre Lina Bo Bardi como bolsista de Iniciação Científica com a professora e arquiteta Evelyn Furquim Werneck Lima. Nessa terceira década do século XXI, Paulo Freire, Helio Eichbauer, Lina Bo Bardi e Evelyn Lima se constituem como os pilares da minha trajetória e ética profissionais.

    De 2006 a 2018, tive a oportunidade de integrar a sala de aula de Helio Eichbauer em distintos cursos livres na cidade do Rio de Janeiro. Ao longo desses anos, entre as formações de mestrado e doutorado teci teorias entre as suas aulas e os estudos sobre Lina Bo Bardi. Consequentemente, a minha atividade profissional e artística como figurinista e costureira da cena foram alicerçadas por esses estudos, que de acordo com os aprendizados nas aulas de Eichbauer, me impulsionaram a cada vez mais desenvolver minha técnica no corte e na costura, em relação criativa e libertadora com a matemática e com o desenho técnico de modelagem, aliados aos estudos sobre os grandes humanistas renascentistas, sobre filosofia e os grandes movimentos artísticos seculares.

    Lina Bo Bardi me conferiu o sentimento de bravura diante das condições sociais injustas, e o desejo de atuar profissionalmente a favor da expressão artística e genuína de artífices, homens e mulheres integrados às localidades comunitárias, que constroem móveis, costuram vestes, fabricam utensílios diversos com grande criatividade, mas que lamentavelmente vivem em difíceis condições materiais, inclusive sucumbindo diante do descaso da sociedade globalizada e de mercado. A consciência dessa injustiça social, despertada por Lina Bardi, me fez compreender que a minha própria cidade natal, São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, era mais um triste exemplo de descuido justamente com as profissionais da costura, mulheres habilidosas, que como eu, tinham apaixonada vocação, a qual, no entanto, tinha se transformado num sacrifício, penoso serviço mal remunerado, de atividade operária repetitiva, para servir às demandas de produção industrial do vestuário. Como seguir trabalhando como figurinista e costureira da cena, consciente de que no universo de confecção do vestuário as costureiras eram exploradas diariamente?

    O ateliê-escola, portanto, nasceu do desejo de colaborar com as profissionais da costura, por meio da cultura que nasce da comunhão entre a veste e a cidade, promovendo aprimoramento educacional ao reunir arte, técnica e estudos sobre pintura, literatura, história, como Helio Eichbauer fazia em sua sala de aula, em busca da humanização da vida em sociedade, e ampliação do conhecimento, para que trabalhadores e trabalhadoras possam aprimorar não somente suas técnicas profissionais, mas também desenvolverem suas análises críticas sobre atuação profissional e cidadã.

    O sistema de economia solidária foi abordado neste estudo como estratégia de prosperidade econômica para o ateliê-escola e seus colaboradores e colaboradoras, de acordo com ponto de vista teórico, a partir da citação de estudos nessa área. O objetivo é o vínculo entre ateliê e cidade, conforme trabalho colaborativo, de aprimoramento cultural, artístico e educacional.

    Os desafios presentes nessa proposta educacional certamente são diversos e grandiosos, porém já estamos cientes de que nossos hábitos de sociedade de consumo, que desrespeitaram de forma devastadora o meio ambiente ao longo do século XX, sacrificaram demasiadamente trabalhadores e trabalhadoras em sistemas de operariado e empobreceram as condições de vida nas grandes cidades, estão colapsando a vida humana, portanto necessitamos pensar novos sistemas de educação e economia para que tenhamos mais qualidade de vida. Este livro tem essa importante proposta de mudança de pensamentos e hábitos em busca de novas organizações sociais, que sejam mais humanizadas, comunitárias e favoráveis à manutenção do nosso meio ambiente.

    Regilan Deusamar

    Junho de 2022

    PREFÁCIO

    Como arte, artesanato e educação têm o poder de tornar mais humana a sociedade?

    Para descobrir a resposta a esta indagação é necessário ler o instigante livro Ateliê-Escola Helio Eichbauer e Lina Bo Bardi: artífices que constroem a arte e edificam a cidade, que traz ao público uma inovadora contribuição sobre o trabalho desses dois artistas e as possibilidades de aplicar seus conceitos para tornar mais humana a sociedade. A autora, Regilan Deusamar Barbosa Pereira, figurinista, cenógrafa e doutora em Artes Cênicas, iniciou sua vida de pesquisadora ainda na graduação, como bolsista de iniciação científica sob minha orientação, e logo demonstrou sua capacidade de se destacar nas atividades da vida acadêmica, paralelamente àquelas artísticas.

    Nesta pesquisa, Regilan investiga academicamente, mas com paixão, o tema do Ateliê-Escola de Costura e Figurino, discutindo arte, cultura, economia e cidade a partir das reflexões do cenógrafo Helio Eichbauer e da arquiteta Lina Bo Bardi, que, nos anos 1970, elaboraram um projeto de educação pela arte para a então recém criada Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Ele com base na filosofia e na técnica cenográfica e ela defendendo o artesanato, a arte e a cultura popular.

    Utilizando a estratégia da análise hermenêutica de Georg Gadamer e de Richard Sennett, a autora realiza uma análise acurada da relevância dos trabalhos desenvolvidos pelos dois intelectuais e aplica os conceitos na análise de um Ateliê-Escola em uma cidade da periferia metropolitana fluminense, São Gonçalo, na qual ela criou um modelo para a investigação e convida o leitor a entender como a arte e o artesanato têm o poder de transformar a sociedade.

    A pesquisa constata que Lina Bo Bardi colocou em destaque nos seus projetos arquitetônicos a riqueza de conteúdo e expressão presentes na arte de origem popular, e Eichbauer desenvolveu em sala de aula conteúdo sobre materiais, formas de arte e ritos que compuseram o berço da humanidade.

    Ao defender que o ateliê-escola pode colaborar para que a comunidade investigue sua própria cultura, e se fortaleça desenvolvendo as próprias aptidões, recuperando a cultura que possa ter sido depreciada por mercados globalizadores, Regilan vai analisando ao longo dos capítulos de que modo essa experiência poderia transformar a vida das pessoas pelo envolvimento criativo e artístico, contribuindo também para reduzir a exploração profissional no campo da criação do figurino. Segundo a autora, não existe uma metodologia única para a criação dos ateliês, visto que cada comunidade é um universo próprio, que se constitui de diferentes vivências, valores e conhecimentos.

    A autora enfatiza que os trabalhos de Bo Bardi e Eichbauer como cenógrafos e figurinistas sempre demonstraram preocupação com a responsabilidade social e destaca também a característica da arquiteta de ouvir os trabalhadores de seus projetos, muitos dos quais desenvolvidos no próprio canteiro de obras. Utilizando conceitos dos dois intelectuais em suas experiências múltiplas, porém sempre imbuídas de propostas que beneficiassem o operário ou artesão, a proposta do livro é comprovar que educação, arte, técnica, cultura e economia juntas podem promover sociedades mais humanizadas.

    Com conhecimento empírico e erudito, a autora desenvolve a hipótese de que a vestimenta como expressão da cultura de um determinado grupo social possibilita o reconhecimento dos valores daquele grupo. O texto vai num crescendo e utilizando o conceito de uma nova ética proposta por Fredric Jameson, capaz de gerar novos tipos de atitudes políticas para minimizar os impactos do capitalismo alienante regulado por cifras, Regilan caminha para a experiência laboratorial que permitiu que comprovasse sua hipótese.

    A novidade da abordagem está no fato de a autora ter criado e experimentado como um verdadeiro laboratório o Ateliê-Escola em São Gonçalo, que reuniu a prática artística à docência. O estudo de caso comprovou que entre profissionais da costura no município de São Gonçalo existe a carência de conhecimentos teóricos, artísticos e culturais. O estudo conclui que a junção entre ateliê e cidade pode promover o aprimoramento intelectual e de relações humanas entre todos os envolvidos no processo.

    Pelo cuidadoso trabalho de pesquisa e porque apresenta uma vertente inédita dos trabalhos de Lina Bo Bardi e Helio Eichbauer no campo da educação, da arte e do artesanato, este livro certamente será muito bem recebido nos meios acadêmicos das Artes Cênicas e das Artes Visuais (em especial do Figurino), mas também da Sociologia Urbana e da Educação. Entretanto, para além dos estudiosos, estou certa de que esta obra interessará ao público geral, pela excelência da pesquisa que vem à luz nesta publicação. Vale a pena conferir.

    Prof.ª Drª Evelyn Furquim Werneck Lima

    Professora titular da Unirio -/ Pesquisadora 1-A do CNPq / Cientista do Nosso Estado da FAPERJ

    Sumário

    INTRODUÇÃO

    LINA BO BARDI E HELIO EICHBAUER — 1975-1979

    I

    SAPIENS

    1

    CONSIDERAÇÕES SOBRE ÉTICA A PARTIR DA SELEÇÃO DE AFIRMAÇÕES DE HANS-GEORG GADAMER EM VERDADE E MÉTODO I. TRAÇOS FUNDAMENTAIS DE UMA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA

    1.1 QUESTÕES DE GOSTO MANIFESTADAS NA CONDUTA ÉTICA

    2

    POR UMA ESTRATÉGIA ENTRE AS ARTES E AS CIÊNCIAS: A COLABORAÇÃO DE DARCY RIBEIRO

    2.1 EM BUSCA DA AUTONOMIA DA NOSSA EXPRESSÃO

    3

    ESTRATÉGIAS PARA CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO VIVO A PARTIR DO ENCONTRO PROFISSIONAL ENTRE EICHBAUER E BO BARDI

    3.1 HELIO EICHBAUER — HOMO FABER SUAE QUISQUE FORTUNAE

    PARÊNTESIS: ARTE, ÉTICA E TÉCNICA

    II

    FABER

    A CIDADE CONSTRUÍDA PELA COMUNHÃO ENTRE ARTÍFICEE SCHOLAR BOX ↔ CAIXA ESCOLAR

    III

    LUDENS

    1

    O LABORATÓRIO DO TRAJE ENTRE AS VESTES POPULARES E A CIDADE

    2

    PERFORMANCE DESIGN, UMA COSTURA PERFORMATIVA ENTRE A VIVÊNCIA DA PRÁXIS E A FORMULAÇÃO INTELECTUALIZADA

    3

    LINA BO BARDI — ARTE E DIGNIDADE DO TRABALHO. ESTUDO DA VESTIMENTA COMO EXPRESSÃO DE CULTURA

    4

    O HOMO LUDENS ENTRE O ATELIÊ-ESCOLA, O LABORATÓRIO DO TRAJE E O TRAJE VIRIL: EXPERIMENTAÇÕES

    4.1 BINÔMIO FIGURINISTA-PROFESSORA E EXERCÍCIO DE CRIAÇÃO: MODELE E COSTURE VESTIDOS COM RECORTES DE CULTURA E PALETÓS COM BOLSOS DE HUMANIDADES

    4.2 NO ATELIÊ TRAJE VIRIL, A REUNIÃO ENTRE O ARTISTA-ARTÍFICE E A FIGURINISTA-PROFESSORA

    CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE AS CONEXÕES ENTRE ATELIÊ-ESCOLA, ARTE, CULTURA, ECONOMIA E CIDADE, A PARTIR DO QUE APRENDI NAS AULAS COM HELIO EICHBAUER E AO ESTUDAR AS REALIZAÇÕES DE LINA BO BARDI

    REFERÊNCIAS

    INTRODUÇÃO

    Fonte: fotografia de Regilan Deusamar (29 de abril de 2017)

    O artífice, por meio do exercício pragmático em busca do aprimoramento da própria aptidão, possui a capacidade de cooperar com melhores condições de vida no seu entorno social, pois sua oficina está em estreita relação com a comunidade, de acordo com as necessidades e articulações culturais das obras artesanais da vizinhança. Porém essa dinâmica saudável ao corpo social, desde a Revolução Industrial, sensivelmente declinou, embora a indústria não tenha sobrevivido sem o artífice, mas se apropriou desse ofício essencial e, ardilosamente, conferiu ao habilidoso trabalho do artesão e da artesã uma nova feição, a do designer, e, assim, separou artífices de suas comunidades e restringiu as criativas atividades fabris ao sistema de abastecimento do mercado, atividades que, ao serem desvinculadas da cultura comunitária, seguiram em constante aliança com a tecnologia, cujo objetivo principal se direcionou ao desenvolvimento do produto para comercialização, destinado a suprir as necessidades e também gerar desnecessários produtos de luxo, e novos mercados impulsionadores do crescimento urbano, sujeitando toda população à mercantilização da vida cotidiana. Felizmente, o designer, ou, em termos mais humanizados, artesão, artesã, artífice, possui aprimorados conhecimentos para reinventar a própria profissão e, nesse contexto, cooperar com o entorno social ao qual esteja vinculado. Justamente essa reinvenção no campo das artes técnicas configura a oportunidade de projetar a necessária mudança no contexto dos trabalhadores e trabalhadoras no Brasil. Estes e estas se constituem como o alicerce de toda e qualquer nação, e se tais profissionais não têm instrumentos e conhecimentos de como desenvolver as próprias aptidões e os próprios valores, considero que a sociedade desarticulada segue um rumo declinante.

    Lina Bo Bardi e Helio Eichbauer, artífices da própria realização profissional, cientes das riquezas da diversidade da nação brasileira e de seu povo, investiram na comunhão entre arte e educação. Os estudos apresentados neste livro a respeito da ação conjunta desses dois artistas revelaram que ambos assim procederam por conta de um grande apreço pelo ser humano e seus atributos, que, no Brasil, devido à herança colonial escravocrata, não deixaram de ser maliciosamente subjugados. Lamentavelmente, esse suplício se perpetua até a contemporaneidade, o que é de causar indignação. Reside, portanto, na consciência de artistas, profissionais das diversas áreas, pesquisadoras e pesquisadores, a consideração de que o Brasil, desde os tempos da sua Proclamação da Independência, sempre necessitou da colaboração, empenho e engenhosidade dos seus profissionais para superar a persistente ação de uma elite usurpadora dos bens da nação.

    Felizmente, atuações no campo das artes empenhadas em promover o bem-estar social, como foram as realizações de Helio Eichbauer e da Lina Bo Bardi nas artes cênicas, na arquitetura, na docência e no design, configuram estudos diversos já empreendidos e outros estão por vir. Portanto, a partir desses estimulantes exemplos, planejar e empreender novos projetos de atuação profissional, que se articulem como novas alternativas promotoras de melhores condições de estudo e trabalho à classe que está na base da estrutura social, configuram-se como agentes transformadores, à maneira de ações que renovam as relações profissionais e o pensamento crítico, justamente por isso, transformam e movimentam setores que ficaram estagnados por terem unicamente servido a sistemas de exploração do trabalho.

    A economia solidária é um exemplo de combate aos sistemas de exploração, que se caracteriza como uma ferramenta de transformação a partir das ações dos próprios trabalhadores e trabalhadoras, envolvidos no processo de fabricação de manufaturas diversas, e comercialização dessas produções, que serão pensadas principalmente como fortalecimento da comunidade local. O ateliê-escola pode auxiliar esse sistema por meio dos projetos educacionais que colaborem para que a comunidade investigue sua própria cultura, e se fortaleça desenvolvendo as próprias aptidões, recuperando a cultura que possa ter sido depreciada por mercados globalizadores. Certamente não existem métodos exatos para desenvolvimento dessas economias e ateliês, até porque cada comunidade é um universo próprio, que se constitui de diferentes vivências, valores e conhecimentos, mas reunir educação, arte, técnica, cultura e economia é sim uma possibilidade de promoção de sociedades mais humanizadas e em harmonia com o meio ambiente.

    Portanto pensar o traje, a vestimenta como expressão da cultura de um determinado grupo social possibilita o reconhecimento dos valores daquele grupo. A história da indumentária proporciona esse olhar tanto de forma técnica, ao discriminar as particularidades históricas de mangas, saias, golas nas vestes francesas, espanholas ou inglesas, por exemplo, quanto permite análises em termos de afetividades humanas, quando destaca que, no período do Renascimento, as mangas com enchimentos na indumentária masculina; na época das grandes navegações, assumiram essas exuberantes formas porque o homem daquele período traduziu nas próprias vestes o sentimento de imponente desbravador, portanto um reflexo das conquistas de então. Mas em relação ao Brasil, essa história da indumentária diz respeito ao colonizador. A história da vestimenta em terras brasileiras discrimina as vestes dos escravos, dos senhores de engenho, da família real portuguesa. Os estudos apresentados neste livro, porém, buscaram evidenciar o olhar humanizado a respeito da expressão, cultura e informação oriunda da classe popular e trabalhadora; destacar o significado que existe na preferência por determinadas cores, estampas, saias, bermudas e vestidos, apesar de esse olhar ter sido direcionado exclusivamente à população da cidade de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. No entanto, esse específico estudo pode impulsionar pesquisas que abordem as expressões que emergem do vestuário de qualquer outra comunidade popular.

    Analisar os gostos e expressões marcantes nas vestes populares em São Gonçalo, nos finais da segunda década deste século XXI, foi revelador porque permitiu perceber a fala proferida por meio dessas vestes, até então encaradas exclusivamente sob a doutrina do mercado globalizador da moda. As vestes expuseram a descendência afro-brasileira, ainda que possivelmente boa parte de quem vestisse estivesse inconsciente dessa raiz, mas justamente a percepção dessa inconsciência fez brotar a noção de que a atuação da figurinista-professora, que emergiu dos estudos sobre a realização do cenógrafo Helio Eichbauer no ramo da docência, pode conferir consciência com relação aos valores, afetos, heranças, cultura e história, que se traduzem nos modos de confeccionar roupas e vestir.

    A partir do olhar crítico sobre as vestes, a consciência aflorada explicita não a distinção social, o que o sistema da moda estimula, mas a força da cultura, que, ainda que inconscientemente, se expressa. Essa potência foi verificada nas estampas das vestes femininas que no inverno, no verão, na estação das chuvas, do sol, não deixam de vestir jovens e senhoras no município de São Gonçalo, conforme estudos ao longo desses anos de trabalho e pesquisa no campo da arte e da educação. Sob esse ponto de vista não importa se o tecido é uma malha de fio sintético ou tafetá de seda, se os acabamentos são de alfaiataria ou uma simples bainha costurada com overloque. Não se trata de diferença ou distinção entre materiais, mas do reconhecimento da raiz cultural e étnica. Nesses contextos, não existe o mais bonito, o mais bem vestido, mas a expressão criativa.

    A figurinista-professora, no espaço de um ateliê-escola, portanto, atua no sentido de fazer emergir, por meio da atenção às próprias vestes, a história, a memória, as reminiscências culturais, regionais, pessoais, a consciência que diz respeito à trajetória histórica da vida de comunidades, famílias e indivíduos. Mas essa eclosão também se faz no contexto do teatro, das vestes para cena, para música, para dança, estudadas conjuntamente, se possível, com atores e atrizes, equipe da costura, equipe da cenografia, se não, ao menos, com todos que criarão e produzirão as vestes, porque se trata de investir na disseminação do conhecimento. Essa consideração tem como base os estudos de Richard Sennett sobre práticas de artífices e o discurso do homem, da mulher, cidadãos, cidadãs na esfera pública, comunitária, pois compreende respectivamente a prática artesanal que confere autoconhecimento, proporcionado pelo desenvolvimento das próprias capacidades, engenhosidade e expressividade artística, bem como a participação ativa na comunidade e a consciência de que se faz necessária à atuação no espaço público da cidade.

    Aliadas aos estudos de Sennett estão as contribuições de Hans-Georg Gadamer e de Darcy Ribeiro. Gadamer explicitou o vínculo entre a expressão artística e as questões éticas. A partir dessa noção, considero nesta obra o problema das sofríveis condições de trabalho das profissionais da costura no município de São Gonçalo, pois tenho a ciência de que modelar, cortar e costurar pode ser uma atividade amplamente artística, criativa em todas as etapas de confecção da veste, portanto seria antiético trabalhar com essas profissionais e não colaborar com o aprimoramento delas. Conforme esse contexto, o belo na arte está diretamente relacionado à revisão das relações profissionais entre a criação e a execução, com o objetivo de revisão do sistema de hierarquia, que seja a promoção do compartilhamento dos saberes, à maneira de um exercício transdisciplinar, artístico e ético.

    Conectado a essa conjunção entre arte e ética, os estudos de Darcy Ribeiro em O Brasil como problema e O povo brasileiro conferiram o alicerce a respeito das necessidades nacionais. Esse antropólogo afirmou que o Brasil constituído por uma miscigenação ímpar ainda não deu voz a essa sua singularidade, por isso, grande parte da população ainda não está ciente das próprias riquezas advindas dessa formação composta por diferentes etnias. Na verdade, de acordo com Ribeiro, os brasileiros e brasileiras nunca deixaram de viver sob o sentimento de inferioridade, que foi imposto à condição de nação colonial. Literatos, artistas visuais e musicistas brasileiros, ao longo do século XX, admiravelmente buscaram encorajar e valorizar esse ser diverso que é o Brasil, mas a população, de fato, permaneceu ignorante da própria história, que por si é complexa e precisa ser esmiuçada sob as diferentes formas no campo da Educação, já que a escola pública foi tolhida, impedida de promover a curiosidade epistemológica de acordo com o educador Paulo Freire.

    Portanto a atuação da figurinista-professora no ateliê-escola reúne o trabalho da artífice ao compromisso social, que constrói o discurso da artista e do artista, alicerçado pela arte ética, com o objetivo de valorização do trabalhador, da trabalhadora e das artes técnicas no Brasil. Essa, portanto, é a contribuição que esses estudos têm a dar no campo de atuação da arte, da educação e do figurino, e que este possa promover, em parceria com profissionais da costura, a expressão cultural e histórica que a veste da cena e do cotidiano compreendem.

    É importante esclarecer que esta obra direciona o olhar para o estudo de caso das profissionais da costura na cidade de São Gonçalo, na época meu local de residência, porque considero que é importante para homens e mulheres a obtenção da satisfação profissional no mesmo local onde a vida se constrói com família e amizades. Essa adequação entre a vida comunitária e o trabalho, verificada primeiramente nas atuações profissionais conjuntas de Lina Bo Bardi com Helio Eichbauer, conferiu matéria para que o Laboratório do Traje fosse pensado no espaço de um ateliê-escola, pois, nesses termos, a cidade que abriga as profissionais da costura poderia ser pensada com o objetivo de promover melhores condições de trabalho e de vida a essas trabalhadoras.

    O contexto profissional da costura foi observado, portanto, de acordo com o fato de que eu sou gonçalense, costureira e figurinista, conhecedora dos problemas e dos deleites da criação e técnica de confecção do vestuário. A partir desses dados, à medida que o conhecimento a respeito das más condições de trabalho das profissionais nas confecções de roupas em São Gonçalo aumentou paralelamente aos estudos a respeito dos esforços empreendidos por Lina Bo Bardi e Helio Eichbauer no campo da promoção da arte, cultura e educação, a ação empreendedora a favor das trabalhadoras no ramo da confecção do vestuário se impôs como uma condição da ética profissional, não somente no sentido de promover essa classe trabalhadora, mas de acordo com a compreensão de que a condição de vida saudável em sociedade demanda justiça social. Não adianta a realização individualizada, é preciso que a comunidade alcance a satisfação no seio da cidade que a abriga, para que a ignorância, a violência, a exploração não promovam um quadro de desarmonia e sofrimento no âmbito social.

    Portanto foi a conexão entre pesquisa, cidade e atividade profissional que permitiu esse olhar estratégico direcionado à promoção do artífice e da artífice. A respeito de indagações referentes à obsolescência das atividades artesãs diante da produção industrial, Lina Bo Bardi conferiu esperançosa solução: o humanismo técnico, que visa aliar a tecnologia da indústria ao atributo humano de criar e fabricar. Sigamos em busca dessa harmonização.

    LINA BO BARDI E HELIO EICHBAUER — 1975-1979

    Por que Helio Eichbauer e Lina Bo Bardi empreenderam um curso de artes juntos, em meados da década de 1970, na recém-formada Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro? Por que essa união profissional entre a arquiteta e o cenógrafo configura um importante processo de trabalho capaz de fornecer úteis ferramentas às artes nesta terceira década do século XXI?

    Em 1994, o Instituto Lina Bo Bardi lançou o livro Tempos de grossura: o design no impasse. Este livro, de acordo com a nota prévia publicada por Marcelo Suzuki,⁵ foi preparado por Lina em princípios da década de 1980 a respeito dos estudos que ela iniciara entre finais da década de 1950 e início dos anos 1960, quando se mudou para a Bahia. De acordo com Marcelo Carvalho Ferraz, em Lina Bo Bardi,⁶ a mudança de endereço se deu a convite do governador Juracy Magalhães, que possibilitou que Lina provisoriamente instalasse, em 1959, o Museu de Arte Moderna da Bahia no foyer do antigo Teatro Castro Alves, destruído por um incêndio. Os

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