DIABETES
De ANTONIO ROBERTO CHACRA, Sociedade Beneficente De Senhoras Hospital Sírio Libanês, JOSE ANTONIO MIGUEL MARCONDES e
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DIABETES - ANTONIO ROBERTO CHACRA
O diabetes mellitus é considerado uma grande epidemia do século XXI e um dos maiores problemas de saúde pública do planeta. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1980 havia 108 milhões de pessoas com diabetes no mundo. Em 2014, último ano medido pela OMS, esse número havia quadruplicado: eram 422 milhões. No entanto, aproximadamente metade dos casos ainda não foi diagnosticada. Isso sem falar do chamado pré-diabetes (casos de indivíduos que têm grande risco de desenvolver a doença), cuja estimativa da ONU gira em torno de 300 milhões de pessoas no mundo.
No Brasil, são cerca de 18 milhões de indivíduos com diabetes, segundo dados de 2016 do Ministério da Saúde. Essa doença, quando não controlada, leva a complicações crônicas que oneram tremendamente o sistema de saúde. Existe, portanto, a necessidade de uma conscientização das autoridades de saúde e da população em geral sobre o assunto.
Por ser uma doença crônica, o paciente precisa participar ativamente de seu tratamento, sendo essencial o envolvimento também de seus familiares. É de fundamental importância que ele tenha um amplo conhecimento de sua moléstia e entenda a necessidade do bom controle glicêmico, a fim de prevenir complicações visuais, renais, cardiovasculares, entre outras. As estratégias atuais de tratamento devem ser difundidas entre os pacientes de maneira clara e concisa. Afinal, a educação em diabetes constitui um dos grandes fundamentos do tratamento da doença.
O lançamento deste guia tem como objetivo justamente transmitir ao paciente, aos familiares e a todos os interessados no conhecimento do diabetes algumas noções claras e objetivas, de cunho prático, que colaborem para o melhor controle da doença. O texto foi escrito por médicos especialistas na área, assim como por profissionais de saúde envolvidos com o tratamento do diabetes, e faz parte de um programa abrangente do Hospital Sírio-Libanês, coordenado pelo Dr. Antonio Antonietto, que pretende transmitir aos pacientes, de forma clara e simples, o conhecimento de determinadas condições médicas que tanto afetam os indivíduos da atualidade.
– Prof. Antonio Roberto Chacra
Coordenador do Centro de Diabetes do Hospital Sírio-Libanês
cap2Os sintomas do diabetes são conhecidos desde a Antiguidade, muito antes da era cristã. Os primeiros registros de descrição da doença foram encontrados no Egito e datam de 1550 a.C., mas foi por volta do século I que a doença ganhou nome. O médico grego Areteu observou que alguns de seus pacientes sofriam de poliúria (produção e eliminação excessiva de urina, sintoma típico da doença). Bebiam água em grande quantidade e rapidamente a eliminavam pela urina, ou seja, não retinham água por muito tempo no organismo. O termo grego diabetes
significa exatamente passar através de
ou sifão
.
Na época, não se conheciam os efeitos da doença nem suas causas. Embora ela tenha sido estudada ao longo dos tempos, foi somente no século XVII que o Ocidente encontrou as primeiras pistas que ajudariam a decifrar o problema. Em 1675, o médico inglês Thomas Willis resolveu testar algo que o intrigava: a atração das formigas pela urina dos pacientes. Ele então comprovou que a substância era doce. Willis cunhou, assim, o termo mellitus
, derivado do latim, que significa melífluo
ou com sabor parecido com o do mel
. Daí o termo diabetes mellitus
, usado até hoje pela medicina.
Entretanto, muito antes das constatações de Willis, os médicos indianos Charuka e Sushruta escreveram em sânscrito sobre a poliúria e o sabor doce na urina, entre os séculos V e VI. Em seus escritos, mencionaram também o gosto de mel
e a atração das formigas. Também foram os primeiros a fazer, até onde se tem notícia, uma distinção entre dois tipos de diabetes: a que acomete pessoas magras e mais jovens
e a que atinge os mais velhos e mais gordos
– sendo que os primeiros, na época, não sobreviviam por muito tempo. Ainda que superficial, essa distinção serviria de base para que, mais tarde, os diferentes tipos de diabetes mellitus fossem estabelecidos. Foi apenas no século XX, em 1951, que o médico americano John Lister estudou mais profundamente as diferenças e criou a distinção entre o tipo 1 e o tipo 2, denominação utilizada até hoje.
A presença de açúcar na urina de pacientes com diabetes também foi objeto de estudo entre os séculos IX e XI, no auge da medicina árabe. Entre os vários tratados escritos pelo grande médico árabe Avicena, há uma enciclopédia médica em que se encontram descrições de características clínicas do diabetes. Avicena foi o primeiro a relatar duas complicações sérias para os portadores da doença: impotência sexual e possibilidade de perda da sensibilidade ou gangrena nas extremidades (principalmente nos pés).
Entretanto, foi apenas em 1775 que se descobriu a razão de a urina do paciente com diabetes ser tão doce: o fato de estar saturada de glicose, o açúcar que o organismo converte em energia. O emprego do termo mellitus
, cunhado por Willis cem anos antes, acabou por se revelar de grande importância nessa mesma época, quando pesquisadores identificaram um tipo mais raro de diabetes. Os sintomas dos pacientes eram os mesmos, mas não havia alta concentração de glicose na urina. O novo tipo foi então identificado como diabetes insipidus
– do latim sem sabor
–, em contraposição à característica adocicada encontrada na urina dos pacientes com diabetes verdadeiro
.
A expressão diabetes verdadeiro
, aliás, era muito empregada naquela época para distinguir as variedades da doença. A ocorrência do insipidus é muito rara, e, por isso, ressaltava-se a ausência das características mais comuns do tipo verdadeiro
. O diabetes mellitus corresponde à quase totalidade dos casos dessa enfermidade – e neste livro falaremos apenas dele.
Os primeiros resultados terapêuticos da doença foram alcançados pelo também inglês John Rollo no final da década de 1780, quando prescreveu uma dieta pobre em carboidrato e mais carregada de gorduras e proteínas. A avaliação dos pacientes submetidos à dieta revelou certa melhora e até certo controle da doença. Hoje, porém, com os avanços da medicina e uma compreensão muito mais acurada de como funciona o diabetes, a dieta de Rollo já não faz sentido. As diretrizes atuais do tratamento dietético serão apresentadas mais adiante, a partir do Capítulo 15.
A insulina
As pesquisas sobre a doença prosseguiram com alguns avanços até que, em 1921, o médico canadense Frederick Banting e seu assistente, Charles Best, conseguiram isolar a insulina a partir do pâncreas de um cachorro de laboratório e demonstrar seu papel no aproveitamento da glicose pelo organismo humano. Hormônio natural produzido pelo pâncreas, a insulina proporciona a entrada de açúcar nas células. E é a queima desse açúcar que fornece energia para o organismo realizar uma série de atividades vitais. A descoberta de como extrair insulina e de entender como ela funciona é até hoje considerada um dos principais avanços da história da medicina e deu aos pesquisadores canadenses o Prêmio Nobel de Medicina de 1923.
O êxito da utilização de insulina no tratamento de parte dos pacientes ganhou ainda mais relevância em 1922, quando Elisabeth Evans Hughes, filha do secretário de Estado dos Estados Unidos, Charles Hughes, viajou a Toronto para se tratar com o doutor Banting. Na época com 14 anos, sérias limitações de locomoção e pesando apenas 27 quilos, Elisabeth começou a ser tratada com aplicações de insulina. A resposta positiva ao tratamento permitiu que ela recuperasse sua qualidade de vida. Elisabeth morreu em 1981, aos 73 anos, de causas naturais e não associadas à doença.
Patenteado por Banting e seu assistente em 1922, o método de extração da insulina do pâncreas de um animal foi vendido ao conselho diretor da Universidade de Toronto naquele mesmo ano pelo valor simbólico de um dólar canadense. Apenas duas condições foram impostas para que a patente fosse cedida: a universidade deveria criar um comitê para estudar a insulina e controlar rigorosamente a produção do hormônio pela indústria farmacêutica.
Considerada uma das maiores vitórias da medicina, a produção de insulina avançou significativamente ao longo do tempo, facilitando a vida dos pacientes de diabetes e oferecendo maior confiabilidade ao tratamento. Mas, como toda descoberta, ela ainda precisava de ajustes.
Mais tarde, pâncreas de animais bovinos também começaram a ser utilizados para garantir o fornecimento de insulina a humanos. Nos anos 1960, descobriu-se que a insulina suína apresentava maior semelhança com a humana, tornando-a mais adequada ao tratamento. Ainda assim, o hormônio extraído do pâncreas de animais acarretava alguns efeitos colaterais, justamente por não ser totalmente compatível com o do homem. Os principais sintomas eram reações alérgicas e, eventualmente, resistência à ação da insulina.
Em 1978, uma empresa de biotecnologia inseriu insulina humana no DNA de um tipo específico de bactérias, e elas começaram então a reproduzir o hormônio, dando origem à primeira insulina sintética da história. Estava criada a insulina de DNA recombinante (realizada através de bioengenharia genética). Sem apresentar os problemas do hormônio extraído de animais, a tecnologia logo ganhou escala, e o produto tornou-se amplamente acessível aos pacientes com diabetes já na década de 1980. Até hoje, essa é a versão de insulina sintética mais consumida.
O avanço seguinte ocorreu nos anos 1990, com a manipulação da estrutura química do hormônio. A técnica permitiu alterar o tempo de ação do produto e deu origem às insulinas de ação lenta e ultrarrápida. Até então, o mercado só dispunha de insulinas rápidas (insulina R) ou de ação intermediária (chamadas na época de NPH). As novas versões também acarretaram uma notável melhora no tratamento dos pacientes dependentes de insulina.
cap3Desde a primeira dieta com baixo teor de carboidrato proposta pelo inglês John Rollo, no século XVIII, o controle do diabetes evoluiu significativamente com a ajuda da tecnologia. Um grande avanço foi a introdução dos glicosímetros, aparelhos portáteis que executam a medição automática do teor de glicose no sangue. Antes da existência desses equipamentos, a medição domiciliar era demorada e trabalhosa. Era preciso ferver a urina em um tubo de ensaio para avaliar a presença de glicose nela, utilizando um reagente químico. Devido à lentidão do