A Nova Medicina
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Sobre este e-book
João Lobo Antunes
Nascido em Lisboa em 1944, João Lobo Antunes é professor de Neurocirurgia na Faculdade de Medicina de Lisboa e presidente do Instituto de Medicina Molecular, de que foi fundador. Entre 1971 e 1984, trabalhou no Instituto Neurológico da Universidade de Columbia em Nova Iorque, onde foi fellow da Fundação Fulbright e da Fundação Matheson. É autor de mais de 170 artigos científicos e sobre temas médicos e de cinco livros de ensaios. Em 2010, publicou uma colectânea de ensaios sobre ética, Inquietação Interminável, e uma biografia de Egas Moniz. Recebeu vários prémios nacionais e internacionais. Em 1996, foi distinguido com o Prémio Pessoa.
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A Nova Medicina - João Lobo Antunes
Capítulo I – Introdução
Quando medito sobre os mais de quarenta anos que levo na profissão de médico, nunca deixo de me pasmar sobre a extraordinária transformação que a Medicina sofreu, reconhecendo que fui, como muitos dentro do ofício e sem disso ter consciência, simultaneamente um agente (modestíssimo) e um produto (acabado) dessa mudança.
O progresso da Medicina foi em grande parte responsável por aquilo que eufemisticamente se designa por «ganhos em saúde», que, obviamente, não dependeram apenas do progresso científico e tecnológico mas também de múltiplos factores económicos e sociais que trouxeram consigo uma melhoria global – embora não globalizada – da nutrição, da higiene, da educação, enfim, das condições de vida em geral. O exemplo português é bem elucidativo: em 1979, a esperança de vida à nascença era 71,7 anos e a mortalidade infantil era de 27/1000 nados-vivos, e no último apuramento destes dados em 2009, os valores médios eram 79,2 (76,1 anos para os homens e 82,1 para as mulheres) e 3,6/1000.
Sendo dado a cismar sobre a razão das coisas e desafiado pelo complexo novelo da modernidade, pareceu-me interessante analisar as múltiplas faces desta Nova Medicina que hoje nos serve, em muitos aspectos bem diferente daquela que aprendi e pratiquei no início da minha carreira. É para mim evidente que muito do que se passou e, previsivelmente, irá acontecer é explicável pela necessidade de uma adaptação «darwiniana» ao avanço científico e tecnológico, a uma nova ecologia económica, social e até moral e, certamente, a outras exigências de uma população cada vez mais informada sobre o poder da arte médica. Não é por acaso que – muito contra meu gosto – se dá hoje preferência a termos como clientes, utentes ou consumidores, em desfavor da designação tradicional de doentes.
A potencialidade evolutiva da medicina sempre esteve contida no seu genoma. De facto, a medicina é uma learned profession, ou seja, uma profissão baseada no conhecimento, mas uma medicina verdadeiramente científica só nasceu no final do século XIX. Lewis Thomas, médico e ensaísta notável, chamou-lhe The youngest science, argumentando que a medicina fora a última a juntar-se ao leque das ciências da natureza e, ainda num passado não muito remoto, o fundamento científico da sua intervenção era desoladoramente frágil e a sua eficácia muito limitada. Como veremos, o avanço do conhecimento médico contemporâneo não se deveu apenas à investigação levada a cabo pelos seus praticantes, mas, cada vez mais, ao progresso de outros saberes, o mais moderno dos quais é a biologia molecular, pelo que é hoje corrente falar-se de biomedicina.
Quando há algum tempo me pediram um breve comentário sobre o progresso da medicina na última década, concluí com uma nota que reflectia a inquietação que, como se verá, irá aflorar em vários passos deste livro. Escrevi então: «não sei o que nos espera, mas sei o que me preocupa: é que a medicina, empolgada pela ciência, seduzida pela tecnologia e atordoada pela burocracia, apague a sua face humana e ignore a individualidade única de cada pessoa que sofre, pois embora se inventem cada vez mais modos de tratar, não se descobriu ainda a forma de aliviar o sofrimento sem empatia ou compaixão».
Não sou nem pessimista, nem cínico, nem acho que esta Nova Medicina ameace de morte os valores fundadores desta profissão ancestral, mas reconheço a necessidade de manter uma vigilância constante, pois não é possível reduzir a doença a uma questão solúvel apenas por esta tecnociência hegemónica, que reduz cada doente a um caso, e ignora a dimensão psicológica, espiritual e até religiosa – e neste aspecto somos na nossa terra particularmente reticentes – do sofrimento. Sir William Osler (1849-1919), o fundador da medicina clínica de base científica a quem irei recorrer em várias ocasiões, dizia que «era mais importante conhecer o doente que tem a doença do que conhecer a doença que o doente tem». Este aforismo de mais de um século tem um sentido profético que Sir William não poderia adivinhar, pois a chamada medicina personalizada, de que adiante falarei, é certamente das áreas mais promissoras da moderna ciência