A calamidade pública reconhecida pelo Decreto Legislativo nº 6/2020 e a insuficiência dos requisitos para instituição de empréstimo compulsório
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A calamidade pública reconhecida pelo Decreto Legislativo nº 6/2020 e a insuficiência dos requisitos para instituição de empréstimo compulsório - Murilo Pompei Barbosa
1. CONTEXTUALIZAÇÃO E MOTIVAÇÃO DO PRESENTE ESTUDO
Durante grande parte do desenvolvimento desta dissertação, a humanidade enfrentou uma pandemia causada pela doença do COVID-19 (coronavírus 2019), relativa ao vírus SARS- CoV-2, cujo surgimento ocorreu no ano de 2019 na China (primeiro caso noticiado em dezembro 2019, na cidade de Wuhan).
Nesse cenário, a doença foi reconhecida como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março de 2020, devido à transmissibilidade do vírus e à ausência de vacina até então.
O primeiro caso no Brasil foi confirmado em 26 de fevereiro de 2020. Em 20 de março de 2020, decretou-se estado de calamidade pública em razão da situação de emergência de saúde pública de importância internacional por meio do Decreto Legislativo 6/2020.
De acordo com a atualização de 11 de maio de 2021, publicada no endereço eletrônico² oficial do Governo Federal, o cenário nacional acumulou não só 15.282.705 casos confirmados da aludida doença, como também a taxa de letalidade no percentual de 2,8%.
Durante tais acontecimentos, foram identificadas duas estratégias principais para o controle da doença, a saber, a supressão³ (também conhecida como isolamento horizontal) e a mitigação ⁴(conhecida como isolamento social vertical).
Tais acontecimentos, de modo geral, geraram certo desequilíbrio fiscal não apenas por causa do necessário direcionamento dos recursos financeiros com o setor da saúde em razão da pandemia, como também por causa da noticiada queda na arrecadação tributária no ano de 2020, em comparação aos últimos anos (retração de 6,91%, em comparação ao ano de 2019 de acordo com os dados da Receita Federal do Brasil⁵).
Em vista das incertezas acerca da duração e do eventual agravamento da situação pandêmica — e, consequentemente, do cenário econômico-financeiro do país —, discute-se⁶ a possível instituição de tributo com base na decretação de calamidade pública, especificamente o empréstimo compulsório, razão pela qual surgiu a motivação para o desenvolvimento deste estudo, com base em análise dos critérios necessários para o exercício da referida competência tributária, e considerando-se o estado de calamidade pública.
Este trabalho está centrado, portanto, não apenas no cenário nacional apresentado no momento da confecção do estudo, como também no fato de que a última instituição do referido tributo ocorreu no ano de 1990⁷.
Com tais ponderações, passa-se a explorar, em primeiro momento, os critérios da instituição de empréstimo compulsório, para que se avance para as condições e os efeitos da própria decretação de calamidade pública.
2 https://covid.saude.gov.br/
3 As medidas de supressão têm como objetivo reduzir o número de reprodução (R) — média de casos secundários gerados por um infectado — em níveis abaixo de 1, ou até mesmo eliminar a transmissão entre humanos.
SCHUCHMANN, Alexandra Zanella, et al (2020) Vertical social isolation X horizontal social isolation: health and social dilemas in copping with the COVID-19 pandemic. Curitiba: Brazilian Journal Health Review v. 3, n. 2, mar/abr, 2020. p. 3561.
4 Em contrapartida, no plano de mitigação, a intenção é fazer com que a população aumente sua imunidade com a epidemia, levado a um eventual declínio no número de casos e na transmissão.
SCHUCHMANN, Alexandra Zanella, et al (2020) Vertical social isolation X horizontal social isolation: health and social dilemas in copping with the COVID-19 pandemic. Curitiba: Brazilian Journal Health Review v. 3, n. 2, mar/abr, 2020. p. 3561.
5 http://www.portaldatransparencia.gov.br/receitas?ano=2020 Acessado em 01 de maio de 2021.
6 Projeto de Lei Complementar n.º 34/2020. Ementa: Institui o empréstimo compulsório para atender às despesas urgentes causadas pela situação de calamidade pública relacionada ao coronavírus (COVID-19).
7 Medida Provisória 168/90, convertida na Lei n.º 8.024, de 12 de abril de 1990.
2. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO
2.1 NATUREZA E CLASSIFICAÇÃO TRIBUTÁRIA DO EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO
Devido à contextualização do presente estudo, antes de aprofundar a análise dos critérios condicionantes para a instituição do empréstimo compulsório (artigo 148 da Constituição Federal⁸), importa discorrer acerca da sua natureza e da classificação tributária.
A natureza jurídica do empréstimo compulsório foi dividida em três grupos, contemplando os que o entendem como verdadeiro tributo⁹, os que o consideram como uma relação contratual de empréstimo¹⁰, e, por fim, os que o consideram uma forma mista de empréstimo e imposto¹¹.
Inicialmente, descarta-se a possibilidade de considerar o empréstimo compulsório como relação contratual, tendo em vista que esse instituto é ato de vontade entre as partes, e não de cunho obrigatório — como é o caso da cobrança de valor para fins de arrecadação aos cofres públicos.
Acerca de eventual consideração da doutrina, em que a exação em questão configuraria um misto de empréstimo e imposto, o doutrinador Alcides Jorge Costa¹² discorre que o aspecto jurídico não admite um hibridismo desta ordem.
Dessa forma, adota-se a doutrina que entende o empréstimo compulsório como tributo, conforme Maria De Fátima Ribeiro¹³:
[C]om a definição de tributo apresentada pelo Código Tributário Nacional, em seu art. 3º, tem-se que: Tributo é toda prestação compulsória em moeda e cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito em lei cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Esta definição não repele o empréstimo compulsório. Mais ainda, ele se enquadra perfeitamente na definição de tributo, ou seja: a. ele também representa uma prestação pecuniária compulsória; b. não constitui sanção de ato ilícito; c. instituído por lei; d. cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Destarte, discorre-se acerca deste tributo diante da classificação das espécies tributárias. Considerando a inexistência das classificações prontas na natureza, importa traçar que estas são produzidas com base em ato intelectual do ser humano, ao passo que aquele congrega elementos semelhantes de determinados objetos, agrupando-os com o intuito de aprofundar seu estudo científico de forma organizada.
Desse modo, surgem diversas classificações dos tributos e suas espécies, considerando relevantes os diversos elementos semelhantes para a organização das inúmeras exações prescritas no direito positivo.
Dentre as melhores doutrinas, registra-se o posicionamento de Geraldo Ataliba ¹⁴, que classifica em três as espécies tributárias: impostos, taxas e contribuição de melhoria. Segundo o teórico, as demais contribuições e os empréstimos compulsórios possuem hipóteses de incidência, incluídas nas demais espécies, cujo critério diferenciador é a vinculação, ou desvinculação, do tributo a uma atividade estatal.
A mesma divisão do gênero tributo para suas espécies tributárias é realizada por Paulo De Barros Carvalho¹⁵, valendo-se da hipótese de incidência ¹⁶ e da base de cálculo como elementos para as formações dos grupos conforme a disposição do artigo 145 da Constituição.
Com tais ponderações, as classificações são ditadas em razão de sua utilidade, sendo este o ponto principal a ser adotado nesta dissertação, classificação diferente da referenciada, que segrega os elementos diferenciadores da espécie tributária autônoma dos empréstimos compulsórios.
Dessa forma, adota-se a organização