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E-book140 páginas3 horas

Garota Coca-cola

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Sobre este e-book

O cotidiano da Veneza brasileira foi frontalmente atingido pela brutalidade da Segunda Guerra Mundial e seus desdobramentos que transformaram a vida da população, provocou desavenças e alimentou histórias de amor.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento13 de jul. de 2022
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    Garota Coca-cola - Valdemir França

    1. Uma guerra que parecia distante

    O fim da década de trinta foi marcado por muitas transformações boas e ruins que impactaram vidas de milhões de pessoas no mundo.

    O Brasil enfrentou as tensões da década de 1920 e eventos que colocaram Getúlio Vargas¹ no poder. Mal superada essa fase, entrou, pelas mãos do mesmo Vargas, em uma ditadura. O poder foi centralizado ao extremo, na figura do presidente, que suprimiu direitos e cassouopositores.

    Recife, apesar da sua importância e históriade lutas contra o poder central, naquele momento, parecia mais preocupada com os preparativos para o Congresso Eucarístico², evento mundial organizado pela Igreja Católica que atraia para a cidade os olhares externos.  A verdade é que a ditadura do Estado Novo tensionava as questões políticas internas, apesar da aparente normalidade. Externamente, uma guerra de proporções mundiais estava sendo desenhada, ou seja, o futuro estava cheio de incertezas…

    Na Europa, vigorou por muito tempo a política do apaziguamento³ que fazia vista grossa para as constantes violações do Estado alemão ao Tratado de Versalhes sob o pretexto de que o regime que se consolidava na Alemanha servia como um perfeito escudo de proteção do continente àameaça vermelha", como a possibilidade de avanço do socialismo era conhecida. Se na Europa a guerra não parecia preocupar, no Brasil menos ainda, até porque Vargas, em sua fase ditatorial, era muito mais parecido com os nazifascistas⁴ que com qualquer outro líder mundial e, estrategicamente, controlava muito bem os meios de comunicação para passar a impressão de que tudo ia bem. Assim, evitava, também, toda e qualquer crítica ao seu governo.

    Recife neste contexto, não estava inerte à situação do mundo da época, mas a política estava sob o controle da mão de ferro do Estado Novo e a vida seguia pacata sem grandes novidades, exceto pelo Congresso Eucarístico que agitou a cidade exatamente no período em que o gatilho para a Segunda Grande Guerra estava para ser apertado. Na verdade, os preparativos para o evento iniciaram cerca de um ano antes e mobilizaram parte do clero arquidiocesano, administração pública e parte da população católica, chamada de leigos no meio religioso.

    Neste cenário de relativa paz social e deslumbre com o congresso eucarístico, vivia, para além da alta sociedade católica recifense, a jovem Josefa Vitalino de Souza. Entre os familiares era chamada de Jovita, numa espécie de fusão do Jo, de Josefa, com o vita, de Vitalino que, temperado pela pronúncia local se transformou em Juvita, com u. Todavia, este apelido carinhoso não parecia agradar a jovem que preferia ser tratada por Jojó: achava que soava mais moderno.

    Jojó era filha de seu João Pedro, Pedro Praça para os amigos, que fora Cabo do exército nos anos 1920 e ex-combatente do Levante de 1930, no qual, inclusive, Recife teve importância singular. Agora, Pedro Praça era segurança da fábrica de refrigerantes Fratelli Vitta⁵, localizada no Largo da Soledade, ao lado da igreja, e morava na rua Afonso Pena com a esposa e costureira, Geruza, e a filha Jojó.

    Os costumes naquela época eram muito diferentes dos de hoje: mulher não devia andar desacompanhada, estudava o mínimo para ser alfabetizada (às vezes nem isso), e priorizava, obviamente, a preparação para conseguir um bom casamento. Contudo, a jovem Jojó não parecia se preocupar com isso e não fazia questão de demonstrar: usava cabelos curtos, lia textos considerados inadequados para as moças da época e só frequentava a paróquia da Soledade, ao lado do trabalho do pai, para barganhar sua permanência nas aulas do Ginásio Pernambucano, escola que estudava.

    Das aulas no Ginásio Pernambucano, Jojó podia escapar pela rua da Aurora para passear nos bairros de Santo Antônio e nas proximidades do Porto do Recife, áreas bastanteproibidas para fluxo de meninas de família, sobretudo desacompanhadas. Mas o espírito aventureiro da jovem não era de vacilar e a vontade de ver o mar era maior que qualquer outra coisa. Contemplando suas ondas a se chocar nos corais que batizaram a cidade, se perguntava: O que será que este horizonte me reserva?, como quem tenta prever o futuro. Mas se engana quem pensa que ela esperava por um grande amor; na verdade, seus sonhos eram por uma oportunidade para viajar o mundo, conhecer gente, estudar artes… ser livre era sua prioridade. Não sabia ela o que estava para acontecer…

    Enquanto Jojó contemplava o horizonte com o coração cheio de expectativa, o mundo vivia a tensão de uma guerra que estava prestes a acontecer e que impactaria sua vida. O mais curioso é que as grandes potências da época (praticamente as mesmas de hoje) apostavam na política do apaziguamento, como quem não queriamver que o perigo que se aproximava. A escalada alemã foi, pouco a pouco, criando um clima de animosidade que levou ao conflito. Mas, por que pensar em uma possível guerra na Europa estando em Recife? Não fazia muito sentido.

    As idas à Igreja da Soledade nos finais de semana acabaram por ampliar o ciclo de amizades da moça. Foi lá que ela conheceu Abigail, uma bela jovem que estudava no internato feminino São Vicente de Paula, na rua Dom Bosco, e que, desde menina, descobriu sua vocação religiosa. Esperava ansiosa pelo momento de ingressar na Ordem das Irmãs Carmelitas.

    Bibi, como era conhecida pelos jovens, morava na rua Bispo Cardoso Ayres e por isso, frequentava a Igreja da Soledade só nos finais de semana. Além de Bibi, outra amiga também era figura cativa nas atividades religiosas da paróquia: Maria Neuza (ou simplesmente Neuzinha), que estudava no Colégio Eucarístico, instituição apenas para meninas, que ficava ao lado da sua casa. Neuzinha era romântica e vivia às voltas com a ideia de conhecer um príncipe encantado, vivia suspirando pelos rapazes do Colégio Nóbrega, que, por sorte, funcionava em frente à sua casa e escola, mas, por força da família, estava condenada a um casamento de interesses.

    Amigos homens não eram aconselhados na época, mas como as relações de amizade estavam se estruturando nas atividades da igreja, dadas as devidas proporções, havia alguma liberdade para contatos e atividades em grupo, sempre sob forte vigilância.

    Francisco (Chicão) era um desses raros contatos com meninos na época. Chicão era um rapaz respeitador, humilde e muito estudioso. Sua boa reputação contrastava com a do seu pai, o motorneiro⁶ Moacir, que tinha uma esposa lá pelas bandas de Tejipió e não dava atenção ou qualquer assistência ao filho. A mãe de Chicão, Luiza, vivia amargurada por ter se deixado seduzir por um homem casado que aparecia uma ou duas vezes por semana. O rapaz trabalhava como engraxate para ajudar a mãe, era bolsista no Colégio Salesiano, sonhava em estudar na Faculdade de Direito do Recife e era apaixonado por Jojó que, não o correspondia.

    Os meses de 1939 passaram voando e em setembro ocorreu o Congresso Eucarístico, entre os dias 03 e 07. Contudo, ainda na sexta-feira, 1º de setembro, a história registrou a invasão da Polônia, marco inicial da Segunda Guerra Mundial.

    Enquanto a população acompanhava curiosa o grande número de religiosos agrupados na Praça Treze de Maio, local adaptado para receber o Congresso, os jornais

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