O Homem que venceu Getúlio Vargas: Uma batalha política, um acerto de contas
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Sobre este e-book
Paulo Sergio Valle
é um dos nomes mais importantes da MPB. Nas últimas décadas, compôs para os principais intérpretes brasileiros. É autor de centenas de músicas e dezenas de sucessos inesquecíveis cantadas por nomes como: Roberto Carlos, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Herbert Viana, Marcos Valle, Ivete Sangalo, Alcione, Chitãozinho e Xororó, Zezé de Camargo e Luciano, José Augusto entre outros. Atualmente é presidente da UBC - União Brasileira de Compositores. Este é o seu sétimo livro publicado.
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O Homem que venceu Getúlio Vargas - Paulo Sergio Valle
Copyright desta edição © 2011 by Paulo Sergio Valle
Direitos em Língua Portuguesa reservados a Litteris Editora.
ISBN - 978-85-374-0252-8 (2019)
ISBN 978-85-374-0169-9 (versão impressa)
Conversão: Cevolela Editions
Capa: Ivan Eric Szulc
440Litteris Editora Ltda.
Av. Marechal Floriano, 143 - Sl. 805 - Centro | 20080-005 Rio de Janeiro - RJ
tel (21) 2223-0030; (21) 2263-3141
litteris@litteris.com.br
www.litteris.com.br
Sumário
Capa
Prefácio
Apresentação
Capítulo 1: As Águas
Capítulo 2: Getúlio Vargas - São Borja
Capítulo 3: Mil Novecentos e Quatro, Estado do Pará
Capítulo 4: Distrito Federal, 1904
Capítulo 5: Rio Grande do Sul - Getúlio Vargas
Capítulo 6: Pará - Eurico de Freitas Valle
Capítulo 7: Rio Grande do Sul, 1909-1917
Capítulo 8: Belém do Pará, 1914-1919-1921
Capítulo 9: Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, 1914-1923
Capítulo 10: O Governo de Artur Bernardes, Os Deputados Eurico de Freitas Valle e Getúlio Vargas
Capítulo 11: Rio de Janeiro, Capital da República
Capítulo 12: Rio Grande do Sul
Capítulo 13: As Candidaturas, O Governador Getúlio Vargas e o Senador Eurico Valle
Capítulo 14: Washington Luís, O Último Presidente da República Velha
Capítulo 15: Pará, 1928-1929
Capítulo 16: A Aliança Liberal - 1929, O Sul e o Norte
Capítulo 17: As Eleições, Março de 1930
Capítulo 18: Pará- O governo de Eurico Valle, 1929 e primeiros meses de 1930
Capítulo 19: A revolução - O fim da República Velha, 1930
Capítulo 20: A revolução no Pará, Antecedentes e desfecho
Capítulo 21: Epílogo
Posfácio: uma questão de fidelidade
Posfácio II
Referências Bibliográficas
Anexo
Sobre o autor
Prefácio
Há uma grande diferença entre a pretensão ideológica de reescrever a história de um país e o sincero desejo de aprofundar a sua reflexão ainda que se opondo, muitas vezes, às teses do caminho trilhado com competência por grandes nomes das letras acadêmicas e artistas em geral. O livro que ora temos nas mãos participa desta última opção, e a escolha do momento histórico para a narrativa destas memórias não poderia ter sido melhor.
Durante a leitura, somos invadidos pela certeza de que a Revolução de 30 foi o maior de todos os movimentos insurrecionais do Brasil, e que o fim da República Velha significou o sepultamento da nossa Belle Époque. Para alguns, foi simplesmente a derrota das antigas oligarquias regionais e a incorporação de uma maneira nova de se fazer política. Para outros, o que ocorreu foi infelizmente o termo final da política com charme e aristocracia que o próprio triunfo republicano sobre a monarquia não lograra destruir.
Aqui parece residir um dos pontos centrais do relato memorialista, o qual cria uma atmosfera saudosista de pátria perdida para os amantes daqueles tempos, que assim podem saborear um raro momento de retorno do exílio em que nos encontramos nos tempos atuais, quando a política assume ares de haver descido ao mais profundo nível de baixeza e mediocridade dos que nela militam.
O livro tem o seu herói. É triunfo contra triunfo. Uma revolução vitoriosa e o encrave paraense que urge ser apagado da história, com seu incômodo governador que, mantendo o brio de outrora, poderia encarnar o personagem alegórico de uma fábula em verso ou em prosa atentatória contra o moderno regime e, quem sabe, interpor-se entre a liderança vitoriosa de Vargas e suas ambições, ao expor as ambiguidades do getulismo que se preparava para nascer.
A virtude maior do autor desta obra repousa na criação de uma arquitetura sobre dois sistemas que se excluem e se confundem com paixão, pois o movimento revolucionário fora antes gerado e depois protagonizado pelos atores do situacionismo. A questão fundamental do Pará de Eurico de Freitas Valle, no confronto, teimava em ser um recorte regional remanescente de um Brasil já pertencente no seu todo à nova liderança. Poder-se-ia também fazer de espelho com a imagem refletida pelos elementos do passado, embaraçando, se assim pudéssemos dizer com algum exagero, o esplendor da Revolução que ali estava para quebrar o estado de letargia da política brasileira.
É aqui que começa a se desvanecer a visão abreviada que temos em geral do velho sistema republicano adaptado e aromatizado ao gosto de um café com leite simplificado. Nem tudo era idêntico e homogêneo na aparente República senil que encontrou seu óbito no movimento revolucionário.
A Revolução de 1930 foi um fato amplamente triunfante, de ponta a ponta no território brasileiro. Mas o escritor demonstra que, em uma única província, o movimento perdeu, havendo raros registros desse rico episódio, dado o pouco peso político do Pará em nossa Federação de estados, apesar de seu extenso território.
O livro poderia ser classificado de diversas maneiras, indo do chamado relato histórico até o realismo analítico de ficção especulativa de fundo verídico.
A obra atinge igualmente objetivos diferentes, e o leitor atento perceberá que, ao lado da necessidade do escritor em expressar sua prosa, caminha simultaneamente uma espécie de obrigação familiar, quase um compromisso dinástico, de trazer das sombras um episódio praticamente desconhecido da história do País, do qual foi protagonista a figura apaixonante de seu avô Eurico de Freitas Valle, vértice da estirpe da família Valle e ex-governador do Estado do Pará, conservado como orgulho ainda para as recentes gerações de trinetos e, certamente, para as ainda vindouras.
Por isso, o leitor há de ser tomado por uma sensação de retorno a um tempo perdido no passado do escritor, de requintado sabor proustiano. É que, embora Paulo Sergio Valle não possua idade para ter presenciado os fatos da narrativa memorialista, cresceu ouvindo de seu próprio pai e do avô as vivências que, com maestria, transportou para as páginas de sua criação.
Não pense o leitor, com isso, que o senso do tempo ou que o orgulho com seu antepassado constitui a ideia nuclear da narrativa ou o motivo central da obra. Antes de tentarmos descobrir a riqueza de um mundo realista que subjaz à narração, há literatura de primeira grandeza, que vale pela qualidade intrínseca do texto e torna o leitor cativo da trama narrada desde as primeiras linhas. Ao final da leitura, ele irá se perguntar até que ponto conhece verdadeiramente a história do Brasil, e se é possível que o ambiente político tenha produzido efetivamente alguém com o brio do personagem principal, principalmente se confrontado com o ambiente tragicômico, caricatural, patético e de péssimo gosto no qual está inserida a nossa política atual.
Como toda legenda, Eurico de Freitas Valle tem sua parte de lugar-comum e sua porção de verdade singular. Resgatado do ostracismo republicano e transbordado do seio da recordação familiar para o público atual, a agitação íntima desde os tempos da infância até a refinada evolução do personagem ofende o espírito vulgar graças à descrição com que manobra o texto superposto à psicologia moral do escritor, entregue à sua paixão e ao que poderia ser ou ter sido sua própria vocação. Tudo muito sutil, mas de meditada orquestração sobre os diversos planos: político, histórico, mítico, íntimo, familiar, mas, sobretudo, humanista.
Diria que é um livro para se reler, como exigia arrogantemente Thomas Mann acerca da sua obra A montanha mágica.
Anco Márcio Valle, membro do Ministério Publico do
Estado do Rio de Janeiro e Professor de Direito Comercial da
Fundação Escola do Ministério Publico.
Apresentação
Julho de 1950.
Fazia muito frio em Cachoeiras de Macacu, onde meu avô e eu esperávamos a troca de locomotivas que nos levaria serra acima até Nova Friburgo. No pátio de manobras, a máquina de planície era desengatada dos vagões enquanto a cremalheira era aguardada de Santa Maria Madalena. Era a primeira vez que eu viajava só com meu avô, já que meus pais tinham ficado no Rio de Janeiro e minha avó Carlota permanecera em Friburgo, onde, por recomendação médica, deveria ficar o ano todo para refazer-se de uma fraqueza pulmonar.
Como eu já tinha quase dez anos e, segundo dizem, sabia me comportar, meus pais consentiram que eu passasse as férias de julho na casa da serra de meus avós paternos.
Eu estava orgulhoso por vestir um guarda-pó, como todos os homens, para proteger a roupa das fagulhas que a locomotiva lançava pela chaminé, e que frequentemente entravam pelas janelas dos vagões. Meu avô havia comprado a peça e me dado de presente ainda em sua casa na Tijuca, onde começara nossa aventura, com recomendação de que só a vestisse na Estação da Leopoldina. Ansioso, tão logo chegamos à estação ferroviária, vesti o guarda-pó.
Agora, dentro do vagão parado em Macacu, eu contemplava as mangas que sobravam em meus braços e me sentia um adulto, como todos os viajantes do comboio.
Súbito, entrou no vagão um inspetor da ferroviária, com seu terno preto e um relógio de bolso nas mãos, e nos avisou que haveria uma demora de aproximadamente uma hora para reiniciar a viagem, devido ao atraso da cremalheira. Autorizou-nos a sair do vagão com a recomendação de que ficássemos atentos ao seu apito e ao silvar da locomotiva.
Meu avô perguntou se eu estava com fome e, ante meu assentimento, convidou-me a comer no bar da estação. Colocou um gorro na minha cabeça e puxou-o até as orelhas. Em seguida, cobriu sua calva com um chapéu de feltro cinza, e descemos do trem.
O pequeno bar tinha uma varanda de madeira sobre pilotis fincados na margem de um riacho. O ruído das águas parecia aumentar a sensação de frio. Meu avô pediu um conhaque e um sanduíche de queijo, e eu comi um de mortadela, acompanhado de um açucarado guaraná de Nova Friburgo.
Ao terminarmos, ele acendeu um charuto e pôs-se a contemplar o rio. Entardecia, e seu rosto demonstrou alguma preocupação: espero que a locomotiva não demore, pois sua avó Lolota (era assim que a chamávamos) nos aguarda para jantar
.
Eu era ainda muito jovem para perceber que meu avô estava com saudade de sua mulher, e ansioso para vê-la recuperada da doença que a ameaçava. Só muito mais tarde vim a compreender o amor profundo que ligava aquelas duas pessoas, e os enormes sacrifícios que fizeram um pelo outro.
De repente, ele deu uma baforada e me disse:
— Ouvi um apito, você ouviu?
Ante minha negativa, ele continuou:
— Era sempre assim em Bragança, eu era o primeiro a ouvir o apito do trem.
— Bragança, meu avô? — perguntei-lhe.
— Bragança, no Pará. Um dia lhe conto — respondeu, apurando os ouvidos.
Permanecemos em silêncio, quebrado por minha exaltação:
— Ouvi, é o trem chegando. Muitos apitos e o sino também.
O chefe da estação nos chamava. Pouco depois, recomeçava a nossa viagem. A locomotiva subia lentamente e o balanço do vagão me fez pegar no sono. Acordei com os apitos que anunciavam nossa chegada a Friburgo.
Esperava-nos na plataforma da gare o Doutor Silvio Braune, famoso médico da cidade e grande amigo do meu avô. O Doutor Silvio pertencia a uma família de sanitaristas e farmacêuticos, da qual fazia parte, dentre seus membros mais notáveis, o Doutor Alberto Braune, chefe da junta governativa que se instalou no poder municipal na Revolução de 1930, a mesma revolução que havia deposto meu avô do governo do Pará. Após um forte abraço, o médico disse para meu avô:
— Dona Lolota está muito bem, Doutor Eurico.
Ao que meu avô respondeu desanuviado:
— Folgo em sabê-lo, Doutor Silvio.
Os dois amigos sempre se trataram assim, por doutor
e senhor
, apesar dos laços de amizade que os uniam.
Em seguida, o Doutor Silvio nos levou em seu potente Nash
para a casa dos meus avós, e jantou conosco. Terminada a refeição, os dois homens sentaram-se no jardim de inverno, com meu avô acendendo um charuto enquanto o médico fumava um cigarro com sua indefectível piteira. Dona Lolota, após servir os licores, retirou-se para a copa, onde foi rezar o terço com suas duas empregadas.
A cena se repetiria muitas vezes, quando meu avô estava em Friburgo, e jamais saiu da minha memória.
Naquela noite, antes de subir para meu quarto, ouvi o Doutor Silvio perguntar ao meu avô: então, Doutor Eurico, o senhor foi sempre procurado pelos emissários do Pará?
— Há três dias — respondeu meu avô.
— E o que decidiu?
— Já está decidido. Prometi a Lolota. Não volto — concluiu meu avô.
Não sei por quê, mas aquela conversa, à época tão enigmática para um jovem como eu, ficou em minha lembrança.
Comecei a me interessar pela vida política do meu avô a partir daqueles colóquios que ele mantinha com o Doutor Braune todas as tardes. Eu ficava de oitiva, na sala contígua, atento às histórias que contavam.
A impressão que tenho é de que quase tudo que aprendi sobre