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Minha Rosa Vermelha
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E-book312 páginas4 horas

Minha Rosa Vermelha

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Sobre este e-book

Aos 16 anos Karen é submetida a enfrentar seus traumas, e esquecer o quanto foi manipulada, mesmo que isso venha rasgar as cicatrizes da sua alma. Quando criança perdera seu pai; seu irmão mais novo Irwin está desaparecido, e sua mãe é uma cantora de R&B viciada e psicótica. Além de não saber escolher boas amizades, Karen teve uma relação amorosa que comprometeu seu destino. Será tarde de mais para amar? Sua mente doente será curada? Será capaz de matar para ter sua felicidade? Seremos surpreendidos com a maldade e a bondade demasiada da mente humana.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de mai. de 2020
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    Pré-visualização do livro

    Minha Rosa Vermelha - Thalles Emanuel

    Prelúdio

    A palavra ‘todos’ tem a habilidade de preencher. Poderia colocar apenas ‘seus amigos’, mas ‘todos os seus amigos’ te coloca em um estádio abarrotado de amigos.

    Essa palavra pode ser tão ilusória quanto a promessa de políticos sedentos por seus desprezíveis votos. Se eu disser: Aqui estão todos que te ama independente da sua conta bancária ou sua fama, creio que não serão muitos como a palavra todos fez você imaginar.

    Palavras agregam poderes. Palavras adequadas e proclamadas de forma astuta, pode até conceder um trono a mentirosos. Quantas coisas maravilhosas o ser humano conquista com as palavras! A atenção de uma mulher, bons sentimentos quando lemos um poema, uma aprovação de emprego dizendo as palavras que deveriam ser ditas, uma prece vergonhosa que sai espontaneamente para seu Deus. Temos infinitas possibilidades.

    Infelizmente estamos condenados com uma demasiada frota de palavras falsas, palavras que unidas se tornam frases que apodrece, diminui, controla, envergonha e mata.

    Fique atento, pois você cai a todo instante no malabarismo das falsas palavras.

    Capítulo 1:

    EPITÁFIO

    Emon foi assassinado. Todos que guardavam algum sentimento considerável por ele velavam seu corpo no cemitério da cidade. Aquele campo repleto de lápides foi acalentado por uma sinfonia iniciada com notas de consolação, aos poucos foram engolidas por uma melodia sádica e fria, era a sinfonia da chuva. As gotas eram evolutivas, ficando mais densas a cada minuto, encharcando com desdém todos que ali estavam: a viúva, um senhor gordo e uma jovem.

    Anne sempre fora uma mulher perfeita em todos os sentidos. Fiel, prestativa e de enorme beleza. Estava com a cor do luto. O vestido longo parecia modelar sua exuberante silhueta, exaltando todas as perfeições do seu corpo atraente. Nas mãos um lenço branco que usara para enxugar as lágrimas, mas com a chuva já não era mais preciso. Seu cabelo estava preso em coque até o vento desfazer o penteado sorrateiramente, o loiro parecia dourado, cintilava com a luz do dia enquanto caía nos ombros. Uma mecha debruçou sobre seus olhos. As pálpebras estavam vermelhas devido a surra de lágrimas que a feriu sem misericórdia. Mesmo com a mágoa da morte do marido, a dádiva do seu rosto esbelto não desfalecera, com um sutil passar de dedos retirou a mecha do rosto, olhou para o céu suspirando fundo.

    O corpo do seu marido fora encontrado em um hotel. O rosto havia sido retalhado por supostos cacos de vidro. Estava desfigurado, por isso mantiveram o caixão fechado.

    Gary estava ao lado da viúva. Um senhor de sessenta e cinco anos, de barba branca. Sempre usava sua boina azul desbotado para esconder seus últimos fios de cabelo. Era baixo, sempre que usava seu macacão sujo de graxa, salientava ainda mais sua barriga provida de tamanho. Casado há 45 anos com Madalene. Não tinham filhos, pois sua esposa era estéril.

    Anne é a representação da filha que nunca tiveram. Madalene era supersticiosa, não se sentia confortável em velórios, por isso não foi consolar sua vizinha.

    Anne não conheceu seu pai. Ele a abandonou quando ainda estava no ventre de sua mãe. Ao se casar com Emon e mudar para aquela rua arborizada, conheceu Gary e Madalene. Não era difícil ver Gary como um pai.

    A sinfonia da chuva conseguia silenciar os demais sons com suas gotas agudas, mas a última pessoa que velava o corpo de Emon conseguia abafar os sons da chuva com o seu pranto.

    Entre o verde presente nas árvores, na grama e o cinzento das lapides, Karen era a rosa vermelha. Estava aquecida por um casaco de moletom azul-escuro, que era dois números acima do recomendado para ela. As mangas eram tão compridas que cobriam as luvas vestidas em suas mãos, porém dava para notar que eram de cor próxima a do casaco. Os longos cabelos cor de sangue triunfavam com charme, Anne e Gary sempre davam uma olhadela cautelosa para o cabelo da menina.

    Karen demonstrava em excesso ser a pessoa que mais sofria com a morte de Emon. Talvez por estar na adolescência e suas emoções aflorando, entrando em erupção. Emitia um soluço que alcançava frequências que superavam o som da chuva. Seu rosto infantil estava sujo com a tinta do delineador desfalecida pelas maçãs do rosto. Usava uma maquiagem forte, isso prendia a atenção das pessoas com facilidade. Releu o epitáfio na lápide de Emon, Me importo com todos que admiro – Emon H. Bird.

    Puxou a calça Jeans para cima por impulso. Olhou o cenário, as árvores que cercavam o cemitério, a chuva cessando. Aquilo a acalmou, aos poucos recuperou o fôlego.

    Karen não foi uma aluna qualquer para Emon. Ela demonstrava dificuldade na matéria que ele lecionava—Literatura —, devido a isso, os dois ficavam depois do horário tendo aulas de reforço. Criaram um vínculo forte de amizade. Karen até superou a dificuldade e tirou uma boa nota na última avaliação. Não foi uma aluna qualquer para Emon, além de aluna, também era sua amante.

    Capítulo 2:

    A CARONA

    A chuva cessou junto com as lágrimas de Anne. Gary havia indo embora, deixando apenas Anne e Karen sozinhas com o túmulo de Emon. A viúva enxugou as lágrimas usando seu lenço de pano. Por fim se aproximou da jovem ruiva.

    — Você é a Karen? — sua voz saiu baixa e rouca.

    — Aham — afirmou limpando as lágrimas acomodadas perto do nariz com a manga do seu casaco, evitando delicadamente manchá-lo com a tinta do delineador.

    Anne chegou ainda mais perto de Karen, levantou a mão que segurava o lenço de pano, o passando com carinho em baixo dos olhos da garota, tirando o excesso de tinta. Karen ficou imóvel e enrubescida.

    — Pronto! — olhou para Karen com metade de um sorriso. — Já estou indo. Se quiser posso te levar em casa.

    — Ah… Obrigada. — disse envergonhada, desviando os olhos da viúva; retribuiu com outro meio sorriso.

    Caminharam até um New Beetle amarelo. Não pronunciaram nenhuma palavra, a ausência das vozes ecoava pelo cemitério. Karen sempre de cabeça baixa olhando para sua luva, brincando com os pelos que soltava. Anne mexeu em sua bolsa procurando a chave do carro, seu braço ainda estava trêmulo, deixou a chave titubear e cair no chão. Anne estava ofegante, aparentemente tonta. Karen agachou e pegou a chave.

    — Você está bem? — perguntou desviando os olhos dos da Anne enquanto entregava a chave.

    — Um pouco nervosa só isso — abriu a porta do carro fazendo sinal para a menina entrar.

    Ao entrarem no carro sentiram de imediato uma temperatura aquecida, mas Anne abaixou os vidros para permitir a circulação do ar fresco vindo de fora.

    Saíram do cemitério. Anne pegou a estrada principal, para ir ao centro da cidade. Karen alimentava o silêncio cada vez mais, porém foi carinhosamente perturbado por uma trivialidade vinda de Anne.

    — O que você quer fazer da vida? — deu um pequeno sorriso olhando para a menina, voltando rapidamente sua atenção para o trânsito.

    Pela primeira vez Karen conseguiu olhar para os olhos de Anne, um castanho brilhante e envolvente. Como estava prestando atenção no trânsito Karen não teve vergonha de continuar encarando os olhos da viúva. Não sei o que quero ser. Vou falar qualquer coisa.

    — Quero ser cantora. — disse com frieza, sem esperança.

    — Óh — por um curto instante Anne retirou os olhos do trânsito olhando rapidamente para Karen. — Você tem cara de quem canta bem!

    Apreciava a melancolia da paisagem que cercava a estrada, não dando atenção para a conversa forçada de Anne. Passaram por uma capela abandonada cercada por enormes eucaliptos. Karen se surpreendeu ao ver um homem naquela capela. Poderia ser fruto de sua imaginação, um simples devaneio talvez. Passado certo tempo, Karen associou o silêncio seco a um comentário esquecido.

    — Desculpa — olhou para Anne desapontada com sua falta de atenção. — Disse alguma coisa?

    — Nada de mais. — manteve um sorriso tristonho. Karen se mexeu no banco e deu um risinho abafado.

    O silêncio voltou por alguns minutos, sendo interrompido pela voz rouca de Anne.

    — Já estamos chegando ao centro, onde você mora? — olhou de relance para Karen.

    — Pode me deixar na livraria central, é perto de casa. — mexeu com os dedos e os pés, explicitando um sinal de ansiedade.

    Anne parou no sinal em frente à livraria.

    — Quer ficar aqui Karen? — sua voz saiu em um agudo inseguro.

    — Aham, aqui está ótimo.

    Imaginar que estava prestes a sair da presença de Anne aliviava, principalmente que esse era o momento de sair. O que essa mulher poderia pensar de mim chorando tanto no enterro de seu marido?. Puxou a maçaneta. Toda sua expectativa de sair daquele carro morreu quando a porta não abriu e o carro seguiu no sinal que acabara de abrir. Karen arregalou os olhos, estava pálida e atormentada, sua feição era de espanto. Os olhos se encheram de lágrimas. Disse desafinada:

    — O que está acontecendo? — olhou para Anne com profundo tormento.

    — Calma Karen! — disse surpresa, usando um tom seguro e limpo de mezzo soprano. — O sinal abriu, os motoristas já estão buzinando. — observou um carro que se aproximava para passá-la. — Vou só entrar nessa rua à direita e paro lá. — Pegou uns óculos de sol que estavam encaixados na alavanca de passar marcha e os colocou ajeitando com uma das mãos.

    — Tá — sua voz saiu serena enquanto se ajeitava no banco, convivendo com sua vergonha momentânea.

    Anne fez os movimentos ditados. Entrou em uma rua estreita logo após o sinal da livraria. O homem que tentava ultrapassá-la a encarou carrancudo, desprovido de conhecimento e educação, passou pela viúva praguejando algo. Sua face transmitia a mais torpe ignorância.

    O som um tanto familiar tranquilizou Karen, o estalar de botões que destrancava as portas do carro. Andou nesse carro com Emon inúmeras vezes. Puxou a maçaneta com a fiel certeza de que: Desta vez vai abrir. Pensei que essa mulher fosse tirar satisfação comigo, menos mal assim. Mesmo com esta certeza um fragmento de medo soprou em sua espinha.

    — Obrigado Anne! – Colocou uma das pernas do lado de fora. Karen teve certa dificuldade ao colocar a perna esquerda , pois sentira uma pequena dormência devido à má circulação, ocasionada por um posicionamento errôneo da perna durante toda a carona. Fechou a porta. — Meus sentimentos.

    Anne fez uma pequena reverencia abaixando lentamente a cabeça. Fitou Karen por alguns segundos. Por que ela está me encarando? Não consigo ver os olhos dela por causa dos óculos, isso é assustador.

    —Obrigada Karen. Até mais. — disse com desprezo dando uma arrancada brusca no carro.

    Anne seguiu com seu carro encarando o trânsito desagradável. Karen caminhou pela calçada retirando o casaco — que não possuía um fecho, tendo que passar por cima da cabeça —, não se preocupou com a probabilidade da sua camisa de banda levantar e explicitar seu abdômen alvo junto com o início dos seus seios abraçados pelo sutiã. Ajeitou a camisa e amarrou o casaco na cintura, também retirou as luvas e as enfiou com dificuldade no bolso do casaco. Contornou a esquina e entrou na livraria passando pela amigável porta que ostentava um adesivo de um livro lendo outro livro, enquanto olhava para os cortes presentes na palma da sua mão esquerda.

    Capítulo 3:

    CONHECENDO ALGUÉM

    Somente as pessoas providas de encanto literal comprometem-se a visitar livrarias e bibliotecas em busca de uma nova aventura ou uma nova ciência.

    Ali estava August. Habitava em uma zona nomeada tédio, a mansidão exalava seu odor anestésico. Aguardava um cliente entrar pela porta da livraria. Se olharmos pela primeira vez julgaríamos como um jovem comum de 19 anos com sonhos e metas previsíveis. Responsável por curtos fios de cabelo tão negros como a escuridão, chamativos olhos verde-escuro escondidos por óculos arredondados de lentes finas, e uma pele ausente de bronze. Estava de camisa social azul, com calça social preta, acompanhada por um par de sapatos Suede, marrons e gastos, mas queridos. Não se vestia como as pessoas de sua idade que eram vassalos da moda, se vestia de forma peculiar, como alguém mais velho.

    August deixou de olhar para estante com livros de fantasia ao ouvir o tilintar de um pequeno sino atado à porta, olhando imediatamente para a entrada. Seus olhos buscaram foco ao se deparar com a imagem de Karen curiosa.

    Que cor de cabelo mais incomum. Mas até que achei interessante…, continuou encarando a menina, alerta a qualquer olhar dela vindo em sua direção, para rapidamente fingir que não estava admirando-a. Aquelas estantes com seus determinados gêneros chamavam por Karen, permitindo com que ela perdesse um tempo apreciando cada uma. Enfim se aproximou do balcão onde August estava.

    — Bom dia! — concedeu um sorriso atraente.

    — Bom… bom dia! — respondeu August com um riso tímido.

    — Você tem esse livro? — Entregou um papel rasgado para August. Ele ajeitou os óculos com a mão esquerda enquanto segurava o papel com a direita.

    Dez histórias para saber. É… — fez algum esforço para lembrar — Temos sim — disse com orgulho. Colocou o papel no balcão de marfim com formalidade, caminhou com postura pela livraria.

    Esse garoto está bem-arrumado. Se não fosse o rosto sem barba, daria uns 25 anos para ele, parece bem maduro, pensou Karen.

    August pegou um livro na sessão infantil. Observou com cautela Karen o seguindo.

    Até essa maquiagem pouco borrada dá um toque sensual nessa garota, pensou rindo.

    — Aqui — entregou para Karen um livro de bolso com 60 páginas. A arte da capa retratava animais, crianças e criaturas mitológicas. — Este é um bom livro para ler pro irmão mais novo — sorriu satisfeito pela dica que dera.

    — Verdade — disse com o pensamento distante. Se meu irmão estivesse comigo faria isso seu nerd.

    — Faz um preço especial para mim? — encantou August com uma expressão de criança pedindo algo desejoso ao pai.

    — Claro senhorita! — Nunca perdi tanto tempo olhando para os olhos de alguém como o par de olhos negros desta menina. — Estamos vendendo por $9,00 dólares, faço por $7,00 para você. — Sr. Harrison vai acabar comigo quando souber. Mas… Não sei por que essa menina me hipnotiza.

    — Você é muito gentil! — deixou um sorriso aberto. Encarou August de um jeito que ele viu o brilho dos olhos da jovem, não se lembrou de ninguém olhando para ele com essa intensidade antes. Lembrou-se das sereias dos contos de fadas que seduziam os homens com apenas um olhar. Pegou uma nota embolada do bolso tentando desamassar um pouco e entregou à August, que revelou um sorriso, contou o troco e entregou a Karen.

    — Você é novo aqui, não é? Nunca o vi, menino que não tem nome. — Com uma partícula de charme e ironia Karen olhou de cabeça baixa, deixando visível seus grandes cílios enquanto guardava o troco, estava com um diminuto ar de vergonha.

    — Ah… Senhorita que também não sei o nome, sou novo aqui, estou aqui há uma semana — concedeu um riso travesso — Eu tenho nome sim, sou August Jones — estendeu a mão. Estou agindo por instinto, não consigo retirar os olhos desta face perfeita. Karen deu um riso espontâneo jogando a cabeça para trás.

    — Você também não perguntou o meu Sr. Jones. — disse forçando sua voz para um tom mais grave, fazendo bico numa tentativa de imitar a voz de um homem.

    — Me chamo Karen — Mudou insolitamente para seu tom feminino. Gostei de você August. Não é daqueles bobões que já chegam dando beijinho no rosto. Acho que nem poderia também, seria assédio ao cliente.

    — Está gostando de trabalhar aqui? — Gatinho.

    — Sim, ainda estou me acostumando. Tem gente que chega pedindo livro que nunca ouvi falar — deu um sorriso que foi retribuído por uma gargalhadinha de Karen. —, aí me atrapalho um pouco. Espero ser mais ágil um dia.

    — Claro que será! Você parece ser bem inteligente.

    — Obrigado — riu sem graça.

    — Queria muito um emprego também, para sair de casa, minha mãe é um saco — disse empolgada.

    — Por isso fui atrás de um trabalho, para ter condições de alugar um quarto, não aguentava mais ficar na mesma casa que os meus pais, somos mentes dissemelhantes.

    — Temos algo em comum então August — sorriu olhando para o chão. — Se eu soubesse que precisavam de um balconista aqui, chegaria na sua frente e roubaria sua vaga.

    — Nossa! Seria capaz de tamanha atrocidade?

    — Atrocidade? — perguntou depois de deixar escapar um riso desafinado.

    — Ah… Crueldade. — Nossa! Por que ela não fez aquela cara de ignorância que todos fazem quando não entendem algo e tenta fingir que entendeu? Ela perguntou! Que menina perfeita! Seria mais perfeita se soubesse o significado de atrocidade.

    — Claro que não seria capaz, você tem cara de bonzinho, ficaria com remorso depois. — "Ele parece ser bem culto, é tão sexy essas palavras diferentes".

    — Então quer dizer que tenho cara de bobo? — disse sério. Bonzinho? Não tinha adjetivo melhor?.

    — NÃO! — disse rápido em um tom agudo, gesticulando negação com as mãos — Não te chamei de bobo, te chamei de bonzinho, foi uma maneira fofa que achei para te elogiar! — explicou envergonhada.

    — Ah sim, entendi errado — riu corado desviando o olhar para a estante de fantasia.

    Karen vibrou com um riso. Ao olhar para o livro que havia comprado, assumiu repentinamente uma feição melancólica, como se tivesse lembrado algo que a entristeceu.

    — August — olhou para o rapaz pegando o livro e se virando para ir embora. — Tenho que ir. Obrigada pelo desconto. Foi um prazer conhecer você! Tchau — acenou com a mão esquerda segurando o livro com a direita.

    — Até mais! Queria te conhecer melhor, com todo o respeito. — Parecia estar chateada, será que falei algo que a ofendeu?.

    Karen deu um sorriso olhando para o chão fechou a porta, saiu fingindo não ouvir o último comentário de August. Também quero conhecer você melhor August. Só acho que você vai me odiar quando me conhecer melhor.

    Capítulo 4:

    LEMBRANÇAS LANCINANTES

    Karen estava em frente ao edifício Victor Frank. Morava em um bairro de classe média repleto artistas, idosos, aposentados e qualquer um que pretendesse residir em lugar manso e sossegado. Pegou a chave refugiada no bolso do seu casaco, que estava amarrado na cintura. Merda, só falta ter perdido a chave na hora de tirar o casaco. Em um suspiro de alívio, encontrou a chave embrulhada nas luvas.

    Abriu o portão de ferro que rangeu como uma alma atormentada. Não dou mais uma hora para voltar a chover. Pode até cair o céu que já estou em casa, pensou olhando para um grupo de nuvens quase negras, enquanto passava direto pelo jardim do prédio, sem olhar se quer para uma flor.

    Passou pela recepção, as paredes vestidas com quadros surreais. O piso calçado com um sofá marrom em que estava sentado o porteiro. Senhor… Qual o nome desse velho mesmo? Enfim, não faz diferença. Passou ignorando o senhor Stuh, que disse um Olá garota praticamente assoprando com sua voz rouca. O elevador já estava no térreo, ela entrou, apertou o número quatro sem olhar. Quando a porta se fechou, Karen encarou sua própria face no enorme espelho que ali estava. Fitava seus olhos sem brilho, sem esperança, reparava a tinta do delineador sutilmente borrada pela chuva que pegara no cemitério, lembrou-se de August. Nossa, conversei com aquele gatinho… Gatinho? Não, ele não é gatinho. Conversei com o August com essa cara manchada. Que mico. Por isso ele ficou rindo quando foi pegar o livro. Que ótimo!.

    O corredor do quarto andar estava escuro, ao caminhar por ele o sensor de presença o acendia as luzes.

    No apartamento 403 mora uma senhora com seus 96 anos de sabedoria e simpatia. Sempre confundia o nome da Karen, já chamou de Sunne — que mora no 402 —, de Katy, Kimberly, Ashley — deve ser o nome de suas netas, ou Deus sabe de quem.

    No 401 mora um jovem baladeiro, Anthony. Seus pais lhe deram esse apartamento quando completou 21 anos. Sua casa é mais um motel do que um lar. Karen já viu Anthony com mais de dez meninas diferentes. Um dia estava de amasso com uma loira de corpo malhado e modelado. Dois dias depois, quando Karen voltava da escola, passou por ele de mãos dadas com uma adolescente, ela devia ter no máximo 14 anos. Depois desse dia, encontrou com eles mais duas vezes. Uma semana depois já estava conversando com uma morena de cabelo alisado. Ficou alguns dias com aquela criança lá até conseguir o que queria. Idiota.

    O apartamento 400 estava vazio, morava uma família asiática, mas deixaram o apartamento há um mês.

    Enfim no 404, seu tão adorável apartamento. Olhou para a porta contemplando o número 404 de ferro temperado, sustentado por minúsculos parafusos que sempre intrigavam Karen. Esses números gigantes são meus problemas, e eu os parafusos. Melhor… A porta é meus problemas. Pegou a chave e destrancou a porta, Karen entrou em seu apartamento que jazia sem luz, fechou a porta com cuidado. Passou por sua sala escura — pois a cortina guardava a luz do dia —, ornamentada com móveis rústicos banhados de verniz envelhecido e acetinado. Um luxuoso tapete oriental repousava no chão. Atravessando o corredor estreito que levava para os quartos, seguiu até o último, o da sua mãe.

    A porta estava entreaberta. Karen terminou de abrir lentamente. Observou o quarto familiar. Uma velha cama de casal, um criado-mudo e seu cinzeiro de porcelana guardando várias pontas de cigarro em um mar de cinzas que empesteava o quarto com o cheiro de fumo. Esse era o aroma

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