Libélulas Negras
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Libélulas Negras - Gesiel Monteiro 1
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Libélulas negras
Gesiel Monteiro 1
GESIEL MONTEIRO 1
LIBÉLULAS NEGRAS
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Libélulas negras
Gesiel Monteiro 1
A saga de gêmeos idênticos, que foram deixados na rua ainda bebês. Cada um em frente a uma casa, cada um em uma favela, cada um com sua dor. Eles nunca se conheceriam, mas suas vidas se cruzariam na pessoa
marcante, generosa, forte, sofredora e linda de Joana e,
nas libélulas (que pareciam todas negras) que sobrevoavam as poças d’água deixadas pela chuva e os esgotos podres da favela. Fariam de suas e das vidas de
todos ao seu redor, um céu e um inferno. Irmãos de sangue, de raça, favela e de dor. Tudo poderia ter sido diferente não fosse a paixão por libélulas negras.
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Libélulas negras
Gesiel Monteiro 1
Libélulas Negras
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Libélulas negras
Gesiel Monteiro 1
Só se for agora
A vida é um sopro, Só um sopro é a vida Uma margarida tão linda
Encantada no chão
Se queres um bem, ou fazê-lo a alguém Um segundo é o que tens
Tão somente um segundo
Do tamanho do mundo é o amor
Não pare, não pense meu bem,
O amor é veludo, mas o tempo é marrudo Não espera ninguém
Se queres um bem, ou fazê-lo a alguém É agora, é agora, só se for agora Nem um segundo antes
Nem um segundo depois
(GESIEL MONTEIRO 1)
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Libélulas negras
Gesiel Monteiro 1
LIBÉLULAS
NEGRAS
São Paulo
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Libélulas negras
Gesiel Monteiro 1
- Socorro! Meu carro! Ladrão, pega ladrão! Filho da puta, desgraçado! Não pode ser. Ainda nem acabei de pagar. Filho da puta, desgraçado!
George, um negão de um metro e oitenta, corpo malhado, cabelo reco, roupas modestas porém de marca, corrente de prata e uma libélula negra de plástico amarrada num cordão e pendurada no pescoço.
Filho de pais adotivos, George foi encontrado diante da porta de uma minúscula casa amarela, de parede rachada, pichada como todas e altamente espremida entre outras na favela.
Foi achado dentro de uma bacia de plástico, embrulhado num lençol minúsculo e fininho.
Encontrado por Zé George e Samira, os moradores da pequena casa de dois pequeninos cômodos: quarto, cozinha e, um banheirinho sem chuveiro nem pia, que tinha como porta uma coberta velha e desbotada pendurada num arame, que mal dava pra entrar e fazer as necessidades (mas lá se tomava banho de canequinha e tudo). Zé George trabalhava de gari na prefeitura e Samira era camelô no parque D. Pedro. George foi criado em meio a muita humildade e como é de costume entre os humildes, com muito amor e carinho.
Estudou até o nível médio. Formou-se em eletrônica e 8
Libélulas negras
Gesiel Monteiro 1
montou uma pequena oficina perto de sua casa, onde mora com a mulher Joana, o filho Gabriel e os pais. Sua renda é baixa mas dá pra manter a família, ajudar os pais e guardar um trocadinho por mês. Guardou, guardou, guardou... Economizou o que pôde e o que não pôde durante três longos anos. A miséria que conseguiu juntar mal deu pra dar de entrada no Fiesta 95; o resto financiou em setenta e duas vezes. Mantém a família trabalhando a semana inteira na pequena oficina e aceitando qualquer bico que pintar, qualquer mesmo, menos roubar, coisa errada não faz de jeito nenhum. O carro que comprou com tanto suor e privação era o mais bonito da rua. Pretinho pretinho, sem um risquinho sequer. Pretinho pretinho, como as libélulas que guardava em sua mente, no peito e, em tudo quanto pudesse.
Decalque de libélulas na porta do guarda-roupas, no caderno de anotações, no livro de contabilidade da oficina, no vidro da janela da sala e no vidro traseiro do carro. E pendurado no retrovisor interno, uma libelulazinha negra de plástico. Libélulas sempre negras. Porque negras, nem mesmo George sabe direito. Talvez porque voando em cima dos esgotos podres da favela, com suas asas transparentes, todas elas pareçam negras. A vida é dura, mas George não 9
Libélulas negras
Gesiel Monteiro 1
reclama, gosta da vida que leva. Só não contava com essa agora. Nem bem comprou o carro e já foi roubado.
Mal pagou a terceira prestação e lá se foi seu fiesta preto 95, roubado. Seguro!? Háh! Qual o que...
- Socorro! Meu carro! Ladrão, pega Ladrão! Filho da puta, desgraçado! Não pode ser. Ainda nem acabei de pagar. Filho da puta, desgraçado!
Domingão! George saiu pra comprar umas esfirras na pastelaria do china. Umas esfirras pra ele, a mulher, o filho e os pais. George podia ter ido a pé, mas foi de carro. A pastelaria fica a seis quadras da sua casa mais ele foi de carro pra dar uma passeadinha com o portentoso. Domingão! Ninguém na rua. George parou o Fiesta na frente da pastelaria, tirou a chave do contato, desceu e nem trancou o carro. Domingão!
Tranquilidade absoluta! Ninguém na rua! Quem é que podia pensar em roubo? Comprou as esfirras, refrigerante e cerveja, pagou e, quando ia saindo da pastelaria, viu lá de dentro a desgraça acontecendo. O
cara saiu rasgando com seu Fiesta 95.
- E agora. O que é que eu faço? Não tenho coragem nem de voltar pra casa.
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Libélulas negras
Gesiel Monteiro 1
- Não tinha seguro? Perguntou uma curiosa.
- E pobre lá tem dinheiro pra pagar seguro? O seguro é mais caro que o carro.
O céu desabou sobre sua cabeça. Não ia pra delegacia dar queixa do roubo porque não acreditava na justiça militar. Não acreditava nessa justiça de merda que só favorece os ricos e poderosos. Pensou em chamar uns manos e sair atrás nem que fosse pra fazer alguma desgraça, mas pensou na sua família (mulher, filho, pais...) e resolveu esfriar a cabeça antes de tomar uma atitude. Mesmo sem coragem de fazê-lo, foi pra casa ter com os seus.
Chegou em casa cabisbaixo, triste, quase chorando, ou melhor, chorando mesmo. A mulher e os pais perguntando o que havia acontecido, o filho perguntando pelas esfirras, o cachorro latindo, todas aquelas vozes, todo aquele barulho lhe endoidecendo a cabeça. Largou as esfirras em cima da mesa, sentou no chão da cozinha e chorou desesperadamente como chora uma criança com fome. Demorou uma meia hora pra se recompor e contar-lhes o acontecido. Contou, entre soluços de inconformidade e indignação, a injustiça a que foi submetido. Porém, guerreiro que era, 11
Libélulas negras
Gesiel Monteiro 1
não ia ficar ali se lamentando o resto da vida. Levantou-se, enxugou as lágrimas, franziu as sobrancelhas, mordeu os lábios, foi até o tanque, lavou o rosto, pediu calma e compreensão à mulher e aos pais e saiu. Foi andar pela favela, sem destino, olhando de viela em viela, procurando o carro. Incansavelmente andou a comunidade inteira e nem sombra do fiesta preto.
Nenhum fiesta preto. Voltou pra casa cansado, com fome, com