Os Caipiras Do Noroeste Paulista
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Os Caipiras Do Noroeste Paulista - Cleber Fagundes Rodrigues
Capítulo 1: DE BOIADEIRO A MEEIRO
Sertão de Rio Preto 1938 - Região Noroeste do Estado de São Paulo
______________________________
Pedro e seu pai, João, moravam naquelas paragens já havia alguns anos, ambos vieram do Mato Grosso, tocando boiada, que seria destinada a um matadouro que existia na região Noroeste de São Paulo, a cerca de noventa quilômetros depois de atravessar o Rio Paraná.
João contava com seus trinta e cinco anos; magro, pele escurecida pelo sol, nariz aquilino, cabelos negros e ondulados, bem volumosos, alguns fios brancos já davam sinais do tempo; apesar dessas características, que podem representar um homem fraco, esse não era o caso. João era muito forte e de grande resistência física. Foi por conta de sua destreza que acabou chamando atenção de um fazendeiro da região, que precisava de braços fortes para a derrubada das grandes árvores de sua recém adquirida fazenda.
Sertão de Rio Preto 1930 - Região Noroeste do
Estado de São Paulo
João e seu filho estavam derrubando uma árvore seca e morta a machadadas, quando então aquele senhor, que não aparentava ter mais que vinte anos, a cavalo, e muito bem trajado, se aproximou; pele clara, olhos verdes e um ralo bigode, nariz fino e levemente arrebitado, cabelos lisos e repartidos ao meio.
O elegante cavaleiro disse isso e olhou, tanto para João quanto para seu filho, dos pés à cabeça, parecia estudá-los com os olhos. Depois de vinte segundos observando pai e filho, em total silêncio, tirou um charuto do paletó, pegou seu isqueiro a querosene e o acendeu, deu um trago e reiniciou o diálogo:
O homem então deu uma meia volta com seu cavalo, parecia ir embora, porém virou-se novamente para João e Pedro, e fez sua proposta:
Os olhos de João se iluminaram com a proposta. Era tudo que queria para sua vida e a de seu filho; depois que sua esposa faleceu, quando ia dar à luz a seu segundo filho, em Mato Grosso, região próxima à Cuiabá, João caiu em uma grande depressão. Também quem dera! Perdeu esposa e filho. Daí em diante vivia bebendo.
Todos os dias estava ébrio e não dava mais conta de tocar o serviço na terra em que vivia, Pedro até tentava ajudar de alguma forma, porém com apenas sete anos, não dava conta de todo trabalho.
Até que um dia o proprietário os expulsou da fazenda.
______________________________
Mato Grosso 1926 - Em algum lugar próximo a Cuiabá
Alfredo o olhou com tristeza, baixou a cabeça por alguns segundos e a balançou negativamente. Ele já havia dado várias chances para João. Não tinha mais o que fazer.
Verdade é que Alfredo não os deixou tão desamparados, pois lhe concedeu uma quantia razoável de dinheiro pelo tempo de serviço em suas terras. Com esse dinheiro João comprou uma casa em uma vila chamada Alta Araguaia. Mas de pouco adiantou, em menos de um ano estava sem casa e sem dinheiro.
Ambos, a partir daí, viviam de pequenos serviços, as vezes em troca do que comer somente. Passou fome nas várias vilas de Mato Grosso por qual andou.
Foi nessa época que quase perdeu também seu único filho, Pedro, o garoto começou a perder peso, e ter muita febre, sentir fortes dores de cabeça. Não sabia mais o que fazer, tudo que comia vomitava. Ficou sabendo, que havia ali na região de Aparecida do Taboado (atualmente Mato Grosso do Sul) uma benzedeira muito famosa por ajudar na cura de muitas doenças, foi ela quem o ajudou com seu filho.
A anciã mais lembrava uma índia: era baixa, pele parda, cabelos bem lisos e já bem esbranquiçados, amarrados feito rabo de cavalo, olhos bem puxados e castanhos; usava colares coloridos, feitos de sementes, pulseiras e tornozeleiras do mesmo material; aquela senhora devia contar com seus, bem vividos, setenta anos.
Pois foi dito e feito. Alguns dias a senhora os acolheu. Deu de comer, alguns chás também, e muita reza.
Logo um fazendeiro, que ali também ia levar os seus meninos, conheceu João e seu filho, vendo que era um homem saudável e forte, pois já havia algumas semanas que João não bebia nada contendo álcool, e como precisava de boiadeiros em sua fazenda, acabou por chamá-lo de canto e fazendo-lhe o convite:
Os dois apertaram as mãos amistosamente, e assim ficou acordado entre ambos. Em sete dias o nobre fazendeiro veio de fato. E João, mais seu filho, seguiram para a fazenda de seu novo patrão. Desde então vivia como boiadeiro viajante; mas seu sonho era mesmo uma terrinha para cuidar e viver tranquilo como na época em que Catarina, sua esposa, era viva.
Sertão de Rio Preto 1930 - Região Noroeste do Estado de São Paulo
O elegante cavaleiro sorriu e deu mais um trago em seu charuto, foi então que lembrou-se de ainda não ter se apresentado, nem sabia o nome de seus novos empregados que ali estavam.
Mas essa história já tem algum tempo, quatro, cinco anos. Todavia, o mais importante aqui caro leitor(a), é que pai e filho depois de conhecer tal cavaleiro tiveram a vida que sonhavam.
Fizeram uma casa de pau-a-pique: uma pequena moradia com dois cômodos apenas: feita com pequenos e médios galhos, e também barro, o telhado de tal residência é bem rústico, feito com as folhas da gairova, uma palmeira típica daquela região.
As árvores, as quais foram contratados para derrubar, logo estavam todas ao chão. Com o correr do tempo, mais alguns homens foram se juntando na labuta diária, que começava às vezes quando o sol nem havia surgido, e terminava com o astro maior desaparecendo no horizonte.
Com tanta presteza no serviço, tal labuta não levou mais de cinco meses. Porém Cáfaro decidiu, mesmo com o fim das árvores, ficar com João e seu filho, e também outras famílias que tinha contratado, pois a safra do café logo iria ter início, o cultivo e o preparo dos grãos, para a venda, exigiam muitas mãos diariamente para o serviço.
Enquanto a safra não começava os funcionários prestavam pequenos reparos nas cercas; capinava-se os corredores entre os pés de café, para não crescer ervas daninhas, e também construíram suas moradias.
Depois da lida dura, no início da noite, um copo de cachaça e uma boa música de viola espantava a canseira daqueles homens; acendiam uma fogueira e ali ficavam algumas horas.
O canto da coruja urruuuú...urruuuuuú…urruuuuú
era um sinal de que estava na hora de dormir. Um banho rápido no rio, ou até mesmo de caneca, com água morna nos dias mais frio, um bochecho para limpar a boca e pronto, nossos amigos estavam prontos para dormir. No quarto havia duas camas bem rústicas, feitas com pequenas ripas de madeira; o colchão era feito de um tecido grosso costurado, cujo o conteúdo, que o deixava bem fofo, era uma espécie de algodão, qual chamavam de algodão de paineira; na cozinha tinha uma mesa de aroeira bem pequena, e apenas duas cadeiras, feitas da mesma madeira. O banheiro era um penico, que João deixava embaixo de sua cama, mas raramente usava, pois preferia fazer suas necessidades fisiológicas à luz do luar, isso mesmo, lá fora. Certo é que algumas casa já possuíam o luxuoso fosso sanitário, ou seja, um profundo poço, onde, devidamente coberto, e ladeado por pequenas tábuas, formava um tipo de casinha
de madeira, servia para as pessoas descarregarem suas cargas fisiológicas.
Do lado de fora da humilde casa, tinha um varal feito com pequenos e finos troncos de jatobá, o arame amarrado de um lado a outro era usado não só para secar roupas, mas também para salgar e secar vários tipos de carnes: porco, boi, carne