Ronny Becker
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Ronny Becker - Devair Módolo
DEVAIR MÓDOLO
Capítulo 1
Sonhos de Ronny
O sol mal havia despontado no horizonte como uma intensa bola de fogo quando pequenos feixes de luz penetraram pelas finas frestas da janela de Ronny através das cortinas transparentes que a cobria. Essa claridade, embora tímida, era intensa o suficiente para eletrizar o pequeno rapaz. Sobressaltado, ele deslizou da cama como um réptil esguio, despiu-se rapidamente atirando o pijama no chão e saltou para dentro das roupas que sua mãe havia deixado sobre a cadeira, no dia anterior. Calçou o velho tênis e antes de amarrar seus cadarços já voava portas afora, apressado.
Quem o visse diria que tinha perdido a hora da escola. Não tinha. Estava desfrutando de merecidas férias, entretanto, algo muito importante, deveras imprescindível, tinha para fazer.
Como um serelepe cruzou toda a extensão da casa, que por sinal era muito pequena, diria minúscula, porém aconchegante e belamente mobiliada com móveis artesanais construídos com boa madeira. Tudo obra das habilidosas mãos do vovô Wil ian que dominava com maestria a arte da marcenaria. Ele havia partido para uma nova morada em algum lugar do universo, oito meses antes dessa visita e Ronny não pode conhecê-lo. Desde então aquela casa pertenceu unicamente a sua avó Olivia, uma senhora amável, caridosa e muito alegre.
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— Aonde vai apressado desse jeito, menino levado? —
Interceptou-o carinhosamente a avó ao vê-lo passar pela cozinha. Havia apenas ternura em sua voz. Nenhuma bronca, nenhuma intenção de ralhar ou proibir a saída intempestiva do neto. Apenas o desejo de lhe falar, sentir sua presença.
— Vou andar por aí vovó. Tem tantas coisas para fazer. Quero muitas aventuras. Quero conhecer o mundo como nas histórias das mil e uma noites! — Exclamou com tanta veemência que vovó Olivia gargalhou.
— Sente-se à mesa, filho e tome seu café. Terá o mundo inteirinho aos seus pés depois de encher a barriguinha — complementou de forma amável, acariciando os cabelos loiros e compridos do netinho.
Ronny sentou-se na cadeira de pernas torneadas à mão e de encosto alto como se fosse um majestoso trono dos reis das histórias infantis. Isso o deixava embevecido e com ares de soberano. Um verdadeiro sucessor do Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola redonda pronto para uma grande aventura. Experimentava uma contida euforia toda vez que se via entronizado em tão solene posto. Meras fantasias de um menino sonhador. Enquanto passava manteiga em sua suculenta fatia de pão que a própria avó havia cozido e assado no dia anterior, entre uma mordida e outra, admirava a figura gentil daquela velhinha tratando de lavar talheres na bacia da pia. Conseguia ver, mesmo nos pequenos movimentos, os trejeitos de sua mãezinha. Embora já idosa a avó ainda conservava traços bem delineados e muito semelhantes aos da filha.
Ronny a amou muito desde o dia em que chegara ali. Ele e a mãe moravam no Brasil, numa pequena cidade do interior do estado de São Paulo, Águas de São Pedro. O pai o havia deixado um pouco depois de ter feito cinco anos e foi morar na América do Norte, em Las Vegas, obcecado por alguma coisa chamada Cassino. Pelo menos uma vez no decorrer do 11
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ano, sem data certa, ele ia ao Brasil para visita-lo e levar uma montanha de presentes. Não era esse o objeto de sua ansiedade ao esperá-lo chegar em algum momento imprevisto do ano. Ronny sempre quis seu amor, porém este chegava apenas em migalhas que rapidamente se dissolvia no tempo.
Visitar a avó que morava no exterior fazia parte da sua lista de sonhos ainda não realizados. A lista era grande para um menino de apenas doze anos de idade. Conhecia a avó por fotos, muitas já antigas, do tempo em que ainda morava no Brasil e desfrutava de beleza física e juventude.
Tempos depois se casou com um australiano e finalmente foi morar no país de origem do marido. O deslumbramento saltava aos seus olhos toda vez que, extasiado, contemplava as belíssimas paisagens Australianas.
Terras longínquas, porém, não tão distantes que suas fantasias não pudessem alcançar. Euforia maior ainda era possível e acontecia ao deparar-se com as imagens ou vídeos dos enormes cangurus vermelhos animais nativos da Austrália.
Aquelas terras, infinitamente distantes, pareciam inalcançáveis, todavia, aos seus olhos surrealistas era uma fonte inesgotável de aventuras ilimitadas e eletrizantes, além de ser a terra onde vivia uma parte de sua própria história, a avó materna. Por isso sentia-se um pouco dono de tudo aquilo. As fotos da pequena Creswick lhe pareciam um Paraiso na terra, onde tudo poderia acontecer.
O sonho finalmente se tornou realidade e agora estava prestes a concretizar a segunda parte. Ver de perto os maiores saltadores do mundo: os cangurus em seu habitat natural. Café tomado, pés calçados e boné do Capitão América na cabeça e Ronny estava preparado para a grande aventura de sua vida.
— Vamos logo mamãe! — gritava impaciente.
— Calma garoto apressado. Os cangurus não vão desaparecer da face da terra. Pelo menos creio que não hoje. E não se esqueça de colocar 12
Ronny Becker – Em busca da Pedra Sagrada
a correntinha com a pedra verde da sorte que a vovó lhe deu. É para dar proteção.
— Já estou usando essa preciosidade mamãe, mas nunca ouvi dizer que uma pedra pudesse proteger alguém. Até parece coisa de extraterrestres.
— Não é não. Fique pronto que já estou indo.
— É, mas se demorar muito tempo, quando terminar os cangurus realmente serão uma espécie em extinção — respondeu Ronny angustiado e ao mesmo tempo feliz. Não conseguia compreender a razão de tanta demora quando algo tão importante os aguardavam.
A visita seria nas planícies do Parque Nacional Grampians em Victoria, onde os cangurus poderiam ser vistos com certa facilidade. O
percurso foi marcado pela expansividade de Ronny que sacudia o braço da mãe toda vez que observava um morro, um riacho, uma floresta ou mesmo um abismo ao lado da pista. Viajavam num velho, porém conservado jipe que pertencera ao avô, do qual poderia observar as paisagens de uma forma mais ampla. Uma hora e meia mais tarde chegaram ao Parque Nacional. Ronny demonstrava estar possuído por um supremo espírito de aventura. O vislumbre daquelas planícies o levou a uma alucinada euforia e na ânsia de mostrar à mãe o que ele acreditava que somente ele conseguia ver, puxou-a pelo braço. A mãe não contava com tal atitude brusca de Ronny e perdeu o controle do veículo. Quando se deu conta do que estava acontecendo não mais conseguiu evitar com que o jipe saísse da pista e despencasse por uma ribanceira aos solavancos até capotar. O mundo de Ronny virou de pernas para o ar. Só conseguiu ver tudo girando em uma velocidade assustadora. Por um momento lembrou-se de quando estava no Brasil e de suas brincadeiras. Entrava nos pneus de tal forma que ficava encaixado no seu interior e então um amiguinho o empurrava ladeira abaixo em alta velocidade. O mundo girava de cabeça 13
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para baixo ao mesmo tempo em que ele perdia todo o senso de direção e só voltava a perceber o chão quando encontrava algum obstáculo e aí contando muito com a sorte parava sem se arrebentar todo. Desta vez parecia ser muito diferente ao ouvir os gritos de desespero de sua mãe. Os solavancos intermináveis os jogavam de um lado para outro sem que nada pudessem fazer. Finalmente o sacolejar culminou numa forte pancada seguida de um barulho de ferragens se retorcendo. Depois o silêncio e muita fumaça.
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Ronny Becker – Em busca da Pedra Sagrada
Capítulo 2
O Reino dos Cangurus
Quem olhasse para baixo na ribanceira não veria nada além de uma coluna de fumaça subindo ao céu. O carro estava oculto pela vegetação. Ele havia parado ao bater em duas grandes rochas. Não havia movimento em seu interior e a mulher parecia desmaiada. Estava só.
Ronny despertou algum tempo depois. Seus olhos pequenos, sempre ariscos e curiosos, pareciam não querer encarar o grande problema em que presumiu ter se metido. Semiabertos espionou por entre seus espessos cílios a claridade do mundo. Logo compreendeu o que havia acontecido. Olhou para um lado, depois para o outro a procura da mãe.
E, como não a encontrou, julgou ter ocorrido algo terrível com ela. Seus olhos verteram abundantes lágrimas. Não era uma lagriminha
qualquer.
Era uma correnteza de água quente abrindo sulcos pelas faces empoeiradas e suaves de um menino bem tratado de vida urbana. De repente se sentiu só e abandonado, então chorou como a criança que era.
Não reconhecia aquele lugar e muito menos o estranho odor que chegava ao seu nariz. Era algo parecido ao cheiro de seu cachorrinho depois de dias sem tomar banho com sabonete e shampoo.
Sentou-se, pois estava deitado num fragmento de terra batida e dura, isenta de mato, como se ali tivesse sido o berço de algum animal selvagem. Não viu nenhum sinal da mãe e muito menos do jipe. O que teria acontecido a eles? Porque sua mãe não estava ali ao seu lado? —
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Pensava enquanto um sentimento de confusão subia até sua cabeça e dominava todo seu sistema nervoso. Um forte tremor abalou seu corpo como se açoitado por uma rajada de vento frio, porém logo percebeu que não ventava e muito menos fazia frio. Era o medo tomando conta de sua razão. Talvez em função disso foi que percebeu algo estranho acontecendo a pouca distância de onde estava. Um farfalhar de folhas secas seguido de passos macios, cadenciados. Depois um vulto se movendo por detrás de uma moita de arbusto. Não chegou ter dúvida de quem estava ali atrás e aquiesceu seu espírito com alegria.
— Mamãe! — chamou sentindo um alívio subir por seu peito. —
Você está aí?
Não houve resposta, apenas alguma coisa roçando nos galhos finos do arbusto e uma batida forte no chão.
— Mamãe! — insistiu mais uma vez. — O que está acontecendo?
— perguntou agora com aflição, não compreendendo o que estava acontecendo com sua mãe.
Ronny se pôs de pé e vagarosamente caminhou em direção à vegetação pensando na possibilidade de sua mãe estar ferida e não podia responder. Suas pernas finas e frágeis seguiam trêmulas dentro da calça curta. Não havia nenhuma certeza em sua movimentação, porém a precaução revestia seu medo natural de ousadia. Com todo o cuidado de quem espiona a vida alheia através de uma fechadura, puxou com a mão o último galho que lhe roubava a visão da cena que se desenrolava ali.
Talvez não tivesse sido uma boa ideia aquele procedimento, mas tarde demais para arrependimento. Um focinho fino e peludo apareceu a poucos centímetros de seus olhos. Numa outra circunstância talvez ficasse fascinado com a inesperada descoberta. Surpreendido com aqueles olhos enormes encarando-o, com um grito de horror despiu-se da suposta 16
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ousadia e se jogou para trás como se tivesse sido atacado por uma víbora venenosa e foi estatelar-se mais uma vez no chão.
Estirado em meio a relva e indefeso assistia à aproximação daquele animal num caminhar, ou melhor, saltitar desengonçado em sua direção. O que fazer em tal situação inusitada? Fechou os olhos para não ver a ação seguinte daquele enorme e selvagem canguru. Não aconteceu nada e um silêncio aterrador ocupou os espaços à sua volta. O que teria acontecido? — Pensou. Curioso e sentindo uma necessidade angustiante de saber o porquê daquela falta de ação, abriu os olhos. Encontrou a resposta bem na sua frente. Ali estava ele. Parado como uma estátua e observando-o como se estivesse admirando algo desconhecido, um ser esquisito e franzino.
— Quem é você?
Para assombro e admiração de Ronny, ele viu a pequena criatura abrir a boca e pronunciar tais palavras como se fosse gente, e gente grande.
— Você fala como nós humanos? — indagou como uma criancinha falando com um de seus brinquedos de plástico.
— Claro que sim. Sempre falamos. Apenas alguns que fazem parte da corte do rei não falam por causa desse negócio de segredo de estado. Meu nome é Coby.
— Rei? Não sabia que cangurus tivessem rei e muito menos que falassem.
— Então agora já sabe. Qual é seu nome?
— Ronny. Ronny Becker, mas todos me chamam somente de Ronny.
— Está bem Ronny! Mas agora venha comigo. Vou leva-lo até meu pai.
— Quem é seu pai? — Quis saber Ronny, curioso.
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— Ora! Um canguru igualzinho a mim, só que bem maior — e riu-se o jovem canguru.
— Eu já desconfiava disso. Porque precisa me levar até