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Folhas Do Outono - Vol. 2
Folhas Do Outono - Vol. 2
Folhas Do Outono - Vol. 2
E-book522 páginas6 horas

Folhas Do Outono - Vol. 2

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Sobre este e-book

Memórias de uma história real que abrange cinco gerações. Walkyria é neta orgulhosa dos personagens mais antigos, que viveram no final dos anos 1800, e é avó da galera nascida no final dos 1900. O leitor é levado a uma viagem no tempo, com passagens surpreendentes acontecidas no Paraná, Goiás e Rio de Janeiro ao longo de mais de um século. Folhas do Outono mostra que a vida real é uma aventura que não raro segue por caminhos inusitados, saindo dos trilhos do que se espera e planeja. Este volume contém as partes 3, 4 e 5 de sua obra. A parte 3 se refere ao período entre seu casamento e o nascimento do primeiro filho, época em que morou em Londrina. Na parte 4, a autora relata sua mudança para Campo Mourão e seus primeiros anos nessa cidade, com a qual criou vínculos profundos. Nessa época, iniciou sua carreira no magistério e sua vida no voluntariado. A parte 5 contém episódios relacionados a sua família, às atividades no rádio e no jornal, à política dos anos 60, aos corais e ao teatro.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de abr. de 2023
Folhas Do Outono - Vol. 2

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    Folhas Do Outono - Vol. 2 - Walkyria Gaertner Boz

    Parte 3

    Preâmbulo

    Semeando Otimismo

    Cora Coralina

    Procuro semear OTIMISMO e plantar sementes de PAZ e JUSTIÇA. Digo o que penso, com ESPERANÇA. Penso no que faço, com FÉ. Faço o que devo fazer, com AMOR. Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois BONDADE também se aprende...

    ------------------------------------------------------------

    Ser feliz não é ter uma vida perfeita, mas usar as lágrimas para irrigar a TOLERÂNCIA, usar as perdas para refinar a PACIÊNCIA, usar as falhas para esculpir a SERENIDADE, usar a dor para lapidar o PRAZER e usar os obstáculos para abrir as janelas da INTELIGÊNCIA.

    Augusto Cury

    ------------------------------------------------------------

    Gostei muito de um texto de Sheila Bartz Costa, que vou transcrever aqui, mas com uma alteração. No texto original, todas as frases começam com APRENDI... Não me atrevo a afirmar isso, então, substituí o APRENDI por ESTOU APRENDENDO.

    NÃO TENHO IDADE, TENHO VIDA

    Cada ano tenho vivido com mais intensidade, mais paixão...

    ESTOU APRENDENDO a lidar com os outros, a retribuir gentilezas, a defender-me dos ataques, a não dar tanta importância para o que não merece a minha atenção.

    ESTOU APRENDENDO que a opinião dos outros é apenas a opinião dos outros e que isso não interfere em nada na minha vida, se eu não permitir.

    ESTOU APRENDENDO que algumas pessoas se aproximarão por querer me conhecer de verdade e outras nem tanto.

    ESTOU APRENDENDO a ser mais gente, a estender a mão quando me pedem ajuda, a calar quando devo calar e a me afastar quando as energias simplesmente não combinam mais.

    ESTOU APRENDENDO que tolerância é a chave mestra dessa existência e que ter um coração agradecido diferencia os felizes e os infelizes.

    ESTOU APRENDENDO a ser a minha melhor amiga e a ficar do meu lado sempre, a dizer e a ouvir um não com sabedoria.

    ESTOU APRENDENDO evitar comparações, pois isso sempre vai me colocar para baixo.

    ESTOU APRENDENDO que não devo esperar muito dos outros, mas, bem pelo contrário, devo esperar bem pouquinho para ter agradáveis surpresas ao invés de decepções.

    ESTOU APRENDENDO a manter a calma, a me dar colo e a pedir ajuda quando esse colo não for suficiente.

    ESTOU APRENDENDO a ouvir e a confiar na minha intuição. Ela é a voz de Deus em mim!

    ESTOU APRENDENDO que eu não tenho nada. Eu só tenho a mim e só terei a mim pela eternidade.

    Só envelhecemos de fato quando nos fechamos para a vida e para o novo; quando ficamos radicais, impacientes e inflexíveis; quando nos conformamos com a nossa infelicidade.

    Por isso que eu não tenho idade, tenho Vida!

    Cada ano que passa, ESTOU APRENDENDO a lidar melhor com ela e, quanto mais aprendo, mais ela me preenche...

    Anoitecia quando chegamos a União da Vitória. Ganhamos carona do irmão do Dorinho, que estava na estação Rodoviária esperando por ele. Levaram-nos até a porta da casa dos meus sogros.

    Eu estava assustada e preocupada, mas logo que nos abriram a porta, foi um alegre alvoroço na casa. Todos vieram nos abraçar, aparentando muito felizes com a nossa chegada.

    Estavam realmente contando com a nossa chegada, porque arrumaram um quarto para nós, onde era o consultório da minha cunhada Dirce, ao lado da casa. Depois da formatura, em Ponta Grossa (capítulo 60) ela se estabeleceu de volta em União da Vitória.

    https://lh6.googleusercontent.com/buzuUUVVyurHw1ebXOc4VKV94FQkQqF9eMy0mmQ3RIoF4M9bVcZ6Vg_VfM-eRSUnjsFGh2amr41wI--p3GYQLwg1n6_E07qyqC_nBZRmoStHi4tggjtt00ykG0QhrFfSLhXD2_HR5Xr4Xm7wDRvTQw

    1958 - União da Vitória (PR)

    Isolina (Ica), Geraldo, Walkyria, Etelvina e Dirce

    Adroaldo, Jussara e Telma (filhos de Ica)

    Meu sogro mandara construir para ela um anexo, acompanhando o modelo da nova casa de alvenaria. Tinha uma sala de espera, o gabinete, um banheiro e uma sala, que serviria de escritório, ou um local para armazenar remédios e livros específicos. Era uma sala ampla e foi ali que colocaram uma cama de casal. Estava tudo muito bem arrumado à nossa espera. Como eram dias de festa, era provável que não aparecessem clientes. O anexo ficou sendo o nosso quarto.

    https://lh4.googleusercontent.com/L5igq-y-EjuKORP6TuqDAZqQhHKZNWgidtHXLx8FP0cMfRlCkM0a4Ol29d9V2MpUhbdHq1yqE8jf4V64A-4-GGJYjy0MT8MfLgt3ZWXs8O3fCbHRdr2sT9DjDKGPNs4QEaVMA7UujsZfp37fDOIivQ

    1958 - União da Vitória

    Geraldo, Etelvina, José e Walkyria

    Fazia poucos meses que meus sogros habitavam a casa. Tinham decidido morar na cidade. A fazenda passara a ser gerida pela irmã mais velha do Geraldo, Iracema, e seu marido e filhos, que lá moravam desde então. O irmão mais novo, Adil (Didi) também ajudava na fazenda. Ele sempre estivera ao lado do pai e conhecia mais que todos os detalhes da lida diária naquelas terras.

    Logo fomos chamados à mesa para o jantar, que correu alegremente, todos conversando e querendo saber detalhes do casamento. Também tentavam, desajeitadamente, se desculpar pela ausência.

    Nem Geraldo nem eu nos detivemos muito em detalhes. Creio que ficou visível a eles que estávamos magoados, mas a conversa foi se estendendo mesmo assim até mais tarde, quando meus sogros se recolheram. Em seguida, nós dois fizemos o mesmo e, logo depois, todos os demais.

    No dia seguinte, 31 de dezembro, Geraldo foi me mostrar a propriedade.

    Meus sogros tinham ali a metade do quarteirão, toda a parte que ficava de frente para a rua Carlos Cavalcanti. Numa esquina, estava a casa antiga, de madeira, onde morava outra irmã do Geraldo, a Isolina (Ica) e sua família, ocupando uma boa parte do terreno.

    No meio do terreno estava a casa de alvenaria recém-construída e, logo em seguida, o consultório da Dirce. Depois dele, até a outra esquina, o terreno estava ocupado pela horta e árvores frutíferas, que dona Etelvina começava a formar.

    A casa não era grande. Meu sogro achava que ali iriam morar apenas o casal e talvez as filhas solteiras até então, a Idazima e a Dirce. Tinha uma boa sala, três quartos, um banheiro, uma boa cozinha (com fogões de lenha e gás), lavanderia, despensa e um quarto da empregada.

    Não demoraram a constatar que se enganaram. A casa vivia cheia, era um entra-e-sai de filhos, netos e parentes que, normalmente, vinham para ficar uns dias. Afinal, no ano seguinte ao nosso casamento aumentaram bem a casa, construindo uma grande sala, uma grande despensa, um grande quarto e mais um banheiro.

    Nesse dia 31 a cozinha estava movimentada: de manhã, meu sogro, o Geraldo e o Didi mataram um carneiro que o Didi trouxera da fazenda. Minha sogra e a empregada Arminda tratavam de temperar.

    Assistindo a matança, eu começava a entrar numa nova realidade. Eu nunca vira nada semelhante até então, e me surpreendia ver também o Geraldo tão desenvolto nessas lides. Sabia que ele se criara na fazenda e participara das atividades mais pesadas: apartava terneiros, tirava leite das vacas, ia ao campo fazer rodeio (contar o gado, dar-lhes sal e passá-los para outra invernada, se necessário) e outras coisas mais, mas ouvir era diferente de assistir. Misturado à minha surpresa, eu sentia um certo orgulho em vê-lo trabalhando: ele, um engenheiro, era um perfeito peão em ação.

    A Dirce fazia sobremesas e bolo para o dia seguinte. Ofereci-me para ajudar e deram-me para bater os ovos para o pão-de-ló, o que achei ótimo, pois sempre gostei de fazer doces.

    Meio atordoada com tanto movimento, fui me inteirando de tudo a minha volta, da minha nova família: quem era quem e o que fazia, seus nomes, o nome das crianças e de outros familiares que foram aparecendo enquanto estávamos lá, para cumprimentarem a família, pelo Ano-Novo.

    A Iracema e família vieram da fazenda para as Festas e estavam hospedados na casa da Isolina (Ica) ali, no mesmo terreno. Não demorou, as duas estavam também na cozinha da mãe. A Iracema tinha três filhos, a Ica também. Além dos já citados, também moravam em União da Vitória outros irmãos do Geraldo: o Iraciere, o Darci (Deco) e o Jurandir (Jura). Iraciere, o mais velho, era casado com a Adair e não tinham filhos. Darcy era casado com Amélia e tinham duas meninas. Jurandir, casara há apenas seis meses com a Selma, que esperava o primeiro filho.

    Havia ainda a irmã Hilda, casada com o Reinoldo. Eu os conhecera no ano anterior, na formatura da Dirce. Eles tinham um filho e moravam em Mariópolis, adiante de Palmas, onde tinham uma serraria.

    Além deles, estavam ali os solteiros, o Didi, a Idazima (Ida), a Dirce e o Loray (Lito). O Lito, assim como o Jura, era caminhoneiro. Eram dez irmãos.

    Meu caro leitor, se você está perdido no meio de tantos nomes, então está entendendo como eu me sentia naquele dia...

    De repente, me vi num rodamoinho de gente, tentando memorizar o nome de todos os adultos e das crianças, que me olhavam com grande curiosidade, sempre me rodeando. Imagino que eu tenha sido motivo de muitas conversas, porque, mesmo os adultos, disfarçavam os olhares curiosos a me observar.

    Eu era a carioca, a moça estranha que virara a cabeça do irmão. E, decerto, todos queriam encontrar o que o irmão vira de diferente em mim, para ter ido tão longe me buscar.

    Eu estava feliz junto ao homem que amava e não conseguia esconder isso. Brincava com as crianças que me rodeavam o tempo todo. Brincava de roda, de esconder e até de pega-pega. E também ajudava no que minha sogra e cunhadas me pediam. Enquanto isso, o Geraldo, junto aos irmãos e o pai, ficava numa conversa sem fim.

    Tudo era surpresa para mim, muito diferente de como eu vivera até então. Eu estava impressionada com a matança do carneiro e todo o procedimento para prepará-lo. Todos se admiravam do meu interesse e da minha curiosidade em conhecer tudo que me rodeava.

    Entretanto, eu também me sentia observada. As crianças pequenas me perguntaram:

    Tia, por que você fala assim?

    E eu perguntei:

    Assim como? Vocês não estão me entendendo? Elas olharam uma para a outra, rindo, e disseram:

    Sim... mas... você fala diferente...

    Ah, elas tinham estranhado o meu sotaque carioca. Descobri, afinal, um dos motivos para andarem à minha volta.

    Fale mais, tia!, me pediam.

    Desse momento em diante tomei tento de que, agora, eu tinha uma penca de sobrinhos que me chamavam de tia. Eu achava graça e, ao mesmo tempo, delicioso.

    À noite, fomos ao baile de réveillon do Clube Concórdia, à beira do rio Iguaçu. Tudo muito bonito e enfeitado! Ali conheci o Darcy (Deco), mais um irmão do Geraldo, e a Amélia, sua esposa. Fui apresentada também a parentes e amigos do Geraldo e adorei, mais especialmente porque dançamos bastante. Era a primeira vez que dançávamos, desde o tumultuado baile de formatura de minha cunhada Dirce, um ano antes.

    Estava uma linda noite de verão, o rio Iguaçu iluminado pelas luzes do clube, um buffet delicioso servido aos presentes, após a comemoração da chegada de 1959. O Geraldo estava feliz por estar no meio dos parentes e, talvez, com a minha presença. Isso tudo fez a noite maravilhosa e inesquecível, apesar de, também ali, eu me sentir o alvo da curiosidade de muitos. Penso que me saí muito bem no teste, porque eu estava feliz e não via malícia em ninguém, então eu ria e conversava com discreta naturalidade. Amanhecia quando voltamos para a casa dos meus sogros, no carro do Deco e Amélia.

    Quando nos despedíamos, perguntei à Amélia se viriam para o almoço, com as crianças. Quebrou-se o encanto. Ela olhou, constrangida, para o marido e eu olhava, sem entender, para um e para o outro. Que estava acontecendo? Eu falara alguma coisa errada? Até que ela disse pausadamente:

    É... Não sei, acho que não. Quem sabe vocês vão, outra hora, lá em casa almoçar conosco e conhecer as meninas?

    Eu não estava entendendo. Achava que todos se reuniriam para o almoço do dia primeiro do ano, mas olhei rápido para o Geraldo e, como ele nada dissesse, falei:

    Claro! Claro que iremos conhecer as meninas!

    Amélia ainda me olhou, encabulada e, meio constrangida, falou, escolhendo as palavras:

    É que... Não sou bem-vinda aqui e andamos nos machucando... Não quero estragar a festa de vocês! Espero vocês lá em casa! Boa noite!

    E o carro saiu, sem que eu pudesse responder. Quando chegamos ao nosso quarto, perguntei ao Geraldo o que acontecera. Ele me respondeu que não sabia bem. Pouco sabia dos desentendimentos deles porque vivia longe e, quando vinha, não queria que falassem de discórdias. Ele se dava bem com todos os irmãos. E não falou mais nada, dando a entender que não queria estender o assunto.

    Cedo, na manhã seguinte, começou o movimento das mulheres à volta dos fogões e dos homens arrumando a churrasqueira.

    Era bastante gente para almoçar, portanto mãos à obra na cozinha!

    Eu procurava ajudar e me vi envolvida com receitas e execução de pratos caprichados. As mulheres se esmeravam e era um falatório nervoso para que tudo caminhasse a contento:

    "Veja se o forno está ligado!’

    Me passe essa colher grande!

    Já ralaram o queijo?

    Quantos ovos nesta massa? Alguém me alcance a farinha de trigo!

    Os pratos e talheres estão prontos? Quem vai arrumar a mesa?

    Olha essa panela fervendo! Alguém venha mexer, se não, queima!

    E o movimento ia num crescendo... De repente, tendo concluído a minha tarefa, me deu saudade do meu marido, que estava lá fora, apreciando, com os homens, o carneiro que estava assando. Estavam todos sentados, conversando junto ao pai, enquanto o Sr. José, conversando também, atendia o assado.

    Vim por trás do Geraldo e o enlacei, num abraço pelas costas.

    Não sei o que aconteceu.

    Fez-se um silêncio prolongado e então ouvi o meu sogro resmungar qualquer coisa que não entendi. O Geraldo, de imediato, afastou meus braços, desfazendo meu abraço. Não disse nada, nem olhou para mim. Fiquei chocada! Isso nunca acontecera! Meio perdida, voltei para a cozinha, tentando não mostrar meu desapontamento. Calada, tentei esquecer a decepção, me concentrando no serviço.

    Agora, sessenta anos passados, fiquei sabendo o que houve.

    Encontrei com um sobrinho do Geraldo, Jurandir (o Jurinha) e sua esposa na feira de sábado, em Curitiba. Eu falava para eles sobre a escrita deste livro e ele me contou que comentou sobre o livro com a mãe, a Selma. Seu marido, Jura, estava presente naquele episódio e lhe contou o que aconteceu.

    A mãe disse, explicou o Jurinha, que o vô virou de costas pra você, mal-humorado, e perguntou, resmungando em dialeto italiano, se vocês já não tinham se esfregado ‘que chegue’ durante a noite. Foi por isso que o tio Geraldo desfez o seu abraço. A mãe viu quando você saiu, sem graça. Ficou com pena da senhora...

    Realmente, Jurinha, foi isso que aconteceu, mas o Geraldo nunca me disse o que o meu sogro falou, nem porque ele teve aquela atitude grosseira comigo...

    Ah, tia, eles eram muito rudes! E ninguém contrariava o vô!

    Pois é, sei que eles não queriam que seu tio se casasse comigo, e o Geraldo os desafiou. Por outro lado, o Geraldo sempre me disse que nunca houve nenhum comentário dos pais sobre nós...

    É tia, nossa família era difícil... Jurinha falava com conhecimento de causa, porque sempre moraram mais perto da família, em Palmas, e tiveram uma convivência maior.

    Daí, conclui duas coisas: as pessoas perceberam meu constrangimento naquele momento, embora eu tivesse tentado disfarçar... E o comportamento do Geraldo não tinha mesmo justificativa.

    Afinal, ao almoço, todos aparentavam estar muito felizes! Riam muito e contavam casos sobre pessoas da amizade deles, em meio a muitos palavrões, o que me surpreendeu negativamente, enquanto eu tentava esconder meu acanhamento.

    À tarde, todos dormiram, uns nas camas, outros no chão, sobre pelegos macios. À noite, foi providenciado um jantar, com as carnes e comidas que sobraram. Ainda tinha muita comida!

    Os irmãos continuavam juntos, conversando e rindo. Eu achava bonito ver como se davam bem, mas não mais me atrevia a me aproximar.

    Já era noite quando o Geraldo se aproximou de mim, e disse que iria, com os irmãos, tomar uma cerveja num bar de amigos e que logo voltariam. Eu não tinha nada contra, nem me atreveria... Apenas assenti com a cabeça. Era justo! Ele passava muito tempo longe e devia ser muito bom ficarem proseando à vontade.

    Fui com eles até o portão, onde Geraldo me deu um beijo breve e se foram.

    Encontrei minha sogra, quando eu estava entrando e ela me perguntou:

    Eles saíram?

    Sim, respondi. Vendo o olhar preocupado dela, continuei: Disseram que voltam logo!

    Ela me olhou nos olhos e perguntou:

    "Disseram isso?

    Espantei-me com a pergunta e, intrigada, respondi:

    Sim, o Geraldo disse!

    Ela baixou os olhos e resmungou:

    Ahhhh...

    Juntei-me às mulheres que lavavam e enxugavam a louça, e ficamos conversando e pondo ordem na cozinha.

    Era perto da meia-noite quando, cansada, resolvi ir me deitar...

    Não sei que hora era, mas o céu já estava clareando, quando me assustei com o Geraldo batendo à porta e me chamando em voz alta.

    Corri a abrir a porta e ele entrou, muito alcoolizado e falando alto e engrolado.

    Por que fechou a porta? Eu não disse que voltava logo?

    Eu estava tão assustada e triste que nem conseguia falar, meu coração batia adoidado.

    Meu Deus! O que é isto?, pensava em desespero. Onde está o meu Geraldo? Não é esse homem! Não é esse o meu marido!"

    Fui me afastando, com medo daquele que mais parecia um estranho à minha frente. Encostei-me na parede, enquanto ele, tonto e cambaleando, tentava achar a porta do banheiro. Deitei-me encolhida e apavorada, fingindo dormir, enquanto ele tateava para achar a cama.

    Deitou-se e tentou me abraçar. Eu me arrepiei inteira com o cheiro dele, e, chorando disse:

    Não me toque! Não me toque! Saia de perto de mim! E o empurrei para o outro lado da cama.

    Ele estava tão embriagado, que nem insistiu. Acomodou-se e dormiu de imediato. Eu fiquei ali, quietinha, chorando, assustada e decepcionada, vendo o dia clarear.

    Levantei-me quando ouvi barulho na cozinha e juntei umas roupas nossas para lavar.

    Minha sogra já estava lá e nada comentou, nem eu, sobre a véspera. De repente me dei conta de que ela sabia que não voltariam cedo. Com tantos filhos homens, os conhecia bem e seu rosto cansado me dizia que ela sabia bem o que era ficar acordada esperando-os voltar.

    Tomamos café juntas e conversamos sobre banalidades. Para ter assunto, ela queria saber dos meus parentes de Ponta Grossa que foram ao casamento. Eu também disfarçava a tristeza que me assolou de madrugada e continuava a me povoar a cabeça. Fui para o tanque lavar nossas roupas e ficar quietinha, remoendo o medo que me perturbava.

    Geraldo acordou bem mais tarde e foi tomar café com o Lito, o Didi e o Sr. José, e falavam alto e riam, os filhos zoando com o pai.

    Eu aproveitei e, arredia, fui arrumar o quarto e lá fiquei, pondo ordem nas nossas malas. Não me sentia confortável.

    Pouco depois, o Geraldo veio até o quarto.

    Que foi, Walky? O que você tem?

    Eu olhei para ele, surpresa.

    Como? O que é que eu tenho? Você não lembra o que fez ontem? Não é possível! Eu estou horrorizada! Nunca pensei que você bebesse! Você estava horrível! Embriagado de cair! Comecei a chorar, cuidando para falar baixinho para não nos ouvirem da cozinha.

    Ele tentava me abraçar e eu me esquivava.

    Você está fedendo, não me abrace!

    Calma, benzinho, me escute! Não fizemos nada demais! Ficamos bebendo e conversando! A gente não percebe que as horas passam!

    Eu me esquivava, mas o olhava, triste.

    Que tristeza você me deu! Que decepção! Aquele molambo que entrou no quarto de madrugada não é o homem com quem me casei. Não posso acreditar nisso! E chorava baixinho.

    Calma, deixe eu me explicar! Você sabe que vivo longe daqui e que vejo minha família praticamente uma vez ao ano. Nós somos muito unidos, sempre temos muito que conversar e...

    ... e tem que ser num bar, bebendo? Não entendo isso! Nunca vi meu pai bêbado! Nem nenhum dos meus tios! Nunca foram a bar para conversar bebendo e fumando! Nenhum deles fuma!

    Não me olhe assim! Você tem razão... Mas me escute: isso nunca mais vai acontecer, prometo! Passei da conta, é certo, mas foi só esta vez, acredite! Não, não chore mais!

    E eu acreditei...

    Não conseguia resistir aos seus carinhos. Afinal, eu o amava.

    Nesse dia, os parentes que vieram de fora partiram de volta. A Iracema e família voltaram para a fazenda em Palmas; a Hilda, o Gaúcho e o filho foram para Mariópolis. A casa ficou mais quieta e parecia que tudo voltou à normalidade.

    Geraldo estava todo carinhos e atenção para comigo. Levou-me para conhecer a tia Cila (Lucila), irmã de minha sogra. Fui muito bem recebida, apesar de, também lá, me sentir observada o tempo todo.

    Uma visita que eu queria fazer era ao meu tio Antônio, irmão de mamãe. Ele e a esposa Eveline moravam em União da Vitória naquela época. Ele era funcionário do Banco do Brasil e fora transferido de Ponta Grossa para lá havia pouco tempo.

    Na manhã seguinte, fomos até a casa dele e, quando o vi, me abracei a ele chorando:

    Tio! Tio! E fiquei agarrada a ele.

    Que é isso Walky? Que aconteceu? Meu tio, sem graça, rindo, tentava me afastar.

    O Geraldo, também constrangido, nos contemplava.

    Eu me afastei do tio, procurando disfarçar.

    Não é nada não, tio! É saudade! Saudade da mamãe e das minhas irmãs... Eu nunca fiquei tanto tempo longe delas, a não ser quando ia para Itajubá, na casa do tio João e tia Yvonne, e tenho tido muitas emoções desde o casamento! Agora tenho uma enorme família e um bando de sobrinhos! Tentava rir enquanto falava, para quebrar o constrangimento de todos. Minha tia me abraçou e disse:

    Sentem! Eu vou passar um café! A reação dela é natural, a gente estranha mesmo, no começo. Ainda mais vocês, que ficaram afastados todo o noivado...

    Devagar, fomos nos ajeitando e mudando a conversa. Eu estava aborrecida comigo, mas foi um impulso que eu não pudera controlar.

    O Geraldo e o tio, que se conheciam desde Ponta Grossa, entraram numa conversa animada. A tia, curiosa, queria saber quando iríamos para Londrina, se o Geraldo já tinha casa lá, como viria meu enxoval do Rio e outras perguntas fáceis de responder.

    Eles aceitaram minhas explicações, mas o Geraldo entendera bem o porquê das minhas lágrimas. Ficou aborrecido comigo e pouco falou comigo até o fim daquele dia.

    Mais tarde, de volta à casa dos sogros, soubemos que o Deco passara lá para nos convidar a almoçar com eles no dia seguinte.

    Naquela tarde, ainda visitamos duas primas do Geraldo: a Alzira e o marido Thiago, proprietários do hotel Flórida, e a Maria das Vitórias (Picucha) e seu marido Melchiades. Estes moravam num bonito sobrado onde funcionava uma bem montada loja ao lado do hotel Flórida. Na parte térrea, ficava a loja e moravam no piso superior. O pai delas, Sr. Antônio, era irmão do meu sogro, Sr. José. Quando eram meninos, treze ou quatorze anos, tinham fugido da madrasta em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Partiram meio sem destino à procura de trabalho para sobreviver. Sofreram muito, passaram frio e fome pelas estradas. Trabalhavam e se alojavam temporariamente nas fazendas por onde passavam. Em troca de comida e um canto para dormir, lidavam com todo tipo de serviço pesado: cortavam lenha, carregavam água, tratavam dos animais de criação.

    Aos poucos, de fazenda em fazenda, rumavam para o norte. Atravessaram Santa Catarina até chegarem a Palmas, já no sul do Paraná. Ali encontraram seu destino.

    Era uma história linda, que me cativou e me prendeu interessada pelo resto daquela tarde. Quem sabe eu consiga reproduzi-la um dia, na continuação deste livro.

    No dia seguinte, fomos à casa do Deco e da Amélia. Fiquei encantada!

    O Deco tinha um carro de aluguel na praça, que ele mesmo dirigia e, nesse dia, viera para casa mais cedo para nos receber.

    Era uma casa de madeira muito bem cuidada e arrumada. Fomos recebidos com alegria pelo casal e pela filhinha Glacy, que abraçou o tio com efusão e me olhava encabulada. Ela tinha três anos. Fomos, em seguida, conhecer a Cleide, um bebê lindo de oito meses, que estava no berço e agitava braços e pernas, alvoroçada pela conversa à sua volta.

    Amélia tirou a menina do berço e a deu para mim.

    Será que logo eu terei uma assim? Ou será um guri?, pensei, comovida.

    Eu ria e falava com a bebê, mas ela parecia não estar gostando e começou a chorar em seguida. Estava estranhando a tia nova. Amélia devolveu-a ao berço, onde ela se aquietou. Fomos, então, para a cozinha, onde o cheiro da comida era tentador.

    Foram horas agradáveis. Como sempre, as crianças se sentiam atraídas por mim e acabei por conquistar a Glacy, que não me soltava mais a mão. Entretanto, durante o almoço, fiquei chocada. Glacy, que estava sentada ao lado da mãe, de repente caiu sobre a mesa, me dando um grande susto. E o almoço, tão gostoso, perdeu a graça. Eles ergueram a menina e conseguiram reanimá-la, minutos depois.

    https://lh3.googleusercontent.com/O0EGAul-vNF51_FDIguKvzjcvuywNEcrTyQBnlqRkrlw4vEky68yOw7_Q_rxaRWvSlVlqqGa7_u2XQon4ysyAE0j2SoFgiZH1JZrZTDb6fMdINtGddsIAmaVso_NZZ8KYzKl97z2TO31SvCzljzJJw

    1959 - Darcy (Deco) e Amélia com as filhas Glacy e Cleide em União da Vitória (PR)

    O Deco nos contou, então, da doença da menina e do desespero que era, para eles, ver os desmaios dela. Já tinham recorrido aos médicos de União da Vitória e também de Curitiba, onde ela tinha feito exames, os mais diferentes e avançados daquela época, mas ainda não tinham chegado a uma conclusão.

    O Geraldo me contara que a menina estava doente, mas ele também não sabia dos detalhes que agora o Deco nos contava.

    Ficamos muito pesarosos com a agonia deles. A criança estava medicada com remédios paliativos, para evitar os ataques, mas ninguém identificara a causa. Ela dormiu em seguida.

    Ajudei a Amélia a arrumar a cozinha e, com o Geraldo e o Deco também na cozinha, falamos sobre o nosso casamento enquanto tomávamos café. Contamos sobre os meus parentes que compareceram, muitos dos quais eles conheciam. Admiraram-se do vovô Abel ter ido. Para eles, o Rio era muito, muito longe.

    O assunto girou em torno do nosso casamento. Eles se desculparam por não terem comparecido, dizendo que estavam gastando muito com a Glacy. Com a criança doente e mais a bebê, ficava muito difícil viajar para tão longe.

    Era uma pena... O Deco talvez fosse o único irmão do Geraldo que fosse ao casamento, pois não demonstrou ser contrário em nenhum momento. Mas eles tinham outros motivos para não ir...

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    1959 - Walkyria e Geraldo com a sobrinha Glacy em União da Vitória (PR)

    E eu continuei sem saber porque eles estavam afastados dos meus sogros. Não ousei perguntar. Já havia o caso da menina que nos preocupou bastante e achei que não deveria mexer com outra coisa, que, decerto, também não seria agradável.

    A conversa continuou animada até que voltamos, à tardinha, para a casa dos meus sogros. Na saída, Amélia nos deu um lindo pão, que ela tinha acabado de assar, para dar à dona Etelvina. A cozinha estava deliciosamente perfumada de pão fresco quando os deixamos.

    Quando chegamos, eu entrei sozinha, pois o Geraldo seguiu no carro com o Deco, que lhe queria mostrar um outro carro que estava negociando.

    Procurei pela minha sogra, para lhe entregar o pão. Minhas três cunhadas estavam com ela na cozinha.

    Olhe, dona Etelvina, o que a Amélia lhe mandou!, eu disse, animada.

    Foi como se eu tivesse atirado uma bomba na mesa. Olharam em silêncio, espantadas, para mim e para o pão. A Dirce, rápido, sem nem mesmo abrir o pão, embrulhado em um alvo pano de prato, o tirou da mesa dizendo:

    A minha mãe não come nada que venha dessa mulher! E foi saindo da cozinha com o pão. Eu fui atrás dela, pedindo-lhe que me devolvesse o pão. As outras duas e minha sogra nos seguiram.

    Assisti, então, a uma cena horrível, que me deixou estarrecida.

    Ela foi até o galinheiro e, antes que eu pudesse alcançá-la, atirou o pão para as galinhas que, no maior alvoroço, se amontoaram sobre o pão.

    Fiquei sem fala, olhando a cena, meu coração aos pulos, com os olhos certamente esbugalhados pelo horror que acabara de assistir.

    Que era aquilo, Santo Deus? Em que família eu acabava de entrar? Por que se comportavam daquela maneira tão odiosa? Um pão tão lindo!

    Elas voltaram, em silêncio, para a cozinha e eu fiquei ali, pasmada, vendo a galinhada devorar o pão em minutos...

    Depois que não restou nenhuma migalha, voltei arrasada para a cozinha e me atrevi a perguntar:

    Porque fizeram isso? Eu vi a Amélia sovar a massa! Ficamos conversando enquanto a massa crescia e ajudei-a a levar os pães para o forno!

    Aham... e, com certeza, falaram mal de nós o tempo todo!

    Olhei para elas sem entender bem.

    Não! Claro que não! Porque faria isso?

    Ficaram num silêncio desconfortável, sem dizer nada. Esperei um pouco, mas continuaram caladas e, então, falei:

    A Glacy passou mal e conversamos muito sobre a menina. Aí soubemos porque não foram ao nosso casamento! Coitados! Estão cheios de preocupação com a filha! Credo, gente, o que é isso?

    Dona Etelvina nada falou, mas, quando eu disse que a Glacy passou mal, ela perguntou da neta:

    Ela passou mal? O que ela teve?

    Eu respondi, chateada:

    Desmaiou de novo. Ficou desacordada um tempão!

    Aborrecida, fui para o meu quarto. O ar da cozinha estava me fazendo mal.

    Mais uma grande decepção...

    Num outro dia, quando nos levantamos e fomos tomar o café da manhã, havia um grande movimento na cozinha. O Sr. José, nervoso, falava alto e andava para lá e para cá, resmungando. O Geraldo, vendo as irmãs, a mãe e a empregada atarantadas, perguntou:

    O que aconteceu, pai?

    As irmãs e a empregada carregavam, para a cozinha e o tanque, baldes de água que tiravam do poço.

    Estamos sem água! Estamos sem água! E, olhando para o filho, disse:

    O que é que essa tua mulher tem de tão sujo que tem de tomar banho todo dia? Esgotou a caixa d´água!

    Fiquei muito assustada! A braveza dele era contra mim! Pensei que ia desfalecer de vergonha. Geraldo também estava sem fala com a atitude do pai. Minha sogra veio em nosso socorro;

    Eu falei, José, que a caixa que você botou lá em cima é pequena! Falei mais de uma vez! Agora, você viu que eu tinha razão!

    O Sr. José continuou resmungando em dialeto e eu me esforçava para não romper em pranto. O Geraldo me tirou

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