Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Bases para a compreensão sobre a Usura no Brasil entre 1900-1950: uma leitura do Jornal do Commercio/RJ e das decisões do Supremo Tribunal Federal
Bases para a compreensão sobre a Usura no Brasil entre 1900-1950: uma leitura do Jornal do Commercio/RJ e das decisões do Supremo Tribunal Federal
Bases para a compreensão sobre a Usura no Brasil entre 1900-1950: uma leitura do Jornal do Commercio/RJ e das decisões do Supremo Tribunal Federal
E-book399 páginas4 horas

Bases para a compreensão sobre a Usura no Brasil entre 1900-1950: uma leitura do Jornal do Commercio/RJ e das decisões do Supremo Tribunal Federal

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

O trabalho analisa debates acerca da usura ocorridos na primeira metade do século XX no Brasil, com enfoque nos artigos do Jornal do Commercio/RJ e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, desenvolve conceitos propedêuticos, como os termos "juro" e "usura", experiências importantes que versaram sobre a usura como em Atenas e Roma antigas e na Idade Média e no início da Idade Moderna na Europa, além de obras que foram muito influentes no tema. É abordada especificamente a construção sobre o entendimento da usura no Brasil, inclusive nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, Lei de 24 de outubro de 1832, Código Comercial de 1850 e na Consolidação das Leis Civis de Augusto Teixeira de Freitas e, sobretudo, através de notícias veiculadas no Jornal do Commercio/RJ, acontecimentos relacionados ao tema, como o advento do Código Civil de 1916, a Revolução de 1930 e a ascensão de Vargas, a Crise do Café, a Lei da Usura, o Decreto-Lei nº 869 de 1938 e o Tribunal de Segurança Nacional, além das Constituições de 1934, 1937 e 1946 e analisada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o tema durante o período.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de jun. de 2023
ISBN9786525282336
Bases para a compreensão sobre a Usura no Brasil entre 1900-1950: uma leitura do Jornal do Commercio/RJ e das decisões do Supremo Tribunal Federal

Relacionado a Bases para a compreensão sobre a Usura no Brasil entre 1900-1950

Ebooks relacionados

História para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Bases para a compreensão sobre a Usura no Brasil entre 1900-1950

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Bases para a compreensão sobre a Usura no Brasil entre 1900-1950 - Nelso Molon Júnior

    1 INTRODUÇÃO

    A usura é um tema polêmico, debatido durante milênios, abrangendo diversas disciplinas, como Direito, Teologia e Economia. Inicialmente, não costumava se diferenciar a usura dos juros, sendo ambos empregados no mesmo sentido. A partir do século XIII, na Europa, quando até então qualquer espécie de juro era considerada ilegal e imoral, começou-se a diferenciar juros de usura, sendo estes considerados juros abusivos ou ilegais.

    Mesmo no Brasil, o transcurso do tempo não tornou o tema menos polêmico. Com a finalidade de rapidamente ilustrar a relevância do estudo do tema atualmente, destaca-se quatro acontecimentos exemplificativos relacionadas ao tema:

    1) A Resolução n. 4.656 do Banco Central do Brasil, de 26 de abril de 2018, implementou a chamada Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP), onde se viabiliza a criação de uma instituição financeira para a realização de operações de empréstimo e financiamento entre pessoas exclusivamente por meio de plataforma eletrônica (artigo 7º). Desta forma, uma vez que se trata de um componente do Sistema Financeiro Nacional, é possível o empréstimo entre pessoas físicas, mediados pela SEP, em que não há a aplicação da Lei da Usura, como seria o caso de empréstimo entre pessoas físicas sem a mediação da instituição financeira.

    2) Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça prolatou acórdão relatado pela Ministra Nancy Andrighi confirmando a tese de que empresas do comércio varejista não podem cobrar juros remuneratórios ou compensatórios de vendas a prazo superior àqueles definidos na Lei da Usura, pois não fazem parte do Sistema Financeiro Nacional.³

    3) O Banco Central do Brasil, através da Resolução n. 4.765, de 27 de outubro de 2019, limitou a tarifa pela disponibilização de cheque especial e as taxas de juros remuneratórios sobre o valor utilizado do cheque especial a até 8% ao mês (96% ao ano) para as pessoas naturais e microempreendedores individuais (MEI).

    4) Ademais, durante a pandemia causada pelo Coronavírus, o tema da limitação dos juros acabou ressurgindo, inclusive aqueles cobrados pelas instituições financeiras. O Senador Álvaro Dias propôs o Projeto de Lei n. 1.166/2020, estabelecendo uma limitação de juros de 20% ao ano para as dívidas contraídas entre os meses de março de 2020 e julho de 2021 para o cheque especial e o cartão de crédito.⁵ O Projeto foi aprovado no Senado Federal limitando a 30% ao ano (35% para as fintechs) os juros dos cartões de crédito e cheque especial durante o período reconhecido de calamidade pública, assim como proibindo a cobrança de multa e juros moratórios. O § 6º do artigo 1º do Projeto menciona expressamente a configuração de crime de usura em caso de descumprimento da norma.⁶ Neste sentido, o aprofundamento sobre o tema ainda se mostra pertinente.

    Mas por que escolher justamente o período entre 1900 e 1950? O tema foi amplamente debatido durante a primeira metade do século XX, sobretudo durante a década de 1930, com forte influência da crise global deflagrada pela quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929 e a consequente Crise do Café no Brasil. O período apresenta rico material de pesquisa, visto que abrange período em que não havia limite de juros para contratos celebrados entre os indivíduos (Constituição de 1891, Lei de 24 de outubro de 1832, Código Comercial de 1850 e Código Civil de 1916), a outorga da Lei da Usura e a implementação da proibição da usura no texto das Constituições promulgadas/outorgada no período (as Constituições de 1934, 1937 e 1946) e ainda apresenta um período posterior, viabilizando a observação dos efeitos das normas.

    Com a finalidade de aprofundar a percepção acerca da usura no período de estudo, foram analisados todos os artigos sobre o assunto encontrados no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro (RJ) entre 1900-1950 e todas as decisões do Supremo Tribunal Federal acerca da usura durante o mesmo período.

    A Biblioteca Nacional⁷ mantém uma hemeroteca digital e possibilitou a pesquisa no jornal escolhido pelo termo usura, revelando todas as páginas do jornal que utilizavam o termo. Em diversos trechos dos jornais, encontramos a usura como sinônimo de corrosão, desgaste, utilizada sobretudo em artigos acerca de física, química, medicina e guerra. Guerra de usura é o termo que designa a destruição paulatina e segura das forças inimigas.⁸ A expressão era utilizada com frequência, visto que a época abordada abrangeu as duas guerras mundiais. Ainda, encontramos diversas palavras similares como lisura, figura, censura, formusura, oscura, enclausura. Portanto, diversos artigos encontrados pelo sistema da Biblioteca Nacional se referiam a assuntos diversos e não foram abordados no presente trabalho.

    A escolha pelo Jornal do Commercio/RJ se deu por diversos motivos. Podemos destacar os seguintes: (1) durante o período de estudo, a cidade era a capital brasileira, (2) o jornal, como foi fundado em 1º de outubro de 1827, já era considerado tradicional e respeitado na época estudada, apresentando grande circulação (3) contava com amplo material relevante, além de artigos de diversos autores ilustres, como será demonstrado (4) e apresentava notável preocupação com a economia e a política brasileira.⁹ O Jornal do Commercio/RJ, após 189 anos de existência, publicou a sua última edição no dia 29 de abril de 2016.¹⁰

    Como referido, o estudo acerca dos juros e da usura abrange conceitos comumente abordados pela economia. Neste sentido, o início do segundo capítulo foi elaborado para estabelecer conceitos propedêuticos para o leitor, visto que serão empregados nos capítulos seguintes. São expostas questões basilares como a origem dos termos juro e usura, conceituação de correção monetária e indexação e diferenciação entre juro legal, convencional, remuneratório e moratório.

    No mesmo capítulo, se busca a exposição de experiências estrangeiras pretéritas que influenciaram enormemente o estudo acerca da usura e eram comumente citadas no Brasil ao longo do período estudado com maior profundidade – a primeira metade do século XX. São brevemente analisadas as experiências de Atenas e Roma antigas e da Idade Média e início da Idade Moderna na Europa. Estas experiências já indicavam (1) o desgosto da população por juros elevados, (2) a necessidade de possibilitar alguma recompensa para aquele que empresta o seu dinheiro a fim de estimular a circulação da moeda, (3) a possibilidade/necessidade de intervenção estatal nesta seara e (4) a facilidade em ocultar negócios celebrados de forma ilegal ou contra os costumes. Após, são expostas disposições bíblicas muito citadas sobre o tema e a encíclica Rerum Novarum escrita pelo Papa Leão XIII, que citava a usura. Ainda, são expostas análises de autores como Aristóteles, Tomás de Aquino, William Shakespeare (na sua célebre obra O Mercador de Veneza) e Jeremy Bentham sobre a usura. Será possível vislumbrar argumentos, muitas vezes antagônicos, como entre Tomás de Aquino, contrário a qualquer cobrança de juros, e muitos anos depois, Jeremy Bentham, a favor da cobrança de juros a qualquer percentual, sem qualquer limitação legal ou moral. Tais obras, analisadas superficialmente nesta tese, foram citadas com muita frequência no período estudado e indubitavelmente influenciaram o entendimento acerca da usura no Brasil.

    Já o terceiro capítulo busca aprofundar o estudo sobre a usura no Brasil desde o seu período colonial até o início do século XX. A análise perpassa pela legislação portuguesa inicialmente em vigor – as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas – claramente influenciadas pelas ideias eclesiásticas e com fortes restrições à cobrança de juros. Posteriormente, próximo da independência brasileira e com grande influência liberal, foram aprovadas normas que possibilitavam a livre cobrança de juros, alcançando o seu auge na Lei de 24 de outubro de 1832, que permitiu a livre cobrança de juro ou prêmio em dinheiro de qualquer espécie que as partes convencionarem. Ademais, são comentadas normas que cingem os juros no Código Criminal do Império de 1830, no Código Comercial de 1850, no Código Penal de 1890 e na Consolidação das Leis Civis de Augusto Teixeira de Freitas.

    O quarto capítulo desenvolve a análise sobre a usura no Brasil durante a primeira metade do século XX, cerne da análise deste trabalho. Partia-se de uma legislação liberal, elaborada durante o século anterior, onde o juro poderia ser cobrado em qualquer percentual estipulado pelas partes. Entretanto, (1) a cobrança de juros altíssimos da população, (2) a proliferação das ideias socialistas e (3) o aumento do poder do Estado, combinado com (4) a necessidade de defesa dos interesses do segmento agricultor culminou no Decreto n. 22.626 de 07 de abril de 1933, conhecido como Lei da Usura.

    Para aprofundar o tema, inicialmente são expostas percepções sobre a usura no início do século e as disposições relacionadas ao tema no Código Civil de 1916. Após, são abordadas questões atinentes à Revolução de 1930 e a crise do café no Brasil, visto que influenciaram decisivamente na edição da Lei da Usura. Com a premente promulgação da Constituição de 1934, os debates dos constituintes sobre constar previsão no texto constitucional acerca da usura revelaram interessante material sobre o tema. Em virtude da outorga da Constituição de 1937, não houve amplo debate sobre a usura, embora constasse no texto constitucional. Ademais, são explorados o Decreto-Lei n. 869 de 1938 (define os crimes contra a economia popular sua guarda e seu emprego) e o Tribunal de Segurança Nacional. Durante a década de 1930, houve nitidamente o maior debate acerca da proibição ou não da usura da primeira metade do século XX, mas a constituinte de 1946 também apresentou argumentos acerca do tema.

    O quinto capítulo analisa todas as decisões encontradas do Supremo Tribunal Federal acerca do tema. Trata-se de rico material onde os notáveis julgadores da Suprema Corte brasileira se debruçaram para debater o tema em casos concretos.

    O sexto e último capítulo aborda brevemente os principais acontecimentos relacionados à usura que ocorreram após o período estudado com maior profundidade neste trabalho (1900-1950).


    3 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1720656/MG. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília/DF. 29 de abril de 2020.

    4 BRASIL. Resolução nº 4.765, de 27 de outubro de 2019. Dispõe sobre o cheque especial concedido por instituições financeiras em conta de depósitos à vista titulada por pessoas naturais e por microempreendedores individuais (MEI). Diário Oficial da União. 230. ed. Brasília: 28 nov. 2019. Seção 1, p. 56-56. Disponível em . Acessado em 14/02/2021.

    5 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n. 1.166/2020. Disponível em . Acessado em 15/05/2020.

    6 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n. 1.166/2020. Disponível em . Acessado em 14/02/2021.

    7 BIBLIOTECA NACIONAL. . Acessado em 18/02/2020.

    8 JORNAL DO COMMERCIO. Rio de Janeiro, 29 jun. 1930.

    9 BIBLIOTECA NACIONAL. Acessado em 27/05/2020.

    10 JORNAL DO COMÉRCIO. . Acessado em 27/05/2020.

    2 CONCEITOS PROPEDÊUTICOS PARA A COMPREENSÃO DO TEMA E CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA USURA

    Este capítulo buscará expor de forma concisa conceitos basilares comumente utilizados ao abordarmos juros e usura e abordará as principais obras e locais que influenciaram a compreensão sobre a usura no Brasil entre 1900-1950.

    2.1 ORIGENS DOS TERMOS JURO E USURA

    A origem etimológica da palavra juro no léxico português remonta ao século XII, quando o idioma ainda estava se formando. Tem como base latina jus ou juris (direito, justiça). Acredita-se que o termo juro passou a ser utilizado, pois os indivíduos se referiam à parte do contrato que dava o direito daquele que empresta o dinheiro sobre a outra parte. Em alemão, se utilizou a palavra Zinsen para designar os juros. A sua raiz derivou do termo latino census. No jargão jurídico português, censo e juro são locuções equivalentes.¹¹

    Outras línguas utilizam como base o interesse: interés (espanhol), interesse (italiano), intérêt (francês), interest (inglês). Alguns autores lusófonos utilizam muitas vezes os termos juro e interesse como sinônimos. O interesse, empregado no sentido proposto pelo nosso contexto, não deve ser confundido com a necessidade (sensação) – o interesse se fundamenta na necessidade, mas não se confunde.¹²

    Pontes de Miranda refere que Dom Dinis de Portugal (rei de Portugal e do Algarve entre 1279 e 1325), em documento datado de 1306, escreveu iuro ao invés de iura, que seria o seu plural.¹³

    Já a palavra usura remete ao latim usus (direito de usar sobre algo que é seu) com o sufixo ura (atividade, resultado). Neste sentido, o termo usura ganha sentido de fruto.¹⁴ Inicialmente não se encontrava distinção entre a terminologia juro e usura. Ambos os termos se referiam à cobrança de valores além do principal e passaram a ser proibidos pela religião e pelos próprios Estados. Por volta do século XIII, a usura começou a demonstrar conotação pejorativa, como juro ou cobrança excessiva ou ilegal, enquanto o juro era a taxa de remuneração pelo uso do dinheiro dentro dos padrões legais.¹⁵ Passou-se a se distinguir entre os juros normais e os anormais, entre a fisiologia e a patologia dos juros.¹⁶

    De acordo com Ruy Cirne Lima, a divisão definitiva entre as palavras juros e usura ocorreu no século XVIII com a dessacralização dos regimes políticos e a pesquisa de jurisconsultos e legisladores acerca da legitimação dos juros do dinheiro.¹⁷

    Posteriormente, a usura ainda ampliou o seu espectro e passou a caracterizar situações onde se identificava um ganho excessivo por uma das partes, envolvendo a utilização de dinheiro ou não.

    2.2 JUROS

    Os juros podem ser entendidos como frutos civis de coisas fungíveis. São o rendimento de uma obrigação de capital ou do seu descumprimento. Quando se emprestam valores para alguém, é possível a cobrança de uma remuneração pelo seu uso e/ou pelo descumprimento, ainda que parcial, daquilo que havia sido entabulado. Trata-se do preço pelo uso do capital.¹⁸

    Quando se trata de cessão onerosa de posse de bem não fungível, denominando-se locação, a compensação se denomina aluguel. Comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. A entrega de um bem que produz rendimentos pode ser arrendamento ou parceria.¹⁹

    Costumamos imaginar apenas juros em dinheiro. Entretanto, é possível o empréstimo de outras coisas fungíveis e a estipulação de juros em natura.²⁰

    De acordo com Pontes de Miranda, são dois os elementos principais dos juros: o valor da prestação (com o percentual do juro) e o tempo em que permanece a dívida. Destes dois elementos, podemos extrair o valor devido.²¹

    Não são juros, por exemplo, participação nos lucros, sendo a participação dos colaboradores nos lucros da empresa, ou a amortização do capital, ou seja, aquilo que precisa ser prestado por conta do capital.²²

    A mera existência de uma dívida não cria necessariamente uma obrigação de pagar juros. É necessário haver uma estipulação unilateral (e.g., em um testamento) ou bilateral ou uma previsão no arcabouço jurídico.²³

    Existe a possibilidade de haver a prescrição/decadência da cobrança dos juros da primeira parcela e das seguintes conforme o transcurso do tempo. Afinal, o crédito de capital e o crédito de juros são créditos distintos, sendo este acessório daquele. Disto decorrem efeitos importantes, como, por exemplo, se a cessão ou a remissão do crédito principal acompanha o seu acessório (juros).²⁴

    De acordo com Pontes de Miranda, "a estipulação de juros pode preceder à dívida principal, ser no mesmo instrumento, ou posterior a essa, mas ex nunc. Nada obsta que a taxa seja variável, nem que se nove o pacto de juros".²⁵ É importante destacar que caso fosse possível a estipulação de juros ex tunc, seria possível ocultar facilmente juros acima do percentual permitido por lei.

    Ruy Cirne Lima destaca a importância do juro, visto que a sociedade possui interesse em encorajar a circulação dos capitais. O juro legal é uma forma de facilitar os empréstimos e favorecer o comércio, beneficiando o público. Logo, a sociedade se beneficia em autorizar o empréstimo.²⁶

    Houve grande discussão sobre se os juros são frutíferos ou não, conforme será exposto a seguir. Pontes de Miranda refere que a resposta depende da concepção de frutos. Segundo o autor, se considerarmos que o fruto apenas sai da própria coisa, os juros não são frutos. Entretanto, se considerarmos que o fruto é aquilo que o bem produz, independentemente da causa, os juros são frutos. Assim, no primeiro sentido se atribui importância à sua natureza, enquanto no segundo se considera a natureza e o ato humano.²⁷

    Os fundamentos dos juros também geraram grande discussão entre diversos economistas. Tais questões não serão aprofundadas neste trabalho – somente serão aprofundados aqueles trabalhos que são expressamente citados como influenciadores sobre o estudo da usura no Brasil ao longo do período estudado. Entretanto, insta ilustrar haver divergências, por exemplo, em apertadíssima síntese, entre (1) Nassau William Senior que defendia que os juros seriam o pagamento pela abstinência do credor que deixa de empregar seu próprio capital na satisfação de suas necessidades porque se encontra nas mãos do devedor, (2) Eugene von Böhm-Bawerk afirmava que os juros seriam uma troca da aquisição de bens presentes pela aquisição de bens futuros, (3) Johann Gustaf Knut Wicksell afirmava que os juros seriam decorrência da procura, acima do nível da poupança normal de capital disponível e (4) John Maynard Keynes sendo o juro seria definido pela recompensa da renúncia da liquidez da meda por um período determinado.²⁸

    2.3 JURO SIMPLES E COMPOSTO E ANATOCISMO

    Juro simples ou capitalização simples é o juro computado somente sobre o principal.

    Tabela 1 – Simulação de mútuo de R$ 1.000,00 na modalidade de juros simples.

    Fonte: Elaborado pelo autor.

    Juro composto ou a capitalização dos juros é aquele juro aplicado sobre o principal mais os juros anteriores. A aplicação de juros sobre os juros anteriores pode ocorrer com periodicidade variável (e.g., diária, mensal, trimestral, anual).

    Tabela 2 – Simulação de mútuo de R$ 1.000,00 na modalidade de juros compostos capitalizados mensalmente.

    Fonte: Elaborado pelo autor.

    Anatocismo designa a incidência de juros sobre juros. Neste sentido, há anatocismo nos juros compostos.

    Imagem 01 – Comparação aproximada de mútuo de R$ 1.000,00 na modalidade de juros simples e na modalidade juros compostos capitalizados na razão de 1% mensalmente ao longo de 10 anos.

    Fonte: Elaborado pelo autor.

    Como é possível verificarmos no gráfico anterior, no juro composto há a incidência de juros sobre uma base variável, com juros já calculados anteriormente. Assim, o juro composto se caracteriza por uma função exponencial em que os valores crescem de forma geométrica.

    2.4 JURO LEGAL, CONVENCIONAL, REMUNERATÓRIO E MORATÓRIO

    O juro legal é aquele que se produz em virtude de regra jurídica legal, que independe de vontade estipulá-lo.²⁹ No Direito Americano se utiliza a expressão taxa legal de juros (Law ful interest), que representa qualquer taxa de juros até a taxa máxima fixada em lei em que é lícito dispor em contrato. ³⁰

    O juro convencional é o juro ou taxa de juros pactuado pelos contratantes.³¹

    Os juros estipulados podem ser tanto moratórios quanto remuneratórios (também chamado de juros-frutos). Remuneratórios são aqueles que recompensam aquele que emprestou o capital. Os juros moratórios começam a fluir a partir do momento que o devedor é posto em mora. Neste sentido, exige o elemento inadimplência. Trata-se, portanto, de uma pena imposta ao devedor pelo não cumprimento regular da obrigação.

    2.5 CORREÇÃO MONETÁRIA E INDEXAÇÃO

    A indexação é a prática utilizada pela ciência econômica, através da aplicação de índices, de ajustamento de valores monetários defasados.³² Muito embora a atualização de valores seja um problema eminentemente de natureza econômica, se trata de um tema que muito abordado no cotidiano dos operadores do Direito. A questão costuma cingir o enriquecimento do devedor e o empobrecimento do credor com a perda do poder aquisitivo da moeda com o interregno entre a transação e o pagamento.³³ Washington Peluso Albino de Souza explica de forma clara a parte técnica econômica acerca da indexação:

    Tomado o preço num determinado instante, ao qual chamaremos T1, e comparado com o preço do mesmo bem após determinado período no qual o valor da moeda sofreu modificação, e a que chamaremos T2, iguala-se o primeiro a 100 e por uma regra de três simples obtém-se o número que, multiplicado ao preço de T1, iguala o seu poder aquisitivo a T2. A este número chama-se índice e a esta operação denomina-se indexação. Como tal operação destina-se a ajustar ou corrigir o poder aquisitivo da moeda, isto é, o seu valor real, passa a ser mais comumente denominada correção monetária na linguagem econômica e jurídica corrente no Brasil.³⁴

    Assim, cabe diferenciar o valor nominal do valor real da moeda. Quando o valor real (poder aquisitivo) se altera, as obrigações assumidas com base no valor nominal prejudicam o recebedor e beneficiam o pagador em caso de inflação e vice-versa em caso de deflação.³⁵

    Na disciplina do Direito Econômico, a regra da indexação determina que quando o poder aquisitivo da moeda varia em índices que ultrapassam aqueles admitidos em uma economia estabilizada em decorrência de políticas econômicas implementadas pelas autoridades superiores, estas devem assegurar medidas defensivas dos interesses privados que podem ser atingidos pelos seus efeitos.³⁶

    2.6 USURA NA ANTIGA ATENAS

    Empréstimos eram muito comuns nas cidades-estados gregas e a cobrança de juros era um fato, embora nem sempre tenha sido sempre aprovada pelo povo. Parte dos gregos pareciam entender que aquele que empresta dinheiro deveria compartilhar dos lucros daquele que recebeu o dinheiro, visto que coloca seu dinheiro em risco. Percebiam que os empréstimos para empreendimentos eram um sinal de prosperidade. Entretanto, muitas vezes aqueles que faziam dos empréstimos a sua profissão tinham a sua reputação diminuída e aqueles que emprestavam sem cobrar juros tinham sua reputação elevada.³⁷

    Durante o período áureo de Atenas, com a sua talassocracia e extenso comércio marítimo, a usura não era regulada pelas leis, mas sim pela vontade dos mutuantes.³⁸ Mesmo em toda a região grega, houve apenas um atípico e temporário decreto em Delfos limitando os juros ao percentual de 6% ao ano.³⁹

    A palavra eranos (ἔρανος) originalmente designava um banquete em que cada participante trazia contribuições para a refeição. Com o tempo, a palavra passou a designar também um empréstimo gratuito, sem a cobrança de juros, feito por diversas pessoas para ajudar um amigo em comum. Poderia ser utilizado, por exemplo, para pagar resgate de um sequestro, recomprar um escravo, pagar um dote ou satisfazer a dívida de credores.⁴⁰

    Havia duas espécies de empréstimos: os ordinários (ou terrestres), que envolviam principalmente o risco da inadimplência, e os marítimos, que também envolviam os riscos inerentes da navegação antiga e, consequentemente, apresentavam juros maiores. A taxa de juros comum era de 12% ao ano (uma dracma por mina). Uma taxa de 10% era considerada um favor. Hipotecas e empréstimos comerciais apresentavam juros entre 16% e 18% e empréstimos marítimos tinha juros de 20%, 40%, 60% e até mesmo de 100%, dependendo do tomador do crédito, destino dos navios e da situação econômica e política. O navio muitas vezes servia como garantia e caso naufragasse, o tomador não seria obrigado a pagar a dívida.⁴¹

    Até o século VI a.C., devedores insolventes eram obrigados a dispor do seu próprio corpo ao seu credor para trabalhar como escravo, ser vendido ou mesmo morto. Com a legislação de Sólon, o corpo dos indivíduos deixou de servir como garantia. O anatocismo, que era extremamente malvisto pelo povo, não foi legalmente proibido.⁴²

    2.7 USURA EM ARISTÓTELES

    Aristóteles de Estagira (384 a.C. a 322 a.C.) foi um grande filósofo macedônio. Era discípulo de Platão e mestre de Alexandre Magno (O Grande). Infelizmente, grande parte de suas obras destinadas à publicação foram perdidas. Andrónico de Rodes (cerca de 60 a.C.) foi um aluno do Liceu, escola criada por Aristóteles, e organizou alguns escritos de Aristóteles que eram destinados às aulas que ministrava na sua escola. Uma destas compilações resultou na obra Política – que detém trecho importantíssimo sobre a moeda, os juros e a usura e influenciou enormemente a compreensão do tema nos séculos seguintes.

    Imagem 02 – Busto de Aristóteles exibido no Museu da Acrópole em Atenas.

    Fonte: . Acessado em 30/08/2019.

    Na obra, Aristóteles diferencia as riquezas naturais e as artificiais, que são um produto da arte e da experiência. Utiliza como exemplo um calçado, cujo uso próprio ou natural é justamente calçá-lo. No entanto, também é possível vendê-lo ou trocá-lo para obter dinheiro ou pão, mas não é o seu uso próprio,

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1